Àquele diplomata português, que exercia as funções de encarregado de negócios, na ausência do seu embaixador, fora pedido que executasse uma diligência "ao nível mais elevado possível" junto do ministério dos Negócios Estrangeiros do país onde estava colocado. Pedia-se-lhe que tentasse saber, a montante da informação pública que se aguardava para breve, qual a atitude que o governo desse país iria tomar numa determinada questão. Com toda a certeza, Lisboa estaria a definir a sua posição e importava-lhe conhecer a que esse país ia tomar.
É sempre difícil a um encarregado de negócios, isto é, a alguém que não chefia a missão diplomática, conseguir uma interlocução a um nível alto numa hierarquia diplomática local. Normalmente, o máximo que consegue é ter um contacto com o "desk" geográfico que cobre o país e, muitas vezes, até isso demora algum tempo. Às vezes, uma visão fácil e caricatural sobre a vida diplomática despreza a importância dos contactos pessoais, as relações de proximidade que os convites para almoço ou jantar proporcionam, o interesse em conseguir ter "oleados" canais de acesso a funcionários que nos podem ser úteis. É uma arte, não acessível a todos, conseguir uma "network" de conhecidos nas estruturas dos ministérios estrangeiros, saber trabalhá-las e cultivá-las por longos meses em que a sua utilidade é pouco mais do que nula, para as poder acionar nos momentos importantes.
Não sei se foi através desses seus contactos que o diplomata, ainda jovem, conseguiu a proeza de ser recebido a nível de um diretor-geral. Para Lisboa, tratava-se da prova da sua capacidade de "furar" na máquina diplomática local e, com toda a certeza, o "bem elaborado telegrama" (expressão clássica na "casa") iria ser apreciado. Desde que a informação pedida por Lisboa fosse obtida, claro.
A conversa não iria ser fácil, contudo. O diretor-geral recebeu o jovem diplomata com alguma sobranceria, ouviu a questão colocada e, desde logo, "fez-se" caro. Explicou que o assunto, se bem que decidido já internamente, não era ainda do domínio público.
O nosso diplomata, com elegância, retorquiu que, se o fosse, não tinha vindo ali incomodá-lo. Era precisamente por sabermos que a decisão estava já tomada e prestes a ser anunciada que pedíamos, à luz das excelentes relações bilaterais que tínhamos, que no-la dessem por antecipação, com o óbvio compromisso de a não divulgarmos a terceiros.
O diretor-geral manteve-se "em copas" e adiantou: "Olhe, meu caro. Posso dizer-lhe que, dentro de dois dias, a decisão será comunicada à imprensa. Aí ficará logo a saber. São só 48 horas!"
O jovem diplomata, com garbo, terá respondido: "Fico muito grato e, pode crer, vou mesmo recomendar ao meu governo para fazer uma assinatura dos jornais do seu país. É que, como está em curso uma reavaliação dos postos a fechar, por razões orçamentais, no âmbito da nossa rede diplomática, sair-nos-á bem mais barato deixar de ter aqui embaixada e fazer essa assinatura. Pelos vistos, a utilidade de termos diplomatas cá acreditados é muito escassa, por não quererem ter connosco um gesto mínimo de simpatia e amizade. Passaremos assim a seguir a vossa atividade pela imprensa".
Dos anais da "casa", reproduzido mesmo em livros publicados, consta que o diretor-geral terá entendido a mensagem e facultado a informação pedida.