sábado, outubro 03, 2009

Gravatas

A cena de um líder partidário se apresentar para uma reunião oficial com o chefe de Estado português sem usar gravata - o que, aliás, julgo já ter acontecido no passado - sublinhou , definitivamente, o facto da camisa aberta ter passado a ser uma forma cada vez mais natural dos políticos portugueses se apresentarem em público. Nuns casos, será a mostra de uma assumida rebeldia contra hábitos considerados burgueses, noutros terá sido a colagem a uma certa modernidade de vestuário, àquilo a que os brasileiros chamam de "esporte fino". Ainda em outras circunstâncias, presumo, deve ser já o efeito da nossa quota no aquecimento global, muito embora a generalização do uso do ar condicionado às vezes atenue um pouco a pertinência do argumento.

O modelo da camisa aberta sob o casaco tem, porém, algumas não despiciendas "nuances". Numa versão "soft", os políticos abrem apenas um botão da camisa; na fórmula mais "avançada" abrem dois botões. De uma coisa podem ficar certos: nada disto é casual (pelo contrário, como diriam os anglo-saxónicos, é mesmo "very casual") e estamos perante fenómenos que convocam lições de semiologia! Cada botão aberto a mais corresponde a uma fatia acrescida de informalidade que se pretende incutir no subsconsciente do público, normalmente à procura de identificação com um eleitorado mais jovem ou descontraído, com tudo o que isso encerra de mensagem subliminar.

Esta evolução de trajes públicos, diga-se, já tinha sido prenunciada, em termos bem mais radicais, pelos representantes da comunicação social. Hoje em dia, em Portugal, numa qualquer conferência de imprensa ou acto oficial, por mais solene que ele seja, é vulgar ver jornalistas, portadores de "cornetos" de som, fotógrafos ou "cameramen" vestidos das formas mais bizarras, alguns com um ar que se aproxima já do dos arrumadores de carros, às vezes de t-shirt e ténis, como se eles próprios se considerassem "invisíveis" no cenário e não se sentissem obrigados a respeitar o rigor do acto em que também estão inseridos. E, num dia não muito distante, lá chegaremos ao fato-de-treino! Basta olhar para as conferências de imprensa da Casa Branca e fazer a comparação!

Mas há um hábito, já não dos políticos mas de cidadãos em geral, que, para mim, se tornou extremamente irritante: o de trazer a gravata descaída, com o botão aberto, por mero desleixo, por pura saloiíce ou fruto do calor (caso em que seria preferível tirá-la), outras vezes por assumida moda. Mas, neste último caso, já nada há a fazer, é um facto da vida: na televisão francesa há mesmo um jornalista que apresenta um "talk show" sério vestido dessa forma.

Sempre que posso, não uso gravata. Mas sentiria algum desconforto em pensar não utilizá-la em certas circunstâncias. Deve ser da idade. Da mesma maneira que hoje é permitido, cada vez mais, não usar gravata em certas ocasiões, espero que não venha a ser proibido usá-la quando me apetecer. É que eu gosto de gravatas, como já devem ter percebido!

Nice

Hoje, vá-se lá saber porquê, senti saudades de Nice.

sexta-feira, outubro 02, 2009

Alemanha

Há 20 anos, o muro de Berlim caía e a reunificação alemã iniciava-se.

Ontem, na Embaixada alemã em Paris, uma festa celebrou, por antecipação, esse histórico momento em que uma nova Europa estava a começar. Todos parecem reconhecer hoje as virtualidades desse passo político e o modo como ele veio a contribuir para a estabilidade europeia. O que viria a ocorrer depois, no Centro e no Leste do continente, completou o fim da traumática divisão alemã e consagrou a própria reunificação política do continente, simbolizada nos alargamentos da União Europeia e da NATO.

Mas nem sempre foi assim. Ao tempo da queda do muro, muitas dúvidas se levantavam ainda sobre qual iria ser o destino dessa nova Alemanha, se o seu histórico tropismo para Leste suplantaria a força das alianças que entretanto gizara a Oeste. Alguns mantinham ainda o cínico dito do pós-guerra: "gosto tanto da Alemanha que até prefiro que existam duas!".

O tempo veio a provar que tais reticências eram totalmente infundadas e que a evolução da Alemanha se fez num sentido consonante com os interesses da unidade europeia, para a qual muito contribuiu e de que continua hoje a ser um dos principais esteios.

Rio olímpico

O Cristo do Corcovado pode sorrir. Daqui a sete anos terá a seus pés os Jogos Olímpicos.

Um forte abraço de parabéns para os meus amigos brasileiros.

João Moniz

Foi um público muito diverso, onde se pôde contar com muita gente do sector artístico, aquele que ontem esteve na Embaixada de Portugal em Paris, na apresentação das obras mais recentes de João Moniz.

O pintor trabalha entre Paris e Lisboa e, desde 1967, apresentou diversas exposições individuais e participou em dezenas de mostras colectivas. Quadros seus fazem parte de colecções de muitas instituições e particulares, um pouco por todo o mundo.

quinta-feira, outubro 01, 2009

Financeiros

São umas dezenas de jovens na casa dos 20 e dos 30 anos, portugueses ou luso-descendentes, que ocupam lugares técnicos de relevo em empresas em França. Reúnem-se mensalmente, para reforçar amizades, contactos e lusitanidade. Chamam-se a si próprios a "Confraria dos Financeiros" e têm homólogos no Luxemburgo e no Reino Unido.

Ontem, estive a jantar com eles e a aprender um pouco o que é esta nossa nova comunidade, unida pelas raízes portuguesas, leal à França onde se inserem plenamente, com o seu presente marcado já pelas principais profissões do futuro.

Ocupação

Um grupo britânico de "okupas", dedicado a ocupar casas devolutas, acaba de instalar-se numa moradia em Belgravia, umas das zonas mais prestigiosas de Londres, perto da casa de Margareth Thatcher, da Embaixada de Portugal e, ao que li na imprensa, de Vale a Azevedo.

Esta história recordou-me uma outra, ocorrida em S. Paulo, no Brasil, há alguns anos. Um grupo de "sem abrigo" ocupou um andar de luxo, desabitado, na zona dos Jardins. Ao final de alguns dias, os ocupantes desistiram da ocupação, não por qualquer atitude coerciva, mas, muito simplesmente, por terem concluído que os preços dos produtos básicos, em todas as lojas da zona, era muito superior àquilo que poderiam pagar no seu dia-a-dia.

Tal não será o caso de Belgravia, pelo género de ocupantes e pela própria geografia. Por todas as razões, a história terá, sem dúvida, um final diferente.

"P'ra não dizer que não falei das flores"

Economia

Os docentes universitários Carlos Pereira e Dulce Santos acabam de preparar para a Pocket , aqui em França, este interessante pequeno livro, "pour maîtriser la langue des affaires", um bom instrumento de trabalho para a área económica.
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Num tempo em que é importante reforçar o intercâmbio económico bilateral, aqui está uma excelente iniciativa, a saudar.

Política externa

Ao longo da campanha eleitoral que há dias se concluiu, alguns comentadores estranharam o facto da política externa, tal como a política de defesa, não ter sido objecto de debates, embora constasse dos programas de todos os partidos.

Contrariamente a quantos entendem que as questões de ordem externa ganham em ser alimento para o confronto político-partidário, devo confessar que, como profissional da diplomacia, fiquei muito satisfeito em vê-las afastadas da polémica eleitoral. O que, no entanto, não exclui a necessidade de tais opções deverem ser regularmente abertas a uma reanálise serena e objectiva, na qual se insira a apresentação de propostas alternativas para a sua condução, à luz das mudanças que a conjuntura e a evolução dos nossos interesses justificarem.

Ao longo de mais de 35 anos de regime democrático, com excepções ligadas a certos momentos do período da consolidação do novo regime e, num tempo mais recente, a uma episódica leitura ultra-zelosa de alinhamentos tradicionais, a nossa política externa tem mantido uma constância e um perfil de grande continuidade e de elevado consenso interno, que se reflecte nos programas e práticas dos vários Governos. E permitam-me que diga que sei do que falo, porque, ao longo da minha carreira, servi já sob a orientação de 19 ministros dos Negócios Estrangeiros...

Foi esse percurso de crescente solidez de actuação que nos permitiu garantir a imagem de coerência e previsibilidade que hoje marca a nossa política externa e que conduz, com segurança, o exercício da nossa diplomacia. Por essa razão, felicito-me pelo facto do calor das discussões eleitorais nos ter poupado.

quarta-feira, setembro 30, 2009

Portugal Fashion Paris

Uma vez mais, a moda portuguesa e de portugueses apresentou-se em Paris, com destaque mediático.

De Portugal vieram Luís Buchinho e Fátima Lopes. Por cá está Felipe Oliveira Baptista. Foi ontem, nesta terra que é a capital da moda. Um excelente sinal. Aprendam a conhecer melhor estes estilistas, clicando nos respectivos nomes.

Blake & Mortimer

Para parte de geração portuguesa que teve a infância ou juventude nos anos 50 do século passado (por alguma razão, custa-me sempre escrever a expressão "do século passado"), as aventuras de "Blake et Mortimer", da autoria de Edgar P. Jacobs, são ainda hoje uma recordação muito viva.

Figura importante da excelente escola belga de banda desenhada, de que Hergé é, sem dúvida, o maior expoente, Jacobs abria-nos o mundo através de álbuns de uma fantástica qualidade e fruto de cuidado estudo, que agarravam a nossa imaginação e nos transportavam para cenários muito realistas, às vezes quase plausíveis. Quando vivi em Londres, não resisti a reproduzir os percursos do "Marca Amarela" e do Dr. Septimus e, ao entrar um dia no museu do Cairo, a figura do Professor Grossgrabenstein (que só pode ter sido inspirada, "avant la lettre", no Caetano da Cunha Reis) veio-me logo à memória - este último saído desses dois álbuns sem par que constituem "O Mistério da Grande Pirâmide". E até os Açores passaram pelas histórias de Jacobs, no "Enigma da Atlântida".

A trama jacobiana centra-se sempre numa dupla de amigos, um militar e um cientista, envolvidos na luta eterna, pelo lado do "bem", contra um inimigo permanente, Olrik, que encarna os vários males e que tem uma capacidade de sobrevivência que acaba por nos causar mesmo alguma admiração. As mulheres, confirmando uma misoginia muito própria de um certo período da banda desenhada europeia (mas não, curiosamente, dos "comics" americanos, sendo embora da mesma época), têm sempre um papel escasso nestas tramas, surgindo apenas com algum relevo nos álbuns desenhados pelos seguidores de Jacobs, já após a sua morte.

A que propósito vem esta evocação? Pelo facto de, há dias, ter sido aqui anunciada a iminente publicação de um novo álbum, que vai mobilizar alguns que, como eu, continuam a não perder nenhuma das aventuras de "Blake et Mortimer", mesmo se já escritas pelos seus continuadores. Peço que percebam: trata-se de amigos com quem me "dou" há mais de meio século.

E nada melhor para ilustrar este post do que um extracto do movimentado e tempestuoso "SOS Meteoros", com a parisiense igreja da Madeleine ao fundo.

terça-feira, setembro 29, 2009

Praxes

Acabam de ser anunciadas novas medidas de natureza coerciva para pôr termo às mais degradantes formas de praxe académica - esse modo primário de "integração" que tem vindo a converter-se, progressivamente, num processo cada vez mais violento de humilhação intergeracional.

Aquilo a que a sociedade portuguesa tem vindo a assistir, nas últimas décadas, é à transformação do que era uma prática de conteúdo lúdico, mais ou menos divertido e consentido, num ritual de violência gratuita, muito potenciado pela anormalidade alcoolizada dos seus executores, com requintes de sadismo que chegam a levar a violações, agressões e até a mortes.

Um incompreensível imobilismo colectivo deixa quase sempre impunes os executores dessas práticas, absolvidos por um manto de alegada tradição que mais não é do que um alibi para a discricionariedade e o arbítrio. Veremos se, finalmente, algumas regras de natureza oficial conseguem abrir caminho para obrigar os dirigentes das escolas - os principais responsáveis e os únicos a terem condições de proximidade para poderem actuar - a serem mais rigorosos, menos permissivos e, essencialmente, menos cobardes.

Cunhas

Roman Polanski, o genial realizador de cinema, cometeu um crime de violação, há cerca de três décadas. Foi condenado, com todas as garantias de defesa, a cumprir uma pena de prisão, situação a que se furtou, indo viver para o estrangeiro. Agora, por distracção, foi detido e arrisca-se a ser extraditado para o país que o condenou. Esse país não é nenhuma ditadura onde haja uma desproporção chocante entre a gravidade do crime e a pena que lhe compete: trata-se dos Estados Unidos da América.

Se ele se chamasse Zé do Anzóis e vivesse num subúrbio, nem uma linha seria publicada e, porventura, já estaria a caminho da prisão. Como tem um nome internacional, amigos poderosos e uma corte de admiradores (entre os quais me incluo), correm já por aí abaixo-assinados para isentar o violador do cumprimento da pena. Subscritores que, muito provavelmente, nunca tiveram as suas filhas violadas.

Isto faz-me lembrar, medidas as diferenças de escala, as atribulações por que sempre passa a diplomacia portuguesa quando certos cidadãos nacionais - desde que com bons contactos (artistas, jornalistas ou outros mediáticos "istas") ou ditos de "boas" famílias - se metem em alhadas com a justiça pelo mundo, com a droga como motivo mais comum. Nas horas seguintes, lá chegam aos titulares das embaixadas ou dos consulados, por vezes de instâncias inesperadamente "altas", telefonemas pedindo urgentes intervenções e personalizadas diligências, com vista a tentar safar suas excelências. Tudo isto procurando garantir uma forma de actuação diferente do que aconteceria se se tratasse de um qualquer pobre diabo, sem nome nem amigalhaços influentes, que apenas receberia a protecção consular normal.

Às vezes, há que reconhecer que é difícil resistir a tais pressões, embora, no MNE, como se recordarão, o tempo das "cunhas" já tenha tido melhores e mais mediáticos dias...

segunda-feira, setembro 28, 2009

Nova sociedade

Uma das mais instrutivas experiências para quem, como eu, vive fora de Portugal é deparar com um novo e totalmente desconhecido mundo social-mediático, por vezes indecifrável.

Há umas revistas, que começam logo a ser-nos "servidas" nos aviões, onde somos abalados (e aqui invento nomes, claro) por títulos desta estirpe: "Mónica Leal encontra um novo amor com Ricardo Teles, depois da separação de Miguel Dias". Ou então: "Gravidez de Isabel Damas interrompe a sua carreira, reforçando a ligação com Telmo Soares". Os cenários de fundo variam, com as festas a dominarem no Verão, discotecas ou ambientes familiares sempre, algumas fotos de paparazzi paroquiais à mistura, mas as mais das vezes com poses consentidas e aparentemente procuradas.

Todas estas excitantes revelações são acompanhadas de imagens ilustrativas, embora os respectivos textos considerem quase sempre dispensável, por óbvia desnecessidade de que só alguns ignaros reclamam, dar-nos mais elementos sobre quem são, na realidade da vida, tais figuras. Às vezes, lá se consegue, pelo cruzamento de algumas escassas referências, perceber o que fazem as personalidades dessa nova sociedade: quase sempre moda e televisão, com alguns jogadores de futebol à mistura. E, de quando em vez, há pelo meio uns empresários de camisa aberta até ao terceiro botão.

Podem crer que, para um diplomata, é angustiante: ter a percepção de não conhecer um tão importante sector do país que representa!

TAP

Tenho o maior respeito pelas greves e pelo direito de cada um poder fazê-las, quando muito bem entende e pelas razões que acha oportunas.

Gosto, no entanto, de perceber a racionalidade das reivindicações e, devo confessar, isso para mim não foi nada evidente na recente paralização dos pilotos da TAP. Agravar o défice de uma companhia aérea, que está num difícil processo de recuperação, parece-me uma atitude masoquista e quase suicidária.

Mas devo ser eu que estou a ver mal as coisas. Eu e a totalidade dos funcionários da companhia com quem falei numa deslocação a Lisboa no último fim de semana.

À distância

Será inevitável? Não sei, mas lá que é profundamente irritante ver o "Le Monde" tratar nas suas colunas as eleições em Portugal pela pena do seu correspondente em Madrid, lá isso é! Parece que voltamos ao tempo do Estado Novo, quando era isso que acontecia.

Por que não fazer os artigos na redacção, em Paris, com base nos "takes" das agências? De Madrid vê-se melhor Lisboa?

sábado, setembro 26, 2009

Reflexão

É obra!

Este blogue chega à véspera das eleições legislativas em Portugal com um orgulho que não pode disfarçar.

Nos últimos meses, a política encheu a esmagadora maioria da "blogosfera" portuguesa. O acentuar do debate interpartidário, no caminho para as eleições europeias e, mais recentemente, na aproximaçao da dupla jornada de eleições legislativas e autárquicas que aí vêm, deu alento aos espaços informáticos que trataram esse mesmo tema, de forma mais ou menos "engajada", mas sempre tendo-o no centro das suas atenções. Por isso, muitos blogues portugueses, muitas vezes colectivos, reflectem uma elevadíssima frequência diária de visitantes-leitores, a qual, manifestamente, representa também o interesse que a vida política tem suscitado entre nós. O que não deixa de ser saudável e traduz mesmo um sintoma de uma forte vitalidade cívica.

Mas, então, porquê o orgulho que este nosso blogue ostenta? Porque, não obstante, pelas razões que são óbvias, nos furtarmos a colar a nossa escrita às temáticas da polémica política, e tratando-se ademais de um blogue com um único autor, foi-nos possível manter uma muito apreciável "clientela" de fiéis leitores. E isso, indiscutivelmente, é obra - essencialmente dos nossos leitores, claro! O que prova essa coisa tão simples de que há mais vida para além da política.

sexta-feira, setembro 25, 2009

Voto

Este fim de semana, por óbvias e cívicas razões, este blogue regressa a serviços mínimos, embora sempre regulares.

A actualização dos comentários sofrerá, contudo, algum atraso.

2ª feira, cá estaremos. É que a vida continua, sabem?

Chiado

A disparidade dos padrões culturais tem consequências curiosas, embora nem sempre cómodas.

Precisamente há uma semana, no Chiado, decidi engraxar os sapatos. Era uma bela tarde e, aí durante dez minutos, lá estive a ler o jornal, num engraxador que costuma parar em frente à Bénard. Na altura, lembrei-me - juro! - do poema do O'Neill: "O senhor engenheiro hoje não engraxa? Engraxo na Baixa".

A meio da função, levantei os olhos e reparei que um grupo de turistas estrangeiros fotografava a cena, de vários ângulos, com uma curiosidade quase antropológica. Senti-me uma espécie rara. Quem sabe se, entretanto, não apareci já nalguma publicação nórdica, a ilustrar o tipicismo da vida lisboeta.

Já agora, espero que algum dos fotógrafos tenha tomado um ângulo mais alargado e fixado o nome da casa comercial ao lado da qual estávamos: "Paris em Lisboa"...

quinta-feira, setembro 24, 2009

Irlanda

O meu próximo 5 de Outubro inicia-se com um pequeno-almoço de debate sobre os resultados do referendo irlandês, para o qual fui gentilmente convidado pelo actual Secretário de Estado dos Assuntos Europeus francês, também com a presença de um seu antecessor e meu antigo contraparte, Pierre Moscovici. Devo dizer, aqui entre nós, que considero uma verdadeira tragédia civilizacional o facto desta prática americana dos pequenos-almoços de trabalho ter já "pegado" por aqui. Mas, enfim...

Se lhes contar que, ao final da tarde desse dia, terei ainda, na Embaixada da Suécia, uma mesa-redonda sobre os desafios da Presidência sueca da União Europeia, já perceberão melhor o glorioso destino do meu feriado republicano. O que nós fazemos pela Europa!

Deixo-lhes na foto a imaginativa bandeira do convite para o debate matinal, uma espécie de "wishful thinking" pelo sucesso do Tratado de Lisboa.

Rios

O tema do Festival de Loire, de que Portugal é este ano convidado de honra, foi a comparação de culturas de regiões com rios. Ontem, em Orléans, o rio Loire aproximou-se do Douro, da ria da Aveiro e do Tejo. Algo insólito foi ver o Loire percorrido por barcos rabelos, por moliceiros e por canoas lisboetas, com sons do nosso folclore a encherem as ruas da cidade e a Radio Arc-en-Ciel / Rádio Arco-Íris a espalhar horas de boa música portuguesa.

Cada vez mais, as municipalidades francesas, conscientes da crescente importância da comunidade portuguesa e luso-descendente, têm iniciativas que mobilizam a sua ligação a regiões do nosso país, acordando lentamente para uma realidade que, infelizmente, ainda é por aqui muito desconhecida ou tocada de forma caricatural.

Ontem, no jantar português que o "maire" de Orléans nos ofereceu, pude constatar que a esmagadora maioria dos presentes nunca se tinham deslocado a Portugal, embora mantivessem alguma curiosidade por esse país quase vizinho, de onde lhes chega gente séria e trabalhadora, com que se cruzam nas ruas e no trabalho, mas do qual quase só conhecem o vinho do Porto e onde sabem que se canta uma coisa nostálgica que é o fado.

Portugal está tão perto mas ainda tão longe de França!

Greve

Hoje, os funcionários administrativos da Embaixada estão em greve, por razões laborais que se prendem com a legítima leitura que fazem da defesa dos seus direitos.

Há algumas "vantagens" colaterais desta greve: o silêncio impera nos corredores, os telefones ouvem-se menos e eu próprio, na deslocação para uma entrevista, aprendi finalmente a conduzir no complexo percurso entre a Embaixada e a Rádio Alfa, em Créteil. Tudo tem o seu lado positivo.

quarta-feira, setembro 23, 2009

Asilo Político

A propósito do refúgio que o presidente hondurenho obteve na Embaixada brasileira em Tegucigalpa, lembrei-me de uma pequena história.

Há alguns uns anos, num final de manhã, o ministro-conselheiro entrou no meu gabinete, em Brasília, com um ar esbaforido: "Temos aqui na Embaixada um homem a pedir asilo político!". Era 6ª feira, dia em que a Embaixada fechava um pouco mais cedo. Muitos funcionários já tinham mesmo saído.

Uma asilado político é uma "dor-de-cabeça" tradicional na diplomacia. Cada caso é um caso e a doutrina que se desenvolve sobre o assunto situa-se sempre numa margem de grande ambiguidade.

De que se tratava? Um cidadão brasileiro, oriundo de uma localidade a algumas centenas de quilómetros de Brasília, surgira na secção consular da Embaixada, transportando uma grande mala que alguma incúria deixara entrar sem questionar, e afirmara que estava a ser perseguido politicamente pelas autoridades brasileiras, que estava na iminência de ser detido e que, por essa razão, vinha pedir asilo político. Um problema adicional era a mala: segundo disse, ela tinha uma bomba que faria explodir, no caso da sua reivindicação não ser aceite.

Nestas ocasiões, nunca sabemos, à partida, se estamos perante um simples "bluff" ou uma coisa mais séria, obrigando o sentido de responsabilidade a começarmos por considerar a segunda opção. Pedi a um funcionário experiente para ser o único interlocutor do homem e mandei reduzir ao mínimo o pessoal, mantendo-se um total "black-out" para fora da Embaixada sobre o incidente. O homem, desde o primeiro momento, deu sinais de algum desequilíbrio psicológico - factor com que era importante contar mas que não ajudava a nos sossegar. Ao que disse, embora sempre de forma muito confusa, seria amigo de uma personagem política de segunda linha, envolvida num recente escândalo, sentindo-se perseguido e sob ameaça iminente.

Foi-lhe explicado, com muita calma, que o Brasil era um país livre, uma sólida democracia, onde "quem não deve não teme" e onde cada cidadão tem hoje todos os meios possíveis - da comunicação social à Justiça - para assegurar a preservação e defesa dos seus direitos, em especial políticos. No Brasil, há muito que não há presos políticos, pelo que um ambiente de perseguição sem fundamento não era plausível. E que, por essa e por outras razões ligadas à inexistência de um enquadramento jurídico bilateral na matéria, não era possível conceder-lhe asilo.

O homem manteve-se renitente e obstinado, por algumas horas. A certo ponto das conversas que mantinha com o seu interlocutor, mencionou o nome de um deputado brasileiro local, de quem seria conhecido. Telefonei de imediato ao político que me esclareceu que estávamos perante uma pessoa muito desequilibrada, embora pacífica e totalmente inofensiva, de uma profunda religiosidade. Pedi-lhe para falar com o nosso homem, para o acalmar, o que simpaticamente fez.

Entretanto, a questão da religiosidade do homem fez-nos alguma luz! O interlocutor do putativo "asilado", percebendo já o respectivo cansaço, perguntou-lhe, a certo passo, se, em face da sua fé, não quereria aconselhar-se com um sacerdote. O nosso homem hesitou um pouco, mas, ao fim de algumas persuasivas insistências, acabou por dizer que aceitava essa hipótese.

E é aí que as "artes" diplomáticas vêm ao de cima. Num edifício situado a pouco mais de cem metros da Embaixada fica a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Foi-lhe explicado que, mais do que um simples sacerdote, poderia até falar com um bispo! Este "upgrading" religioso pareceu agradar-lhe. Sugerimos ao homem que fosse até lá, que reflectisse com a ajuda dos "bispos" (não fazíamos a mínima ideia se estava por lá algum bispo...) e que, depois, "voltasse para nos dizer alguma coisa". Surpreendentemente, aceitou. Enviei um carro da Embaixada, com o seu interlocutor a acompanhar, levá-lo à porta da CNBB. Pelo caminho, confessou que a mala não tinha nenhuma bomba, que continha apenas roupa...

Não sei pormenores do que aconteceu na conversa do nosso "refugiado" na CNBB, entidade que avisámos telefonicamente do que ia acontecer e que, pelo sim pelo não, não deveriam deixar entrar a mala que o homem transportava. Vim a saber que acabou por regressar nessa tarde a casa, sem mais problemas.

Foi um susto, embora pequeno, um tipo de incidentes que faz parte da vida diplomática.

terça-feira, setembro 22, 2009

Vartan

Sylvie Vartan apresentou-se no Olympia. Por um segundo, tive a tentação "anos 60" de ir ver, pela primeira vez, quem então cantava o "La plus belle pour aller danser" e enchia as páginas do "Salut les copains", com o seu badaladérrimo romance com Johnny Halliday. Depois, pensei melhor: deixemos o passado onde ele está.

Esta minha reacção prova que "la nostalgie n'est plus ce qu'elle était", para citar as memórias de Simone Signoret.

segunda-feira, setembro 21, 2009

Tempos

Um amigo de Brasília queixava-se-me ontem do tempo. Chovia.

Senti-me solidário: eu também me queixo do tempo. Do que não tenho.

"Libé"

O "Le Figaro" e o "Libération", os principais diários franceses de acompanhamento da vida política, decidiram efectuar reformas gráficas, com vista a tornar a leitura mais fácil ou, para utilizar um bom termo anglo-saxónico, ser mais "reader-friendly". A aposta do "Libération", o "Libé" para os franceses, que tem já mais de uma semana, parece-me bastante melhor que a do "Le Figaro", que hoje se iniciou.

Estas mudanças gráficas recordaram-me uma história divertida, passada num concurso de admissão para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, nos anos 90, de cujo júri eu fazia parte.

Havia então um prova - não sei se, no actual regulamento, ainda existe - chamada "de apresentação", que consistia numa conversa de 20 minutos com cada candidato, e que tinha lugar entre as provas escritas e as orais. Três diplomatas "seniores" faziam parte desse painel, que entabulava uma conversa variada com o candidato, pretendendo saber um pouco dos seus interesses culturais e de vida, ao mesmo tempo que se aferia a sua capacidade de expressão, nomeadamente em línguas estrangeiras (parte da conversa era em francês ou inglês). Confesso que achei sempre essa prova um dos momentos de verdade da admissão à carreira diplomática: dela não se percebia se o candidato seria um bom diplomata, mas deduzia-se imediatamente se ele fosse totalmente não-dotado para a profissão.

Num dos dias, um dos jovens candidatos quis "dar-se ares" e, ao ser perguntado por mim se seguia a política internacional, adiantou, com grande firmeza: "Há vários anos que acompanho a imprensa internacional. Todos os dias leio o 'Libération'". Confesso que fiquei espantado! Se tivesse dito o "Le Monde", o "International Herald Tribune" ou mesmo o "Financial Times", era mais plausível. O "Libération", contudo, era um jornal que chegava a Portugal em quantidade muito limitada e era "obra" tê-lo como de leitura diária. Eu lia-o esporadicamente.

Decidi testar o rapaz: "Isso é muito interessante! Então você lê regularmente o "Libération"?! Nesse caso, talvez me possa dar a sua opinião sobre a reforma gráfica pela qual o jornal passou no último mês. Até deve lembrar-se, com certeza, do editorial da semana passada, no qual o Serge July avaliava esse esforço de auto-reconversão do jornal".

O nosso candidato embatucou, mas apenas por uns instantes. Com jeito e artes para não cair em contradições, lá disse umas coisas que, revelando ter uma vaga ideia do "Libération", demonstraram agilidade de raciocínio e capacidade de improviso. E, por isso, passou.

Há uns anos, encontrei-o num corredor das Necessidades e perguntei-lhe: "Então! Continua a ler o "Libération"?". Ambos demos uma boas gargalhadas. Se ele vê o blogue, este post é-lhe dedicado.

Gatos

A tensão na vida político-partidária portuguesa foi subitamente atenuada pela presença de figuras políticas num programa humorístico dos "Gatos Fedorentos". Aí está a ser possível ver tais personalidades num registo mais solto e descontraído, em que a interlocução com a genialidade de Ricardo Araújo Pereira consegue, muitas vezes, trazer ao de cima algumas dimensões humanas dos entrevistados. Fico com a sensação de que, para a generalidade da opinião pública, essas "entrevistas" têm sido um bálsamo, num ambiente de crispação pré-eleitoral que não tem facilitado a normalidade do seu quotidiano.

Porém, e à revelia do que me parece ser a ideia mais generalizada, pergunto-me se esta "dessacralização" das figuras políticas, com a respectiva recondução a um ambiente de obrigatório humor, não acaba por funcionar em detrimento de uma certa dignidade da política, como se a aceitação desta tivesse necessariamente que passar por uma rendição às versões mais palatáveis da linguagem mediática.

Mas pode ser que eu esteja a ver mal as coisas, concedo.

sexta-feira, setembro 18, 2009

Orgulho profissional

Admiro as pessoas que olham com orgulho para a sua profissão, que lhe trabalham as origens e a sua história, que aprofundam as dimensões culturais da actividade que exercem, um pouco nos moldes seguidos pelas antigas corporações medievais.

Há hoje em Portugal um blogue sobre essa tradicional actividade que é a barbearia, expressão que a modernidade acabou para fazer evoluir para cabeleireiro de homens - talvez porque "fazer a barba" em estabelecimentos públicos deixou já de ser muito comum. Quem alimenta esse interessante espaço informático é Joaquim Pinto, um homem que tem um carinho muito especial pela sua tão antiga profissão e que, por essa razão, se dedica a recolher as memórias que dela, ao longo dos anos, foi colectando.

Deixo aqui o link para esse curioso blogue, feito por alguém de quem sou cliente há mais de três décadas, mas que há muito deixou essa qualidade para se tornar num estimado amigo pessoal.

quinta-feira, setembro 17, 2009

Mais Pedras

Na espécie de espaço privado que as Pedras Salgadas têm ocupado neste blogue, em particular na zona de comentários aos posts anteriores sobre o tema, têm vindo a ser colocados textos de várias origens, com perspectivas cruzadas sobre a questão da urgente recuperação do respectivo Parque Termal.

O período pré-eleitoral que se vive acabou, inevitavelmente, por "poluir" politicamente este debate. Foi algo que não se pôde evitar, mas que, apesar de tudo, se conteve num apreciável registo de serenidade e respeito. Espero, com sinceridade, que resolvida que esteja a competição partidária local, e eleitos que sejam os novos órgãos autárquicos, uma linha comum de actuação possa vir a gizar-se entre todos os que se interessam pelo futuro das Pedras Salgadas.

Muito há a fazer e isso vai passar pelo estímulo à mobilização de todos os órgãos políticos que vierem a ser eleitos (deputados, autarquias), bem como pela necessária clarificação, por parte dos departamentos técnicos co-responsáveis pelo contrato com a Unicer, do modo como interpretam o ritmo de cumprimento que por esta está a ser imprimido aos trabalhos. E o que tencionam fazer, na hipótese de o considerarem não conforme com o que está acordado.

E, muito em especial, insistiremos na questão central à qual a Unicer até agora se furtou a responder: quando vai concluir o hotel a cuja construção se comprometeu, com tanta pompa e circunstância.

Comentários podem e devem continuar a ser colocados neste espaço e prometo que, a seu tempo, irá haver por aqui novidades sobre várias iniciativas que vão ser levadas a cabo.

É que esta é uma "guerra" que só agora está a começar!

Sapatos

Foi ao olhar para o interior dos meus sapatos, naquele hotel de Estrasburgo, que as coisas se me tornaram evidentes. As palmilhas eram de cor diversa. Logo, os sapatos também o seriam: tinha trazido calçados dois sapatos de modelo diferente! E só tinha comigo esse bizarro par.

Chegara de Lisboa nessa tarde e, quase directamente do aeroporto, fui para casa do secretário-geral do Conselho da Europa, para um jantar de chefes de delegação. Antes do repasto, como era de regra, teve lugar uma sessão de debate, "au coin du feu", na sala de estar, connosco sentados em sofás, uns em frente aos outros, por cerca de uma hora. Provavelmente, alguns dos ministros e secretários de Estado presentes ter-se-ão apercebido de que o seu colega português estava calçado com incurial diversidade...

Depois do jantar, no salão do meu hotel, numa roda de cadeiras, tinha coordenado uma reunião da delegação portuguesa, onde fora passada em revista a agenda do dia seguinte. Mas, do mesmo modo, ninguém referiu nada.

Agora, no quarto do hotel, cerca da meia-noite, que poderia fazer?

De manhã cedo, parti de carro para a reunião no Conselho da Europa. Na altura da foto de família, lembro-me ter escapado para as filas superiores, garantindo que os meus sapatos ficavam tapados pela sombra dos meus colegas da Islândia ou do Azerbaijão.

Na sala de reuniões, dei-me conta que a temática em discussão estava a deixar-me enervado, mas logo percebi que eram mais os sapatos do que as teses em confronto. Pedi a palavra cedo, disse o que tinha para dizer e planeei uma estratégia: voltando-me para o nosso embaixador, perguntei-lhe se me podia dispensar o seu carro e o motorista por algum tempo. Pelo meu ar críptico, porque não dei qualquer explicação plausível, porque no passado apenas me vira usar o seu carro para ir a livrarias, onde quase sempre me acompanhava, porque era mais do que estranho eu sair a meio de uma reunião ministerial, imagino o que possa ter pensado... Porém, homem com mundo, foi prestável, colaborante e discreto.

Ao motorista, pedi para me levar a um centro comercial. Procurei uma sapataria e pedi para ver sapatos do meu número, quase sem olhar ao preço. Ao experimentá-los, ainda me senti tentado a explicar à empregada a estranha situação em que estava. Olhou-me com uma frieza de quem tinha isso como sua última preocupação, com um pouco carinhoso "Oui, je vois...".

Saí com os sapatos novos calçados e o par heteróclito num saco. E lá regressei, impante, à reunião. Ninguém escapa ao ridículo e, muitas vezes, como foi o caso, o receio do ridículo é que nos faz cair nele. Ninguém deve ter notado os meus sapatos e, mesmo que assim fosse, que importância isso tinha? Por que razão não assumi o facto e partilhei, desde o início e com um sorriso, a situação? Não sei. Mas lá que é chato andar com dois sapatos diferentes, lá isso é, podem crer...

quarta-feira, setembro 16, 2009

Pero que las hay, las hay!

Ele há coisas muito estranhas!

Há minutos, ao olhar a contracapa dos três primeiros volumes, recém-editados, da excelente colecção Portugal Futuro, da Sextante Editora, dirigida por António José Teixeira, descobri que nela é citada a famosa frase de Vieira, na "História do Futuro": "Nenhuma cousa se pode prometer à natureza humana mais conforme ao seu maior apetite, nem mais superior a toda a sua capacidade, que a notícia dos tempos e sucessos futuros". Uma bela frase, em particular neste tempo eleitoral...

Nesse instante, recordei-me do meu amigo Padre Brandi Aleixo, escritor e professor brasileiro, talvez a maior figura da divulgação de Vieira no seu país, com quem tive o gosto de trabalhar em diversas iniciativas, em especial durante 2008, o Ano Vieirino.

Pois não é que, no momento seguinte, recebo no meu e-mail uma mensagem de Brandi Aleixo a dar-me conta da mudança do seu telefone?!

"Pero que las hay, las hay!".

Europa

Terminou, finalmente, o longo folhetim sobre a renovação do mandato do presidente da Comissão Europeia.

Sucessor de Romano Prodi e Jacques Santer, Durão Barroso sucede agora a si próprio, por mais cinco anos. Uma boa notícia para o próprio e, sem a menor dúvida, para o país.

terça-feira, setembro 15, 2009

Conspiração

Não deixa de ser impressionante o acolhimento que continuam a ter as teorias conspiratórias em torno do 11 de Setembro. Debates diversos na televisão francesa dão mostra da persistência de sectores que, sob a forma de dúvidas sobre os factos ou de teses mais ou menos imaginativas sobre a forma como os mesmo se passaram, continuam a pôr em causa a versão oficial sobre os ataques terroristas nos Estados Unidos. A internet tem sido um espaço privilegiado para a propagação destas ideias, mas também novos livros continuam a ser editados sobre o tema.
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Pode ser que esteja enganado, mas sinto nesta especulação a exploração de um forte resquício de anti-americanismo, o qual, sendo uma posição tão legítima como qualquer outra atitude política, não deixa de afectar o rigor e a seriedade com que uma questão desta importância mereceria, em princípio, ser tratada.
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As teorias da conspiração têm hoje uma história já importante à escala mundial, algumas ajudadas pela obscuridade em torno de alguns factos, outras meramente elaboradas com base na ignorância ou na má-fé.
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A propósito, deixo uma história verdadeira, ocorrida comigo no Brasil, há cerca de dois anos. Durante uma conversa, ao referir-me ao Estado do Acre, um dos 27 Estados da federação brasileira, alguém me retorquiu: "Ah! Você é dos que acredita na existência do Acre!". Confesso que fiquei siderado, mas o meu interlocutor logo me "esclareceu": "O Acre não existe! É uma criação dos militares brasileiros, as cidades do Acre são na Amazónia e os senadores e deputados do Acre vêm de outros locais". E querem saber que esta bizarríssima teoria tem "grupos de trabalho" em universidades brasileiras?!". Não acreditam? Leiam, por exemplo, aqui.

segunda-feira, setembro 14, 2009

Direito à barbaridade

Um jovem francês, filho (curiosamente) de uma cidadã portuguesa e de um árabe, está hoje no centro de uma séria polémica que envolve o ministro do Interior francês, Brice Hortefeux. O governante foi "apanhado" num filme, que aparece no YouTube, no qual aparece a fazer uma graçola, num momento de conversa "solta", no intervalo de uma reunião partidária. Um comentário que faz no filme é, para uns, uma pura manifestação de racismo (no caso do ministro de estar a referir à origem àrabe do jovem), mas que, para Brice Hortefeux, se trata apenas uma inocente referência ao facto de ele e o jovem serem ambos da região de Auvergne. O governo francês, bem como o jovem luso-árabe, saíram em apoio do ministro; a oposição e outros sectores pedem a sua demissão.

Para o que aqui me interessa, muito mais do que o ministro disse ou quis dizer, embora reconheça que uma figura pública não pode dar-se ao luxo de exprimir certos comentários com ligeireza (todos nos lembramos do caso do ministro português que foi demitido, e bem, por ter deixado em público uma anedota de muito mau gosto), importa começar por discutir esta cada vez mais recorrente utilização de filmes obtidos em momentos informais e passá-los na internet, sem o consentimento dos visados. O que temos visto, nos últimos tempos, releva de um "voyeurisme" irresponsável que a imprensa, com falsa ingenuidade, vai depois repescar como "notícia", sem ter de pagar o preço deontológico de ter sido ela a obtê-la, por meios condenáveis.
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Mas a questão sai do campo formal e situa-se no área do conteúdo do que é dito, em certos contextos (e concedo que o do ministro francês, se se viesse a confirmar a intencionalidade de que é acusado, seria grave).
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Neste particular, subscrevo, em absoluto, o que o jornal "Libération" refere em editorial: "Parece que, a partir de agora, deveremos praticar, na vida corrente ou em política, uma espécie de policiamento da nossa linguagem que proibirá toda a espontaneidade, todo o "relaxamento" na expressão, toda a espécie de humor, desde que ele seja considerado de mau gosto, desde que afecte esta ou daquela minoria, este ou aquele grupo. Ora, num regime democrático, o comportamento quotidiano deve dispor de uma certa margem de "jogo", sem o que a liberdade de expressão passará a ser, em todo o lado, uma liberdade vigiada."

É evidente que todos concordamos que estamos num mundo novo, em que as graçolas de tonalidade racista ou discriminatória já não são, como eram no passado não muito longínquo, admitidas com um sorriso de mera condescendência, quando não de alguma cumplicidade. Muitos de nós somos do tempo em que as piadas sobre "pretos" (quem não se lembra das anedotas sobre Samora Machel?), sobre judeus ou outras recheadas de (verdadeiros ou apenas procuradamente irónicos) preconceitos faziam parte do dia-a-dia das conversas dos cafés, dos jantares ou das tertúlias. Era isso puro racismo? Era, pelo menos, uma menor atenção à sensibilidade de outros - e isso hoje é considerado inadmissível e, em muitos meios, é recebido com rejeição ou, no mínimo, com uma atitude silenciosamente desaprovadora.

Dito isto, pergunto-me se, apesar de tudo, não deveremos ter liberdade para, no nosso espaço íntimo e privado, podermos dar expressão a algumas "barbaridades", desta ou de outra natureza discursiva, sem corrermos o risco de estarmos permanentemente a ser espiados por algum "big brother", que colocará, de imediato, a nossa diatribe no YouTube. Eu, por mim, aviso desde já: não dispenso o meu direito privado à barbaridade. E assumo esta atitude com toda a clareza.

domingo, setembro 13, 2009

Suicídio

23 funcionários da France Telecom suicidaram-se no último ano e meio. Trata-se de uma empresa sob uma forte pressão de reconversão tecnológica e de métodos de gestão, com uma assumida atitude face aos seus empregados com vista à sua adaptação a formas de trabalho que parece estarem a anos-luz da sua formação profissional original.

Esta coincidência de suicídios está a provocar uma preocupação generalizada, do governo aos sindicatos. E a abrir aqui um debate importante, que pode contribuir para explicar melhor - em França, mas também noutros países - as dificuldades com que certos profissionais se debatem, num momento já avançado da sua carreira, ao verem-se confrontados com pressões de actualização e métodos operativos com que manifestamente se não sentem à vontade.
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Todos temos de aprender continuadamente, mas todos temos de ser ensinados a aprender.

L'Humanité

Frédéric Mitterrand, o novo ministro da Cultura do governo de Nicolas Sarkozy, bem como o seu colega do Orçamento, Eric Woerth, decidiram aceitar o convite que o Partido Comunista Francês lhes fez e deslocaram-se à tradicional Fête de "l'Humanité", o equivalente à portuguesa Festa do "Avante!" (embora historicamente bem mais antiga do que esta). Aconselho, aliás, a que apreciem a interessante evolução da imagem de Marianne no cartaz da festa.

A experiência esteve longe de ser um sucesso, com fortes insultos a ambos os ministros, que se viram obrigados a recolher-se, sob protecção física, para que as coisas se não agravassem ainda mais. Hoje, a presença da líder do Partido Socialista, Martine Aubry, foi melhor aceite e pôde levar a cabo o debate em que iria participar, embora o entusiasmo com a sua presença estivesse longe de ser esmagador.

Interrogo-me sobre o que poderia acontecer em Portugal, em casos semelhantes. Mas acho melhor não se tentar...

sexta-feira, setembro 11, 2009

S. Tomé


A minha amiga Ana Gomes recordou, há dias, no Diário de Notícias, a épica aventura que foi a montagem de uma visita presidencial a S. Tomé e Príncipe, nos idos de 80.

Estava então colocado em Angola e, a pedido do embaixador Quevedo Crespo, que chefiava a missão em S. Tomé, cheguei uns dias antes, para ajudar a preparar os eventos. A capacidade logística santomense não estava, à epoca, à altura mínima de uma operação daquela envergadura, que incluía transporte, alojamento e acolhimento, por alguns dias, de um significativo número de pessoas. Inaugurava-se então a extensão da pista do aeroporto de S. Tomé e o avião da TAP transportava uma larga comitiva, que aliás sairia dali para Kinshasa, no termo da visita.

A nossa pequena Embaixada em S. Tomé considerava que não tinha massa crítica suficiente para arcar com a preparação organizativa. Ora, três anos antes, eu tinha tido a meu cargo, na Noruega, a preparação de uma outra visita de Estado do presidente Eanes. Daí, talvez, a ideia da minha convocatória. Porém, as diferenças de meios eram do dia para a noite, como pude constatar desde o primeiro momento. E a tarefa tornou-se um pesadelo, devo hoje confessar.

Por um daqueles milagres que só as redes da lusofonia proporcionam, fui surpreendido com o facto do então chefe de protocolo santomense ser um velho amigo meu, infelizmente já falecido - o Eurico Espírito Santo, colega de noitadas no Porto, nos anos 60, figura popular na academia portuense e afamado jogador de basquetebol do CDUP. Sem a sua ajuda e sem o seu espírito de "desenrascanço", algumas coisas não teriam sido possíveis, nessa complexa visita.

Desde logo, como a Ana Gomes refere, confrontámo-nos com o facto de, poucas horas antes do banquete oficial que o nosso Presidente daria ao Presidente Pinto da Costa (para as novas gerações: trata-se de outra pessoa...), não haver disponibilidade de talheres. Dado o alarme, e num carro que um antigo colega de liceu, residente em S. Tomé, tivera a amabilidade de me emprestar, lá fui com o Eurico Espírito Santo, munido de uma "requisição oficial" da Presidência da República santomense, buscar, à famosa e vetusta Pousada de S. Tomé, os talheres necessários. Recordo ter subscrito uma declaração, em que me responsabilizava pessoalmente pela respectiva devolução. Não controlei isso depois...

Mas a cena do vinho, também referida pela Ana, foi muito mais curiosa.

O jantar, num espaço aberto de uma antiga roça, decorreu com a normalidade possível nestas circunstâncias. Porém, a certa altura do repasto, detectei alguma agitação na tenda presidencial, onde os dois Presidentes e alguns altos dignitários se sentavam, naquele modelo de mesa tipo "última ceia", voltada para o "povo", que é um vício arraigado de certos protocolos. Por uns instantes, exausto que estava de dias infernais de trabalho, tentei ignorar a movimentação, continuando a conversa com o João Paulo Guerra e o meu colega Castro Brandão, de que me recordo como alguns dos companheiros de mesa. Porém, ao final de uns minutos, ao ver a cara afogueada e a movimentação preocupada da Ana Gomes, acabei por ir ter com ela.

O que se passara? O nosso Presidente pedira, a certa altura, um pouco mais de vinho, para sobre a respectiva qualidade trocar impressões com o seu homólogo local. E trouxeram-lhe... água! Insistiu e... voltou a vir água! Chamados os assessores, constatou-se, no "backstage" de apoio à mesa presidencial, que já não havia mais vinho. E estávamos ainda a meio do jantar!

Ora acontecera, bem antes do jantar, que eu detectara, na coreografia do pouco fiável grupo de empregados que tomava conta do "catering", uma multiplicidade de olhares, quase lúbricos, fixados sobre as caixas que estavam a ser abertas, do excelente vinho que tinha vindo com a nossa comitiva. Algo me disse, então, que seria avisado pôr de parte algumas caixas, o que fiz na mala do carro que estava a usar. E o que se estava a passar justificou, em pleno, a minha prudência. E lá fui, com alguém da Embaixada, buscar as garrafas de reserva ao carro, as quais ficaram, a partir de então, sob a tutela ajuramentada de alguém de presumível confiança. E - revelo agora pela primeira vez, "para a História"! - levei discretamente comigo duas garrafas para a minha própria mesa!

Os Presidentes puderam regressar, finalmente, já com o necessário apoio substantivo, à elevada temática etílica para a qual derivara a conversa de Estado.

quinta-feira, setembro 10, 2009

11 de Setembro de 2001 - Nova Iorque


“Pela cor do fumo, deve tratar-se de um incêndio”, comento para o meu motorista, ao ver uma pequena nuvem negra, estranhamente alta, ao sul de Manhattan, caminhando de Oeste para Leste. Circulamos no FDR drive, a via rápida que acompanha a margem ocidental da ilha que é o coração de Nova Iorque. Devem faltar três ou quatro minutos para as nove horas, início da reunião dos embaixadores da União Europeia, que tem lugar todas as terças-feiras num prédio em frente da ONU. À entrada, o meu colega francês, Jean-David Levitte, fala-me de um incêndio no World Trade Center. O inglês, Jeremy Greenstock, que vem atrás, está melhor informado: um avião colidiu com uma das torres. Sem excluir nada, o acidente é a hipótese implicitamente assumida por todos como mais plausível.

Já no 6º andar do edifício, a caminho da reunião, vemos imagens na televisão: chamas e fumo. Minutos depois, um colaborador meu, que permanece junto ao televisor, vem chamar-me: um outro avião embateu na segunda torre. Regresso à sala, onde os trabalhos já começaram, e informo os colegas ao meu lado. Trata-se, sem dúvida, de atentados, mas não temos a menor ideia sobre o tipo de aviões utilizados. Porém, não nos passa pela cabeça que os incêndios não possam ser debelados, embora assumamos que deva haver um número importante de vítimas. O colapso das torres não é sequer, naquele momento, hipótese imaginável.

(Vi as torres do World Trade Center, pela primeira vez, em finais de 1972, na minha primeira visita a Nova Iorque. Fui ao topo de uma delas três vezes, a última das quais em Junho de 2001, com o meu pai. Na noite de 10 de Setembro de 2001, o José Manuel dos Santos ia jantar no “Windows of the World”, o restaurante no alto de uma das torres, e telefonou-nos, durante a tarde, a anunciar o evento. Ainda nessa mesma noite, ao regressar do lançamento oficial do jornal “24 Horas”, em Newark, o meu motorista convenceu-me a ir pelo Lincoln Tunnel, dado que estava uma visão excelente, o que permitia uma vista gloriosa das torres iluminadas – fico a dever ao Ismael essa derradeira perspectiva do skyline de Manhattan.)

Numa olímpica inconsciência, a reunião dos embaixadores comunitários prossegue, tendo a “Cimeira da Criança” na agenda de prioridades. Cerca das nove e meia, um papel circula: um terceiro avião ter-se-á despenhado no Pentágono. Surpreendentemente, a presidência da União Europeia não toma a iniciativa de suspender a reunião e nenhum de nós o sugere.

A reunião acaba às 10 horas. Estava previsto que o “sino da paz”, oferecido em tempos pelo Japão à ONU, tocasse no seu jardim, como é da tradição, para anunciar a data de início da nova Assembleia Geral anual, a ter lugar precisamente nesse dia. Saio da sala com a colega dinamarquesa e com Levitte, a caminho da cerimónia. Comentamos, com generalidades, a gravidade já pressentida dos acontecimentos. Chegados à rua, damo-nos conta que o mundo tinha, entretanto, mudado, muito mais do que nós supúnhamos. Havíamos estado numa patética redoma durante a última hora. À distância, tenho que confessar que não fico nada orgulhoso por ter participado nesse exercício de cegueira colectiva. Verificamos que o edifício das Nações Unidas está já praticamente evacuado. A circulação na 1ª Avenida foi suspensa. As pessoas param e sentam-se nos passeios, com caras de espanto e de inquietação.

Dirijo-me à Missão de Portugal, na 2ª Avenida, a 200 metros de distância. A maioria dos funcionários está na sala de reuniões, onde há um aparelho de televisão. A situação agrava-se a olhos vistos, os incêndios não parecem controláveis e a expectativa de haver muitas vítimas é cada vez mais clara. A consternação e a emoção são gerais, os comentários interrogativos sobre o futuro são crescentes e há lágrimas em muitos olhos. Que mais pode acontecer? Que outros riscos existem? Soube-se, entretanto, do quarto avião, despenhado na Pensilvânia.

Fecho-me só no gabinete, para pensar um pouco no que fazer, com a CNN em fundo. A pausa dura apenas escassos minutos. No meio do ambiente de tensão que se vivia, é-me anunciada a chegada do Embaixador da Islândia. Volto a protagonista de uma cena quase surrealista. Como havíamos combinado dias antes, vem pontualmente às 10 e meia ... para discutir a questão da rotação de candidaturas na Comissão dos Direitos do Homem! Delicada mas penosamente, deixo-o iniciar a conversa, com a cabeça já algures. À terceira ou quarta interrupção por telefonemas, ambos assumimos, finalmente, que o ambiente não está para business as usual e concordamos em adiar o encontro.

Entretanto, a primeira torre cai. A dimensão da tragédia adensa-se rapidamente. A perspectiva de cidadãos portugueses estarem entre as vítimas (que eu, um tanto inconscientemente, mas com infeliz precisão, já digo para uma televisão portuguesa que podem ser milhares) mobiliza, como é natural, os inúmeros contactos feitos pela comunicação social nacional. Na realidade, nada se sabe por ora. Em Lisboa ou Nova Iorque, todos somos simples membros da “geração CNN”. Nas minhas intervenções, com voz nas rádios e nas televisões nacionais que me procuram, tento adoptar um tom de procurada serenidade, assumindo sempre que, em qualquer caso, nunca haverá muitos nacionais portugueses envolvidos (recordo ter verificado que as visitas de turistas não se tinham ainda iniciado, à hora dos atentados). Remeto as precisões para o Consulado-Geral e para a Embaixada em Washington, mais por uma questão formal do que pela convicção de que possam saber algo mais do que eu.

Os telefonemas de Portugal sucedem-se: os nossos familiares e a comunicação social. E também o Presidente da República, o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e o Secretário-geral do MNE – os representantes oficiais portugueses que nos contactam a manifestar a sua simpática preocupação pelo nosso bem-estar. Por uma avaria da empresa dos telefones, com a central junto às Torres, que demoraria muitos dias a ser rectificada, vamos ficando sem linhas de acesso ao exterior, o que nos obriga a aproveitar as chamadas recebidas para pedir que sejam transmitidas mensagens de acalmia aos nossos familiares.

Sou informado que as escolas em Nova Iorque estão a encerrar e digo aos funcionários com filhos para irem para casa. Pouco depois, corre a notícia que a ilha de Manhattan vai ser isolada; os restantes funcionários que vivem fora da ilha – a grande maioria do pessoal administrativo - são autorizados a regressar rapidamente às suas casas, onde acabarão por ficar vários dias, dada a permanência das restrições.

As ruas, antes com imensas pessoas em conversas que se adivinham de catarse colectiva, começam agora a ficar vazias e silenciosas, se excluirmos as sirenes de ambulâncias e dos carros de bombeiros, mas essas já parte do cenário acústico nova-iorquino normal. Cada vez se vêem menos viaturas particulares. As restrições de circulação anunciam-se progressivamente rigorosas.

Com o pessoal administrativo e os funcionários com família já fora, a Missão está quase deserta. Os poucos que ficamos, estamos de piquete aos telefones que ainda funcionam - do embaixador ao Conselheiro Militar, num ambiente que se vai prolongar por vários dias. Às 7 da tarde (meia-noite de Lisboa), dou ordem para encerrar a Missão. Só então noto que não comi nada desde manhã.

Regresso a casa, onde a minha mulher passou o dia, como todos nós, em frente do televisor, o que vai ser a nossa sina nos dias que se seguirão. Acabará por ser ela a descobrir, através da informação de uma cadeia de televisão, que ambos, precisamente na 6ª feira e o sábado anteriores, havíamos pernoitado no hotel de Boston que foi utilizado pelos responsáveis de um dos atentados - o “Westin Hotel”. Confesso que não pude evitar uma viagem retrospectiva, embora sem sucesso, pela memória das caras que encontrámos nos corredores.

As imagens das torres em chamas continuam a ser repetidas à exaustão em todos os canais, os comentários dos especialistas esgotam o universo das hipóteses, os súbitos “peritos” na actualidade iniciam os seus meses de glória, muitas vezes num mero débito de platitudes e de lugares-comuns. A onda de análises que as televisões nos traz não deixa margem para dúvidas sobre o que aí vem. O desespero, a raiva e a vontade de vingança sobrepõem-se, sem apelo, a qualquer juízo de racionalidade. Não estou surpreendido. Falar simplesmente de justiça, ligar circunstâncias ou tentar enveredar pela explicação de algumas coisas passou, de repente, a ser incorrecto, porque não joga com o discurso maniqueu em que se apoia o jingoísmo já dominante. Dias mais tarde, vou descobrir que, na comunicação social portuguesa, o tom dos “especialistas” domésticos vai também, quase sempre, no mesmo sentido. A imprensa trar-nos-á, durante as semanas seguintes, alguns exemplares de ferozes exegetas críticos da heterodoxia. As Nações Unidas também não vão ficar imunes, por algum tempo, a esta vaga.

Depois de muitas horas passadas a reagir e a lançar hipóteses “a quente”, procuro parar um pouco para pensar. Alinho os factos, tento deduzir as consequências imediatas nas várias dimensões do problema e perspectivar linhas para participar na reacção colectiva que terá que ter lugar no âmbito das Nações Unidas. Estou praticamente sem comunicações com Lisboa, mas é óbvio que não necessito de quaisquer instruções para assumir posições nesta matéria em nome de Portugal.

Deito-me já de madrugada, depois de algumas horas de zapping televisivo. Foi um dia longo e pesado, um dia bem triste. Um dia que fez perder ao mundo bastantes anos.

(Este texto reproduz grande parte de um outro que inseri no meu livro “Uma Segunda Opinião”)

11 de Setembro de 1973 - Chile

quarta-feira, setembro 09, 2009

Títulos

Ao ver o cartaz de um novo filme, que se intitula "L'Armée du Crime", lembrei-me que as brincadeiras com as palavras, nos títulos, podem ser uma coisa muito divertida. Eu, confesso, sou fascinado por esses trocadilhos e só tenho pena de não ser organizado ao ponto de tomar nota deles.

Há uns anos, dizia-se que o jornal "Independente" criava títulos com alguma graça e, depois, imaginava conteúdo para os respectivos artigos. Confesso que, em absoluto, não acho mal. Um bom título é meio caminho andado para uma boa história e, em tese, até pode ficar à espera dela...

Tive sempre a ideia de que se, um dia, publicasse um livro de poemas - coisa que será um tanto difícil, porque nunca escrevi nenhum... - ele poderia vir a chamar-se "A Fixação Proibida". Porquê? Porque acho graça à "desmontagem" da expressão clássica das placas de parede, que agora rareiam, talvez por cansaço de inutilidade. Há dias, porém, o Ricardo Araújo Pereira, um dos poucos génios que Portugal tem produzido em tempos recentes, "roubou-mo" para um artigo na "Visão". Este já foi...

E acho excelente o título de um livro de poemas que, há um bom par de anos, no auge do PREC, vi numa livraria de Lisboa: "As Forças Amadas". Folheei-o mas nunca o li, até porque, com certeza, a poesia não estava à altura do título. A prova é que nunca mais se ouviu falar de tal livro.

Viva Queirós !


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Santa Casa

A imprensa europeia não fala de outra coisa: a decisão do Tribunal Europeu que deu vencimento à queixa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa contra a empresa de apostas informáticas Bwin, que impede esta de actuar no espaço português, tendo como associado luso a Liga Portuguesa de Futebol Profissional. Uma medida tomada com o objectivo de "lutar contra a fraude e a criminalidade" - para que se pondere. Está a ser um vendaval de notícias...

Parabéns, provedor Rui Cunha! E se a Santa Casa, para comemorar, devolvesse por teu intermédio aos automobilistas lisboetas o espaço que lhes retirou no Largo da Misericórdia? Seria bem bonito!

Notas

Não há ninguém que perceba melhor do que eu o fascínio que os famosos cadernos da Moleskine provocam nas pessoas. Tenho um grande amigo brasileiro que diz sentir-se "nu", se se esquece do Moleskine! Desde há muito que sou um infatigável coleccionador daquilo que os britânicos apelidam de "stationery", categoria comercial onde se incluem pequenos livros, de capa dura ou mole, de folhas brancas, quadriculadas ou de linhas, destinados a apontamentos diversos.

(Uma nota curiosa, de cultura "de almanaque": chama-se "stationery" a estes produtos porque se vendem em sítios fixos e não em vendedores ambulantes: "si non è vero, è bene trovato"...)

Compro-os incessantemente pelo mundo, para angústia de espaço de quem vive comigo, pela certeza que temos que, nem com outra vida, chegaria a ter tempo para os escrevinhar a todos. E tenho-os de várias espécies e tamanhos: desde uma "raça" muito bruxelense, usada na União Europeia, com capa dura coberta a pano acinzentado, até uma vienense de tom verde escuro brilhante, passando por alguns azuis fortes, com belíssimo aspecto e que quase dá pena de encetar. Nas reuniões internacionais, se vislumbro do outro lado da mesa alguém com um modelo que me interessa, não deixo logo de inquirir onde o adquiriu - e lá vou eu... Tenho agora encomendados, num encadernador de Vila Real, exemplares de um novo modelo que vi nas mãos de um amigo, coberto a carneira, que vai passar a estrela (episódica) do armário onde jazem dezenas desses livros e cadernos, separados, "às paletes". E, claro, também tenho um Moleskine, mas apenas um.

Dito isto, convém que ninguém se iluda. O mundo pode produzir toda a espécie destes caderninhos anti-Alzheimer (chamo-lhes assim porque neles tomo nota incessante de tudo o que posso esquecer), mas os melhores de todos - e os mais baratos de todos - encontram-se no Porto, na Papelaria Heróica, no número 110 de uma das mais bonitas artérias da Invicta, a Rua das Flores, paralela à Mouzinho da Silveira, para quem desce da estação de S. Bento para a Ribeira. Há décadas que lá me abasteço desses livrinhos, de capa preta, convencendo-me eu que os passaram a produzir também em papel quadriculado (eram só brancos e de linhas) depois de anos de operosas conversas que tive com os antigos proprietários. Eles fizeram-me a vontade, mas os actuais donos "estragaram-me" a gramagem da capa, o que torna agora os cadernos um pouco mais duros e menos maleáveis. Mesmo assim, valem muito a pena. Experimentem!

Já agora, se forem à rua das Flores, aproveitem para nela ver uma das mais belas igrejas do Porto e, quase em frente, um dos melhores alfarrabistas do país, para coisas contemporâneas, o "Chaminé da Mota". E, por hoje, basta de publicidade!

Genial

Devo dizer que, há uns anos, quando vi publicado este título, passou-me um ligeiro frio pela espinha. O jornalista que o construiu deve ter ...