quarta-feira, março 12, 2014

João Sobral Costa

Então, João?! Não esperaste pelos 40 anos de abril? Agora que estávamos a semanas de lembrar esses dias históricos no Rádio Clube Português, onde, como oficial da Força Aérea, representaste o MFA, e onde te conheci e ficámos para sempre amigos?! 

Cruzámo-nos imenso nessas semanas da esperança, em que eu tive um período de "aviador" honorário, a ajudar o Zé Manel Costa Neves no gabinete de Galvão de Melo, na Junta de Salvação Nacional. No PREC, seguiste por caminhos mais radicais que os meus, numa deriva de generosidade, pela qual pagarias um preço. Perdemo-nos de vista por algum tempo. Em 1982, em Luanda, reeencontrámo-nos na "receiving line" do 10 de junho. Surpreendidos e alegres, caímos nos braços um do outro e, desde esse dia, passámos a juntar-nos à volta dos teus fabulosos cozinhados, em belos anos de intenso convívio, que guardo para sempre. A vossa casa em Luanda foi, para mim, um ensejo único para conhecer gente muito diversa e interessante, da cultura à política, que, com os teus celebrados petiscos e boa conversa, conseguia atenuar muita da acrimónia que (então ainda mais) tingia as relações com Portugal. Nunca esquecerei também um almoço que ambos por lá organizámos, em minha casa, com o Otelo, em que vocês os dois se engalfinharam numa infindável discussão sobre a autoria do famigerado "documento do COPCON". A vida não te seria sempre fácil por aquelas terras. Recordo a tarde em que te fomos "buscar", já no aeroporto, quando a perfídia de um Torquemada local, com escrita por cá muito louvada, te quis "pôr com dono" da empresa estatal onde ele perseguia portugueses. Já pelo nosso país, aproximámos ideias, em conversas longas pelas noites da tua casa da Luz, contigo sempre a defender, com unhas e dentes, os teus amigos, "right or wrong" (e alguns, desculpa lá!, bem "wrong"). Ser teu amigo era um seguro perpétuo de afetividade! Na última década, comigo outra vez por fora, voltámos a perder-nos, quase que apenas falávamos pelos Natais. Recordo bem a nossa última conversa telefónica, depois da morte do Zé Guilherme, contigo a notar que eu não vos tinha esquecido na lista das amizades essenciais que trouxemos de Luanda, que havia assinalado neste blogue.

Foste-te agora embora, no 11 de março, tu que eras um homem do 25 de abril, que também passaste tempos complexos no 25 de novembro - como há pouco notei ao João Soares, ao Vasco Lourenço e ao Zé Manel Costa Neves, na conversa à tua volta, na capela onde também jaz o Frei Luís de Souza. E à Élia, que a tua morte nos fez ali reencontrar. Tu, sempre um bom gigante, com um coração de ouro, derretido pela tua mãe Isabelinha (que por cá ainda fica, nos seus belos 99 anos) e pela Alzira, mulher feita coragem. À tua volta, na noite de ontem, montámos uma conversa da qual procurámos isentar a tristeza comum, porque sabíamos que não apreciarias ser a razão de um ambiente demasiado melancólico, porque tu tinhas a alegria dos homens sãos e de bem. Falámos muito e tu estavas por ali. Mas não ouvíamos a tua voz forte, as tuas discussões encapeladas, as tuas homéricas teimosias. Estavas ali, mas faltavas-nos. 

Adeus, João.

A dívida

Pensar pela própria cabeça tem um preço. Mas eu estou disposto a pagá-lo.

Há semanas, publiquei num jornal económico um artigo que alguns amigos, que muito respeito, consideraram inconveniente. Nele falava da sensível questão da reestruturação da dívida, procurando tocar nesse quase "tabu". Em síntese, eu dizia isto: "A menos que um perdão parcial venha a ser admitido, associado a uma renegociação de taxas e maturidades, Portugal ficará esmagado por um peso financeiro incomportável. E os primeiros a não beneficiarem dessa situação seriam os nossos credores externos, que não tirariam vantagens de uma economia asfixiada. Eles sabem isso bem. É, contudo, desejável que o assunto só surja à discussão num quadro europeu bastante mais sereno e estável. Mas deixemo-nos de ilusões: cedo ou tarde ele emergirá, dependendo o “timing” do modo como os mercados vierem a ler o grau de abertura do BCE para apoiar as economias europeias sujeitas a uma maior pressão". 

Ontem surgiu na praça um "manifesto", assinado por muitas personalidades respeitáveis e de grande relevo, que propõe a abertura de uma reflexão sobre a reestruturação da dívida pública portuguesa. A iniciativa é do meu amigo João Cravinho, uma pessoa por quem tenho uma imensa estima e grande consideração política. 

Ora bem: eu não concordo com a oportunidade da divulgação do "manifesto". Porquê? Porque apesar de, no essencial, o meu artigo assentar nos exatos pressupostos subjacentes a esse corajoso e bem construído texto, a questão do "timing" continua para mim a ser relevante. De facto, continuo a pensar que é "desejável que o assunto só surja à discussão num quadro europeu bastante mais sereno e estável". E esse tempo, no meu entender, ainda não chegou. Pelo que temo que o peso conjugado das personalidades envolvidas possa vir a ter consequências negativas para a imagem externa do país, por colocar prematuramente a questão no terreno.

Tenho este "azar" de, por vezes, "remar contra a maré". Não o faço por gosto, mas apenas porque é o que penso. E eu, certo ou errado, só digo o que penso.

Em tempo: veja-se o que sobre isto diz Pedro Santos Guerreiro

terça-feira, março 11, 2014

11 de março

Faço parte de uma tertúlia de antigos militares - profissionais e milicianos - que têm como caraterística (quase) comum terem estado "implicados" no 25 de abril. Como a data vai celebrar 40 anos, já se pode presumir a idade média dos convivas... Reunimo-nos "quando o rei faz anos", em almoçaradas de geometria variável e - vale a pena notar! - sem uma necessária identidade de pontos de vista políticos. No que me toca, estou a recuperar de quase uma década de abstinência forçada a esses encontros.

Ontem, tivémos mais uma "sessão de trabalho", desta vez à volta de uma lampreia, de que alguns, menos dados ao ciclóstomo, se "desenfiaram". Muitas histórias, menos sobre o passado e mais sobre o presente a que temos direito, com boa disposição e camaradagem, sendo anotadas as habituais faltas à chamada na "parada". A vida separou-nos e as agendas nem sempre são fáceis de conjugar. Mas é sempre um gosto encontrar esses amigos.

A meio do almoço, perguntei a um dos organizadores - um general que foi meu superior hierárquico, há quatro décadas - se era propositado o facto do repasto não ter lugar no dia 11 de março, uma data bem significativa (mas também bem divisiva) desse ano "quente" de 1975. Ninguém se tinha lembrado disso! Olhámos em volta e demos conta que, precisamente, um terço dos presentes tinha tomado assento, na noite desse dia marcante, naquela que foi a mais famosa Assembleia da história do Movimento das Forças Armadas. Incluindo o autor destas linhas.

Os acontecimentos de 11 de março foram interpretados, à época, como um salto em frente no processo revolucionário. Na realidade, vistas as coisas em perspetiva, o seu saldo acabou por se revelar uma vitória pírrica para o MFA, que, a partir dessa data, agravou as suas divisões internas, a caminho de um beco com traumática saída.

segunda-feira, março 10, 2014

Contenção

Devo confessar que estou espantado com a "contenção" israelita nos dias que correm. A experiência ensinou-me que, quando a atenção do mundo se encontra focada numa determinada região do mundo, o Estado israelita tem por imparável tropismo proceder a ações militares pontuais no seu "near abroad", assim atenuando os (já de si sempre limitados) custos políticos a pagar por essas aventuras. Verdade seja que a procissão, pela Ucrânia, ainda vai no adro...

domingo, março 09, 2014

A Europa e a Crimeia

Teresa de Sousa é, de há muito, uma sagaz observadora das coisas internacionais. Tenho por ela um grande respeito e leio-a sempre com atenção e proveito. Hoje, no seu habitual artigo no "Público" (ser assinante permite-nos consultá-lo a esta hora matutina), suscita uma ideia interessante, resumida no próprio título do texto: "A Europa joga o seu destino na Crimeia". A tese central é a de que, face à atual tensão, e perante o grau de implicação que os americanos parece estarem dispostos a assumir, a Europa tem, na crise ucraniana, a oportunidade "da sua vida" para recuperar a sua relevância, a ser feita através de uma atitude comum, em consonância tática com Washington. O tom das conclusões do último Conselho Europeu anima a articulista, que delas também retira virtualidades para a sobrevivência e/ou reanimação da relação transatlântica,

Muitas vezes estou de acordo com Teresa de Sousa, mas não é este o caso. Acho que a avaliação feita daquilo que resultou da reunião dos chefes de Estado e governo da UE peca por "wishful thinking". A retórica unificada que saiu dessa reunião irá - não tenho disso a menor dúvida - esboroar-se a partir do momento em que a passagem a um estádio superior de medidas "punitivas" a Moscovo (que deverão ser propostas, porque tudo indica que a Rússia não vai ceder no essencial) venha a defrontar-se com as previsíveis reações retaliatórias do "outro lado". Nesse momento, os Estados europeus constatarão que, dentre eles, alguns sentirão mais do que outros o preço de uma quebra dos mecanismos de relação político-económica com a Federação Russa. E isso não deixará de ter consequências imediatas na sua unidade decisória, muito para além da conversa bruxelense, à qual Putin colocará a questão posta por Estaline face à condenação da sua política pela Santa Sé: "Quantas divisões tem o Papa?"

Posso estar enganado, mas tenho a sensação de que a Europa comunitária, com a sombra da NATO a ajudar, acabou por meter a Ucrânia numa "grande alhada". Fê-lo por alguma irresponsabilidade induzida essencialmente pelos Estados bálticos e alguns outros países da antiga "cortina de ferro" - a "nova Europa" de Donald Rumsfeld -, como reconhece Teresa de Sousa, ao falar da "obsessão desses países em continuarem a olhar a Rússia como uma ameaça".

Sei que me arrisco a ser visto como um perigoso "realista", mas nunca tive a menor ilusão sobre a possibilidade da Ucrânia poder exercer o seu pleno direito de opção estratégica. Há "soberanias limitadas"? Claro que há, porque a geografia não se improvisa. Que o diga Cuba.

Tenho hoje a firme convicção de que a Europa perdeu um ensejo precioso de desenhar um modelo de relacionamento "possível" com Kiev, porventura menos ambicioso mas bastante mais pragmático. Um modelo à medida do país muito particular, geopoliticamente falando, que a Ucrânia é e continuará a ser. A União Europeia não percebeu, ou não quis perceber, as lições que deveria ter retirado da atitude russa na crise da Geórgia - e, em especial, da "liberdade" então recuperada por Moscovo para reatuar com maior liberdade nas suas próprias "águas territoriais", em face da então mitigada reação de Washington, secundada pelo já então ineficaz gesticular europeu. Se o tivesse feito, não se deixando seduzir por uma agenda marcadamente anti-Moscovo, talvez tivesse ajudado Putin a reconhecer as vantagens de algum reconhecimento de "respeitabilidade" no plano internacional e apostado na sua adesão, pelo menos formal, a uma ordem global mais dialogada. Não o fez, "armou" em potência e agora resta-lhe "bombardear" Moscovo com comunicados e engrossar a voz. 

Com a presente crise, que ameaça alguns dos seus interesses estratégicos essenciais - a alguém passou pela cabeça que Moscovo iria permitir a indução de riscos no seu acesso naval ao Mar Negro? -, a Rússia já mostrou que está disposta a pagar um preço forte na sua imagem. Nada que um poder essencialmente autoritário não possa comportar. Quem pode vir ainda a sofrer, no rescaldo desta crise, são os opositores internos a Putin, que cada vez mais se sentirá desobrigado de ter de fazer "de democrata". Perdido por cem...

Uma nota final. Se Bruxelas conta com a permanência da intransigência de Washington, no início de um tempo presidencial de fim de ciclo, pode muito bem vir a estar enganada: sem a ajuda prática da Rússia, os EUA não conseguirão retirar as suas tropas do Afeganistão no calendário previsto. E esse é um compromisso que Obama não pode falhar, porque é feito perante o único país que os Estados Unidos verdadeiramente respeitam: a América.

sábado, março 08, 2014

Serviço público

O defeito deve, com toda a certeza, ser meu.

Ontem, assisti na televisão a um espetáculo comemorativo do aniversário da RTP. Foi um momento deprimente, uma sucessão barata de "flashbacks" de segunda ordem, feita de improvisos e de graças gastas, que a falta de reação do público presente muitas vezes viria a "premiar" devidamente. A boçalidade de alguns dos humoristas, com uma linguagem e uma '"elegância" ao nível de "stand-up comedy" de Fernando Rocha, parece provar que já se atingiu por ali o estádio de algum "quimbarreirismo". É uma pena que nem toda a geração pós-Herman José dê pelo nome de Ricardo Araújo Pereira. Mas, aparentemente, cada geração do humor português só pode ter um génio.

Hoje, tive a desdita de assistir a um episódio do Festival RTP da canção. Sei que posso ser considerado masoquista, mas deu-me para ouvir algumas das canções concorrentes. Quem não assustiu, não pode acreditar! Em face de algumas das canções apresentadas, nas suas inenarráveis letras (volta, nacional-cançonetismo, estás amplamente perdoado!) e no modo "gritado" como foram exibidas, com uma coreografia indigente, um espetáculo de Ruth Marlene pode ser considerado um momento sublime. Fomos entretanto esclarecidos que foi a RTP que escolheu os autores convidados para elaborar as canções. Se este é o nível de recrutamento possível, na música portuguesa, para a nossa representação na Eurovisão, então fica claro que continuaremos no terreno dos Homens da Luta, grupo "musical" que tanto nos prestigiou internacionalmente no passado.

É com uma programação a este nível que a RTP demonstra o seu elevado sentido de serviço público.

sexta-feira, março 07, 2014

A prescrição da política

A coima de um milhão de euros a que Jardim Gonçalves havia sido condenado por virtude da sua gestão danosa no BCP não vai ser paga, por prescrição, devida ao protelamento conseguido com interposição de sucessivos recursos.

Aqui, não há dúvida nenhuma, há um "consenso" interpartidário muito claro: não fazer nada!

quinta-feira, março 06, 2014

Kissinger

 
Em tempos de crise, é importante ouvir vozes experimentadas. Podendo não se concordar, em absoluto, com todas as premissas e, mais ainda, com algumas das receitas sugeridas, Henry Kissinger, num artigo no "Washington Post", ajuda-nos a "ler", de forma serena e avisada, a crise uraniana. Será ouvido na Casa Branca? E no Kremlin?
 
Leiam-no, com proveito, aqui

Conversas

Patrick Buisson foi conselheiro especial de Nicolas Sarkozy. Descobriu-se agora que o cavalheiro, uma figura oriunda da extrema-direita, que misteriosamente tinha caído nas boas graças do antigo presidente, gravava todas as conversas mantidas com ele. A revelação está a provocar o natural escândalo. E, uma vez mais, há dois "tempos" nesta história.

O primeiro é a atitude "de Estado", a rejeição indignada deste atentado à esfera privada, ainda por cima, de um chefe de Estado e do seu círculo íntimo. E, pelas televisões francesas, logo se viu o país político a reclamar "decência", "privacidade" e respeito pela "intimidade pessoal". E punição exemplar.

Chegou depois, mesmo logo de seguida, o segundo e espectável momento: o "voyeurisme" guloso do conteúdo das conversas, às vezes travestido de clamor pelo "interesse público", que é uma coisa que o jornalismo moderno identifica com "o interesse que temos em vender isto ao público". A ilicitude primeira do ato passa imediatamente para segundo plano, ao se deparar com comentários saborosos sobre figuras políticas, intimidades do serralho, mais aquilo que não se sabe e estará ainda para vir, no seio das centenas de horas de gravação que parece existirem.

Enfim, um "déjà vu". Nada que as escutas telefónicas que a nossa Justiça é tão useira em "preservar" não nos tenha já ensinado e que pendor coscuvilheiro de alguma imprensa a que temos direito nos não tenha também já ensinado. Porque, como diria o grande Eça, "Portugal é a França traduzida em calão".

quarta-feira, março 05, 2014

Desobediência civil?

O casal de turistas franceses com quem me cruzei hoje de manhã numa rua de Lisboa estava abismado, naquela surpresa que sempre marca as visões caricaturais dos visitantes breves: "Tinham-nos dito que Lisboa era uma cidade calma, mas é sempre assim? Com poucos carros e pessoas nas ruas? É muito estranho! Nem parece uma capital!"

(A França é um dos "mercados emissores" de turistas para Portugal que mais tem crescido nos últimos anos. Esse crescimento fez-se mesmo a contraciclo da crise, como vi acontecer ao tempo em que eu estava em Paris. Detesto explicações baseadas no "achismo" impressionista, mas a crise pode ter feito interessar os franceses por um país barato, amável para o estrangeiro, geograficamente próximo, com bastante segurança e usos e costumes pouco distantes dos seus, além de uma oferta hoteleira e cultural diversificada - do Minho ao Douro, de Coimbra a Lisboa e ao Algarve vai um mundo de diferenças, muito pouco vulgares num território tão pequeno.)

De facto, a manhã desta quarta-feira apresentava uma cidade quase silenciosa, como que parada no tempo, sem engarrafamentos, com lugares para estacionamento, cadeiras vagas nas esplanadas. Cá por mim, gosto muito desta Lisboa quase "de agosto", com um sol de Inverno que faz as delícias de quem transporta consigo mais peso do que aquele que a OMS recomenda (longo eufemismo para gordos, se não repararam).

Ao franceses evitei explicar que o português procura reagir à crise com uma atitude sofisticada. Muitos municípios (que o "memorando de entendimento" mandava reduzir drasticamente e que um silencioso "consenso" entre o PSD e o PS conservou intocados, "à cause des mouches") deram tolerância de ponto no Carnaval e, por artes e arranjinhos, muitos lisboetas devem ter conseguido prolongar a ponte. O governo bem tenta estender as horas de trabalho do funcionalismo, mas o pessoal público, diabolizado pelo discurso oficial e com os bolsos aliviados pelos cortes e pelo fisco, entende dever dar a volta ao texto, não respeitando quem o não respeita. Os privados, verdade seja, também já perceberam "the name of the game" e há por aí muita empresa a meio gaz e bastante comércio encerrado.

Será isto uma subtil forma de desobediência civil, uma resposta profunda aos custos da austeridade? Não, em Portugal é... assim! Este, porém, constitui um imenso segredo nacional (embora lá fora já haja disto umas "vagas" suspeitas), pelo que não quis partilhá-lo com os assombrados turistas franceses. Deixemo-los regressar ao reino dos queijos e das baguettes com esta imagem de um país que, lá por França, se dizia ser habitado por gentes "toujours gais", mas que agora parece terem migrado melancolicamente para dentro de si mesmas.

Oi, Mônica!


Cara Mônica

Neste Carnaval, o meu post vai para si. Salvo alguns leitores do blogue, as pessoas não a conhecem. E é pena. O espírito deste blogue deve-lhe muito. Tempos houve em que você o frequentava com regularidade e em que, com uma simpatia única, nele deixava algumas notas, às vezes de estranheza perante realidades que pouco lhe diziam. Mas sempre terminando "com carinho, Mônica". Isso criou em alguns dos leitores habituais uma relação afetiva consigo. Nunca esquecerei uma frase que um dia aqui escreveu, num tempo de alguma angústia que (já então) me atravessava sobre a situação que o meu país vivia: "tenha um bom fim de tarde sem pensar em Portugal. Pode? Porque acho que está certo. Mas fazer o quê?".

Espero que goze bem esse magnífico Carnaval, símbolo maior de um país que sabe viver o dia a dia com um otimismo felizmente incurável. Conheço mal o seu Carnaval de Minas Gerais. Quando por aí andei, seduziam-me mais coisas como o Bola Preta do Rio, o frevo de Pernambuco ou o trilho elétrico da Bahia. Por cá, Mônica, o Carnaval é diferente, embora às vezes transformado num "genérico" do vosso, com meninas de bumbum ao léu, só que a tremerem de frio sob a chuva, fingindo que está calor.

Deixo-lhe uma foto de um outro nosso Carnaval, bem diferente e bem mais genuíno, que sobrevive no nosso nordeste, em Trás-os-Montes. É herdeiro de uma tradição muito antiga, "avozinho" de rituais que os seus antepassados (não os meus, que foram sempre muito sedentários e por aqui ficaram) levaram para o Brasil e que vocês, com maestria e criatividade, transformaram naquilo que é hoje o esplendor da Sapucaí.

Para si, Mônica, um abraço com carinho do

Francisco

(Sobre a Mônica disse um dia aqui isto.)

terça-feira, março 04, 2014

A propósito da Ucrânia

É talvez uma presunção da minha parte (com a idade, estas coisas tendem mais a acontecer...) mas apetece-me fazer aqui um link para um texto que publiquei há quase dez anos, que agora reli e que, no essencial, corresponde àquilo que ainda hoje penso. Chama-se "As Novas Fronteiras da Rússia".

segunda-feira, março 03, 2014

Guiné Equatorial

Como quase sempre acontece nas questões políticas com dimensão externa, alguma opinião nacional acordou tardiamente para a questão da adesão da Guiné Equatorial à CPLP. E, como também é hábito, fá-lo em registo de algum escândalo, sempre fácil de assumir por quem não tem responsabilidades de Estado mas que gosta de "ficar bem" no mercado da simpatia e das ideias corretas.
 
Valeria a pena, contudo, deixar assinalados três factos simples, à luz do que se lê pela imprensa - que é tudo quanto eu próprio sei sobre o assunto.
 
O primeiro facto é que, durante a anterior cimeira ministerial de Luanda, foi aprovado um "road map" de medidas que a Guiné Equatorial deveria levar a cabo, antes de poder ser considerada a sua possível adesão. Portugal terá sido mesmo o país que exigiu a introdução nessa lista de condicionalidades de uma moratória na aplicação da pena de morte. Se algum "pecado" existe, ele assenta no momento em que o "road map" foi fixado.
 
O segundo facto é que, no plano formal, a Guiné Equatorial estará a cumprir aquilo que lhe foi exigido, pelo que, a confirmar-se essa evidência, se torna agora difícil travar o processo da sua adesão.
 
Finalmente, convém ter presente que Portugal não é "dono" da CPLP. Nesta matéria, desde há muito que está praticamente isolado na sua resistência a nela aceitar a Guiné Equatorial. Ora a CPLP, para quem o não tenha percebido, é uma organização que agrupa esmagadoramente países "do Sul", onde predomina uma cultura de Direitos Humanos mais compreensiva e menos exigente que na generalidade dos países do Norte - com o Brasil a ser disso um exemplo claro.

E, já agora!, o mínimo de bom senso deveria fazer refletir sobre o que aconteceria à CPLP se Portugal, que a "federa" na sua particular qualidade de antigo poder colonial, utilizasse o seu direito de veto para se opor à vontade conjugada dos restantes sete membros da organização.

Em tempo: era bem mais "popular" escrever aqui uma opinião diferente desta, não era?

domingo, março 02, 2014

"Events, dear boy, events!"

Perguntado um dia sobre aquilo que, como primeiro-ministro, mais temia, Harold Macmillan cunhou uma frase que ficou célebre: "Events, dear boy, events!". A doutrina divide-se sobre quem era o interlocutor na ocasião, mas isso não retirou pertinência à frase. De facto, são os acontecimentos, essas explosões da realidade no quotidiano, que marcam a nossa vida, pessoal ou coletiva, e podem determinar mudanças essenciais no seu curso.

Lembrei-me disto há pouco, ao ver as notícias sobre a Ucrânia e o agravamento da tensão internacional. Não sei se é a ingenuidade ou se é o cinismo que me levam a não recear que estejamos na soleira de um conflito bélico internacional. Mas um mínimo de realismo leva-me a pensar que o momento que atravessamos poderá vir a ter consequências significativas na vaga de confiança que vinha a atravessar, nos últimos meses, as economias europeias. E isso não será indiferente para Portugal, que tem vindo a ser um feliz "free ryder" dessa onda positiva, que muito tem contribuído para uma melhoria da conjuntura que "puxa" pela economia do país.

Se acaso tudo se desregular, se a crença na estabilidade europeia for abalada, a fragilidade da nossa recuperação pode vir a ser evidenciada - e isso não são boas notícias para todos nós, para Portugal mas também para os portugueses, aqui divergindo duma luminária política que, em matéria de melhorias, há dias criava uma dualidade patética entre essas duas entidades.

Imagino que o dr. Passos Coelho deve estar preocupado com aqueles acontecimentos e atento aos efeitos que eles podem vir a projetar na nossa vida político-económica interna. É que, se as coisas correrem mesmo mal na economia, a política virá logo atrás. Na hipótese de isso acontecer, de a conjuntura política começar a degradar-se de novo, ele poderá então utilizar, sabe-se lá para quem, a célebre réplica explicativa de James Carville, na campanha de Clinton: "It's the economy, stupid!" 

Alain Resnais

E lá se foi Alain Resnais! Recordar-me-ei sempre da dificuldade de compreensão - que, ao tempo, me pareceu insuperável - que me assaltou quando vi "O ano passado em Marienbad", filme onde me encontrei, pela primeira vez mas para sempre, com Delphine Seyrig. Depois, embora anterior, "Hiroshima, mon amour" reconciliou-me mais com esse tipo de "escrita" fílmica não linear, embora Resnais nunca fosse - nem de longe! - um meu realizador de culto. Por essa razão, nunca acompanhei com muita atenção a sua restante obra. Olhando para a filmografia publicada, verifico que dele pouco mais vi do que "Muriel", "La guerre est finie", o medíocre "Je t'aime, je t'aime" e, depois, o magnífico "Providence". Depois disso, "Mon oncle d'Amérique" é talvez a sua derradeira obra que conheço. 

Concedo que Resnais talvez devesse ter merecido um esforço maior da minha parte, mas cada um é como é e eu sou bastante mau cinéfilo, muito errático e incoerente nas minhas escolhas e, com os anos, cada vez mais incapaz de continuar além de um segundo bocejo ou de forçar a minha atenção face a "propostas" que me incomodem minimamente o quotidiano. Com esta minha teimosa e assumidamente "inculta" atitude, tenho "saído a meio" de imperdíveis obras-primas (no cinema, na literatura, na música, nas artes plásticas), mas tenho assim ganho tempo para fazer outras coisas que mais me divertem. É que só temos uma vida, sendo esta, aliás, a última.

sábado, março 01, 2014

"Um Novo Rumo para a Europa"


Tenho o gosto de organizar e coordenar esta Conferência que pretende refletir sobre outros caminhos para a Europa e, muito em particular, sobre o modo como Portugal aí deve atuar no futuro.

Sem qualquer exceção, todos são bem vindos a esta Conferência.

As idades da diplomacia

Ontem, o meu querido amigo Mário Vilalva, sem a menor dúvida um dos grandes embaixadores do Brasil e um dos melhores que o seu país desde sempre deslocou para Lisboa, contou-me uma deliciosa definição dos três tempos dos diplomatas no estrangeiro.

Assim, um jovem diplomata, acabado de chegar a um posto, quase sempre procura conhecer as melhores discotecas e locais de convívio da gente mais nova. Com os anos, chegado o período intermédio da sua carreira, ao tempo de conselheiro, o diplomata tem como preocupação fundamental coletar a lista dos melhores restaurantes. Um dia, passa a embaixador. Chegado ao seu posto, que lista procurará estabelecer, em prioridade? A dos melhores médicos locais!

A brincar, a brincar, as coisas são mais ou menos assim. No meu caso, cuidei em nunca abandonar os meus vícios de conselheiro...

sexta-feira, fevereiro 28, 2014

A sofisticação da História

Ao tempo do Estado Novo, tinha por hábito ler com atenção um determinado jornalista do "Diário de Notícias", que escrevia sobre política internacional. Era um homem estudioso, que caprichava em opinar sobre regimes políticos existentes em lugares recônditos do mundo, relativamente aos quais elaborava juízos definitivos, muito maniqueístas, colocando-os com grande simplicidade nas prateleiras dos "bons" ou dos "maus" da História.

Porque eu vivia num ambiente que era, em absoluto, simetricamente oposto ao daquele jornalista, quando ele "dizia mal" de algum líder ou regime, ele passava, de imediato, a cair-me no goto. E vice-versa. Era o tempo da Guerra Fria, e, no nosso caso, das guerras coloniais, o que autorizava a ditadura a zurzir tudo quanto soasse a favorecimento de regimes democráticos, com o "terceiro-mundismo" ou o apoio da União Soviética a serem o cúmulo da diabolização. Mesmo algumas atitudes dos Estados Unidos, quando acaso lhes dava para favorecer democracias, não escapavam ao crivo severo do escriba do jornal da avenida que ironicamente já se chamava da Liberdade. Ele era o "fiel" da minha balança ideológica, vista ao espelho. Era tudo tão fácil!

O mundo mudou. Já não há dois sistemas a polarizar as simpatias. O comunismo acabou, mas as democracias não fazem, nem de longe, o pleno do mundo. A tendência em geral prevalecente na opinião pública é, assim, mostrar simpatia pelos movimentos que possam pôr em causa os ditadores ou mesmo os líderes autoritários.

Foi assim no Egito. Todos "estivemos" na praça Tahrir, todos nos sentimos aliviados com a saída de Mubarak, todos saudámos as eleições livres. Depois, ao olharem-se os resultados, alguns de nós perguntaram-se se aquela imensa vitória islamista não poderia vir a ter consequências complicadas. Mas, c'os diabos!, era o voto, era a democracia, era a vontade do povo. Com o tempo, viu-se que essa vontade conduzia a uma radicalização islamizante com tons preocupantes, num afastamento da laicidade pública, a qual tinha, apesar de tudo, algumas vantagens para a vida coletiva de uma sociedade religiosamente tolerante. E, entre alguns de nós, a simpatia por um regime que estava a aproveitar a sua chegada democrática ao poder para criar uma hegemonia totalizante começou a esmorecer. Um dia, os militares reimpuseram o poder das armas. Entre nós, alguns suspiraram de alívio. A outros, começou a preocupar a nova ordem ditatorial, os generais que aí estão de novo. E, um destes dias, quando estes exercerem a violência e a repressão que lhes está na massa do sangue e na ponta das armas, alguns de nós (embora já não todos nós) "voltarão" à praça Tahrir. É a vida!

Porque é que me lembrei disto hoje? Porque, ao olhar para o simplismo com que o mundo ocidental está a reagir face à situação na Ucrânia, me dou conta de que ainda não se interiorizou que estas coisas já se não pintam a preto e branco e que a História, nos dias que correm, é uma coisa muito mais sofisticada. Na Ucrânia, na Síria, na Líbia e por aí adiante.

quinta-feira, fevereiro 27, 2014

Joaquim Paço d'Arcos

Há duas figuras nas letras portuguesas que sempre achei depreciadas pela crítica e pelo "consenso" público: Joaquim Paço de Arcos e Pedro Homem de Melo. Dir-se-á que é o facto de ambos terem sido figuras conservadoras, "de direita", não ajuda a que sejam reconhecidas por um mundo literário onde, diga-se o que se disser, a esquerda continua a prevalecer. Será o caso de Agustina Bessa Luís a exceção a confirmar a regra? Pode haver aqui alguma ponta de verdade, mas há que convir que, mesmo entre os seus pares ideológicos, estes dois nomes foram sempre tratados com alguma sobranceria, sendo a ambos negada ostensivamente a ascensão ao patamar superior da literatura portuguesa. Estou longe de ser um especialista, mas, como simples leitor, e em ambos os casos, isso parece-me injusto.

No caso de Pedro Homem de Melo, Vasco Graça Moura já pôs os "pontos nos is" no prefácio que há muitos anos fez à recolha da obra completa do poeta que a Imprensa Nacional editou. Recordo-me que ofereci esse livro ao meu pai, que tinha uma veneração pela poesia de Homem de Melo a que não era seguramente alheia a sua dedicada escrita sobre o mundo minhoto ("Havemos de ir a Viana..."). E que, ao ouvi-lo declamar alguns poemas, decidi comprar outro exemplar para mim.

Ontem, ao final da tarde, estive numa sessão que o Círculo Eça de Queiroz organizou para celebrar a reedição, num só volume, das "Memórias da minha Vida e do meu Tempo", de Joaquim Paço d'Arcos. Fernando Pinto do Amaral faz uma magnífica evocação do autor e da importância do livro. Guilherme Oliveira Martins complementou-o com sábias evocações. Dois homens de esquerda a saudarem um autor conservador, um excelente prosador, um escritor com uma forte sensibilidade e uma perceção muito rara das idiossincrasias da sociedade portuguesa. Sem alguns dos seus romances, uma certa Lisboa da viragem da metade do século passado é mais difícil de entender. Com estas "Memórias", ao longo dos anos, aprendi muito sobre um certo Portugal. Devo isso a Joaquim Paço d'Arcos e a minha presença na sessão de ontem teve também muito a ver com esse facto.

quarta-feira, fevereiro 26, 2014

Quadra para Maria Luís

Tu queres limpo ou cautelar?
pergunta o mendigo ao pobre.
Quero é ver a troika a andar!
Ficarei com o que sobre.

Queijos

Parabéns ao nosso excelente queijo!  Confesso que estou muito curioso sobre o que dirá a imprensa francesa nos próximos dias.