Por muitos anos, Donald Trump foi, na imagem exportada pela América, a caricatura arrogante do dinheiro, mulheres espampanantes à ilharga e abundância de notas pitorescas em páginas sociais. As suas incursões discursivas no mundo da política eram vistas com alguma sobranceria pelos ocupantes institucionais do espaço. É que, por lá, os milionários que revelam ambições políticas tentam, em regra, concretizá-las a nível local. Talvez por essa razão, a sua vocação presidencial foi inicialmente acolhida com o desdém concedido aos "newcomers", num sistema que parecia blindado à intromissão de intrusos.
Trump foi mais hábil do que se supunha. Com o tempo, conseguiu explorar um "nicho de mercado" que a arrogância dos aparelhos políticos tradicionais não tinha visto chegar: uma certa América agora triste – branca, insegura, indignada com a sua sorte e em crise de identidade – de há muito sem voz própria com expressão eficaz. Mas não deixa de ser muito irónico que os "losers" se tivessem deixado seduzir eleitoralmente por um dos ganhadores da economia "de casino", neste caso no seu sentido mais literal. Ou talvez não: Trump era a imagem do sucesso de que tinham sido excluídos e falava para eles, com palavras e soluções simples, com que ostensivamente contestava o sistema que esses setores sentiam como culpado pelo seus azares de vida. E Trump, contra os aparelhos, foi eleito.
A administração Trump comemora agora os clássicos 100 dias, que costumam convocar balanços. A maioria dos americanos não parece partilhar, de forma entusiástica, de qualquer euforia. E, de facto, poucas razões teria para tal. Este seu atípico presidente, que para o comum da comunicação social bem-pensante é um embaraço para a imagem dos EUA, pouco provou naquilo que dele se esperaria como líder da maior potência mundial. Pelo contrário, mostrou um chocante nível de impreparação que causa angústias em muitos setores.
Na política interna, a forte ascendência republicana no Congresso não tem conseguido produzir, necessariamente, uma coerência na resultante decisória correspondente ao seu expressivo poder quantitativo. Esperar-se-ia que a autoridade do presidente fornecesse uma linha orientadora e unificadora, mas Trump e a sua equipa já mostraram não serem os "brokers" ideais desses diferenciados interesses. Isso leva a um espetáculo de medidas erráticas, na obsessão de concretizar o desmantelamento do período Obama. E o saldo de realizações, ao final destes 100 dias é mais magro do que nunca.
A agenda externa proposta foi aquela que, compreensivelmente, mais agitou o mundo. Mas, curiosamente, foi aquela em que algumas reversões de percurso foram mais evidentes. A expressão do poder externo parece, por ora, entregue a militares, o que sossega os setores patrióticos e dá a Trump a possibilidade de exibir fogachos de poder bélico. A grande questão que o mundo se coloca é saber se a política de “espetáculo” seguida pelo presidente americano terá, ou não, expressões de desregulação, em quadros geopolíticos de forte tensão, que esse próprio mundo tenha de vir a pagar.
(Artigo publicado no dia 28 de abril no "Jornal de Notícias", a propósito dos "100 dias" de Trump)