segunda-feira, julho 14, 2014

"Maresias"

O torreão poente da praça do Comércio imita o único que já lá estava* antes do terramoto de 1755, como o demonstra esta pintura de 1662 sobre a partida de Catarina de Bragança para Londres. Desde há anos que tinha uma grande curiosidade em entrar naquele espaço.

Fi-lo ontem a convite do meu amigo José Sarmento de Matos que comissariou a exposição "Maresias", organizada pela Câmara Municipal de Lisboa. Num espaço curto, é-nos dada uma interessante visão da frente ribeirinha de Lisboa, através de fotografias, pinturas, documentos de época e muitos outros objetos, em especial do rico espólio do Museu da Cidade.

Para quem gosta muito de Lisboa e tem grande curiosidade pela história da cidade, como é o meu caso, foi uma bela experiência.

* aprendi, há pouco, que o torreão atual está situado bastante mais junto do rio do que o que surge na pintura, que pertencia ao palácio real.

domingo, julho 13, 2014

Parabéns, Luis!

A organização deste Mundial de futebol esteve nas mãos de Luis Fernandes, vice-ministro do Desporto do Brasil, um amigo (que também é português) que teve a seu cargo toda a imensa máquina que permitiu montar um espetáculo desta dimensão.

O meu abraço de felicitações ao Luís estende-se a outro amigo, Aldo Rebelo, o ministro dos Desportos que tutelou politicamente toda a estrutura.

Contrariamente a todas as expetativas, o Brasil falhou apenas onde não se esperava: dentro das quatro linhas. Mas, no plano organizativo, esta foi uma grande vitória do país. Que, por isso, está de parabéns.

O fim do Bloco

O Bloco de Esquerda foi uma lufada de ar fresco num determinado momento da vida política portuguesa. O "cheiro" de uma oportunidade no quadro partidário, num tempo em que o PCP dava (ainda mais) sinais de anquilosamento e o PS se afundava no pragmatismo do poder, criou um movimento que diluiu barreiras que até então se pensava serem intransponíveis: entre comunistas críticos, maoístas de origens contrastantes e trotskistas disponíveis a um compromisso. Desde sempre "eleito" de uma comunicação social complacente, o Bloco ganhou um espaço público fortemente desproporcionado face à sua real importância democrática. Por um certo tempo, reconheço que trouxe um discurso novo e desempoeirado à cena política doméstica, antes de ter mergulhado na furiosa adoção do "politicamente correto" sectário.

Servido por figuras com inegável capacidade intelectual, de Miguel Portas a Francisco Louçã, passando por Fernando Rosas e Luis Fazenda, bem como João Semedo ou José Manuel Pureza, o Bloco deu mostras de estar unido nos momentos de "fluxo" dos ciclos políticos e de revelar fáceis fissuras nos tempos de refluxo. O seu ADN algo autoritário (Stalin e Trotsky não foram dos maiores democratas...) veio facilmente ao de cima em crises que envolveram figuras que lhe estiveram próximas mas que, por qualquer razão, se afastaram do seu controlo, como foi o caso de Rui Tavares, Daniel Oliveira ou Joana Amaral Dias, e agora parece acontecer com Ana Drago. Numa marca organizativa politicamente adolescente, pareceu ter sempre pudor em assumir em pleno a chefia de Louçã, até cair numa patética liderança bicéfala, que a opinião pública nunca tomou muito a sério.

Mas a crise do Bloco é ideológica, não de forma. Paladino das causas fraturantes, o Bloco nunca teve a humildade do trabalhoso compromisso com a realidade, preferindo trilhar os fáceis caminhos da "pureza" doutrinária. Sem as "tropas" sindicais do PCP, não foi capaz de criar uma linha original que desse ao eleitorado comunista uma razão para deslocar para ele o seu voto. Ao PS, cuja ala esquerda procurou seduzir, deu uma irrecuperável "bofetada" histórica, ao ter contribuído para o derrube do seu governo em 2011, numa "coligação" aberta com a direita unida, devendo ainda ter de explicar se afinal preferiu a "troika" que depois aí veio e que o seu voto (bem como o do PCP) também contribuiu para chamar. 

Nos últimos tempos, esgotadas as temáticas dos direitos, o Bloco dedicou-se a adubar um crescente radicalismo político, colando-se a tudo quanto "mexesse" contra o governo, alimentando o discurso velho e relho contra o "grande capital", que a desregulação financeira facilitou, favorecendo hipóteses "albanesas" de saída da crise (como o abandono da UE), demonstrando assim uma clara irresponsabilidade política e um desnorte estratégico que o colocavam fora de qualquer solução política construtiva. Adepto do "crescimento", pugna contudo por um modelo de sociedade que afasta o investimento produtivo e a criação de emprego, projetando a menos apelativa imagem de um país que pretende estimular a entrada de capital exterior, que parece ser, até prova em contrário, a única forma desse "crescimento" surgir. Num clássico tropismo tradicional da extrema-esquerda, passa o tempo a clamar pela "unidade", ao mesmo tempo que se "balcaniza" cada vez mais em grupos e iniciativas, heterónimos da sua cissiparidade endémica. Agora, o seu estertor anuncia-se e apenas a oportunista tribuna mediática permite que a sua bancada parlamentar sobreviva até às legislativas.

De certo modo, tenho pena ao ver este fim pouco glorioso do Bloco. É que, olhando para ele, não consigo deixar de sentir uma certa nostalgia por uma "movida" política de que, há décadas atrás, me senti próximo. E dou comigo a pensar que o voto de muitos portugueses, como se viu nas últimas eleições europeias, continua a ser desperdiçado de forma frustrante em formações que, podendo acolher os frutos do seu descontentamento, não têm a menor hipótese, pelo irrealismo do que propõem, de contribuir para a construção do nosso futuro coletivo.

A Copa e o Mundial

O Mundial acaba hoje, a Copa terminou ontem. 

Com a derrota frente à Holanda, a equipa brasileira demonstrou, uma vez mais, não estar à altura da esperança que o seu país nela colocou. E se a classificação que obteve provocou uma forte deceção, acho que os apoiantes do "escrete", entre os quais me incluo, devem estar bem mais desiludidos com a pobreza do futebol apresentado. Os "experts" dedicar-se-ão agora a dissecar as razões deste fracasso, que não se explica apenas pela força dos adversários. E nessas razões, sejamos realistas, estará a incapacidade de Luiz Filipe Scolari de transformar numa equipa um conjunto de excelentes jogadores.

Resta notar que o Brasil teve uma lamentável atitude ao deixar que a sua equipa abandonasse o estádio e não estivesse presente na entrega das medalhas de 3° classificado à Holanda. E o público deveria ter saudado os vencedores da partida, porque pior que perder é não ter grandeza no momento da derrota. Imaginem o que os brasileiros não diriam se, em caso de uma sua vitória, os holandeses tivessem tido um gesto idêntico! A deceção não justifica a falta de desportivismo.

sábado, julho 12, 2014

Lindo serviço!

Durante os últimos cinco anos, Vital Moreira, deputado ao Parlamento Europeu, presidiu à Comissão de Comércio Internacional daquela instituição. Um pouco por todo o lado, ouvi elogios ao seu trabalho, ao prestígio que Portugal ganhou através da sua ação, muito em especial na condução do processo relativo à preparação da Parceria Transatlântica para o Comércio e Investimento. 

O país não se terá ainda dado conta de que essa Parceria, cuja negociação se iniciará em breve, pode configurar uma radical mudança no panorama da relação entre a União Europeia e os Estados Unidos.  No que nos respeita, terá consequências da maior monta no perfil das nossas exportações e, ao mesmo tempo, pode garantir-nos um papel-chave na futura entrada na UE de gaz proveniente dos EUA (produzido a menos 30%), a somar-se às consequências positivas de uma mais intensa utilização do porto de Sines, por virtude da duplicação do Canal do Panamá.

Por todas essas razões, para a política externa de um país como Portugal, a Comissão de Comércio Internacional do PE constitui um lugar essencial para tentar controlar o futuro processo negocial e nele projetar os nossos interesses nacionais, que são de monta, como o evidenciará um estudo de uma entidade de grande qualidade, que daqui a semanas vai ser divulgado.

Vital Moreira abandonou entretanto o Parlamento Europeu, no quadro das mudanças que o PS decidiu introduzir na sua lista de deputados. Sabem o que aconteceu à representação portuguesa na Comissão de Comércio Internacional? Desapareceu... Nenhum dos atuais deputados portugueses faz dela parte, distribuindo-se por outras comissões, algumas das quais de duvidosa pertinência para os nossos interesses. Desconheço como decorreu o processo negocial de distribuição dos deputados pelas comissões parlamentares, mas uma coisa tenho por certa: iniciámos este "jogo" com um resultado negativo. Como se diz na minha terra, PS e PSD, os dois partidos que integram as formações políticas mais relevantes no PE, bem podem "limpar as mãos à parede" por este "lindo serviço" que prestaram à defesa dos interesses nacionais. E já notaram que ninguém fala disto na nossa comunicação social?

sexta-feira, julho 11, 2014

O BES e Portugal

Nunca o "isto anda tudo ligado" foi tão adequado. No prazo de poucas horas, o agravamento da imagem do BES (ou do GES, porque as coisas surgem confundidas) desencadeou uma onda de instabilidade sobre a imagem externa da economia portuguesa, arrastando atrás de si outras empresas nacionais, penalizadas nos mercados de capitais.

O tempo, nestas coisas, é um fator essencial e é mais do que lamentável que o país esteja a ser penalizado pelos jogos de poder na família Espírito Santo - com a continuação da patética coreografia das entradas e saídas no futuro Conselho Estratégico do banco - sobre a qual nem sequer houve o cuidado de fazer uma legítima pressão, no sentido de antecipar a famigerada Assembleia Geral. Esta continua marcada para 31 de julho, como se estivéssemos em tempo de "business as usual". Se já se constatou que não bastou, como se viu, anunciar uma equipa futura com nomes sólidos para a administração do banco, o supervisor e o governo - porque alguém está ao comando do "avião", ou não? - já deveriam ter feito o que deveriam, não na discrição dos gabinetes, mas com forte voz pública, por forma a acalmar os mercados. Por que esperam? Pela modorra da Comissão parlamentar de Inquérito?   

Logo à tarde, na Culturgest...

No âmbito das conferências "Portugal - propostas para o futuro", organizados pela "Culturgest", tem lugar hoje, sexta-feira, dia 11 de julho, nas instalações daquela fundação, a partir das 18.30, um debate sobre "A Europa e o Atlântico no futuro de Portugal".
 
Moderarei este debate em que serão oradores Miguel Monjardino, professor universitário e especialista em relações internacionais, e Vital Moreira, professor universitário e deputado europeu.
 
A entrada é livre. Apareçam!

quinta-feira, julho 10, 2014

Atenção a isto!

A Alemanha acaba de considerar "persona non grata" o chefe dos serviços de informação americano destacado no seu território. Esta notícia é verdadeiramente importante e pode ter consequências que importa seguir.

Tudo indica que poderemos estar no início de uma pequena crise para a resolução da qual vai ser necessária muita diplomacia e um ainda maior bom senso. Não é vulgar um gesto deste género entre países aliados, o que prova a seriedade das imputações que Berlim faz à ação da "intelligence" americana dentro do seu país. 

Os serviços secretos alemães são de excelente qualidade e a sua boa ligação a Washington era proverbial. Curiosamente, o serviço de informações externas alemão, o BND, deve a sua formação aos americanos, que, em 1945, recrutaram para tal um colaborador destacado da Abwer (a espionagem militar nazi), Reinhard Gehlen, dado o seu conhecimento profundo do novo adversário dos aliados ocidentais, a União Soviética. Gehlen foi detido, enviado para os EUA, tendo regressado depois à RFA onde, a partir de 1968, se tornou no "patrão" dos serviços alemães de espionagem. Salvo pequenas dissidências no quadro da "Ostpolitik" de Willy Brand, fruto das suspeitas de infiltrações da Stasi (espionagem da Alemanha Oriental), o relacionamento do BND com a comunidade de informações americana foi sempre muito positivo (escrevo sem suporte bibliográfico, porque toda a minha "literatura" sobre esta matérias já está na Biblioteca Municipal de Vila Real).

A confirmar-se, a crise de hoje ficará como um momento histórico nas relações entre os EUA e a Alemanha. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

Pedido de ajuda

Acabo de ler que um comentador desportivo francês fez o seguinte comentário na televisão, ao ver, durante um jogo de futebol, um jogador ultrapassar outro em corrida: "É a primeira vez que vejo um branco a correr mais depressa do que um negro".

Segundo relata a notícia, "caiu o Carmo e a Trindade" com este comentário tido por "racista", com uma onda de protestos na internet.

Ajudem-me, por favor, a entender isto. Por que diabo esta frase tem uma conotação racista? É que eu não consigo entender. Não é uma evidência que, em provas de velocidade, quase sempre os velocistas negros são mais rápidos que os brancos. Há alguma coisa de racista nesta simples constatação?

Uma história municipal

Há uns anos, estava eu embaixador algures, tive necessidade de falar com o presidente de um certo município português. A minha secretária informou-me que havia um qualquer problema que impedia que o presidente pudesse atender a minha chamada, mas que a sua interlocutora no outro lado da linha não estava a ser muito clara sobre o motivo desse impedimento. Pedi para ser eu a falar com a secretária do autarca. Respondeu-me em voz baixa: "O senhor embaixador desculpe, mas hoje não vai ser possível. Anda por aqui a Judiciária a vasculhar tudo..."

Lembrei-me hoje disto, sei lá porquê.

Scolari

Neste momento em que o (quase ex-) selecionador do Brasil está a ser colocado no pelourinho, vilipendiado como pessoa de forma inaceitável, como se erros futebolísticos autorizassem todo o tipo de insultos, quero testemunhar o meu apreço pela figura de Luiz Filipe Scolari, um homem que, ao serviço da seleção portuguesa, demonstrou ser o mais português de todos os brasileiros. Comigo, a gratidão e a admiração não são valores perecíveis com o tempo e com as conjunturas.

A nova proposta sobre a dívida

De há muito que assumi a modéstia de só me pronunciar de forma definitiva não sobre o que sei mas apenas sobre aquilo sobre que julgo saber alguma coisa. E, mesmo assim... Vem isto a propósito da economia. Todos já percebemos, em definitivo, que, tal como a guerra é uma coisa demasiado importante para ser deixada exclusivamente aos militares (como disse Clemenceau), os últimos anos deixaram claro que é suicida deixar a economia apenas nas mãos dos economistas, que quase sempre nos "explicarão amanhã por que é que as coisas que previram ontem não aconteceram hoje". Mas daí a que qualquer fabiano se arrogue o direito de mandar bitaites sobre os "spreads" ou a "saída limpa", com ar de entendido, vai uma grande distância. Muito embora a economia não deva ser do múnus exclusivo dos economistas, as coisas necessitam de ser estudadas antes de, sobre elas, se poder formular uma opinião que se tenha por séria. E o ambiente de poluição ideológica e partidária dos assuntos que por aí se vive não ajuda ao tratamento racional destas coisas.

Surgiu agora uma nova proposta sobre a reestruturação da dívida. À hora a que escrevo, está a ser discutida na Faculdade de Direito de Lisboa. Pensei passar por lá para assistir ao debate, mas uma leitura do texto convenceu-me a não fazê-lo. Com o devido respeito pela opinião dos seus autores, entre os quais reconheço (alguns) nomes qualificados e que respeito, fiquei com a sensação de que se trata de um "nonstarter", de uma construção teórica inexequível, irrealista e que seria detrimental para muitas camadas da população, representando, além disso, uma brutal mudança de paradigma político-económico, à revelia do que a imagem do país necessita. Se acaso houvesse a vontade política de a pôr em funcionamento, o que nunca acontecerá, Portugal ficaria mais isolado do que nunca no plano internacional. Digo isto como um não especialista, mas apenas como cidadão que tem vindo a interessar-se por estas coisas da economia, sem sequer chegar a ter a pretensão de chegar ao grau de dúvida que eles próprios mantêm entre si...

A pasta

Anda por aí um debate em torno da pessoa que Portugal vai indicar a Jean-Claude Junker, para integrar a próxima Comissão europeia. O debate alarga-se à pasta que esse futuro comissário pode vir a ter. O primeiro-ministro disse não querer tomar a sua decisão sem ouvir o líder da oposição e este, depois dessa conversa, voltou a afirmar que Portugal deve ter uma pasta que permita defender os interesses de Portugal. Resta saber o que isso significa e a melhor maneira de concretizar esse desiderato.

Nos seus 26 anos de presença nas instituições europeias, Portugal teve quatro membros da Comissão Europeia: Cardoso e Cunha, Deus Pinheiro, António Vitorino e Durão Barroso, este último por 10 anos, embora não escolhido pelo país, mas selecionado pelos líderes europeus. Nomes do PSD estiveram na Comissão em 21 dos 26 anos que Portugal leva de presença europeia. O PS apenas nomeou António Vitorino entre 1999 e 2004.

A escolha do comissário nacional resulta sempre de um entendimento entre o governo de cada país e o presidente indigitado da Comissão. É um processo complexo, porque, muitas vezes, as pastas que estão disponíveis e são propostas a um país exigem uma qualificação técnica que os nomes que esse mesmo país pretende indicar não possuem. Por outro lado, as várias pastas estão longe de terem a mesma importância. Os portfolios ligados às "políticas comuns" ou às áreas em que a Comissão tenha poderes delegados de natureza condicionante da vontade dos governos são, naturalmente, as mais importantes. E os vários países têm uma capacidade muito diversa para pressionar o presidente da Comissão para obterem aquilo que pretendem. Ou alguém acha que a Alemanha, a França, o Reino Unido ou a Itália não vão obter um bom portfolio? Ou, se o não conseguirem, que não serão compensados com lugares cimeiros, como os de presidente do Conselho europeu, presidente do Eurogrupo, Alto representante para a Política externa e outros postos chave da máquina comunitária que estão sempre sobre o tabuleiro, na Comissão ou no Conselho?

Custa-me ter de dizer isto, mas é importante deixar claro que a coreografia do primeiro-ministro e do líder da oposição sobre este assunto, revestida de um ar de consenso europeu, deve ser lida como um simples esbracejar político, num quadro de forças em que ambos sabem que são um dos elos mais fracos. Portugal tem hoje muito poucos argumentos e (lamento dizê-lo) muito escasso prestígio na grande mesa europeia e, estranhamente, vai ter ainda de "pagar", aos olhos de muitos, a década de Barroso à frente da Comissão. Não faço a menor ideia daquilo que Juncker possa já ter dito a Passos Coelho (salvo que gostaria que Portugal indigitasse uma mulher, para cumprir o "politicamente correto"), mas, atendendo ao perfil de afirmação que Portugal tem tido nos últimos anos na União europeia, não estou a ver Lisboa a "levantar a voz" junto de Juncker ou a atrever-se a "dar um murro na mesa" do Conselho europeu para ser compensado por qualquer meio por um lugar menos apelativo na Comissão. Temo que, na melhor das hipóteses, se contente em negociar uma qualquer direção-geral ou colher uma promessa compensatória num outro dossiê.

Há um erro clássico neste tipo de escolhas: procurar obter uma pasta ligada diretamente aos interesses do país. Foi assim que Cavaco Silva fez com Cardoso e Cunha e com Deus Pinheiro - e foi um total fracasso para os nossos interesses. Não foi isso que António Guterres fez com António Vitorino, que acabou por obter uma pasta sobre uma temática que era nova e de natureza neutra, o que deu como principal saldo a (justa) consagração do prestígio pessoal do comissário. Um comissário perde, de imediato, a sua capacidade de influenciar o Colégio de comissários quando é pressentido como utilizador da pasta que lhe foi atribuída para defender os interesses diretos do país que o indigitou. A União europeia é um jogo cruzado de interesses, mas há regras de gestão do cinismo comunitário que devem ser cumpridas. 
 
O que importa, então? Para um país como o nosso, seria muito positivo se pudéssemos obter uma pasta que tratasse de questões que fossem vitais, não diretamente para Portugal, mas para o maior número possível de outros Estados, numa "política comum" que, nos próximos cinco anos, obrigasse muitos a ir "bater à porta" do comissário por nós indicado. Só assim se abriria a porta às "marchandages" que poderiam vir a beneficiar os nossos interesses. Não quero nem posso ser mais explícito, mas quem anda no mundo europeu já deve ter percebido o que pretendo dizer. É fácil conseguir isto? Nada do que importa é fácil, mas a qualidade do exercício da política é assim que se mede.   

quarta-feira, julho 09, 2014

Fezadas

Nas "Tias" da Lapa, um cavalheiro contava há pouco que, num telefonema para o Brasil, a consolar um amigo do lado hoje mais triste do Atlântico, teve como resposta: "Foi pena durar tão pouco. Com mais uns minutos e íamos empatando..."

Não pude deixar de me lembrar de um episódio no campo do Calvário, em Vila Real, no início dos anos 60. Aproximava-se o fim de um jogo e o Sport Club de Vila Real não conseguia passar além do empate com a equipa visitante. Até que, aí a uns dez minutos do fim, lá conseguiu marcar um golo. Da bancada saiu então para o campo um incentivo que ficou na memória do humor da cidade: "Vamos à dúzia!"...

A boa moeda

O diretor cessante da Casa da Moeda despediu-se dos seus colaboradores com uma nota críptica, em que cita textos de duas músicas de Sérgio Godinho: "Lá em baixo" e "Arranja-me um emprego". Folgo em ver um dos maiores cantautores portugueses utilizado neste registo, prova de que o bom gosto pode conviver com a boa moeda. 

Da carta, resulta que terá sido vítima de algumas "Emboscadas", pelo que decidiu pôr "Os Pontos nos is", não ficando de "Bico calado", na esperança de que "Espalhem a notícia". Antes que "Mudemos de assunto", a carta faz-nos uma "Visita guiada" a um "Um tempo que passou", porque "Foi a trabalhar" que surgiu esta sua "Dor de alma", agora que chegou "O Fim de tudo". "Sempre foi assim"? Talvez, até porque "Isto anda tudo ligado" e porque este é "O primeiro dia" de um tempo em que já não está em "Maré alta", ele entendeu que valia a pena denunciar que "O rei vai nu". "Pois, é a Vida!", "Caramba!"

terça-feira, julho 08, 2014

Brasil...!

Por um compromisso simultâneo, não pude assistir ao Brasil-Alemanha. Pensava ver o jogo em "replay", mas agora, depois deste resultado (uma "cifra" que traz uma ressonância inescapável a um outro jogo, que para aqui não é chamado), acho que não vou ter essa coragem.

Faço parte de quantos, desde que Portugal (já) não esteja presente num campeonato, apoiam automaticamente o Brasil. Sei que nem todos os portugueses pensam da mesma forma, do mesmo modo que há muitos brasileiros que, com toda a legitimidade, preferem estar do lado de outras equipas.

Sabendo a importância que o futebol tem para o Brasil, e com a maior sinceridade, quero partilhar a tristeza dos meus muitos amigos brasileiros e dizer-lhes (embora saiba que isso de nada vale) que amanhã é outro dia e que o futuro do futebol brasileiro vai saber ultrapassar este infeliz "mineiraço". 

segunda-feira, julho 07, 2014

Tratado Orçamental

A 4 de fevereiro, publiquei neste jornal um artigo em que dizia que “o estado a que a nossa dívida pública chegou, nos últimos anos, não autoriza nenhuma vestal a ficar escandalizada se se afirmar que uma parte dessa dívida não tem condições objetivas para poder ser paga”. Para concluir que “a menos que um perdão parcial venha a ser admitido, associado a uma renegociação de taxas e maturidades, Portugal ficará esmagado por um peso financeiro incomportável. E os primeiros a não beneficiarem dessa situação seriam os nossos credores externos, que não tirariam vantagens de uma economia asfixiada”.

Um mês depois, surgiu o “manifesto” sobre a dívida pública, que ia no mesmo sentido. Muita gente pensava o mesmo. O “manifesto”, contudo, teve a vantagem de mobilizar pessoas que não se julgava possível que viessem a subscrevê-lo. Lembrei-me então do que Raul Rego escreveu, em 1974, quando Spínola publicou o “Portugal e o Futuro”: “o que V. Exa. diz não é novo, o que é novo é isso ter sido dito por V. Exa.”.

Hoje falo do Tratado Orçamental, outro dos nossos tabus políticos.

Esse tratado surgiu, no seio da União Europeia, como uma imposição por parte de alguns países, por forma a acalmar os mercados. Reforçava as condições do Pacto de estabilidade e crescimento, consideradas insuficientes para garantir a disciplina orçamental na zona euro. Ironicamente, no eixo da pressão para a aceitação do novo tratado estavam os dois países que haviam sido os primeiro a não respeitar o Pacto: a Alemanha e a França.

Portugal assinou o Tratado Orçamental em “estado de necessidade” e a oposição responsável esteve com o governo na ratificação do texto. E fez bem. O tratado aí está e, enquanto não for modificado, tem de ser cumprido. Nenhuma dúvida deve existir quanto a isto e são completamente irresponsáveis as vozes que apelam ao seu infringimento.

Mas os tratados não são intocáveis. Representam a conjugação de vontades numa determinada conjuntura, à luz da simultaneidade pontual de interesses. Se a conjuntura muda, é normal que os tratados evoluam. Pelo que devem ser renegociados.

As condições dos empréstimos da “troika” também eram imperativas, mas isso não significou que não tivesse sido possível, ao longo do processo de ajustamento, proceder a uma, ainda que limitada, renegociação das respetivas taxas e maturidades. Isso foi feito - e tudo indica que muito melhor poderia ter sido conseguido, se outra postura negocial tivesse sido assumida - à luz da avaliação das consequências da aplicação das medidas.

O mesmo raciocínio é válido para um tratado cujo quadro de aplicação, um pouco por toda a Europa, cada vez mais é considerado totalmente irrealista. Portugal não deve romper com o Tratado Orçamental, mas seria de uma total insensatez se o seu governo não se associasse, desde o primeiro momento, aos parceiros que se mostrem interessados na respetiva renegociação. Porém - repito -, enquanto não for revisto, o tratado deve ser respeitado.

Artigo que hoje publico no "Diário Económico"

Fora de jogo

Eu era bem jovem, mas já gostava muito de futebol. Tinha, contudo, como acontece a quem chega a esse desporto, a grande dificuldade de entender a falta de "fora de jogo" - nesse tempo dizia-se "offside". Nas idas ao campo do Calvário, onde em alguns domingos íamos ver o Sport Club de Vila Real, o meu pai esforçava-se por me explicar o significado da falta, perante o sorriso complacente dos espetadores vizinhos e o meu visível embaraço. Nesse tempos não havia televisão, através de cujas imagens estas coisas podem hoje ser mostradas com pormenor e eficácia pedagógica. Lembro-me da nossa mesa da braseira servir de campo de explicação, com os peões do tabuleiro de xadrez a funcionarem como jogadores. Até que aprendi.

(Sei que, por escrito, estas coisas são difíceis de explicar, mas vale a pena tentar: está em posição de fora de jogo, sendo por isso punido com um livre indireto, o jogador que, no instante em que a bola lhe for passada por um colega de equipa, se encontrar num lugar no terreno em que não tenha, entre si e baliza adversária, dois ou mais jogadores da equipa contrária. No passado, o árbitro assinalava a falta no momento em que a bola partia, agora a prática é só apitar no momento em que o jogador faltoso recebe a bola. E, muitas vezes, nessa ocasião, a sua posição relativa é diferente daquela em que estava no momento em que a bola partiu, o que dá origem a muitas confusões... Até cá em casa!)

Uma noite dos anos 60, em casa do meu avô, reunimo-nos para ver, naqueles televisores a preto e branco da época, com muito grão e não menos névoa, um Benfica-Real Madrid.

Num certo momento da partida, Alfredo Di Stefano, o mago argentino que brilhava então no Real de Madrid, foi um dos protagonista de uma bela jogada.  Vendo o seu colega Puskas - outro génio! - adiantado e isolado, passou-lhe a bola. Eu gritei "off side!". Mesmo perante a minha continuada indignação, o árbitro não me "ouviu". E Puskas correu o resto do terreno e colocou a bola no fundo da baliza de Costa Pereira.

Foi nesse instante que o meu pai me explicou que a regra do "offside" tinha uma assinalável exceção: não se aplicava quando a situação se passava na metade do campo da equipa que detinha a bola. Quer Di Stefano quer Puskas - mas é este que importa -, estavam no seu próprio meio campo, isto é, antes da linha de meio campo. E isso muda tudo. Aprendi para sempre, e julgo que comigo muita gente, nessa noite.

Don Alfredo morreu hoje, aos 88 anos. Está, agora sim, definitivamente "fora de jogo". Era um mito vivo no Real e foi um dos melhores jogadores de todos os tempos. A mim, que sempre reverenciei o seu génio, ensinou-me "a única exceção do 'offside" (*). A ele lhe devo, poucos anos depois, ter "brilhado" num curso de arbitragem da Associação de Futebol de Vila Real. Aliás, outra carreira que perdi...

(*) Na realidade, há mais três exceções: nos pontapés de baliza, nos pontapés de canto e nos lançamentos da linha lateral.

Entre a Europa e o Atlântico

A encerrar um ciclo de debates "Portugal - propostas para o futuro", organizados pela "Culturgest", moderarei na próxima sexta-feira, dia 11 de julho, nas instalações daquela fundação, a partir das 18.30, um debate sobre "A Europa e o Atlântico no futuro de Portugal". Serão oradores Miguel Monjardino, professor universitário e especialista em relações internacionais, e Vital Moreira, professor universitário e deputado europeu que, nos últimos anos, presidiu à Comissão do Parlamento Europeu onde foi debatida a proposta de Parceria Transatlântica.

A entrada é livre e todos são bem vindos.

É possível consultar, em vídeo, algumas dos anteriores debates. Assim, no "site" acima indicado (clicar no nome do ciclo de debates), pode consultar o debate "Investimento para competir na globalização", o debate "Que fazer com os fundos estruturais no período 2014-2020" e o debate "Infraestruturas de ligação internacional". Dentro de dias, estará disponível o debate "Crescimento e dívida externa - interações".  Trata-se sempre de conversas com grandes especialistas, muitas vezes com propostas inovadoras, que procuram fugir à polémica fácil e situar-se numa perspetiva simultaneamente prospetiva e construtiva. Se tiver tempo, ouça-as com atenção.

Ainda Carlos do Carmo

Não consegui ir à homenagem que a Câmara Municipal prestou a Carlos do Carmo. Mas, ao ler um miserável artigo de opinião ontem publicado no "Diário de Notícias", onde se amesquinha o prémio internacional recebido pelo cantor, apeteceu-me dar nota de algo que tem sido pouco sublinhado, mas que merece ser dito: o papel de Carlos do Carmo na aceitação política do fado.

Como canção identitária do país, o fado foi instrumentalizado com algum cuidado pela ditadura. O Portugal passadista, sentimental, a tanger a pobreza e a desgraça, que muitas letras do fado tradicional espelham, ia bem com o paradigma do regime de então. Enquanto o povo rimasse "amar" com "luar", para usufruto de turistas e salões marialvas, Portugal viveria tão "habitualmente" como Salazar gostava. A genialidade de Amália fazia bem a ponte entre todos esses mundos que apreciavam o fado, embora o sobrolho do regime se tivesse começado a franzir quando ela convocou poetas a sério para usufruto da sua voz. Mas o fado, com Fátima e o futebol do Benfica, era a caricatura popular de um Estado que de Novo já só tinha o nome. Até que caiu.

Chegados a abril, o fado sofreu a ressaca de tudo o que surgia ligado ao tempo que passara a ser um passado demasiado pesado para ser louvado sem risco. A demagogia fácil, que por esses magníficos dias também se instalou, transformou Amália no bode expiatório de todo o mundo fadista, com a canção a ser tida por um verdadeiro hino da reação. Nos meios de esquerda, o fado passou por tratos de polé. Lembro-me bem da condescendência irritada de amigos meus quando, no auge dessa onda, onde só se ouviam trovas revolucionárias e militantes, eu louvava a beleza do "Não venhas tarde" ou o "Nem às paredes confesso". Não me arrependo, claro.

Foi então que surgiu Carlos do Carmo. O fadista era "de esquerda", próximo do Partido Comunista. Fadista e comunista? Assim era e foi assim que, em grande parte pela sua mão e pela sua voz, com José Carlos Ary dos Santos à mistura, o fado se "segurou" nessa criativa mas também destruidora agitação. Em 1975, Carlos do Carmo seria o intérprete único do então importante concurso nacional em que se escolhia a canção que representaria Portugal na Eurovisão. Mesmo assim, alguma esquerda demorou tempo a "chegar" ao fado. Outra, suspeito eu, continua a olhar para ele como um rito alfacinha (um seu setor, de que nunca fiz parte, delicia-se com a napolitana versão coimbrã, salva da "tormenta" de 74 por via de José Afonso e Adriano Correia de Oliveira), desconfiando sempre da sua perversa influência melancólica, da apropriação aristocrática e sua banalização turística. Coitados, não sabem o que perdem!

A Carlos do Carmo, para além da contribuição para o seu património de algumas belas melodias, o fado deve muito daquilo que hoje é na memória de Portugal e do mundo, como canção que é, tal como os presidentes da República dizem sempre serem, mesmo quando o não são, "de todos os portugueses".

Pronto! É hoje...