O afloramento no discurso de Sampaio da Nóvoa de apreciações
em torno de políticas públicas, dando alguma matriz programática à sua
candidatura, desencadeou nervosismo em hostes partidárias. Da direita a setores
incomodados da esquerda, elevaram-se acusações de que, se chegado a Belém, o
candidato se preparará para empreender uma leitura extensiva dos seus poderes,
intervindo em áreas da competência governativa.
O modelo constitucional em que vivemos é muito “português”,
nas virtualidades e nos defeitos. Tributária de uma construção semi-presidencialista
ambígua, a nossa Constituição é um compromisso entre um pendor parlamentarista,
que marca muita da tradição jacobina da primeira República, com a legitimidade de
um chefe do Estado eleito por sufrágio direto. Diluídos que foram os poderes do
chefe de Estado por revisão constitucional, a interpretação “autêntica” desses
mesmos poderes passou a fazer-se à luz das experiências concretas dos
presidentes que tivemos e, muito em especial, do saldo de memória que de cada
uma delas ficou fixado no imaginário político. Para o bem e para o mal.
Sampaio da Nóvoa tem um programa e, olhando para o que tem
dito, fica claro que esse programa é o cumprimento da atual Constituição da
República. É por isso natural que quem detesta os equilíbrios consagrados no
texto constitucional se lhe oponha. Já parece menos óbvio que o vejamos
fustigado por quantos deveriam ter aprendido com aquilo que se passou nos
últimos anos, onde a Constituição foi a “linha Maginot” da defesa contra o desmantelamento
do Estado social e, muito em particular, a barreira que evitou que a vaga
liberal dos tutores externos do “protetorado” ultrapassasse os limites daquilo por
que se fez abril. Não me revejo em quem acha que o alfa e o ómega da nossa vida
política se situa exclusivamente nos partidos. Os partidos estão a serviço dos
objetivos plasmados na Constituição e não o contrário.
De um futuro presidente espera-se que seja o garante dos
valores e mecanismos da Constituição da República, velando pelo seu respeito e
estabelecendo com quem o elegeu uma relação de confiança recíproca.
Espero que Sampaio da Nóvoa nos possa vir a dar sólidas razões
para confiar que não tem uma visão cesarista do cargo e continuar a transmitir
a confiança de que, com ele em Belém, os valores caros a quantos se reveem no
25 de abril serão sempre preservados. Mesmo contra a opinião de alguns
partidos, se isso vier a ser necessário.
(artigo que hoje publico na minha coluna semanal "Uma Segunda Opinião", no Jornal de Notícias)