Eduardo Ferro Rodrigues, na sua entrevista de hoje ao "Público" disse uma frase que é muito mais do que uma simples declaração: "Nós não sabemos o que vai acontecer à esquerda entre aspas - digo sempre entre aspas porque não acho que haja forças mais à esquerda que o PS".
Esta frase é significativa de uma ideia muito clara: as forças que, em Portugal, se situam à esquerda do PS, por muito que estejam convencidas da justeza das suas posições e estas mereçam ser respeitadas no diálogo político, não configuram, nos seus projetos, modelos que verdadeiramente possam corporizar uma política de esquerda para Portugal.
Sem pretender minimamente sugerir-me como intérprete daquilo que Ferro Rodrigues possa ter querido dizer, parece-me evidente que apenas o PS pode hoje apresentar-se como a força política que consegue, simultaneamente, assumir as grandes bandeiras do pensamento progressista contemporâneo, respeitando em pleno o quadro político-institucional, interno e externo, onde elas sejam exequíveis e - o que é muito importante e a "esquerda da esquerda" esquece muitas vezes - passíveis de compatibilidade com o espetro político alargado de sensibilidades da sociedade portuguesa atual. Quero com isto dizer, de forma muito clara, que qualquer política portadora dos valores de esquerda, dos modelos de solidariedade social e de ética de cidadania, que são o património orgulhoso de quem se considera "de esquerda", tem forçosamente de se colocar num patamar de aceitabilidade democrática por parte de quantos não partilham esses valores e que, por essa razão, dão, com toda a legitimidade, o seu voto a outras formações políticas - mais à direita ou mais à esquerda.
Ora olhando-se para os programas da "esquerda da esquerda", a tal "esquerda entre aspas" de que fala Ferro Rodrigues, fica claro que uma sua eventual execução significaria um processo de violentação política e económica de outros setores da sociedade portuguesa (inclusivé dos que votam PS), em alguns pontos dificilmente conciliável com o sistema democrático e, em todo o caso, sempre indutor de graves tensões, que poriam em risco o próprio regime.
Por essa razão, não por qualquer sectarismo mas por um meridiano realismo, o PS surge em Portugal como a única força de esquerda com condições de ser portadora de um projeto político-económico exequível, moderado e suscetível de funcionar como polarizador de um compromisso nacional que conjugue os valores da liberdade e de uma visão solidária do paìs.
Digo hoje isto com o à vontade de quem já pensou de forma diferente. E naturalmente, não pretendo, com o que escrevi, convencer quem acha que "essa coisa de esquerda e direita" são categorias políticas ultrapassadas, atitude que, não por acaso, é assumida, sempre e sem exceção, por quem se situa mais ou menos à direita.