quarta-feira, setembro 24, 2014

"Ó rapariga és tão feia!"*

Existem histórias de piropos brejeiros, outras de piropos incómodos e inconvenientes, mas há piropos que têm o sabor de uma história, uma história de vida que se preserva como um acontecimento e que deixa marcas.

Esta é a história de como um piropo foi importante na minha vida e dela fez parte.

Ó rapariga és tão feia!

Este piropo perseguiu-me durante anos. Andava ainda na escola, tinha que obrigatoriamente passar por uma velha taberna onde estava sempre sentado num banco, também velho e desgastado, um homem gordo de rosto avermelhado e brilhante, voz surda e de idade indefinida ou, eu pelo menos, não lha sabia definir. Retenho dessa imagem, típica de tempos idos, dos homens que, fugindo ao convívio familiar, faziam das tabernas locais de encontro. Retenho, na passagem, os cheiros, aquele cheiro agridoce do vapor do vinho, das comidas, exalando fumos e aromas. 


E aquele homem sempre ali, como sentinela constante, presente nas conversas e sempre atento ao movimento da rua.

Eu passava, eu tinha que passar. Por vezes atravessava a rua e furtava o olhar daquele lugar. Deliberadamente procurava ignorar a presença certa daquele homem, subtraí-la ao meu olhar vagueando-o para um lado e para outro, para a parede, disfarçando, resistindo ao olhar furtivo. E encontrava, encontrava sempre ou era ele que me encontrava naquela furtividade mal denunciada, mal disfarçada. Outras vezes eu remexia nos bolsos do casaco ou na mala, na esperança que ele não desse por mim. Antecipando o tempo, que falta me fez um telemóvel, tornava o disfarce mais natural, mais corriqueiro. Mas ele dava por mim. Sempre dava por mim,

Ó rapariga és tão feia!

E lá se ficava a rir, desabridamente, de um modo meio estranho e provocador. Eu podia sair de casa mais cedo, atravessar outras ruas, cansar-me num caminho mais longo, eu podia, eu podia... Mas havia sempre qualquer coisa que me levava ou me atraia à passagem por ali. A sedução de um não piropo que afinal o era.

Esse tempo passou. Nunca mais voltei a passar por ali e a lembrança daquele local, daquela taberna e daquele homem deram origem a uma difusa memória de um caricato acontecimento.


Muitos anos mais tarde, passando pelo local, já diferente, onde a taberna deu lugar a um café com um ar decadente, encontro sentado à porta, numa reedição de uma imagem antiga, a figura de um velhinho com ar simpático. Passo, em passo ligeiro, indiferente ao significado do local, das suas presenças habituais, dos cheiros e aromas que lhe davam o estatuto de local único composto de hábitos de pessoas, do ruído das conversas, das discussões mais ou menos acaloradas e de rituais. Uma vaga e distante imagem do que ele tinha representado para mim. Esquecida! Para minha surpresa oiço uma voz rouca, sumida,

Ó rapariga “cada” vez estás mais feia!

Voltei-me para trás. Era ele, o homem que tantas vezes me tinha embaraçado, cabelo branco, coluna vergada pelo peso dos anos. Reconheci-o e no reencontro senti de imediato uma imensa ternura. Aquele homem, aquela presença já não me inspiravam a vergonha e a timidez de outros tempos, as mãos não suaram por conta do embaraço que ele me provocava. Aquele homem, aquela presença eram a expressão viva de pedaços da minha adolescência e não resisti a contar-lhe o quanto me tinha perturbado nos meus tempos de juventude. Rimo-nos os dois.

Ó rapariga tu nunca foste feia eu é que gostava de me meter contigo!

Abracei-o com ternura e emoção.


Recuperei, dezenas de anos depois, a minha imagem de adolescente, afinal bonita. Nunca mais o vi mas hoje, lembrei-me deste episódio e senti saudades dos lugares e das pessoas, das muitas pessoas que viveram naquele tempo, naqueles locais e que ainda hoje povoam a minha memória.

* Esta deliciosa história é da autoria de Maria Odete Santos Silva e surgiu hoje no meu Facebook. Com a simpática autorização da autora, que a havia escrito aquando da primeira vez que o Bloco de Esquerda havia sugerido a criminalização do piropo, publico-a agora aqui.

A europeização da carreira diplomática portuguesa

O Curso de Verão 2014 do IPRI (Instituto Português de Relações Internacionais), que decorre em Óbidos, no Museu Municipal, de 25 a 27 de setembro, é este ano dedicado ao tema "Os Instrumentos da Política Externa Portuguesa: Estruturas, Representação e Desafios de Futuro".

No dia 26, cabe-me participar com José Matos Correia numa mesa redonda sobre a europeização da carreira diplomática, moderados por Teresa Gouveia.

Piropo

Leio que o Bloco de Esquerda vai levar de novo à cena parlamentar a sua proposta de criminalização do piropo. Há pouco mais de um ano, o assunto já havia sido suscitado, como então referi aqui.
 
Com esta iniciativa, aquele grupo político mantém-se na prestigiada senda de trazer a lume temáticas que estão bem no centro das preocupações maiores do povo português. É assim que se dignifica um parlamento. Grande Bloco (e isto não é um piropo!). Bem hajam!

Ilustro este post com a "American girl in Italy", uma imagem clássica de Ruth Orkin, de 1951.

(Cliquem na imagem para ver melhor)

Debates

Não foi bonito de ser ver. Teve pouca graça. O PS não saiu bem deste confronto. Quem ganhar no domingo vai ter de "colar os cacos". E não vai ser fácil. É a vida...

terça-feira, setembro 23, 2014

O debate de hoje

É hoje, ao final do dia. No fundo, há que convir, as ideias dos dois não são muito distantes, embora não seja de esperar, necessariamente, que delas resulte uma leitura idêntica sobre as coisas. Por muito que a política os aproxime - com os diabos!, ambos fizeram parte do mesmo governo, chefiado por António Guterres -, trata-se de pessoas diferentes, com um registo público diverso, fruto da variedade das experiências que os seus percursos próprios lhes proporcionaram. No final do debate, que se espera vivo e animado, caberá a cada um dos espetadores avaliar e julgar. Saiba um pouco mais sobre o debate de hoje clicando aqui.

O debate pode ser visto aqui.

Guerra petro-santa

 
Eu cá não sou de intrigas, mas quem olhar para a proximidade entre as manchas verdes (poços de petróleo) e as zonas de controlo e apoio ao ISIS (Estado islâmico) até poderia ser levado a pensar que todo este alarido e levantamento internacional contra o banditismo radical islamita pode ter também alguma coisa a ver com interesses petrolíferos. Mas não! Deve ser impressão minha...

segunda-feira, setembro 22, 2014

Manuel Ferreira Enes

Tendo estado vários dias ausente de Lisboa, só agora soube que morreu Manuel Ferreira Enes.

Vamos todos sentir falta da sua simpatia, do seu sorriso amável, das apresentações generosas que nos fazia aos novos diplomatas estrangeiros, que ele logo conhecia pelas artes da sua imbatível rede social, grangeada pelos anos nas relações públicas do turismo e hotelaria.

Nem sei bem porquê, tratávamo-nos por tu, o que, sem corresponder a uma especial intimidade, espelhava o ambiente agradável e franco que ele sempre sabia criar à sua volta.

Adorado pelos círculos das embaixadas, era uma figura sempre presente nas receções diplomáticas. Tinha a intenção de vir a contar-lhe, proximamente, uma graça que um amigo nosso espalhava desde há uns tempos. Vendo-me frequentemente envolvido em colóquios e palestras, costuma brincar: "Tu estás para as conferências como o Manuel Ferreira Enes está para os cocktails..." Acho que o Manel ia achar piada. Mas agora é tarde.

Chove chuva

Em Lisboa, chove "que Deus a dá", como diria a minha avó. Troveja mesmo. O Outono que hoje começa já está a "armar" a Inverno, para contrariar o Verão passado, que andou a copiá-lo. Os semáforos estão avariados, o que permite passar nos cruzamentos à luz da filosofia liberal ensinada na Universidade Católica, isto é, tudo ao molho, fé em Deus e quem tiver unhas que se safe.

"Portugal no mundo"

Aqui fica a lembrança para o debate que terei com Nuno Severiano Teixeira, sobre a política externa portuguesa depois do 25 de abril.

O debate terá lugar na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, na avenida de Berna, às 18 horas desta terça-feira, dia 23 de setembro.

Na ocasião, será feita uma homenagem à memória do professor José Medeiros Ferreira.

Memórias diplomáticas

 
Há semanas, falei por aqui dos três postos que gostaria de ter tido na minha carreira diplomática. Dentre eles, mencionei a Espanha e Marrocos. Lembrei-me disso ao acabar de ler as memórias do meu colega João Rosa Lã, que teve o privilégio de ser embaixador nesses dois países tão importantes para a nossa política externa. O livro chama-se "Do outro lado das coisas - (In)confidências diplomáticas".
 
Existe um notório défice de memórias diplomáticas no nosso país. Raros são os profissionais da carreira que passaram para o papel o saldo das suas experiências e isso prejudica fortemente a construção da nossa história diplomática e a compreensão da evolução das relações externas de Portugal. Com uma carreira muito diversificada, que incluiu algumas das grandes embaixadas portuguesas (como Washington, Bissau, Madrid e Paris), João Rosa Lã adquiriu uma visão alargada das grandes questões que têm marcado o nosso relacionamento internacional - e tem opiniões concretas sobre elas, que deixa abertamente registadas neste trabalho.
 
Para além de algumas curiosas revelações, fruto de contactos havidos durante a sua carreira de mais de quatro décadas, o livro de João Rosa Lã, ultrapassa o mero testemunho pessoal de um percurso profissional para se transformar num utilíssimo repositório de informação sobre os principais dossiês em que se viu envolvido, muitos deles de grande relevo para diversas dimensões da nossa ação externa. Construído numa escrita ágil e "reader's friendly", a obra oferece ainda, aos mais curiosos, uma "janela" sobre a vida interna do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da sua rede pelo mundo. Para um colega do "métier", estas memórias têm o aliciante suplementar de trazerem - nas suas linhas e entrelinhas - comentários e observações que se cruzam com a nossa própria perspetiva das pessoas e dos factos.
 
Para dar um abraço de felicitações ao João, irei estar, com muito gosto, no lançamento do livro, que terá lugar na Sociedade de Geografia, pelas 18 horas da próxima quinta-feira, dia 25 de setembro. A apresentação da obra, que tem um prefácio do professor Adriano Moreira, será feita por Jaime Gama. 

domingo, setembro 21, 2014

Descer à terra

O que levará um homem político a voltar atrás com a sua palavra? O que conduzirá Nicolas Sarkozy, que garantiu diante do povo francês, na Mutualité, na noite da sua derrota, que  - nunca, jamais, em tempo algum - voltaria a candidatar-se à presidência francesa, a reverter, com o maior dos desplantes, a sua decisão, dita como definitiva? 

Ainda não tive tempo nem paciência para ouvir, mas todos podemos imaginar com facilidade o argumentário patriótico que por aí virá: o dever, a França, o apelo das "francesas e dos franceses", o momento "excecional" (o que seria dos políticos sem o alibi da excecionalidade dos momentos?) e tudo o resto que é habitual.

Por detrás desta como de outras cambalhotas estará sempre uma imensa falta de respeito pelos cidadãos que, eventualmente, possam ter acreditado no que ele disse. Mas, mais do que isso, ao reverter de ânimo leve (deve também dizer que "refletiu" muito) o que tão solenemente assegurara, está a revelar uma imensa falta de respeito por si próprio. Neste caso, bem merecida.

Sei bem que, entre nós, a pequena história (não coloco maiúscula, por respeito à História) está recheada destes vai-e-vem, destas patomimices, desde quem chegou mesmo a desafiar a reaterragem divina até a quem se agarra como uma lapa aos lugares, depois de repetidamente ter anunciado mais do que uma vez o seu desapego. No fundo, estamos quase sempre e apenas perante um mar de ambição, de vaidade, do incontível desejo de não enfrentar as incógnitas do futuro imediato e de procurar controlar (e, se possível, "alindar") aquilo que já se pressentiu que a linhazeca no registo histórico acabará por fixar. "Encore un effort!", para a Wikipedia.

Em tempo: vi há pouco a longa entrevista de Nicolas Sarkozy à France 2. Sarkozy não mudou uma linha, signifique isso o que significar.

Problemas de liquidez

Tive ao longo da vida e, por um conjuntural acaso, continuo a ter, uma vida de hotéis. Nos últimos três dias, estive em três, todos pela primeira vez. Ontem, ao ler uma nota de Bagão Felix no "Público", reconheci-me nela.

Passa-se de um hotel para outro e, por mais experiência que acumulemos, o sistema das torneiras do banho continua a ser um mistério recorrente. Às vezes, entro numa nova casa de banho a ansiar por que tenha um sistema "à antiga", nada sofisticado, mesmo com o "preço" de ter um fluxo de água pífio. Tenho a sensação de que os arquitetos que engenham os mecanismos para tomarmos banho nos hotéis modernos fazem de propósito para instalarem sistemas cada vez mais complicados. Como sou um irreconvertível "late riser", o meu tempo matinal é marcado por um ritmo rápido, sem tempo para pausas ou congeminações (aliás, impossíveis para mim antes do primeiro "expresso"). Por isso, o sistema de banho tem de ser muito "óbvio", isto é, não tenho tempo a perder para raciocinar sobre como funcionam as misteriosas torneiras que giram entre o chuveiro e a água que sai mais abaixo, com crípticos mecanismos que misturam temperaturas com fluxos de água. (Recordo-me sempre do meu querido amigo Raul Solnado, quando nos explicava a descoberta dos "repuxos" nos bidés da modernidade). 

Assumo, sem dificuldade, que o defeito deve ser meu (até porque se estende, frequentemente, ao funcionamento das luzes dos quartos: há semanas, acreditem!, passei quatro noite num hotel sem conseguir perceber, por completo, como funcionavam todas as luzes!) Muitas vezes, tenho a sensação angustiada, pelas manhãs, de que necessitaria de ter um MBA qualquer para perceber como vou conseguir tomar um simples banho. Mas já não tenho idade para tirar novos cursos. 

sábado, setembro 20, 2014

Loulé

Correspondendo a um simpático convite do Carlos Albino, um jornalista gostosamente "exilado" na sua terra, que preside à Comissão concelhia para as comemorações do 25 de abril, charlei e discuti ontem em Loulé sobre a política externa portuguesa.

A sala estava bem cheia, no belo edifício da Assembleia Municipal, a que preside o meu amigo Adriano Pimpão, antigo reitor da universidade do Algarve e de quem fui colega de governo, ao tempo longínquo em que ambos nos aventurámos pelos caminhos da política. Fui por ele apresentado, num debate moderado pela politóloga Rebeca Martins e introduzido pelo presidente da municipalidade, Vitor Aleixo, neto do poeta António Aleixo.

Só espero que, no final, quem esteve no auditório se não tenha lembrado desta quadra do Aleixo:

Sem que o discurso eu pedisse
Ele falou e eu escutei.
Gostei do que ele não disse
Do que disse não gostei.

Ante-estreia

Foi há dias, na ante-estreia do novo e magnífico filme de António Pedro de Vasconcelos (de que aqui falarei em breve).

Marques Mendes entrou, com o atraso que lhe é de regra. Simpático como sempre, saudou muita gente. À minha frente, um deputado do PCP alertou-o: "Ó homem! Veja lá! Não nos conte o final do filme!"

Ser a pitonisa do regime tem destas consequências...

Sábado

Porque hoje é sábado, porque a vida nem sempre dá tempo para estas coisas, porque os leitores também têm direito a uma pausa do escriba, por aqui me fico. Tenham o melhor fim de semana possível. Até já!

sexta-feira, setembro 19, 2014

Escócia

Tal como já tinha acontecido com o Quebeque, a Escócia acabou por optar por uma solução de "conforto", recusando a aventura de se cindir de um país com expressão à escala global. É um resultado que não surpreende.  A ter sido outro, a História a médio prazo da Europa iria ser diferente e tornar-se-ia bastante mais imprevisível. Este é um mau dia para os independentistas catalães.

quinta-feira, setembro 18, 2014

"Portugal ainda tem uma política externa?"


Amanhã, sexta-feira, pelas 21.30 horas, na Câmara Municipal de Loulé, irei falar, a convite da Comissão Concelhia para as Comemorações do 25 de abril, presidida pelo jornalista Carlos Albino, sobre o tema "Portugal ainda tem uma política externa? A crise europeia e a política externa portuguesa".

quarta-feira, setembro 17, 2014

"Bifes mal passados"

Já tinha ouvido falar de João Magueijo, um cientista português que trabalhava no Imperial College, em Londres. Há meses, numa livraria, reparei que ele tinha escrito um livro sobre a sua experiência de vida no seio dos ingleses. Intitula-se "Bifes mal passados". O trocadilho com o nome popular que entre nós é dado aos britânicos (os "bifes") era evidente.

Talvez por vício da profissão que já tive, sou muito curioso sobre este tipo de obras caricaturais sobre os países, tendo alguns interessantes livros da coleção "Xenophobe's guides", onde os estrangeiros juntam preconceitos sobre outras terras. Em especial, dedico-me a comprar (e ler, às vezes) alguns livros sobre o modo como Portugal é visto pelos outros. E, diga-se, nem sempre saímos muito bem da fotografia, às vezes nas entrelinhas, outras de forma abertamente agressiva e cruel, como aconteceu bastante mais num passado distante, frequentemente aos olhos britânicos.

Comprei três exemplares do livro de João Magueijo. Ofereci um deles a um leitor habitual deste blogue, pelo que pode ser que em algum comentário ele se manifeste. Dei outro a um inglês meu amigo, que já me disse considerar o texto "brutal". E li o terceiro, claro.

A minha opinião aqui vai. Tal como Magueijo, vivi mais de quatro anos em Londres, embora nem de longe nem de perto tivesse a experiência do que é a "imersão total" no país, que só se obtém quando se lida essencialmente com locais, o que não era bem o meu caso. De todo o modo, reconhecendo alguns traços verdadeiros na caricatura que desenhou, estou muito longe de concordar com a forma mordaz como ele interpreta o comportamento dos britânicos, acho que exagera imenso nos respetivos defeitos coletivos de caráter, que carrega de forma desproporcionada nas tintas sobre os seus hábitos comuns. E entendo que o autor não sublinha, por contraponto, as imensas qualidades do espírito do povo do Reino Unido. Ou eu estou muito enganado ou João Magueijo quis-se vingar de algo que possa ter sofrido num país onde o "stiff upper lip" e a sobranceria snob são apenas uma das múltilas faces daquela sociedade. Um país que não é fácil, mas uma das mais interessantes sociedades que tive o privilégio de conhecer. Mas eu devo fazer aqui um "disclaimer" pessoal: se tivesse de trocar Lisboa por qualquer outra cidade do mundo para viver, essa cidade seria Londres.

Uma coisa gostava de sublinhar. Apreciei imenso o estilo de escrita de Magueijo, por muito que ele insista em utilizar um vernáculo agressivo, aliás muitas vezes dificilmente traduzível. O livro lê-se muito bem, é divertido e muito "entertaining", como diriam os cidadãos britânicos se acaso não fossem alvo do mesmo. Por mim, recomendo-o francamente.

Duas notas finais.

Tive uma imensa surpresa pelo facto de alguma imprensa britânica ter saído a terreiro, nas últimas semanas, a atacar o livro. Não estava, francamente, à espera. Os britânicos costumam ter uma "capacidade de encaixe" muito grande e não excluo - não excluo mesmo! - que seja a emergência crescente da sua própria xenofobia que os possa ter levado a ficarem incomodados desta forma. E logo eles! Durante séculos, provavelmente nenhum povo (talvez os franceses...) disse mais "cobras e lagartos" do mundo exterior do que os britânicos. E Portugal que o diga.

A última nota é para o "anti-Magueijo". Refiro-me a Alex Ellis, o anterior embaixador britânico, Portugal, atualmente a chefiar a representação diplomática do Reino Unido ("unido" pelo menos até amanhã à noite) no Brasil. Durante o tempo em que esteve entre nós, escreveu um delicioso blogue com o irónico nome de "O bife mal passado", o que o aproximava formalmente do livro de João Magueijo. Mas só no título: o blogue mostrava uma permanente afetividade por Portugal, país que olhava muitas vezes com um olhar mais complacente e carinhoso do que aquele que nós próprios temos sobre nós. Mas o Alex tinha duas "vantagens" ou "limitações": era diplomata em Lisboa e é casado com uma portuguesa...

"Portugal no mundo"

                
Francisco Seixas da Costa e Nuno Severiano Teixeira debatem “Portugal no Mundo”
                                  
Com o professor Nuno Severiano Teixeira, vice-reitor da Universidade Nova de Lisboa, proferirei na terça-feira, dia 23 de setembro, pelas 18.00 horas, no auditório 1 da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova, na avenida de Berna, a 8.ª conferência dedicada aos 40 anos da Revolução de Abril.
 
Subordinada ao tema “Portugal no Mundo”, discutiremos a evolução da política externa portuguesa em 40 anos de Democracia.
 
Originalmente, seria com o professor José Medeiros Ferreira que eu deveria estar neste painel. A sua morte, no mês de março, converterá esta conferência também numa homenagem à sua figura.

terça-feira, setembro 16, 2014

Ian Paysley

Por décadas, habituei-me a ouvir a voz tonitruante e quase bíblica do reverendo protestante Ian Paisley, saída daquela figura agigantada com um ar de mal-disposto (que também se sabia transfigurar num imenso e jovial sorriso), denunciar, enfaticamente, não apenas as veleidades dos católicos do Ulster (que não é exatamente a mesma coisa que a Irlanda do Norte, para quem não saiba), favoráveis à unidade com a República da Irlanda, mas igualmente o menor sinal de cedência que sobre a matéria pudesse detetar da parte de Londres.
 
Não deve ter havido em todo o Reino Unido uma figura que mais militantente tivesse lutado pela intocabilidade do modelo do União. Durante anos, Paisley opôs-se a todos os compromissos e tentativas de acordo que deles podiam decorrer. Ficou famosa a frase que o prémio Nobel da Paz, o católico moderado John Hume, um dia lhe lançou: "Ian, se a palavra "não" desaparecesse da língua inglesa, ficavas sem voz, não é verdade?". Ian Paisley acabou por dar o "sim" ao acordo de St. Andrews, que abriu caminho à paz no território.
 
Não deixa de ser irónico que o maior defensor da intocabilidade do Reino Unido tenha agora desaparecido, a poucas horas de um referendo na Escócia que a pode vir a pôr em causa.
 
Deixo uma imagem que muito consideraram, por muito tempo, mais do que improvável: Paisley (à esquerda), "first minister" (o que não é a mesma coisa do que "prime minister", diga-se), lado a lado com Martin McGuinness, lider do Sinn Féin, a ala política do temível IRA, seu "deputy first minister", no Stormont, o parlamento da Irlanda do Norte. A História prova que não há impossíveis.

América

Aceitei um amável convite da CNN Portugal para acompanhar, a partir das 22 horas de hoje, as eleições nos EUA.