quarta-feira, março 28, 2012

Proibições

Recordação que, há semanas, trouxe de Sloane Street, em Londres

(Declaração de interesses: não fumo nem nunca fumei)

segunda-feira, março 26, 2012

O adido

MNE, há mais de 30 anos. 

O diretor-geral, à secretária, de óculos na ponta do nariz, lia lentamente a informação de serviço que o adido de embaixada tinha preparado. De pé, o chefe de repartição e o jovem autor do texto mantinham-se num reverente silêncio, esperando o veredito.

Acabada a leitura, o diretor-geral levantou os olhos, deu um leve suspiro, olhou para o adido e disse: "Deixe ficar o papel", com uma implícita indicação de que o funcionário poderia retirar-se. 

Quando ficou a sós com o chefe de repartição, este último, pressentindo algum desagrado no modo como o seu superior tinha acolhido o texto, perguntou: "Não gostou da informação? Posso mandar refazê-la...".

O diretor-geral não respondeu logo. Levantou-se, caminhou para a janela e ficou a ver a ponte sobre o Tejo. Segundos depois, voltou-se, encarou o chefe de repartição, deu um suspiro ainda mais longo e inquiriu: "Você sabe quando é que este tipo entrou na carreira?". 

- Julgo que foi no concurso de há cerca de dois anos. Porquê?

- Por nada. Ele não tem culpa nenhuma, é apenas um incompetente que não sabe escrever português e que vai demorar alguns anos até se tornar num funcionário sofrível. Até lá, quem sofre é o Estado. O que eu gostava de saber é quem foram os cretinos dos membros do júri de admissão que o não chumbaram...

domingo, março 25, 2012

Classes

Encontrei-o há dias. Careca, mais gordo, mais velho, reformado, mas sempre com aquele sorriso jovial, o mesmo que tinha quando andávamos envolvidos nas "guerras" políticas radicais dos anos 70. Falámos do país e dos dramas caseiros.

- Felizmente que pertencemos a uma geração realizada, comentou. Lembras-te quando lutávamos por uma sociedade sem classes?

Eu lembrava-me, mas não percebia onde ele queria chegar.

- Pois bem. Conseguimos o que queríamos: temos por aqui uma sociedade sem classe nenhuma...

Continua um exagerado.

sábado, março 24, 2012

Isolados

Sporting "isola-se" (!), provisoriamente (!) no 4º (!) lugar, depois de bater o ameaçado de descida de divisão Feirense (!), por 1-0 (!), de penalti (!)- leio num site qualquer, que também regista os "bocejos dos adeptos, uma contradição de emoções, felizes por ganharem, mas cansados com a monotonia".

Caramba! Que alegria deve ser, a julgar pela imagem junta! Porque será que, embora assumido "leão", não me apetece comemorar (muito)?

O norte e a diplomacia

Era a minha primeira viagem a Portugal, como embaixador em França. Estava na sala de executiva de Orly e, a certo ponto, perguntei à simpática senhora da TAP se não era já hora do meu voo. Sossegou-me, dizendo que ainda tinha muito tempo. Minutos depois, com um vago pressentimento, levantei-me e fui ver o quadro eletrónico na parede: o voo já estava em "dernier appel". Agarrei as minhas coisas e, de forma apressada, encaminhei-me para a porta. A senhora da TAP interrompeu-me:

- Mas olhe que ainda tem muito tempo! Ainda não chamaram para o embarque.

- Essa agora! Está ali bem claro, no voo para o Porto, que já é a última chamada.

- Ah! mas vai para o Porto!? É que o embaixadores portugueses vão sempre para Lisboa...

A senhora ficou a saber que a regra tinha algumas exceções: também há embaixadores do norte.

sexta-feira, março 23, 2012

Clubites

O Futebol Clube do Porto apresentou uma queixa contra uma professora que, nas suas aulas, divulgou uma corruptela do "Atirei c'o pau ao gato", a qual acaba dizendo: "“vai-te embora pulga maldita/batata frita/viva o Benfica". Azul de indignação, o pai de uma criança "violentada" por esta terrível distorsão educativa, terá mobilizado a atenção da agremiação nortenha para o que se considerou serem os novos "fascistas do gosto". Para o clube, em severa declaração pública, "mais grave é que a adulteração da letra é prática diária e repetida três vezes ao dia, não só no jardim-infância da Ericeira, mas também em todas as escolas do pré-escolar do agrupamento e noutras de Lisboa e Cascais".

Sendo este blogue - por insuperável e endémico "lagartismo" - totalmente insuspeito da mais leve simpatia por ambas as partes envolvidas neste decisivo conflito - desde os "lampiões" do Colombo aos "andrades" do Pérola Negra -, apetece deixar aqui uma imensa gargalhada informática face a estes sintomas de ridícula clubite, só possíveis num país que ainda se permite levar a sério uns maduros que, com ar grave e espaço mediático, transformam um divertido espetáculo, em que uma maioria de estrangeiros dá uns pontapés e umas cabeçadas numa bola, vestidos com camisolas atulhadas de publicidade e com "patrióticos" emblemas que a maioria dos "artistas" só traz no coração porque andam junto ao peito, num severo "casus belli" educativo. Só espero que ninguém, dos lados de Alvalade, venha a lembrar-se de subscrever este protesto contra o "outro lado da segunda circular".

Serei eu que estou a ver mal as coisas ou anda tudo doido? 

quinta-feira, março 22, 2012

Argélia

É muito interessante acompanhar o modo como a França de hoje, 50 anos depois da independência da Argélia, reflete sobre esse passado relativamente recente, feito de uma guerra sangrenta e de grandes sacrifícios humanos, de parte a parte.

A guerra da Argélia mudou a França e colocou-a, a partir de então, sob uma herança histórica muito particular. Pode dizer-se que, durante muitos anos, houve por aqui como que um esforço, nunca abertamente assumido, de afastar o país desse tempo, talvez numa consciência subliminar de que a sua evocação arriscaria acordar velhos fantasmas. Curiosamente, terá sido o agravamento das tensões político-religiosas dentro da própria Argélia, a partir dos anos 90, que provocou, na França, o início de um surto de reflexão sobre aquela que foi a mais traumática das independências dos territórios sob sua administração. Dezenas de livros e muitos filmes passaram a trazer a um melhor conhecimento pelas novas gerações desse período convulso. Ouvindo testemunhos do período de confrontação, de ambos os lados do Mediterrâneo, fica uma clara sensação de que ainda há feridas bem abertas que, quem sabe?, talvez só possam ter a ganhar com este exorcismo de memória. É que a vida também prova que meter o passado sob o tapete só aumenta o risco de, um dia, nele tropeçarmos.

quarta-feira, março 21, 2012

Sondagens

Amigos e conhecidos (alguns bem conhecidos...) interrogam-me, algo perplexos, sobre o caráter algo errático das sondagens em torno das eleições presidenciais francesas. Umas contrariam as outras e as suas linhas tendenciais não são claras. Além disso, se tivermos em conta as margens técnicas de erro, então as coisas ficam ainda mais confusas.

Para quem quiser acompanhar, com algum rigor, essa estranha dança das sondagens, aqui deixo um precioso "link".

Crise académica de 1962


Comemoram-se, por estes dias, os 50 anos do movimento de agitação universitária que ficou conhecido, entre nós, pela “crise académica de 1962”. No ano anterior, a ditadura tinha passado pelo seu “annus horribilis”, desde o início da guerra em Angola até à perda da soberania sobre a possessões na costa da Índia, passando por diversos outros episódios que abalaram o regime, como o “golpe de Beja” ou o assalto ao paquete Santa Maria. No meio de tudo isto, Salazar conseguiu sobreviver ao “golpe Botelho Moniz”, uma tentativa de “pronunciamento” palaciano, cujo fracasso pode ter sido responsável pelos 13 anos de guerra colonial que se seguiram - uma triste aventura nacional contra a História.

Em Lisboa, nesse início de 1962, o mundo universitário iniciou um ciclo de inquietação que, com surtos irregulares, nunca mais iria parar, até ao 25 de Abril. Era essa a juventude que o regime ia utilizar como tropa de choque nas guerras coloniais, inicialmente em Angola (1961), depois em Moçambique e na Guiné (1964). Atravessada pelos ventos de liberdade que haviam soprado forte aquando da candidatura de Humberto Delgado (1958), com o “putchismo” militar a espreitar nas Revoltas da Sé (1959) e de Beja (fim de 1961), a “crise" de 1962 demonstrou também que o episódio Botelho Moniz não havia esgotado as tensões dentro do próprio regime: a demissão de Marcelo Caetano, de reitor da universidade de Lisboa, em solidariedade com os estudantes, fazia transparecer algum mal-estar e revelava que alguns preparavam já o pós-salazarismo.

A crise académica de 1962 é já vivida num interessante compósito ideológico que, a partir daí, vai passar a marcar o mundo associativo universitário. Do cultivo dos valores do republicanismo tradicional, que até então estivera sempre no eixo de toda a luta oposicionista, os novos tempos mostravam a prevalência de uma agenda cada vez mais socializante, com uma forte e tendencialmente hegemónica presença do PCP, mesclada com um catolicismo radical emergente e até alguma sedução pelo modelo castrista (bem presente na LUAR). Só a partir de 1962, com a cisão marxista-leninista protagonizada por Francisco Martins Rodrigues, é que os grupos maoístas viriam a imiscuir-se nessa luta.

Basta olhar para as lideranças académicas de 1962 para podermos entender o que aí vinha. Ao lado de Jorge Sampaio, de uma esquerda marxista não-alinhada, apareciam nomes como Vítor Wengorovius, ligado à nova “inquietação” católica (nascida, organizativamente, depois da “carta do Bispo do Porto” e do "documento dos 101”), Eurico Figueiredo, importante quadro do PCP, ou José Medeiros Ferreira, que seria candidato da "oposição democrática" às "eleições" legislativas de 1965, em cujo perfil político se projetava já o socialismo democrático, que haveria de dar origem ao PS, mais de uma década mais tarde. Com exceção dos maoístas, pode dizer-se que na crise de 1962 estão presentes as linhas fundamentais da movimentação política oposicionista dos anos seguintes, que iriam ter expressão organizada (e dividida) nas "eleições" legislativas de 1969 e, de uma forma singularmente bastante unitária, no exercício idêntico em 1973.

A crise académica de 1962 não se ter ficou por Lisboa, alastrando também às comunidades académicas de Coimbra e do Porto, onde, a partir de então, nas associações ou nas "pró-associações", as movimentações políticas entraram num crescendo. Todo o mundo universitário português, a partir desse ano charneira de 1962, se tornou num palco fundamental para a luta política contra o regime.  

terça-feira, março 20, 2012

Arbitragens

Não faço parte de quantos acham que há por aí uma permanente conspiração no mundo da arbitragem. Nem de quantos, por regra, consideram que as derrotas (ou as vitórias) se devem essencialmente aos árbitros.

Mas há uma coisa que nunca entendi: por que razão um jogador, um treinador ou um dirigente não têm o direito, no final de um jogo, de considerar que a arbitragem foi péssima ou que o árbitro e os seus auxiliares foram, pura e simplesmente, incompetentes ou profissionalmente incapazes? Percebo que, sem provas, não devam acusá-los de desonestos ou corruptos, mas nunca entendi por que diabo um ator do jogo não pode manifestar, abertamente, a sua livre opinião sobre o trabalho desenvolvido por uma equipa de arbitagem, sem ser, de imediato, alvo dessa coisa patusca a que chamam "justiça desportiva".

De tudo isto resulta a sensação de que o futebol é uma espécie de um Estado dentro do Estado... a que isto chegou.

segunda-feira, março 19, 2012

Paris, março de 1973

Naquele mês de março de 1973, vim a Paris, por cerca de uma quinzena de dias, para "ver" as eleições legislativas desse ano. Eu entrava no serviço militar obrigatório no final desse mês, por um período de tempo que poderia vir a ser superior a três anos, pelo que havia decidido oferecer a mim mesmo umas curtas "férias políticas", tiradas no banco onde então trabalhava.

Paris fervilhava. A "rive gauche" aparecia, a essa nossa geração lusitana de então, como o centro de um mundo do futuro, do qual a ida para a "tropa" nos iria afastar, por muito tempo. O dinheiro disponível era escasso, os livros eram a nossa principal perdição, com a "Joie de Lire", a que sempre chamávamos "a Maspero", a surgir como a principal "meca", embora, para um familiar maoísta que me acompanhava, o destino de eleição fosse então a livraria Fenix, no boulevard Sebastopol (que hoje ainda existe, contrariamente à primeira). Para além dos comícios políticos, na "Mutualité" e em certos teatros de bairro, ia-se obsessivamente (e quase por "obrigação" cultural) a algum cinema que não passava em Portugal, frequentava-se espetáculos musicais ou teatrais gratuitos, comprava-se o "Le Monde" como uma espécie de ritual vespertino, ia-se pelas universidades onde tínhamos amigos como estudantes. Verdade seja que, para além da muita conversa e do flanar, pouco mais se fazia, mas, por algum mistério, os dias estavam sempre bem cheios.  

Na Cité Universitaire, por onde dormi uns dias na "Maison de Norvège", graças ao Joaquim Pais de Brito, cruzavamo-nos com cambodjanos entrapados, por aí recém-envolvidos numa trágica confrontação, fruto da deslocalização da sua guerra civil, com mortos e feridos em Paris.

Uma tarde, na universidade de Vincennes, fui ouvir uma aula de Nicos Poulantzas. O seu "Fascismo e ditadura" era então uma "bíblia" laica, muito em voga entre nós. A certa altura, e para minha grande admiração, vejo-o interpelado por uma figura de bigode farfalhudo, que lembrava o "pai dos povos": "Cher Nicos, je suis tout à fait en désaccord avec toi...". Alguém me esclareceu: o interpelante era português e chamava-se Silva Marques. Não o conhecia, mas logo me recordei da famosa "carta aberta" que, anos antes, Silva Marques enviara aos militantes do PCP, demitindo-se, com fragor ideológico, do lugar de principal responsável do partido na margem sul. (Mais tarde, vim a reencontrá-lo como deputado do PSD, nos anos 90). Nessa mesma tarde de Vincennes, depois da aula, fui-lhe apresentado. Na conversa, perguntei-lhe por um amigo, que presumia comum e que sabia estar por Paris. Grave, retorquiu-me: "Você é da PIDE?". Fiquei supreendido com a reação. E indignado. E disse-lho, logo apoiado por quem mo apresentara. Silva Marques, didático, explicou: "Só os provocadores é que costumam perguntar assim por alguém que está na clandestinidade". Fiquei a saber. Mas imaginava lá eu que o meu amigo andava clandestino...

Num outro dia, também em Vincennes, o José Carlos Serras Gago, com quem muito andávamos nesses dias de Paris, começou a afastar-se de nós num corredor, dizendo que ia a ver uma outra aula: "de quem?", já que aquilo parecia uma parada de vedetas da cultura. "Bachelard", foi a resposta. E lá desapareceu, numa esquina. Uáu! O Bachelard! O homem da epistemologia, de quem eu tinha folheado alguns textos, nesse tempo em que julgávamos poder "ir a todas". Mas logo me surgiu a dúvida: o Bachelard ainda seria vivo? Não havia ainda o Google à mão para tirar teimas mas, tinha quase a certeza!, o Bachelard, com a sua patriarcal barba branca, já deixara este mundo há uns anos. O Serras Gago levara-nos, "à certa". Horas depois, à saída, confrontei-o: "Com que então, o Bachelard!? Foste à campa?". O José Carlos, sereno, esclareceu que ele nunca tinha dito que era "o" Bachelard. Ele fora à aula de filosofia de Suzanne Bachelard, filha do filósofo e, também ela, filósofa (morreu em 2007). E, comigo mais calado, partimos, de metro, de volta à Cité universitaire, onde o Zé Carlos pousava na "Maison du Danemark".

Sem surpresas, a política continuava a andar à nossa volta, muito para além da campanha eleitoral. Através do João Fatela e do António Gomes, por indicação do António Massano, fomos uma noite a um apartamento a Colombes, conhecer outros "amigos de amigos". À volta de umas garrafas de vinho, falámos por algumas horas do Portugal distante de que se haviam exilado e de que sentiam evidentes saudades. O tempo dessas pessoas era contado: não havia noitadas, porque começavam a trabalhar de madrugada. Sem que isso desse origem a perguntas, recordo que havia lá por casa pilhas de documentos da LUAR (Liga de União e de Ação Revolucionária), que então tinha Palma Inácio, preso em Portugal, como figura cimeira. Onde estará hoje toda essa gente dessa noite de Colombes? 

Foi também assim esse meu mês de Março, em Paris, em 1973. Há 39 anos, quase dia por dia.

Ramos Horta

O presidente de Timor-Leste, José Ramos Horta, que se candidatava a um novo mandato, foi ontem eliminado, pelo voto popular, da segunda volta das eleições.

Conheci Ramos Horta em 1992, em Londres, apresentado (por quem havia de ser?) por Ana Gomes, desde sempre a "alma" da mobilização diplomática portuguesa em favor da autodeterminação timorense. José Ramos Horta era então o infatigável promotor internacional da causa timorense, tecendo uma importante rede de contactos - junto de diplomatas, de políticos, da imprensa e das ONG's - que foi essencial para manter acesa a chama da luta contra a Indonésia. Jovem ministro dos Negócios Estrangeiros do governo auto-proclamado pela Fretilin, em 1975, exilou-se desde então, voltando a assumir esse cargo no novo governo criado em 2002, sendo, tempos mais parte, nomeado primeiro-ministro e, depois, eleito presidente da nova República.

aqui contei como, em 1999, com o bispo Ximenes Belo e com José Ramos-Horta, conseguimos ajudar à condenação da Indonésia na Comissão dos Direitos Humanos, em Genebra, depois dos trágicos acontecimentos posteriores ao referendo em Timor-Leste e já depois do comité Nobel lhe ter atribuído, em Oslo, o prémio Nobel da paz. E também como, meses depois, fui testemunha, em Nova Iorque, do trabalho diplomático de Jorge Sampaio e de Ramos Horta, com vista a consolidar a mudança de atitude da administração Clinton face ao processo timorense, num almoço com Richard Holbrooke.

Tempos mais tarde, quando representei Portugal nas Nações Unidas, tive ocasião de, por várias vezes, conversar longamente, também em Nova Iorque, com José Ramos Horta, e com ele articular, em estreita ligação com Sérgio Vieira de Melo, algumas iniciativas no âmbito da ONU, em especial com vista a manter a atenção da comunidade internacional para a necessidade de preservar a sua presença militar, num Timor-Leste ainda tocado por sérias ameaças à sua segurança. Voltei depois a encontrá-lo em Brasília, em 2008, num simpático almoço, a convite do presidente Lula, já na sua qualidade de presidente timorense.

José Ramos Horta é uma personalidade cuja ação não deixou de ser objeto de alguma controvérsia. Ao longo do complexo processo de luta internacional pela libertação de Timor, nem sempre as  posições portuguesas coincidiram, em absoluto, com as suas, não obstante o objetivo final da nossa comum atividade ter permanecido precisamente o mesmo. Parte dos seus amigos ficou também muito desapontada com o apoio público que, em 2003, concedeu à invasão angolo-americana do Iraque.

Mas, tudo somado, quero dizer que sempre mantive uma grande admiração pela figura de José Ramos Horta, pelo seu perfil de patriota e pela coerência global que, ao longo de décadas, sempre demonstrou, na perseverança numa luta justa em que, desde muito cedo, se empenhou. A independência de Timor deve-lhe imenso e a diplomacia portuguesa é disso uma das melhores testemunhas. A sua serena saída de cena, no auge deste novo processo eleitoral, expressa a maturidade do processo democrático pelo qual Ramos Horta sempre lutou.

Aqui deixo um abraço amigo a José Ramos Horta.  

domingo, março 18, 2012

Britannica

Durante muitos anos, tive como sonho ser possuidor da famosa Encyclopaedia Britannica. Realizei o sonho na Noruega, onde adquiri, numa intocada "segunda mão", aqueles belos volumes em papel bíblia. 

Ano após ano, complementava-os com a aquisição das atualizacoes anuais, uns fantásticos repositórios dos novos textos e do ano anterior, escritos com rigor e sobriedade, como os anglo-saxónicos fazem as coisas, quando as querem fazer bem. 

Nos últimos tempos, para além dos problemas de espaço e de alguma desatenção, já havia deixado de comprar esses deliciosos "yearbooks". Mas a Britannica por lá anda, pelas minhas estantes lisboetas.

Leio agora que a Encyclopaedia Britannica vai deixar de se publicar em papel, passando apenas a existir nestas virtuais ondas da net. Não sei se gosto...

sábado, março 17, 2012

Interpretação


Foi numa cidade onde funcionava uma agência das Nações Unidas. Nela se iniciava uma reunião internacional, que demoraria algumas semanas. 

A delegação portuguesa tinha vários membros, diplomatas e técnicos, idos de Lisboa, competindo a cada um de nós assegurar a representação nos trabalhos dos diversos comités especializados. Haveria debates e teríamos de neles intervir.

Na tarde do primeiro dia de trabalhos, porque as nossas tarefas se iniciavam mais tarde, eu e outro membro da delegação havíamos decidido passar por um determinado comité, onde um colega nosso, tido como um "barra" na temática em causa, ia iniciar a sua participação. Sentámo-nos atrás dele. A reunião iniciava-se e vimo-lo debruçado sobre o pequeno aparelho que permite escolher a língua em que se pretende ouvir as intervenções dos outros delegados. Nem sempre os aparelhos de interpretação funcionam bem, pelo que não estranhámos o esforço de sintonização que ele fazia. Mas as coisas não deviam estar a correr bem, porque, a certo ponto, se voltou para trás e, vendo-nos confortáveis, a seguir o debate com os nossos auriculares, perguntou: "Qual é o número para se ouvir em português?".

O português não é, pelo menos por ora, língua oficial das Nações Unidas e suas agências. Porque os nossos conhecimentos de árabe, chinês e russo são, em geral, fracos, todos optamos pelo inglês ou pelo francês, tendo o espanhol como alternativa pouco comum. Em poucas palavras, esclarecemos disso o nosso colega. Que logo nos disse, um pouco perturbado: "Não posso continuar aqui. Não vou chefiar a delegação neste comité. Eu não falo nem entendo línguas estrangeiras. Ninguém me disse, em Lisboa, que não se podia intervir e ouvir os debates em português".

A confissão do homem era tocante. Era oriundo de uma profissão técnica e tinha vivido grande parte da vida em África, tendo sido dos quadros do antigo Ministério do Ultramar. Geracionalmente, teria, pelo menos, obrigação de falar francês. Mas, pelos vistos, nem isso. Tinha ido ao engano...

Ao final da tarde, o problema foi colocado, de forma discreta, ao chefe da delegação portuguesa, um embaixador sereno e bem humorado. Sem dramas, logo se fez um rearranjo das delegações e esse técnico ficou a trabalhar com um de nós, que passou a assumir a titularidade do comité.

Durante a conversa em que se procedeu às mudanças, o técnico, funcionário honesto e responsável, ainda retorquiu para o chefe da missão: "Mas não seria melhor eu regressar a Lisboa? É que, de qualquer forma, vou ter dificuldade em acompanhar os debates...".

Foi então que o chefe da delegação, um coimbrão, lhe retorquiu, com um sorriso: "Você não é alentejano? Ora um alentejano, lá no fundo, é já um bocado espanhol, lá com essa coisa de Barrancos que vocês têm... Siga a reunião em espanhol, homem!".

Não me pareceu que o técnico tivesse gostado da graça, mas a fragilidade da sua posição não lhe permitiu uma réplica. E tudo se passou bem, nas semanas seguintes.

sexta-feira, março 16, 2012

Marcas

A singular iniciativa do município de Santa Comba de lançar a "marca Salazar" constitui a prova provada de que estes nossos dias de sobrevida em tempos de "troika", para além de refletirem um estado objetivo de pobreza material do país, revelam a existência de um imenso défice de pobreza de espírito, para a qual nenhum empréstimo de ética ou vergonha está por aí disponível.

quinta-feira, março 15, 2012

Pois...


Cônsul

Um cidadão português residente no Brasil, empresário sem anterior passado criminal conhecido, foi indigitado para cônsul honorário de Portugal, numa determinada cidade brasileira. Essa indigitação foi formalizada num despacho oficial, em Portugal. Porém, tal decisão só teria efeitos se e quando as autoridades brasileiras tivessem dado o seu assentimento (concessão do "exequatur") àquela nomeação, passo a partir do qual o referido cidadão poderia vir a exercer as suas funções. Instruído para apresentar às autoridades brasileiras o pedido de autorização, o embaixador português no Brasil entendeu, por razões que cabiam no âmbito das suas competências e que se comportavam no quadro do processo de conclusão da decisão interna portuguesa, suster a conclusão dessa diligência. Alguns meses depois, o referido cidadão foi detido pela polícia, sob pesadas acusações. Hoje, a imprensa anuncia que, na sequência desse processo, ele foi condenado a mais de 40 anos de prisão. Essa imprensa chama-lhe "ex-cônsul português no Brasil". É falso. Esse senhor nunca foi investido de tais funções. Sei do que falo: fui o embaixador que tomou a decisão de não dar sequência ao processo da sua nomeação.

quarta-feira, março 14, 2012

Memória diplomática

Foi um jantar bem agradável, num restaurante à beira-mar, no Pireu. O embaixador português, a pretexto da minha passagem por Atenas, tivera a simpatia de convidar alguns colegas.

A meu lado ficou um embaixador de um país amigo, mas cujo nome agora me escapa, o qual, durante todo o jantar, me falou imenso das ilhas e das praias, dos armadores milionários que conhecia, dos cruzeiros para que era convidado e outros temas com idêntica intensidade lúdica. Estava em Atenas há mais de dois anos, mas a sua vocação para assuntos mais profundos parecia limitada, a julgar pela escassa sequência que dava às questões políticas que eu lhe colocava - como as "guerras" entre o PASOK e a Nova Democracia, a questão da Macedónia, o problema negocial em Chipre ou a dimensão orçamental do esforço militar grego, fruto das tensões com a Turquia. 

A certa altura do jantar, levantei-me e, ao passar por uma mesa, pareceu-me vislumbrar nela a figura de Konstatinos Mitsotakis, que havia sido primeiro ministro por mais de três anos, depois de ter assumido vários cargos governamentais. Só o conhecia de fotografia, pelo que fiquei na dúvida se era mesmo ele. Regressado à mesa, referi o facto ao tal embaixador que tinha a meu lado, que logo retorquiu:

- Mistotakis? Quem é?

- Não se lembra? Foi primeiro ministro antes de Andreas Papandreou...

- Não tenho ideia... já não é do meu tempo.

Tive a tentação de lhe responder: "Ora essa! Também a Acrópole não é!". Há gente que devia ter escolhido outra profissão...

O futuro da Europa


terça-feira, março 13, 2012

Comentários políticos

Com a campanha eleitoral francesa a passar por novos e interessantes cambiantes, torna-se cada vez mais importante assistir a análises televisivas elaboradas por especialistas independentes, conhecedores dos temas, e não necessariamente vinculados a qualquer partido político. Jornalistas, politólogos, académicos ou técnicos sectoriais dão-nos a sua leitura dos factos, num contraditório enriquecedor e esclarecedor.

No nosso país, salvo exceções, prevalece uma realidade que, a meu ver, passa quase desapercebida: somos dos raros países em que a comunicação social está permanentemente ocupada por figuras do mundo dos eleitos da política, que diariamente nos debitam, com maior ou menor criatividade, as expectáveis posições das formações partidárias de que dependem.

Em todos os países democráticos em que vivi - como a Noruega, o Reino Unido, os Estados Unidos, a Áustria, o Brasil ou a França - nunca vi nenhum colunista de jornal ou comentador regular de televisão que exercesse, simultaneamente, um cargo parlamentar ou de eleito público. Essas figuras podem ser convidados esporádicos de um programa, mas nunca são debatedores regulares nesses espaços.

Aliás, volto também a lembrar que não recordo, dentre as democracias cujo funcionamento conheço, nenhuma onde os jornais televisivos, a propósito de qualquer tema, sejam obrigados a auscultar a opinião de todos - mas todos - os partidos políticos com assento parlamentar.

Percebo que, após o 25 de abril, tenha sido necessário conferir espaços de prestígio às formações partidárias, que a ditadura havia diabolizado. Mas a verdade é que, com o decorrer dos tempos, parece que caímos no outro extremo e vemos a sociedade mediática refém de regulares "tempos de antena" partidários, que se pretendem fazer passar por formas indispensáveis de expressão democrática.

Para quantos defendem o modelo em vigor em Portugal, de uma coisa podem estar seguros: somos uma espécie rara.

A face exterior da América

Comecemos pelo óbvio. Os americanos, nas suas escolhas eleitorais, mobilizam-se essencialmente pela agenda do seu quotidiano interno. Nestes...