Há dias, falei aqui de Anne Sinclair, e do seu blogue. Trata-se da mulher do diretor-geral do Fundo Monetário Internacional e putativo candidato socialista às eleições presidenciais francesas de 2012, Dominique Strauss-Kahn.
Hoje vou contar uma pequena história, na qual ele acaba por ser uma involuntária personagem.
Em Junho de 1997, Strauss-Kahn assumiu as funções de ministro da Economia e Finanças do novo governo socialista francês. A liderança da França, que vivia os tempos da muito recente coabitação Chirac-Jospin, tentou rediscutir o então quase finalizado "pacto de estabilidade", o conjunto de regras para regular o acesso e garantir o comportamento dos países no seio da nova moeda única, o euro. A França conseguiu retocar o "pacto", que mudou de nome e passou a chamar-se "pacto de estabilidade e crescimento", vom o objetivo, simultaneamente, de lhe conferir um toque mais "social" e de garantir que a nova liderança francesa deixava a sua marca na decisão final sobre o assunto, nem que fosse por via semântica.
Mas a decisão tomou o seu tempo. O primeiro conselho de ministros das Finanças, o "Ecofin", posterior à subida ao poder dos socialistas franceses ficou, assim, rodeado de uma grande curiosidade, em torno do que nele iria dizer o novo ministro que Paris tinha na pasta, Strauss-Kahn.
Como é de regra nestas reuniões, as câmaras de televisão entram, por uns minutos, na sala, antes do início dos trabalhos, para filmarem os responsáveis políticos, conversando entre si ou já sentados nas respetivas delegações (um dia falarei aqui de alguns "truques" dessa coreografia). A certo passo da cobertura televisiva dessa reunião do Ecofin - feita, entre outros, pela BBC, Sky e CNN -, as câmaras concentraram-se, com toda a naturalidade, no que era a grande novidade do dia, a entrada na sala de Dominique Strauss-Kahn.
O novo ministro, homem de porte pesado, surgiu, de passo firme, seguido de colaboradores, encaminhando-se para a zona onde se iria sentar a delegação francesa. A meio do percurso, porém, a sua cara espelhou um grande sorriso e viu-se a vedeta política do dia abrir os braços para um abraço de grande intimidade com uma outra figura, de compleição física bastante similar, de cara ornada por uma barba, com quem trocou palavras de manifesta cordialidade, fruto seguro de amizade. Quem essa pessoa? Ninguém sabia o seu nome e o mistério era tanto maior quanto, à partida, estava excluída a hipótese de se tratar de um outro ministro das Finanças dos "quinze".
Ninguém sabia? Não! Nós, um grupo de portugueses que apreciávamos a cena, numa casa particular, em Bruxelas, sabíamos! Era o Henrique Antunes Ferreira, assessor de imprensa do nosso ministro das Finanças, António Sousa Franco.
Nesse e nos dias seguintes, as televisões universais, à falta de outras imagens sobre o novo homem-forte das Finanças francesas, repetiram à saciedade esse magnífico amplexo, que a todo o mundo pareceu selar o acolhimento europeu ao novo governante francês. E, nessas imagens, lá aparecia sempre o nosso Henrique, para eterna perplexidade do mundo da informação, mas para imenso gáudio dos seus amigos, uma legião heteróclita em cujo seio tenho o gosto de me contar.
O Henrique Antunes Ferreira foi jornalista e é escritor, está reformado das lides políticas mas bem ativo na vida da blogosfera, onde alimenta a irreverente
A minha Travessa do Ferreira. Um dia, ele esclareceu-me das razões da sua intimidade com Strauss-Kahn, mas, confesso, já as esqueci. Será que aqui ou na sua Travessa ele poderia recordá-no-las? É que se o percurso de Strauss-Kahn for aquilo que algumas sondagens persistentemente prevêem, o embaixador de Portugal ainda pode, lá para o ano, ter de dar boleia ao Henrique para o Faubourg Saint-Honoré...