Um jovem francês, filho (curiosamente) de uma cidadã portuguesa e de um árabe, está hoje no centro de uma séria polémica que envolve o ministro do Interior francês, Brice Hortefeux. O governante foi "apanhado" num filme, que aparece no YouTube, no qual aparece a fazer uma graçola, num momento de conversa "solta", no intervalo de uma reunião partidária. Um comentário que faz no filme é, para uns, uma pura manifestação de racismo (no caso do ministro de estar a referir à origem àrabe do jovem), mas que, para Brice Hortefeux, se trata apenas uma inocente referência ao facto de ele e o jovem serem ambos da região de Auvergne. O governo francês, bem como o jovem luso-árabe, saíram em apoio do ministro; a oposição e outros sectores pedem a sua demissão.
Para o que aqui me interessa, muito mais do que o ministro disse ou quis dizer, embora reconheça que uma figura pública não pode dar-se ao luxo de exprimir certos comentários com ligeireza (todos nos lembramos do caso do ministro português que foi demitido, e bem, por ter deixado em público uma anedota de muito mau gosto), importa começar por discutir esta cada vez mais recorrente utilização de filmes obtidos em momentos informais e passá-los na internet, sem o consentimento dos visados. O que temos visto, nos últimos tempos, releva de um "voyeurisme" irresponsável que a imprensa, com falsa ingenuidade, vai depois repescar como "notícia", sem ter de pagar o preço deontológico de ter sido ela a obtê-la, por meios condenáveis.
Para o que aqui me interessa, muito mais do que o ministro disse ou quis dizer, embora reconheça que uma figura pública não pode dar-se ao luxo de exprimir certos comentários com ligeireza (todos nos lembramos do caso do ministro português que foi demitido, e bem, por ter deixado em público uma anedota de muito mau gosto), importa começar por discutir esta cada vez mais recorrente utilização de filmes obtidos em momentos informais e passá-los na internet, sem o consentimento dos visados. O que temos visto, nos últimos tempos, releva de um "voyeurisme" irresponsável que a imprensa, com falsa ingenuidade, vai depois repescar como "notícia", sem ter de pagar o preço deontológico de ter sido ela a obtê-la, por meios condenáveis.
.
Mas a questão sai do campo formal e situa-se no área do conteúdo do que é dito, em certos contextos (e concedo que o do ministro francês, se se viesse a confirmar a intencionalidade de que é acusado, seria grave).
.
Neste particular, subscrevo, em absoluto, o que o jornal "Libération" refere em editorial: "Parece que, a partir de agora, deveremos praticar, na vida corrente ou em política, uma espécie de policiamento da nossa linguagem que proibirá toda a espontaneidade, todo o "relaxamento" na expressão, toda a espécie de humor, desde que ele seja considerado de mau gosto, desde que afecte esta ou daquela minoria, este ou aquele grupo. Ora, num regime democrático, o comportamento quotidiano deve dispor de uma certa margem de "jogo", sem o que a liberdade de expressão passará a ser, em todo o lado, uma liberdade vigiada."
É evidente que todos concordamos que estamos num mundo novo, em que as graçolas de tonalidade racista ou discriminatória já não são, como eram no passado não muito longínquo, admitidas com um sorriso de mera condescendência, quando não de alguma cumplicidade. Muitos de nós somos do tempo em que as piadas sobre "pretos" (quem não se lembra das anedotas sobre Samora Machel?), sobre judeus ou outras recheadas de (verdadeiros ou apenas procuradamente irónicos) preconceitos faziam parte do dia-a-dia das conversas dos cafés, dos jantares ou das tertúlias. Era isso puro racismo? Era, pelo menos, uma menor atenção à sensibilidade de outros - e isso hoje é considerado inadmissível e, em muitos meios, é recebido com rejeição ou, no mínimo, com uma atitude silenciosamente desaprovadora.
Dito isto, pergunto-me se, apesar de tudo, não deveremos ter liberdade para, no nosso espaço íntimo e privado, podermos dar expressão a algumas "barbaridades", desta ou de outra natureza discursiva, sem corrermos o risco de estarmos permanentemente a ser espiados por algum "big brother", que colocará, de imediato, a nossa diatribe no YouTube. Eu, por mim, aviso desde já: não dispenso o meu direito privado à barbaridade. E assumo esta atitude com toda a clareza.
É evidente que todos concordamos que estamos num mundo novo, em que as graçolas de tonalidade racista ou discriminatória já não são, como eram no passado não muito longínquo, admitidas com um sorriso de mera condescendência, quando não de alguma cumplicidade. Muitos de nós somos do tempo em que as piadas sobre "pretos" (quem não se lembra das anedotas sobre Samora Machel?), sobre judeus ou outras recheadas de (verdadeiros ou apenas procuradamente irónicos) preconceitos faziam parte do dia-a-dia das conversas dos cafés, dos jantares ou das tertúlias. Era isso puro racismo? Era, pelo menos, uma menor atenção à sensibilidade de outros - e isso hoje é considerado inadmissível e, em muitos meios, é recebido com rejeição ou, no mínimo, com uma atitude silenciosamente desaprovadora.
Dito isto, pergunto-me se, apesar de tudo, não deveremos ter liberdade para, no nosso espaço íntimo e privado, podermos dar expressão a algumas "barbaridades", desta ou de outra natureza discursiva, sem corrermos o risco de estarmos permanentemente a ser espiados por algum "big brother", que colocará, de imediato, a nossa diatribe no YouTube. Eu, por mim, aviso desde já: não dispenso o meu direito privado à barbaridade. E assumo esta atitude com toda a clareza.
12 comentários:
De facto, antes tinha-se medo porque viviamos em ditadura e havia sempre quem pudesse denunciar-nos. Hoje vivemos em democracia e a intrusão na vida privada que o politicamente correcto permite, não é menos agressivo da liberdade. Pior, porque quem quer publicita na internet e fica fora da alçada da Justiça
MeuCaro
Quem quer privacidade não se mete na política. Ubi comoda, ibi incomoda.
CP
Convenhamos que as figuras públicas, em eventos públicos, devem moderar e vigiar a sua linguagem: não é o que tu fazes todos os dias, nas tuas funções?
Que eu saiba, o Sr Hortefeux não estava em sua casa nem num bar com os amigos: estava numa cerimónia oficial!
Para estar de acordo com a ùltima frase, "nâo dispenso o meu direito à barbaridade", precisava de saber se Francisco Seixas da Costa e o Embaixador de Portugal sâo uma e mesma pessoa...
Todos sabemos que quando assumimos determinadas responsabilidades com elas nos vêm algumas liberdades mas perdemos outras...
Claro que se perde muito em espontaneidade... Mas nâo podemos comparar o "peso" das palavras ditas por um responsavel politico (ou medi-las pela mesma bitola) com as proferidas por qualquer comico!
A este proposito ouvi um comentador na televisâo dizer o seguinte: "Um miudo na primària pode ser expulso da aula por injùria ao fazer uma "figa" e os nossos Ministros comportam-se como querem e nâo se passa nada..."
E noutro canal, um responsàvel do PS, bem sei que està na oposiçâo, dizia que "as gtragédias que muitos cidadâos vivem neste periodo de crise, nomeadamente os suicidios na Telecom, nâo autorizam este contraste de Ministros em pilhéria".
Claro que os homens politicos devem encontrar momentos de vida privada mas esses momentos sâo raros porque mesmo se o homem e a funçâo podem ser distintos, as responsabilidades, essas, nâo têm descanso.
Quanto ao Ministro Hortefeu, este politico é suficientemente conhecido para que se possa interpretar ao seu justo valor a frase que proferiu.
Je suis tout a fait d'accord sur la séparation nécessaire et même indispensable de la sphère publique et de la sphère privée. Néanmoins dans le cas présent Mr le Ministre n'était pas chez lui, n'était pas dans son cabinet, n'était pas chez un ami ou dans un club privé ou on peut fumer le cigare et rire sur des blagues sexistes ou racistes. Non, dans le cas présent Mr le Ministre était en meeting sur la voie publique, certes entouré de militants de son camp mais dans un lieu publique ce qui l'oblige à un devoir de réserve.
Maintenant restons sur le même sujet et je pose la question : que penser du sketch de P. Timsit sur les portugais qui ne sont pas design ?
Ne pourrions nous pas, nous portugais vivants en France, nous cotiser pour payer à Mr Timsit un séjour dans notre beau pays qui sait être design mais qui malheureusement ne sait pas le montrer? Je dois avouer que ça me blesse d'entendre depuis que je vis en France (1975) les blagues sur les portugaises poilues, les concierges portugaises, les maçons portugais ...
Mais bon je dois certainement manquer d'humour...
Enfin pour terminer je vous présente mes excuses pour utiliser la langue de Molière et non celle de Camoes.
Maryvonne De Jesus
as inumeras, mas muito banais, anedotas sobre os portugueses que proliferam em França, ainda nao foram atingidas pela censura aplicada às anedotas ditas racistas. pourtant... mesmo se nos conformamos com elas e rimos com quem as diz, aplicadas a um judeu ou a uma "pessoa de cor" seriam consideradas como racistas sem duvida. và-là saber-se porquê? serà isto porque, como por vezes se pode ouvir por aqui, e como talvez poderia dizer o proprio Sr Hortefeux, "les portugais, c'est pas pareil". il vaut mieux en rire (mas às escondidas).
Filipe Pereira
Não há dúvida de que hoje vivemos numa espécie de tirania conduzida por aprendizes de tiranetes, na maior parte das vezes disfarçados de arautos da liberdade.
Como alentejano, sempre vivi muito bem e muito me diverti com as celebérrimas “anedotas de alentejanos” que, como se sabe, são maioritariamente de “produção” alentejana e, entendo, parte integrante do seu património cultural. Nunca por isso me senti diminuído ou fui invadido por alguma crise de pertença, de alma e coração, aquelas gentes.
Mas, se tentar mudar o personagem da anedota do alentejano, aí já a coisa se complica. Basta trocar o alentejano por um preto (ou será que tenho que dizer negro? Ou de cor? Ou africano? Tenho dúvidas. É que a designação muda de acordo com a região do globo e este blog é lido em tantas…), ou por um árabe e, se chegar aos ouvidos desses tais arautos, vão ver o charivari que se arranja.
Creiam que não me merecem, nem mais, nem menos, consideração e respeito uns que outros. Quem não me merece, mesmo, nenhuma consideração são os que no dia a dia nos vivem atazanando e limitando a espontaneidade, o humor e “o direito privado à barbaridade” de que fala, em nome de um politicamente correcto ou de um respeito qualquer que, creio, nascido do seu próprio preconceito.
JR
Excelente ! Viva a democracia que ainda nos resta... Viva o Embaixador (que não tem papas na língua)!
Ao ler alguns comentários, fui, "a correr", ver se o meu texto continha ou não as seguintes expressões:
"embora reconheça que uma figura pública não pode dar-se ao luxo de exprimir certos comentários com ligeireza";
"a questão sai do campo formal e situa-se no área do conteúdo do que é dito, em certos contextos (e concedo que o do ministro francês, se se viesse a confirmar a intencionalidade de que é acusado, seria grave"
Afinal, verifico isto estava lá escrito. Pode então deduzir-se que estou a desresponsabilizar o ministro, se acaso o que ele disse teve a intenção de que muitos o acusam?
Senhor Embaixdor a sua pergunta resume, com muito humor, a questão. Mantenha-se, por favor, nesse seu direito à barbaridade. Porque ele é de todos nós. Mesmo daqueles que entendem dele não dever servir-se
Ah! Lembrei-me do Senhor Hulot, agora sem cigarro. E eu sem charuto... E a editora sem livro, porque o mandam retirar das bancas.Ele há com cada conceito de liberdade!
En fait, ce sont moins les situations qui posent problème que les intreprétations que nous en donnons.
Carlos Falcão
Enviar um comentário