Ontem, durante a manhã, intervim num debate na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, organizado pelo respetivo Instituto Europeu. Um parêntesis para fazer notar o notável trabalho que, desde há vários anos, Eduardo Paz Ferreira tem vindo a desenvolver com sua equipa do Instituto. Muito lhe devemos por ter aí criado um espaço ímpar de reflexão sobre a Europa e os nossos desafios - e desencantos - no seu seio.
O tema ontem foi a Alemanha e a Europa que a Alemanha pretende. Tentei "perceber" Berlim, interroguei-me sobre se há uma bem definida estratégia alemã para a Europa ou se a Alemanha vive ainda numa relativa "navegação à vista", fruto da falta de estabilidade do próprio processo europeu, sob pressão da crise. Fui pela última hipótese. Referi que o conceito das "duas Alemanhas" já não é apenas o das que antecederam a queda do muro: para o projeto europeu, houve uma Alemanha ao tempo em que havia muro (solidária, pró-federal) e há hoje uma outra Alemanha no cenário pós-unificação (seria a unificação alemã o verdadeiro objetivo por detrás do "europeísmo" alemão?), em especial pós-alargamento, marcada por algum dirigismo paternal/autoritário e pela indisponibilidade de "pagar" a Europa. Discorri sobre o alargamento e sua génese, bem como o seu efeito sobre o equilíbrio interno europeu. Discuti a atual unipolaridade do poder europeu - o diretório hoje é apenas a Alemanha - e o sentimento de desconfiança/hostilidade que Berlim suscita (embora cada europeu tenha "a sua Alemanha", em função da experiência histórica diferenciada de cada um), por virtude da sua cada vez mais obstinada "rightousness" face aos "pecadores" da periferia. Perguntei-me até onde a Alemanha poderá querer forçar a introdução de um modelo institucional europeu de direção centralizada e em que medida isso não poderia criar a ideia de que as ordens constitucionais ficarão hierarquizadas (o que diz o tribunal de Karlsruhe é já hoje mais respeitado do que o que estatui o nosso tribunal constitucional - até pelo nosso governo). E, naturalmente, questionei se esse caminho não levará a uma perda de legitimidade dos poderes nacionais cuja representação no poder central europeu se sente progressivamente debilitada. Fui de opinião de que a "grande coligação" no poder em Berlim acaba por ter um efeito nefasto na diversidade do debate político interno na Alemanha, sendo a classe política alemã claramente culpada de uma falta de pedagogia sobre a opinião pública doméstica, que pudesse sublinhar as vantagens (únicas na Europa) que o país retira do projeto europeu. Falei dos efeitos da "décrochage" de poder formal com a França e dos malefícios, cada vez mais evidentes, do Tratado de Lisboa. Idem sobre a escassez de visão estratégica da Alemanha na questão ucraniana, onde, a meu ver, se deixou levar pela agenda primária anti-russa da Europa na vizinhança direta de Moscovo, promotora da posição irresponsável que a União Europeia tomou face ao poder em Kiev, que acabou por facilitar a deriva autoritária de Putin. Comecei e terminei com uma mensagem de fé nas virtualidades da democracia alemã, de que estou plenamente convicto.
O video da minha intervenção pode ser visto aqui.
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