quarta-feira, outubro 15, 2014

A encenação do poder


No dia 4 de novembro, pelas 19 horas, no Teatro Nacional D. Maria II, sob moderação de António José Teixeira, irei ter o privilégio de discutir com Eduardo Lourenço a questão da "encenação do poder", os mecanismos simbólicos de projeção do poder político. O título exato do exercício é "A encenação do poder / O poder da encenação" e insere-se nos chamados "Encontros Garrett - Descodificar o futuro", organizados por Margarida Gouveia Fernandes.  
 
O programa completo destes encontros pode ser consultado aqui.

terça-feira, outubro 14, 2014

Ana Maria Duarte Silva

Foi-se hoje a Ana Maria Duarte Silva. Uma longa doença anunciava há muito este dia. Longe de Lisboa, não podemos despedir-nos, como desejaríamos, de uma amiga de há quase quatro décadas. Conheci-a quando, juntamente com a Madalena Mendonça, secretariava o diretor-geral dos Negócios económicos. Eu tinha acabado de entrar para o Ministério, não conhecia por lá praticamente ninguém, e nunca esquecerei a simpatia acolhedora de ambas, nesses tempos iniciais que, por várias razões, não foram para mim totalmente fáceis. 

A Ana era uma amiga sempre alegre, divertida, tinha uma forte e sã gargalhada. Conhecia meio mundo, sabia tudo, era de uma ilimitada disponibilidade para os amigos. Quando estávamos no estrangeiro, era para nós uma espécie de "anjo da guarda". Gostava imenso de ser útil, de ajudar, desencantava soluções. Era uma companheira ideal para jantaradas e nunca esquecerei a surpresa muito agradável que me fez um dia, em Londres, batendo à nossa porta numa noite do meu aniversário. Em 1995, quando estava de saída da Presidência da República, onde trabalhara com Mário Soares, convidei-a para integrar o meu gabinete, no governo que começava. Cheguei tarde! António Sousa Franco, de quem era amiga pessoal, havia chegado mais cedo...

Adeus, Ana. Até sempre!

Facas na Liga

Não sei se têm seguido o que se passa na Liga de Futebol Profissional, uma misteriosa instituição que organiza a representação dos clubes e que, desde há meses, vê a eleição dos seus corpos gerentes envolvida numa imensa polémica. 

Há dias, numa rádio, ouvi um especialista em "justiça desportiva" debitar judiciosos comentários sobre o intrincado novelo jurídico que envolve as listas concorrentes ao próximo ato eleitoral. Quem o ouvisse desprevenido, expressando ideias sobre a "jurisprudência", recursos e impugnações, poderia ser levado a crer que estávamos perante coisas sérias e relevantes para o país. Mas não: o que atravessa esse submundo são negócios de dinheiros televisivos e jogos de gestão de poder sobre a relva. Os jornais e as televisões, ao darem espaço e antena a essa gente, transformam um tema reconhecidamente menor numa magna questão. 

Num país em que só o que nos divide parece ser notícia, não deixa de ser significativo as longas horas que a comunicação social dedica, não ao futebol (o que ajudaria a entreter saudavelmente o quotidiano) mas à "conversa" sobre isso. Um país que, com a dimensão do nosso, alimenta três jornais desportivos, em que há horas em que todos os canais televisivos só falam de futebol, qualifica-se bem a si próprio.

Anomia

A palavra não é muito usada, mas a expressão cunhada por Durkheim é a única que me ocorre para simbolizar o que hoje atravessa Portugal. Ausência de objetivos, diluição de identidade, descrença num sentido coletivo de vida são os sinais contemporâneos que nos revelam um país à deriva. Não se deduza daqui um derrotismo catastrofista, porque estamos sempre a tempo de mudar o rumo às coisas e, contrariamente ao que vulgarmente se pensa e diz, já atravessámos crises bem piores. Mas, para mudar, é necessário perceber como e por onde andamos e, em especial, evitar passos irreversíveis.
O que se tem passado nos últimos tempos na máquina do Estado, se bem que previsível, ultrapassou todos os limiares de razoabilidade e da incompetência aceitável. As crises no sistema educativo e na Justiça, somadas a afloramentos de ruturas em várias outras políticas públicas, mostram que a aposta no desmantelamento do Estado, que este governo levou a cabo com um zelo sem precedentes, está a “funcionar”: o estado do Estado é já o que se vê.
Para isto juntou-se uma agenda ideológica de liberalismo simplista, servida por um pessoal político em geral impreparado, um cocktail de “jotas” com homens de aparelho, acolitados por tecnocratas cínicos e por deslumbrados com MBA, com uma agenda geracional agressiva, que se sentaram à mesa da desorçamentação do Estado atulhados de preconceitos: o Estado é hoje gerido por quem o odeia e despreza. No início, obedeciam ao “script” dado pelo Memorando, que, com aparente alegria doutrinária, haviam herdado e que iam mesmo polindo com o zelo dos neófitos. A palavra de ordem era desregular, “desblindar”, acabar com as “golden shares” que perturbavam o livre fluir do mercado, privatizar tudo quanto fosse possível. Ah! e fazer tudo isso tão depressa quanto viável, antes que o país aturdido acordasse e os devolvesse à procedência.
Ao fim de uns meses pelos corredores do poder, percebeu-se logo que esse pessoal se achava possuído de uma “filosofia”: uma espécie de otimismo visionário e profético, uns novos “amanhãs que cantam” que pediam meças à credulidade determinista do “socialismo real”. Alguns parece que chegaram a acreditar piamente na bondade dessas soluções e, como também ocorreu do outro lado do espelho ideológico, encaravam as vítimas da conjuntura – os velhos, os reformados, os doentes, os excluídos, os desempregados – como uma espécie de inevitáveis “colateral casualties”. Sem remorsos, porque o “homem novo” estaria ao virar da esquina a salvar-lhes as consciências. E o seu futuro, claro.
Depois, foi, não o que se viu, mas o que está a ver-se. A dívida disparou, o desemprego também (na melhor das hipóteses fixá-lo-ão ao nível que o governo Sócrates o deixou), fazem uma coreografia anual para colocar o défice tão próximo dos objetivos quanto as malabarices financeiras o permitem, o Estado está no estado em que está e quem vier a seguir que feche a porta. Agora, atrapalharam-se no BES, deixaram a PT ir ao fundo sem um ai tempestivo, estão ainda a pensar se têm tempo para dar cabo da TAP.
E o país? O país, pelo que mostra, permanece em anomia, se acaso disso ainda restasse a menor dúvida. E se acordar?

Artigo que hoje publico no "Diário Económico"

segunda-feira, outubro 13, 2014

Simbolismos

Portugal vai doar 25 mil euros para a reconstrução de Gaza. Só a presença de Portugal na Conferência de Doadores, onde este anúncio foi feito, quanto terá custado? 

Em lugar desta ridícula contribuição, os palestinos teriam apreciado muito mais se o governo português tivesse elevado a sua voz no auge dos bárbaros atos de devastação que Israel provocou naquele território.

Portugal pode não ter dinheiro, mas deve mostrar que tem princípios.

"Mind your business!"

Um dia, noutro espaço, denunciei com frontalidade uma aberta ingerência de uma amiga minha, deputada europeia portuguesa, que se arrogava a ter um "droit de regard" sobre umas eleições em Timor-Leste, tomando partido por um dos candidatos. Agora observo outro grupo de portugueses a "mandar bitaites" e a proceder de forma idêmtica sobre o curso eleitoral em S. Tomé e Príncipe. Arriscam-se a que alguém diga que as saudades do império parece continuarem...

Com os diabos! Essas pessoas não perceberão que as nossas antigas colónias são hoje Estados independentes, que já há muito abandonaram a tutela lusitana, que passam bem sem a opinião do antigo colono sobre a sua vida política e que a sua despropositada intervenção pode legitimamente ser interpretada como uma tentativa de tutela de matiz neocolonial? Não entenderão que, ao procederem dessa forma, estão a afetar a dignidade das instituições próprias desses países, que têm o pleno direito de se sentirem ofendidas por essa atitude e a legitimidade de reagirem em consonância? S. Tomé não é um Estado pária, sob o olhar negativo da comunidade internacional, como foi o caso da Guiné-Bissau depois da quartelada de há poucos anos. Não entenderão esses políticos, de vários quadrantes partidários, que é detrimental para a imagem futura de Portugal naquele país que possamos vir a ser acusados de aproveitar a sua eventual fragilidade para nos acharmos no direito de nos imiscuir na sua vida política interna? Porque não tentam isso com Angola ou Moçambique? "É o tentas!"

Apetece dizer a esses políticos portugueses, entre os quais conto alguns amigos, a expressão clássica: "mind your business"!

E o Guião?


A política portuguesa é um grande palco. E, às vezes, exibem-se por lá umas grandes "peças".

A memória pública é curta e, de certo modo, já olha para as iniciativas políticas com uma desconfiança que é proporcional ao juízo que faz sobre a sua previsível não implementação. Hoje anuncia-se uma coisa, ela passa nos telejornais, enche umas páginas da imprensa, suscita posições partidárias (do CDS aos Verdes, porque somos sempre muito democratas e ouvimos todas as vozes, das mais histriónicas às mais histéricas), justifica-as em alguns artigos. Passam algumas semanas, já ninguém se lembra (nem se lembra de perguntar "que é feito?"), tudo morre no esquecimento, esmagado por outros eventos, por outros anúncios, a maior parte dos quais com um destino idêntico.

Recordo-me de um responsável pela assessoria mediática de um primeiro ministro que se obcecava em ter, todos os dias, um "número" preparado, em qualquer área do governo. E o país lá se ia entretendo em ter, com essa regularidade, um "número" preparado.

Há um ano e tal, depois de uma ansiedade forjada que roçou várias vezes o ridículo, o governo apresentou, embora com pompa algo discreta e com algum esgar sectorial maldoso, o "Guião para a reforma do Estado". Como habitualmente, a montanha tinha parido um rato e o executivo deixara-se cair na ratoeira. O texto, aumentado na apresentação gráfica para dar um ar de volume prestigiante, era um chorrilho de banalidades, de lugares comuns e obviedades, uma "rede" onde cabia tudo o que mexesse ou fosse suscetível de mexer na administração pública. Pelo meio, anunciavam-se mesmo algumas medidas. Que é delas?

Como justificação para não se avançar, o maioria balbucia, lamentada, que "não há consenso". Ah! não?! Mas é apenas minha impressão ou o governo dispõe. na Assembleia da República, de uma sólida maioria? Se essa maioria, sem a menor busca de consenso, tem sido capaz de fazer aprovar, sob o clamor indignado do país, um conjunto celerado de medidas, porque não utiliza esse mesmo poder para aprovar aquilo que está no "Guião para a reforma do Estado"?

Desde 2011, temos vivido em Portugal uma tragicomédia. Com maus atores. E temos pago caro para assistir. Começa a ser tempo de mudar o repertório. E, de caminho, o elenco. Ao contrário do título daquele filme com o Jack Nicholson, pior é impossível.

domingo, outubro 12, 2014

Mudar as regras

O artigo já tem quase uma semana, mas só o li ontem, na habitual alta pilha de jornais (que podem "criar bicho", segundo me assustam cá por casa) que tenho em lento curso de desbaste.

O autor é Wolfgang Munchau, que no ano passado esteve presente num interessante debate da Fundação Francisco Manuel dos Santos em que participei. O texto saiu, como é habitual, no "Financial Times" e foi reproduzido no "Diário Económico", onde recomendo a sua leitura. Não toma muito tempo e vale a pena, podem crer.

sábado, outubro 11, 2014

Dr. Pires de Lima, I presume?


Há azares formais que se tornam ridículos. No "Expresso" de hoje, o ministro Pires de Lima e o ministro do Comércio e Investimento britânico, Lord Livingston, assinam um artigo conjunto. Num gesto de verdadeira saloiice, o artigo é assinado "Lord Livingston e Dr. Pires de Lima".

Imagina-se a cena entre os assessores da Horta Seca e o jornal: "Então põe-se o Lord ao inglês e não se coloca um título ao nosso ministro? Era o que faltava!". Não quero, contudo, acreditar que o ministro, se consultado, não tivesse preferido o simples "António Pires de Lima".

Terá Pires de Lima, ao conhecer o seu colega britânico, tido o rasgo de lhe perguntar, como Stanley fez no célebre encontro como David Livingstone, em 1891, junto ao largo Tanganica: "Dr. Livingston, I presume?". Terá ficado daí o "doutor"?

Porque hoje é sábado

Dia da criação

Hoje é sábado, amanhã é domingo
A vida vem em ondas, como o mar
Os bondes andam em cima dos trilhos
E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na Cruz para nos salvar.

Hoje é sábado, amanhã é domingo
Não há nada como o tempo para passar
Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo
Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal.

Hoje é sábado, amanhã é domingo
Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado.

Impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
Todas as mulheres estão atentas
Porque hoje é sábado.

II

Neste momento há um casamento
Porque hoje é sábado.
Há um divórcio e um violamento
Porque hoje é sábado.
Há um homem rico que se mata
Porque hoje é sábado.
Há um incesto e uma regata
Porque hoje é sábado.
Há um espetáculo de gala
Porque hoje é sábado.
Há uma mulher que apanha e cala
Porque hoje é sábado.
Há um renovar-se de esperanças
Porque hoje é sábado.
Há uma profunda discordância
Porque hoje é sábado.
Há um sedutor que tomba morto
Porque hoje é sábado.
Há um grande espírito de porco
Porque hoje é sábado.
Há uma mulher que vira homem
Porque hoje é sábado.
Há criancinhas que não comem
Porque hoje é sábado.
Há um piquenique de políticos
Porque hoje é sábado.
Há um grande acréscimo de sífilis
Porque hoje é sábado.
Há um ariano e uma mulata
Porque hoje é sábado.
Há um tensão inusitada
Porque hoje é sábado.
Há adolescências seminuas
Porque hoje é sábado.
Há um vampiro pelas ruas
Porque hoje é sábado.
Há um grande aumento no consumo
Porque hoje é sábado.
Há um noivo louco de ciúmes
Porque hoje é sábado.
Há um garden-party na cadeia
Porque hoje é sábado.
Há uma impassível lua cheia
Porque hoje é sábado.
Há damas de todas as classes
Porque hoje é sábado.
Umas difíceis, outras fáceis
Porque hoje é sábado.
Há um beber e um dar sem conta
Porque hoje é sábado.
Há uma infeliz que vai de tonta
Porque hoje é sábado.
Há um padre passeando à paisana
Porque hoje é sábado.
Há um frenesi de dar banana
Porque hoje é sábado.
Há a sensação angustiante
Porque hoje é sábado.
De uma mulher dentro de um homem
Porque hoje é sábado.
Há a comemoração fantástica
Porque hoje é sábado.
Da primeira cirurgia plástica
Porque hoje é sábado.
E dando os trâmites por findos
Porque hoje é sábado.
Há a perspectiva do domingo
Porque hoje é sábado.

(Vinicius de Moraes)

sexta-feira, outubro 10, 2014

A imagem


Lá diz o ditado estafado: uma boa imagem vale mais do que mil palavras. O modo como o ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble olha para Mario Draghi, o presidente do Banco Central Europeu, cuja política tem vindo a ser objeto de crescentes críticas de Berlim, quase não necessitaria de legenda. 

Eleições

 
Como Ferro Rodrigues há pouco bem lembrou, seria de toda a conveniência que as eleições legislativas pudessem ocorrer em junho de 2015 (em lugar de outubro), por forma a distanciar esse tempo da elaboração do orçamento para 2016 e, conjunturalmente, das eleições presidenciais de janeiro. Ter eleições "em cima" do orçamento é uma coincidência reconhecidamente infeliz e que convida, no caso provável de alternância, à execução de um orçamento retificativo, imediatamente a seguir, com custos para o país e para as expetativas dos agentes económicos. Se acaso a instituição Presidente da República cuidasse em algo mais do que desenhar, sem mais ondas, a previsível nota histórica que o país guardará dos últimos dois mandatos, teria o dever em ser ela a promover esta iniciativa. Mas, em tudo o que dependa dali, pode o país "esperar sentado"...
 
Partamos, contudo, do princípio de que, em 2015, não é possível, por via da vontade dos partidos, fazer essa antecipação de data, como se detetou hoje pela posição do primeiro-ministro. Assim, estando a questão "fechada" para o próximo ano, não parece impossível resolvê-la para o futuro. Então o que é que impede que, desde já, se avance num projeto de reforma constitucional, no sentido de mudança do tempo eleitoral para eleições futuras? E, de caminho, por que não acordar, também só com efeitos daqui a alguns anos, que se encurte o disparatado calendário eleitoral para a Assembleia da República, que todos parece concordarem ser exageradamente dilatado no tempo? Não entendo o que bloqueia isto, confesso.

Praxes

Há dois dias, entrei no pátio da universidade onde passarei a dar aulas na área das Relações Internacionais e deparei com um agitado ambiente de praxes académicas. Não gostei, confesso.

Detesto praxes e sinto uma profunda rejeição por estes ritualismos. Admito que, no caso da Universidade de Coimbra, uma história muito antiga e uma cultura académica particular ainda possa justificar a manutenção de alguns desses hábitos, se bem que adaptados às realidades de hoje e sempre numa base assumidamente voluntária e não constrangente. Mas não consigo entender como é que em universidades com algumas escassas dezenas de anos, sem suporte de uma vivência académica usufrutuária de um longo passado, se inventam (e procuram justificar) "tradições" e se estabelecem impunemente práticas de humilhação dos mais novos, com o alibi de serem modelos de "enquadramento" e iniciação na vida das escolas. 

Estudei, dos anos 60 para os 70 do século passado, em universidades públicas no Porto e em Lisboa. Nunca por lá vi praxes e, nem por isso, deixei de ter uma feliz integração académica, criei novos amigos e agradáveis conhecimentos, desde a primeira hora. Essa falsa justificação para a imposição das praxes deveria ser denunciada e combatida, mas não vejo vontade suficiente para isso, desde logo por parte das associações académicas (e aqui, sim!, assumo: tenho saudades do espírito das associações académicas do meu tempo!). Por seu lado, muitos professores parece viverem num ambiente acomodado: privadamente confessam que não gostam das praxes mas acabam por considerá-las inevitáveis, para não "comprarem uma guerra" com os alunos, limitando-se, por tibieza, a condenar as mais abusivas.

Esta minha atitude negativa estende-se também ao uso, fora de Coimbra, da capa-e-batina, atulhada de emblemas, bem como para as bizarrias de algumas tunas, quase sempre servidas por escolhas musicais que relevam apenas dos usos espanhóis, em especial galegos, com coreografias femininas feitas de ridículos e inestéticos saltos ginasticados e piruetas pelo chão, cuja graça e elegância nunca me foi dado entender. Se a isto somarmos as bebedeiras "de caixão à cova" nas "festas académicas" e o recrutamento de cantores da escola pimbo-pornográfica para os seus espetáculos musicais fica feito um retrato nada lisonjeiro dessa triste parte da atual geração académica. 

Muitas destas palhaçadas, porque é disso que se trata, tiveram os seus extremos em casos como o do Meco - mas os registos de incidentes graves e até fatais são bem frequentes - sem que, até hoje, quiçá sob pressão dessas "escolas" que são as "jotas", tivesse havido coragem legislativa para pôr cobro a estas derivas.

Mas as universidades têm a principal culpa na tolerância destas práticas, quando lhe seria fácil, pura e simplesmente, determinar a proibição das praxes nas suas instalações e atuar e exercer competência disciplinar sobre os seus instigadores, em práticas fora do seu perímetro. Tenho a certeza que a suspensão de meia dúzia de "praxistas" seria um princípio do fim deste medievalismo. Será por cobardia que não atuam? 

Acho que o momento em que inicio atividade docente numa universidade é o momento certo para fazer esta declaração de interesses. Para que não haja quaisquer equívocos.

quinta-feira, outubro 09, 2014

Fernando de Sousa (1949 - 2014)

Estou muito chocado pela notícia que acabo de ter: a morte inesperada, em Milão, de Fernando de Sousa. O Fernando era um amigo e um excelente profissional, que me habituei a respeitar e admirar ao longo das décadas em que com ele convivi. Equilibrado, íntegro e conhecedor dos assuntos, era uma referência na comunicação social portuguesa, não apenas na televisão, em que os portugueses se habituaram a vê-lo.

Creio ter-me cruzado com ele, pela primeira vez, em Londres. Depois encontrámo-nos muito por Bruxelas e por todas as capitais onde a aventura europeia nos levou a ambos, durante vários anos. De um rigor jornalístico extremo, não deixava de colocar as questões pertinentes, sempre sem o menor compromisso com os interesses imediatos do poder, mas também sempre com uma grande lealdade face aos interesses essenciais de Portugal, o que, não sendo incompatível, não é necessariamente a mesma coisa.

Convidei-o um dia a ser Conselheiro de Imprensa na Representação permanente de Portugal junto da União Europeia. Não quis aceitar, no que tive imensa pena. Falávamos disso, a última vez, creio, em Paris. Nunca esquecerei uma visita que em 2002 me fez em Viena, com o António Esteves Martins, para me dar um abraço de solidariedade, numa certa ocasião.

Criei e mantenho vários e bons amigos na classe profissional dos jornalistas. Fernando de Sousa era um dos melhores. Entristece-me muito a sua morte.

Portugal na Noruega

Leio que o Português passa, a partir de agora, a estar presente no ensino de duas escolas secundárias norueguesas, fruto da dedicada ação da minha colega embaixadora Clara Nunes dos Santos. Os embaixadores, quando querem, podem fazer a diferença.

Quando, em 1979, cheguei à Noruega, meu primeiro posto diplomático, a aprendizagem da língua portuguesa fazia-se na Universidade de Oslo, num minúsculo departamento dependente da secção espanhola, como frequentemente acontece. Era seu responsável o professor Kåre Nilsson que, nesse mesmo ano, lançou o primeiro dicionário de Norueguês-Português. A embaixada prestava o apoio possível (que era muito pouco) a esse núcleo lusófilo, que tinha quatro ou cinco alunos. O grande discípulo de Nilsson, também docente de Português, era o tradutor da nossa embaixada, o professor Johan Jarnaes, um bom amigo que hoje vive a sua merecida reforma em Kongsberg, dedicado à recolha de cogumelos.

Um dia, num intercâmbio universitário com que a embaixada nada tivera a ver, um consagrado professor da Universidade de Coimbra foi a Oslo proferir uma conferência, a convite do departamento de Português. Quando, na véspera, num jantar que lhe foi oferecido na residência, constatámos que a palestra era sobre uma temática muito especiosa, ligada à utilização dos pronomes reflexos num certo tipo de frases, e que seria proferida exclusivamente em português, assaltou-nos uma preocupação: quem iria estar presente na conferência? Quem, entre os noruegueses, conseguiria segui-la?

A nossa preocupação tinha fundamento. No início da sessão, lembro-me bem!, estavam presentes, para além da embaixada "em peso" - isto é, quatro pessoas... - e de uma funcionária do então Fundo de Fomento de Exportação (a quem eu havia pedido que viesse), um representante da secção espanhola (meu amigo pessoal, também "arrancado a ferros") e oito noruegueses, entre os quais Nilsson e Jarnaes.

A palestra lá foi andando, por um pouco mais de meia hora, em estilo académico cerrado, debitando teses complexas. O tom era monocórdico, o assunto era mais do que críptico, mesmo para nós, portugueses, que estoica e patrioticamente íamos resistindo à chatice. O embaixador e eu sentávamo-nos na primeira fila, fingindo estar atentos, "desertos" por que aquilo terminasse. Íamos sentindo, atrás de nós, a sala a esvaziar-se, à medida que o tempo passava. No final, para além dos funcionários da embaixada, notei que restava, num canto, uma figura de olhar fixo, que eu estranhara desde o primeiro momento. Era um homem de quarenta e tal anos, com ar norueguês. Quem seria esse admirável cultor nórdico da língua portuguesa, que fora capaz de seguir atentamente aquela difícil palestra?

No dia seguinte, na embaixada, comentávamos o evento. Perguntei então ao Jarnaes quem era aquela figura estranha - mas simpática! - que havia resistido até ao fim da conferência e que ajudara, na medida do possível, a atenuar a escassez de público. O nosso dedicado Johan Jarnaes (de que deixo uma fotografia que descobri na internet) explicou-me então, algo embaraçado: era um seu amigo, cego, que ajudava na secção espanhola e que ele próprio encaminhara de volta à sua sala, no fim da conferência. Tinha-lhe pedido para vir, para "compor" o nosso público... Estava explicada a "persistência" do homem.

A frase

Há precisamente dois meses, comentando a solução encontrada para o BES, escrevi aqui:

Numa coisa, porém, Carlos Costa pode ter cometido um grave erro: ao ter afirmado que "a medida de resolução, agora decidida pelo Banco de Portugal, e em contraste com outras soluções que foram adotadas no passado, não terá qualquer custo para o erário público e nem para os contribuintes". Esqueceu-se porventura de acrescentar: "se tudo correr bem"...

É hoje evidente que isso pode, ou não, ser verdade. Para a vida, essa frase vai ficar-lhe colada à pele. Se tiver razão, a sua presciência será creditada, com louvor, no seu excelente currículo de grande servidor público. Se acaso se tiver enganado, esse erro não lhe será perdoado pela História. E pelos contribuintes

Hoje, naquilo que os comentadores já consideram ser o início da admissão de que a venda do Novo Banco, a um preço interessante, será muito difícil, a ministra das Finanças e o próprio primeiro-ministro começaram a alertar para o facto de que o Estado - isto é, todos nós - poderá ter de vir a incorrer em prejuízos financeiros, caso o encaixe de capital seja inferior aos montantes já canalizados para o banco.

Porque será que não há um mínimo de prudência por parte dos atores institucionais antes de fazerem declarações? É assim que se dá alimento à ideia de que os agentes políticos dizem uma coisa num dia e outra qualquer no dia seguinte.

quarta-feira, outubro 08, 2014

A luva branca

 
Durante semanas, fui deixando cair por aqui algumas "farpas" pelo facto da "Opinião" do jornal informático "Observador" nunca apresentar textos escritos por pessoas de esquerda. Há dias, David Dinis, diretor da publicação, convidou-me para escrever um artigo para o "Observador" sobre as eleições brasileiras. Que surgiu na respetiva "Opinião". Um belo gesto. De luva branca ou, como diriam os franceses, "chapeau!"

Carros

- Tu já reparaste que o "pessoal" com carros grandes se comporta de forma quase intimidante, no trânsito da cidade, perante os carros mais pequenos? Avançam e "seja o que Deus quiser"...
- De facto, é verdade. Mas, cá para mim "vêm de carrinho"...
- Porquê?
- Porque eu, quando conduzo o meu Smart pelas ruas, guio como se tivesse um Ferrari. Comporto-me exatamente como eles. Claro que posso um dia levar uma "penada" forte e sair "pela paisagem", mas os da "estrelinha" ou os BM's de alta cilindrada, se me baterem, não deixam de ficar com a chapa amolgada. E, conhecendo-lhes o "ar estiloso", não devem gostar muito. E eu só mudo o plástico....

Baptista Bastos

Acabo de constatar que Baptista Bastos, uma das vozes mais livres do Portugal contemporâneo e uma das escritas mais cultas de um jornalismo que está a desaparecer, deixa de ser colunista regular do "Diário de Notícias". Tenho imensa pena. As crónicas de BB eram uma lufada de ar incómodo na face daqueles a quem ele não poupava na sua indignação, nestes anos cujo cinzentismo é menos de chumbo e mais de cinzas.

Quem destruiu a PT?

Este é um país em que a culpa morre geralmente solteira e triste, mas a nossa imprensa investigativa, que às vezes tanto se assanha (e faz bem!) pelos estranhos circuitos de alguns milhares de euros, deveria aprofundar sobre quem é verdadeiramente responsável pela destruição de uma empresa, que já foi prestigiada e forte, como a PT. Pela porta pequena, saiu há semanas Henrique Granadeiro. Hoje, sai o "golden boy" Zeinal Bava, "corrido" pela brasileira OI e pela desconfiança dos mercados.
 
Que raio de "corporate governance" era seguida na empresa, que permitiu que a conseguissem desvalorizar desta forma? Das trapalhadas da sua ligação ao Brasil às cumplicidades com o universo BES, é muito triste ver uma das marcas mais fortes de Portugal no exterior ser hoje arrastada pelas ruas da amargura e da desqualificação.
 
E que tristeza é constatar que o que nos resta de Estado - depois da operação cirúrgica da sua descapitalização económica, funcional e humana, ideologicamente levada a cabo, com método, no último triénio - não é sequer capaz de entender que o futuro de um ativo estratégico como é a nossa maior empresa de comunicações não deveria estar hoje à mercê de um negócio que já nem passa por Lisboa. Não há vergonha? Não há.

Olhar os dias em quinze notas

1. As palavras têm um peso, mas as mesmas palavras não querem dizer exatamente o mesmo. Biden defendeu hoje a independência da Ucrânia. Puti...