A minha amiga Ana Gomes recordou, há dias, no Diário de Notícias, a épica aventura que foi a montagem de uma visita presidencial a S. Tomé e Príncipe, nos idos de 80.
Estava então colocado em Angola e, a pedido do embaixador Quevedo Crespo, que chefiava a missão em S. Tomé, cheguei uns dias antes, para ajudar a preparar os eventos. A capacidade logística santomense não estava, à epoca, à altura mínima de uma operação daquela envergadura, que incluía transporte, alojamento e acolhimento, por alguns dias, de um significativo número de pessoas. Inaugurava-se então a extensão da pista do aeroporto de S. Tomé e o avião da TAP transportava uma larga comitiva, que aliás sairia dali para Kinshasa, no termo da visita.
A nossa pequena Embaixada em S. Tomé considerava que não tinha massa crítica suficiente para arcar com a preparação organizativa. Ora, três anos antes, eu tinha tido a meu cargo, na Noruega, a preparação de uma outra visita de Estado do presidente Eanes. Daí, talvez, a ideia da minha convocatória. Porém, as diferenças de meios eram do dia para a noite, como pude constatar desde o primeiro momento. E a tarefa tornou-se um pesadelo, devo hoje confessar.
Por um daqueles milagres que só as redes da lusofonia proporcionam, fui surpreendido com o facto do então chefe de protocolo santomense ser um velho amigo meu, infelizmente já falecido - o Eurico Espírito Santo, colega de noitadas no Porto, nos anos 60, figura popular na academia portuense e afamado jogador de basquetebol do CDUP. Sem a sua ajuda e sem o seu espírito de "desenrascanço", algumas coisas não teriam sido possíveis, nessa complexa visita.
Desde logo, como a Ana Gomes refere, confrontámo-nos com o facto de, poucas horas antes do banquete oficial que o nosso Presidente daria ao Presidente Pinto da Costa (para as novas gerações: trata-se de outra pessoa...), não haver disponibilidade de talheres. Dado o alarme, e num carro que um antigo colega de liceu, residente em S. Tomé, tivera a amabilidade de me emprestar, lá fui com o Eurico Espírito Santo, munido de uma "requisição oficial" da Presidência da República santomense, buscar, à famosa e vetusta Pousada de S. Tomé, os talheres necessários. Recordo ter subscrito uma declaração, em que me responsabilizava pessoalmente pela respectiva devolução. Não controlei isso depois...
Mas a cena do vinho, também referida pela Ana, foi muito mais curiosa.
O jantar, num espaço aberto de uma antiga roça, decorreu com a normalidade possível nestas circunstâncias. Porém, a certa altura do repasto, detectei alguma agitação na tenda presidencial, onde os dois Presidentes e alguns altos dignitários se sentavam, naquele modelo de mesa tipo "última ceia", voltada para o "povo", que é um vício arraigado de certos protocolos. Por uns instantes, exausto que estava de dias infernais de trabalho, tentei ignorar a movimentação, continuando a conversa com o João Paulo Guerra e o meu colega Castro Brandão, de que me recordo como alguns dos companheiros de mesa. Porém, ao final de uns minutos, ao ver a cara afogueada e a movimentação preocupada da Ana Gomes, acabei por ir ter com ela.
O que se passara? O nosso Presidente pedira, a certa altura, um pouco mais de vinho, para sobre a respectiva qualidade trocar impressões com o seu homólogo local. E trouxeram-lhe... água! Insistiu e... voltou a vir água! Chamados os assessores, constatou-se, no "backstage" de apoio à mesa presidencial, que já não havia mais vinho. E estávamos ainda a meio do jantar!
Ora acontecera, bem antes do jantar, que eu detectara, na coreografia do pouco fiável grupo de empregados que tomava conta do "catering", uma multiplicidade de olhares, quase lúbricos, fixados sobre as caixas que estavam a ser abertas, do excelente vinho que tinha vindo com a nossa comitiva. Algo me disse, então, que seria avisado pôr de parte algumas caixas, o que fiz na mala do carro que estava a usar. E o que se estava a passar justificou, em pleno, a minha prudência. E lá fui, com alguém da Embaixada, buscar as garrafas de reserva ao carro, as quais ficaram, a partir de então, sob a tutela ajuramentada de alguém de presumível confiança. E - revelo agora pela primeira vez, "para a História"! - levei discretamente comigo duas garrafas para a minha própria mesa!
Os Presidentes puderam regressar, finalmente, já com o necessário apoio substantivo, à elevada temática etílica para a qual derivara a conversa de Estado.
A nossa pequena Embaixada em S. Tomé considerava que não tinha massa crítica suficiente para arcar com a preparação organizativa. Ora, três anos antes, eu tinha tido a meu cargo, na Noruega, a preparação de uma outra visita de Estado do presidente Eanes. Daí, talvez, a ideia da minha convocatória. Porém, as diferenças de meios eram do dia para a noite, como pude constatar desde o primeiro momento. E a tarefa tornou-se um pesadelo, devo hoje confessar.
Por um daqueles milagres que só as redes da lusofonia proporcionam, fui surpreendido com o facto do então chefe de protocolo santomense ser um velho amigo meu, infelizmente já falecido - o Eurico Espírito Santo, colega de noitadas no Porto, nos anos 60, figura popular na academia portuense e afamado jogador de basquetebol do CDUP. Sem a sua ajuda e sem o seu espírito de "desenrascanço", algumas coisas não teriam sido possíveis, nessa complexa visita.
Desde logo, como a Ana Gomes refere, confrontámo-nos com o facto de, poucas horas antes do banquete oficial que o nosso Presidente daria ao Presidente Pinto da Costa (para as novas gerações: trata-se de outra pessoa...), não haver disponibilidade de talheres. Dado o alarme, e num carro que um antigo colega de liceu, residente em S. Tomé, tivera a amabilidade de me emprestar, lá fui com o Eurico Espírito Santo, munido de uma "requisição oficial" da Presidência da República santomense, buscar, à famosa e vetusta Pousada de S. Tomé, os talheres necessários. Recordo ter subscrito uma declaração, em que me responsabilizava pessoalmente pela respectiva devolução. Não controlei isso depois...
Mas a cena do vinho, também referida pela Ana, foi muito mais curiosa.
O jantar, num espaço aberto de uma antiga roça, decorreu com a normalidade possível nestas circunstâncias. Porém, a certa altura do repasto, detectei alguma agitação na tenda presidencial, onde os dois Presidentes e alguns altos dignitários se sentavam, naquele modelo de mesa tipo "última ceia", voltada para o "povo", que é um vício arraigado de certos protocolos. Por uns instantes, exausto que estava de dias infernais de trabalho, tentei ignorar a movimentação, continuando a conversa com o João Paulo Guerra e o meu colega Castro Brandão, de que me recordo como alguns dos companheiros de mesa. Porém, ao final de uns minutos, ao ver a cara afogueada e a movimentação preocupada da Ana Gomes, acabei por ir ter com ela.
O que se passara? O nosso Presidente pedira, a certa altura, um pouco mais de vinho, para sobre a respectiva qualidade trocar impressões com o seu homólogo local. E trouxeram-lhe... água! Insistiu e... voltou a vir água! Chamados os assessores, constatou-se, no "backstage" de apoio à mesa presidencial, que já não havia mais vinho. E estávamos ainda a meio do jantar!
Ora acontecera, bem antes do jantar, que eu detectara, na coreografia do pouco fiável grupo de empregados que tomava conta do "catering", uma multiplicidade de olhares, quase lúbricos, fixados sobre as caixas que estavam a ser abertas, do excelente vinho que tinha vindo com a nossa comitiva. Algo me disse, então, que seria avisado pôr de parte algumas caixas, o que fiz na mala do carro que estava a usar. E o que se estava a passar justificou, em pleno, a minha prudência. E lá fui, com alguém da Embaixada, buscar as garrafas de reserva ao carro, as quais ficaram, a partir de então, sob a tutela ajuramentada de alguém de presumível confiança. E - revelo agora pela primeira vez, "para a História"! - levei discretamente comigo duas garrafas para a minha própria mesa!
Os Presidentes puderam regressar, finalmente, já com o necessário apoio substantivo, à elevada temática etílica para a qual derivara a conversa de Estado.
7 comentários:
Muito boa esta história. É como se estivesse lá e estive, de facto, em 1988. Vejo a Pousada, a Roça Agostinho Neto, o restaurante "Benfica", o Pavilhão de Congressos que estava em finalização pelos chineses que tinham um redil de cães de comer, para escândalo da população. Boas recordações...
Ora agora bebes tu,
Ora agora bebo eu,
Ora agora bebes tu,
Bebes tu mais eu.
José Barros.
Ao ler este texto não pude deixar de relembrar alguns "acontecimentos" da minha já longa vida profissional e que emparelhariam com este.
É que quando se começa, e eu considero que "comecei, de facto" no Banco de Portugal- apesar de já ter, nessa altura, cerca de 15 anos de profissão -,todas estes eventos de que somos responsáveis, constituem angústias de que mais tarde não podemos deixar de rir. Talvez porque outras se sucedem, bem mais complicadas...
Senhor Embaixador vá juntando todas estas "petites histoires" de uma brilhante carreira para, um dia, quando o espartilho da função já não existir, poder deliciar os meus netos com elas.
Aliás, o Dr Francisco Seixas da Costa é, bastantes vezes, motivo de conversa aqui em casa e entre amigos comuns. Que, tal como eu, nutrem por si grande admiração!
Como vê, não estou sozinha neste "assédio bloguista" - ai, que vai censurar-me o post - que muitos de nós - e, repare que não usei o feminino - lhe fazemos diariamente.
Bem haja por no-lo permitir!
Fico muito grato por todo o carinho que o comentário da Dra. Helena Sacadura Cabral. Espero poder continuar a estar à altura das expectativas criadas. Mas gostaria de alertar para um aspecto: isto vai continuar a ser um blogue essencialmente lúdico, uma navegação à vista do quotidiano, dos outros e do meu, o que significa que vai depender de humores, tempo e imaginação. E que pode acabar por ser vítima de circunstâncias imprevisíveis.
" Vinho de perdição" gerador de novos sentidos de oportunidade.
Isabel Seixas
Só não percebo a razão da garrafa... preta!
Recordo-me perfeitamente bem destes pormenores mencionados aqui pelo Senhor Embaixador Francisco Seixas da Costa. Este jantar foi no morro da Trindade para o qual tive a honra de ser convidado.
Recordo-me de estar numa mesa perto da mesa presidencial juntamente com o eng. AntoniomTrigueiros que na altura dirigia as obras de prolongamento da pista do aeroporto de S. Tomé. O eng Antonio Trigueiros tinha muitas semelhanças com o então ministro dos negócios estrangeiros, Dr. Jaime Gama. Quando nos lembrámos dos queijos, reparei que também ja tinham acabado na mesa das sobremesas.
Chamei um dos assistentes que tinha ido de Lisboa para orientar o Catering e o Antonio Trigueiros perguntou, então o queijo acabou ?
O assistente , muito solicito, responde. Um momento senhor ministro, ja vou tratar disso. Passados momentos já tínhamos na nossa mesa 2 queijos da Serra, para o senhor "ministro".
Enviar um comentário