sábado, junho 07, 2014

Conveniências

O meu pai costumava contar que, no tempo da sua juventude em Viana do Castelo, havia um cavalheiro que ficou conhecido por não ter reagido quando um dia a sua mulher foi agredida em público por um homem. A justificação dada, confrontado com a indignação dos amigos da família que o inquiriam sobre a razão pela qual assumira tal passividade, colou-se-lhe à pele para sempre: "não me convinha!"
 
Lembrei-me da expressão ao ter visto já apoiantes das duas possíveis candidaturas à liderança dos socialistas (outras pode vir a haver, já pensaram?), em artigos, declarações e blogues, a recomendar aos respetivos líderes que se abstenham de discutir, desvalorizando-as ab initio ou considerando-as inoportunas, algumas propostas apresentadas pelo seu adversário. A razão não é dita, mas trata-se de mera conveniência política.
 
Termino lembrando que o homem de Viana do Castelo não ficou muito bem no retrato da memória local.

sexta-feira, junho 06, 2014

Normandia

Foi em Deauville, na Normandia, depois de um jantar, em 2010. Falava com o "maire" da cidade, a quem havia manifestado a minha admiração pelo facto de, em muitos locais da região, ter encontrado, lado a lado, bandeiras francesas e alemãs, em cemitérios que celebravam as vítimas da guerra em que ambos os países se haviam defrontado de forma trágica, entre 1939 e 1945. 

Meses antes, durante vários dias de férias, havia percorrido toda (mas mesmo "toda") a "costa do desembarque", passando pelas célebres praias que os americanos tinham crismado com nomes bem sonantes. Visitara as casamatas alemãs, museus militares e restos das lanchas aliadas utilizadas no "dia D", 6 de junho de 1944. Desde criança que eu era um "viciado" no tema. O meu pai falava-me com entusiasmo desse dia histórico em que os aliados desembarcaram na Normandia, dando um impulso decisivo à derrocada da agressão nazi na Europa. Tornei-me desde então um leitor compulsivo de livros sobre a Segunda Guerra mundial, um assunto sempre muito presente nas conversas e nas prateleiras de livros lá de casa. Viver em França deu-me oportunidade de percorrer, de mapa na mão e de forma organizada, todos esses locais que tanto haviam mobilizado a minha imaginação.

Ao "maire" de Deauville perguntei se aos mais velhos, àqueles a quem a guerra tinha afetado diretamente as suas vidas, não chocava essa convivência com a bandeira do antigo inimigo. Explicou-me que, de facto, para algumas pessoas dessa geração que vivera a guerra "a quente", não terá sido fácil aceitar a normalidade da relação pós-conflito, com um país que lhes infligira tanto sofrimento. Mas esse era o "preço" da nova Europa, da nova amizade franco-alemã à volta da qual se construíra a paz e a unidade económica e política das Comunidades. 

O "maire" acrescentou, contudo, algo por que eu não esperava. Disse-me que muitos habitantes da Normandia, no período imediatamente após a guerra, mantinham sentimentos ambivalentes face aos ingleses e aos americanos - que eu pensava, com naturalidade, serem vistos como os libertadores que, de facto, foram. "Convém não esquecer que, para a população civil que habitava a Normandia, a força aérea inglesa e americana era vista responsável por meses de bombardeamentos de posições militares alemãs distribuídas por toda a região, cuja precisão estava muito longe de ser total, frequentemente destruindo casas de civis, provocando vítimas francesas, em muitas noites de terror". Nunca tinha pensado nisso: o "friendly fire" também mata.

Passam hoje 70 anos sobre essa data memorável. As praias da Normandia foram cenário de comemorações sobre a paz reconquistada na sequência do "dia D". Mas a guerra não desapareceu por completo da Europa, primeiro nos Balcãs, agora na Ucrânia. A paz é o bem mais inseguro da História.

Culturgest

É hoje, sexta-feira, às 18h30. Mais uma conferência do ciclo de conferância "Portugal – Propostas para o Futuro", no Pequeno Auditório da Culturgest, com entrada gratuita. O tema não podia ser mais atual: "Que fazer com os Fundos Estruturais no período de 2014/2020?".

No painel estarão vozes qualificadas como Elisa Ferreira, João Ferrão e José Mariano Gago. A moderação estará a cargo de José Manuel Félix Ribeiro. Trata-se de mais uma iniciativa de um grupo de que faço parte, com Fernando Bello, José Manuel Félix Ribeiro, João Ferreira do Amaral, João Salgueiro, João Costa Pinto e Miguel Lobo Antunes, este último diretor da Culturgest.

quinta-feira, junho 05, 2014

Os amigos e as cerejas

Com a idade, sinto que os amigos são como as cerejas: vão uns atrás dos outros. Desde esta manhã, debatia-me com a ideia de que, à data de hoje, já passou um ano desde que António Pinto da França nos deixou. Há minutos, na caloraça da feira do livro, para onde me "desenfiei" entre duas reuniões e uma tosta a fingir de almoço, dei de frente com Onésimo Teotónio de Almeida, um "browniano" que atravessou o Atlântico para vir à capital do império. E veio à baila um amigo comum que também já se foi, o José Guilherme Stichini Vilela. Por imperativos meus, a conversa teve de ser breve. Mas esta dupla e triste evocação estragou-me, de certo modo, a tarde deste soberbo dia de insuperável sol lisboeta. Ao mesmo tempo, estou grato ao Onésimo por me ter trazido à memória a imagem desse outro amigo. Relembrá-lo, traz alguma melancolia mas também um sentimento de um certo conforto, a certeza que não o esquecemos e que a sua evocação nos deixa marcas. Volto ao princípio: com os anos, a vida torna-se numa espécie de album de recordações. De imagens que já foram a cores e que agora são, inapelavelmente, a preto e btanco.

A cidade proibida

Lembro, como se fosse hoje, as imagens televisivas. Ceausescu está na varanda do edifício da presidência, em Bucareste. À sua frente, espalha-se uma grande e organizada manifestação de apoio, a tentar contrariar os ventos com que as "democracias populares" estavam, por essa época, a ser definitivamente varridas das História europeia. Engorrado para o inverno, o ditador romeno saúda, com um sorriso plástico, a multidão oficiosa que o aplaude, quando, de repente, se começam a ouvir longínquas vozes de protesto, vindas de outros manifestantes algures na praça. Nota-se que Ceausescu fica atónito por aquela contestação inédita, que "não pode" estar a acontecer, num regime como era o seu. A câmara não nos mostra essas pessoas, não faço ideia se se saberá o que lhes aconteceu. Mas, para sempre, passei a ligar a atitude daquela gente, um punhado de pessoas num ambiente altamente hostil, sujeitos à repressão mais selvática, à verdadeira definição da coragem cívica.
 
Veio-me isto à memória ontem, quando revi a imagem patética daquele cidadão chinês, de saco plástico na mão, que, há 25 anos, na praça de Tiananmen, se colocou em frente dos tanques militares, protestando contra o esmagar da tentativa de liberdade, prestes a iniciar-se. Seria interessante saber o que terá dito aos militares, os mesmos que, curiosamente, travaram o tanque para o não atropelar, minutos antes de reprimirem barbaramente milhares de pessoas. Nunca se soube quem foi esse herói, se ainda é vivo, depois de afastado por amigos, se acaso escapou à razia feita mesmo às portas da "cidade proibida". E que continuou a sê-lo.     

quarta-feira, junho 04, 2014

"Granta"

A "Granta" é uma revista/livro que descobri há muitos anos, creio que quando vivi em Londres. Apelativa pelo grafismo elegante, embora sóbrio, incorpora quase sempre um interessante e pretendido "new writing", muitas vezes com autores muito pouco conhecidos, ao lado de nomes consagrados, misturando a ficção com outros registos. Comprei, ocasionalmente, algumas das edições temáticas, às vezes em alfarrabistas, que vou lendo a espaços - porque a "Granta" é uma publicação que se lê sem pressas. É uma revista para se ir lendo.
 
Há meses, vi que a "Granta" ia publicar uma edição em português (a "Granta" tem outras edições, além da original inglesa, sendo que a francesa, talvez não por acaso, nunca existiu), sob a batuta culta e de bom gosto de Carlos Vaz Marques, figura que só conheço dos "media", mas que verifico ser sempre garantia de qualidade em tudo aquilo em "que se mete". A "Granta" portuguesa é igualmente excelente. E acho magnífico que, num tempo de crise, haja coragem para avançar com este tipo de iniciativas. Leiam o seu nº 3 "Casa". Eu já comecei a ler. 

Pikkety

Portugal tem coisas curiosas.

Anda para aí toda a gente a falar do livro de Thomas Piketty, "O Capital no século XXI", que já foi considerado um dos livros económicos da década, por uma figura tão ilustre como Paul Krugman. Trata-se de uma obra de economia que, ao que vejo, recupera certas categorias inspiradas no famoso livro de Karl Marx, "O Capital". Quando o livro saiu em França, no final de 2013, não teve um sucesso estrondoso, o que só aconteceu depois de ter circulado em versão inglesa. Hoje, não se fala noutra coisa. A versão portuguesa ainda demorará uns meses.

O debate em torno das teses do livro já começou. Hoje, recebi um mail com uma boa dezena, não apenas de recensões críticas, mas também de artigos, a favor ou contra. Entre nós, a sensação que tenho é que se iniciou uma polémica em torno do livro... na maioria por gente que o não leu e que apenas tem (já) opiniões "sobre" ele, feita à luz do que escreveu quem, de facto, o leu. Não querendo "perder o pé" ao que está na moda, a muito do nosso "impressionismo" doméstico basta a opinião dos outros. E, por isso, já hoje vi comentários sobre a análise feita à obra por Vitor Gaspar (que, claro, a leu cuidadosamente), por parte de quem só quer aproveitar a onda para mandar bitaites, as mais das vezes cavalgando até a maré política.

País curioso, este.

terça-feira, junho 03, 2014

Spam

Já não é a primeira vez que algumas pessoas se queixam de que colocaram um comentário neste blogue e ele não apareceu. Às vezes, não muitas, foi o meu "lápis azul" que exerceu os seus direitos, por não me apetecer dar cobertura a ataques a terceiros ou a insultos que passam as margens do meu sentido autoflagelatório.
 
Mas hoje, carregando na tecla do "spam" dos comentários, fui por lá descobrir, entre mais de sete centenas de mensagens que a presciência do blogue travou, mais de duas dezenas de anódinas mensagens, que os leitores devem ter estranhado não terem aparecido publicadas. Tarde embora, os comentários integram agora os "posts" a que respeitavam.
 
A esses amigos, peço desculpa pela minha imprevidência ao não ter cuidado em visitar a caixa de "spam" há quase dois anos. 

A hora do presidente

Vai para nove anos, o país elegeu um presidente da República que, tal como os seus três antecessores no regime democrático, jurou "cumprir e fazer cumprir a Constituição". O país já não terá mais nenhuma oportunidade de, pelo sufrágio, manifestar a sua avaliação sobre a prestação da pessoa que escolheu para a chefia do Estado. Alguns adivinham que este seu segundo mandato será julgado com grande severidade pelo juízo histórico, pela inoperância do que deveria ter sido a sua magistratura de influência, pela parcialidade com que se situou no terreno político, por episódios menos edificantes que entretanto protagonizou, enfim, por uma leitura negativa sobre a sua capacidade de estar à altura das exigências do difícil momento que Portugal atravessa. Outros vão mesmo ao ponto de considerar que o modo como o professor Cavaco Silva exerceu o seu mandato contribuiu para uma degradação da própria posição da chefia do Estado no quadro interinstitucional. Outros não.

Nestes dias complexos que atravessamos, a responsabilidade das instituições torna-se ainda mais evidente, pela exigência acrescida que lhes é colocada face ao modo como afirmam e dignificam os valores que souberam decantar de cerca de quatro décadas de regime democrático. Umas têm uma legitimidade democrática direta, outras resultam do compromisso que o Estado encontrou para garantir os "checks and balances" que o consenso maioritário do país, expresso no texto constitucional, concordou ser indispensável para limitar o poder dos órgãos de soberania e articular a sua mútua interação.

O Tribunal Constitucional é um desses órgãos. Resulta da vontade maioritária e qualificada da democracia representativa, foi criado para preservar a integridade da lei constitucional, para dar aos cidadãos a certeza de que a administração do Estado tem uma "linha vermelha" que não pode ultrapassar. As decisões que profere não estão, nem podem estar, imunes ao escrutínio e à eventual censura pública. Mas a sua dignidade institucional não pode ser posta em causa, em especial pelos restantes órgãos de soberania: a sua existência e a forma da sua composição dependem apenas dos eleitos diretos do povo, pelo que só se o mesmo consenso maioritário e qualificado que o criou vier a modificar-se é que o seu lugar na arquitetura do Estado, ou o desenho da sua estrutura, podem ser revistos. E esse consenso está muito longe de existir, pelo que a instituição Tribunal Constitucional tem democraticamente de ser respeitada e preservada.

Ora o país elegeu o chefe do Estado para ser o garante do normal funcionamento das instituições, como portador de um mandato direto e único, fonte de legitimidade incontestável e referente de equilíbrio do sistema. Por essa razão, o presidente da República não tem o direito ao silêncio, que não quero adjetivar, perante os desafios institucionais de que o Tribunal Constitucional está a ser alvo. Tem mesmo o dever, se quer estar minimamente à altura da sua responsabilidade democrática, de sair a terreiro e deixar a palavra serena sobre a necessidade de respeito pelos órgãos da República. O professor Cavaco Silva tem, nesta questão, uma oportunidade única para redimir o seu mandato. Esperamos que a não perca.

segunda-feira, junho 02, 2014

Informando Klow

                       
Como é sabido, entre a Bordúria e a Sildávia mantém-se, de há muito, um tenso conflito, ao pé do qual a luta pela liderança dentro do PS não passa de um mero arrufo. Um comentador deste blogue, muito atento à vida das embaixadas, conseguiu - imaginem! - obter o telegrama que o embaixador da Sildávia (residente em Paris mas acreditado em Lisboa) enviou hoje às suas autoridades em Klow, ainda a propósito da situação política portuguesa. Sem surpresas, o tom é algo diferente do do seu colega da Bordúria. Aqui fica, para as devidas comparações:

"Sendo embora residente em Paris, não deixo de seguir o que se passa em Portugal, país onde estou acreditado, Estado nosso amigo e cada vez mais nosso aliado, graças à minha acção persistente e incansável. A nossa firme atitude contra a Bordúria, após o grave incidente de fronteira na ribeira Tentenokayas, em que invasores expansionistas borduros caçaram e grelharam um cabrito sildavo, em clara violação dos acordos de Nogent-sur-Marne de 1990, tem-nos grangeado vivas simpatias da parte de todos os partidos responsáveis de Portugal e o eco destes incidentes na imprensa local excedeu as minhas melhores expectativas ( ver meu 111).

A recente crise no PS português insere-se no drama geral das sociais-democracias na Europa que, apanhadas nos laços de uma malha normativa europeia que apenas permite aos Estados a execução de uma política ordo-liberalista (ver meu 222) , se debatem como peixes fora de água acabados de pescar, à procura de uma palavra a dizer. De um lado, o radicalismo idealista, filho da ética da convicção e sem necessidade de atender à responsabilidade, que alguns traduzem num simples "rasgar o memorando", que eles sabem impossível de rasgar; do outro, os que estão prontos a alinhar na Grande Missa Europeia, que à alternância veio substituir a mera dança de cadeiras e que aparecem a público, com grandes promessas de mudança, para depois virem simplesmente fazer o que lhes mandam - a França está muito perto daqui para se poder esquecer o resultado dessas políticas.

Os que os "rebeldes" do PS podem representar é a possibilidade de um outro jogo: de, através de uma plataforma com forças políticas diferentes, para além da clivagem tradicional esquerda-direita, se construir uma política "patriótica" (sem medo da palavra) de defesa dos interesses da economia portuguesa contra os telecomandados pela nova "ideologia alemã". Será possível? Talvez não, mas é a única saída. Renzi não hesitou em apunhalar Letta e o capital de entusiasmo ali está. Servirá para alguma coisa? Tentemos. Navegar é preciso.

Longa vida a Sua Majestade Muskar XV e que o espectro da abdicação de um rei de um país aqui vizinho nunca possa assombrar a nossa amada Sildávia!

a) Klopstock"

Juan Carlos

Fui oficialmente educado a detestar a Espanha. Desde os livros da escola primária, o "perigo castelhano" só me não perturbava o sono por mera inconsciência juvenil e porque, em casa, as coisas era faladas de outra forma. No liceu, a História do (velho) Mattoso era um apelo profundo à reconquista de Olivença e um aviso subliminar à perfídia eterna de Madrid. Com a idade, comecei a olhar para outras Espanhas, de Unamuno a Llorca. Percebi que, por ali, nem tudo começava em Primo de Rivera e acabava no primarismo de Franco. Emocionei-me com as tragédias da Guerra civil e com a sorte dos vencidos, de Guernica a Madrid, das Asturias a Barcelona. Cedo fiquei ao lado de uma das "duas Espanhas". Quando entrei para a diplomacia, encontrei ainda, pelos corredores, os resquícios de uma cultura anti-Espanha, instilada por décadas de doutrinação salazarenta. Só Juan Carlos de Bourbon, que hoje anunciou que vai resignar, reconciliou Portugal, em definitivo, com a Espanha, como um todo. A Europa fez o resto. A Espanha, e com ela a península, devem muito à sabedoria de um homem que demonstrou sempre ser um bom amigo de Portugal. Em Espanha, eu teria sido "juancarlista". Embora o nome do novo rei não soe muito bem aos nossos ouvidos lusitanos, espero que consiga seguir o exemplo do pai. No que nos respeita, melhor é impossível.

Informando Szohôd

"Há uma semana, aqui em Portugal, o PS ganhou as eleições europeias por uma vantagem de cerca de 4% sobre a coligação de direita. Dentro e fora do partido, surgiram de imediato vozes a considerar esse resultado como pouco expressivo, atendendo em particular ao elevado desagrado que a política do governo havia criado no país e que, aliás, reduziu a maioria a um resultado muito baixo, sem paralelo na História democrática recente. Essa leitura interpretou negativamente o facto do PS ter captado apenas 32% dos 72% dos votos que não beneficiaram os candidatos da maioria e atribuiu isso a uma prestação insatisfatória do atual líder socialista, António José Seguro, nomeadamente pela formulação do que foi considerada uma pouco convincente alternativa política.

Convirá notar que Seguro tem no seu palmarés de líder da oposição duas vitórias eleitorais (autárquicas e europeias) e, nesta última, deixou a quase 10 pontos o PSD (a coligação teve 28%, podendo presumir-se que isso corresponde a 22 ou 23% para o PSD e 6 ou 5% para o CDS). Acresce que Seguro assumiu a liderança do PS após uma derrota fragorosa deste partido, em junho de 2011, que largos setores da opinião pública ligaram a um juízo fortemente negativo sobre o saldo financeiro dos últimos anos de gestão socialista. Seguro herdou um PS internamente dividido e preso ao compromisso assumido com a "troika", ainda subscrito pela anterior liderança, de cujos principais protagonistas se afastou e cujo património político foi acusado de não defender. Ao longo do programa de ajustamento, confrontou-se com um governo que, dia após dia, foi recebendo de quase todos os setores da comunidade internacional vagas constantes de elogios - que acabou por instalar em muitos e diversos meios internos a ideia de que não havia uma real alternativa à política de austeridade - e com um presidente da República cuja atuação muito favoreceu, na globalidade, a maioria no poder. Na sua gestão da oposição, Seguro foi obrigado a colocar-se no caminho muito estreito entre o cumprimento das metas internacionais previstas no acordo com a "troika" e a propositura de outras alternativas em matéria de política económica, sendo que a maioria das ideias que apresentou vieram a encontrar escasso eco externo e abertamente contrariavam as orientações do BCE, da Comissão Europeia e do FMI. A perceção desta relativa "solidão" internacional de Seguro não terá deixado de ter consequências na sua credibilidade interna.

As linhas positivas que alguns detetam na prestação do líder socialista não convencem, contudo, os seus críticos internos, que os resultados das eleições europeias estimularam a abandonar o silêncio tático que vinham mantendo, decidindo apoiar com entusiasmo a esperada candidatura à liderança de António Costa, o popular presidente da Câmara de Lisboa. O antigo ministro, apreciado em áreas à esquerda e à direita do PS, é dado por muitos como tendo uma imagem pública capaz de melhor mobilizar a oposição para uma vitória nas eleições legislativas previstas para 2015. Trata-se de um dos mais experientes políticos portugueses, de quem muito também se fala como futuro candidato presidencial. Em 2011, Costa escusou-se a disputar a liderança do PS contra Seguro, após a saída do anterior PM Sócrates, tendo recusado também a possibilidade de o voltar a desafiar no Verão de 2013, quando outra crise idêntica, embora menos tensa, atravessou o partido. Há quem diga que este não seria ainda o seu "timing" mas que, se recusasse este novo ensejo, poderia estar a comprometer definitivamente as suas ambições. Não se conhece ainda a Costa o corpo de ideias que possa vir a apresentar como programa para uma futura liderança da oposição, mas o desagrado que deixou claro quando o PS aprovou o Tratado Orçamental e a sua atitude, mais entusiástica do que a de Seguro, favorável a uma reestruturação da dívida pública são elementos que podem indiciar a sua adesão a uma linha mais confrontacional no plano externo - o que também é reforçado pelo leque de apoios partidários que tem vindo a recolher. Mas será errado presumir-se que Costa possa ser tentado a dissociar-se de uma política de responsabilidade, em matéria financeira internacional, se acaso vier a ascender à liderança da oposição.

Sob forte pressão, Seguro decidiu sublinhar a sua legitimidade e não facilitar a iniciativa desafiadora de Costa, recusando-se a convocar um congresso do partido, escudado nos estatutos e num aparelho que maioritariamente (pelo menos, por ora) o apoia. Em contrapartida, e num movimento de surpresa, sugeriu a realização de um processo eleitoral do futuro candidato socialista a primeiro-ministro, através de umas inéditas "eleições primárias", seguindo aparentemente o modelo francês de 2012, esclarecendo já que se demitirá de secretário-geral do PS em caso de derrota no sufrágio. Os observadores não adiantam prognósticos quanto ao saldo final deste debate.

Neste entretanto, o governo, confrontado com mais uma recusa do Tribunal Constitucional em aprovar algumas das últimas medidas de austeridade que tinha acordado com a "troika", o que pode redundar num novo pacote de impostos, pode contar com a supracitada situação no principal partido da oposição, entretido nas suas guerras fratricidas, e, por essa via, fragilizado na sua capacidade de combate. Segundo alguns meios, cuja credibilidade não é possível precisar, esta situação poderia levar o primeiro-ministro a propor ao presidente da República uma "clarificação" política, através de uma antecipação das eleições legislativas para o segundo semestre deste ano, confiante em que algumas melhorias na situação económica do país e um eventual descalabro visível na oposição poderiam desenhar um cenário que acabaria por lhe ser favorável.

Mas, neste país, atlântico na franqueza, europeu nos costumes visíveis, mediterrânico nos hábitos públicos e levantino na insuperável capacidade para tornar complexas as coisas mais simples, nada é mais imprevisível do que o futuro daquilo que hoje se toma por certo. O que, aliás, é muito pouco".

(Tradução do telegrama que o embaixador da Bordúria em Lisboa enviou há minutos às suas autoridades em Szohôd)

domingo, junho 01, 2014

Auguinha


A janela é da antiga prisão de Caminha. Passei por lá ontem e lembrei-me de uma história que o meu pai evocava, dos tempos em por aquela terra trabalhou, vai quase para nove décadas.

Na então vila de Caminha, havia um pobre diabo, daqueles que era (e infelizmente é) muito comum encontrar em todas as localidades: um pouco atrasado de espírito, fazia recados, vivia de expedientes e, não raramente, era alvo fácil da chacota popular. Perdi-lhe o nome, que o meu pai referia quando contava o que se segue.

A gandulagem da cidade nem sempre se portava bem, "metia a unha" ou armava rixas, pelo que, de quando em vez, ia parar aos calabouços, que tinham esta janela para a rua. Porque o serviço "hoteleiro" da prisão não era estrelado, através das grades pediam água a quem passava. A tal figura popular, chamada a ajudar, apiedava-se deles e lá ia procurar com que lhes matar a sede.

A gratidão não era, contudo, a melhor das qualidades desse pessoal. Quando se viam cá fora, em lugar de premiar aquele que os ajudava em momentos menos fáceis, voltavam à gozação ao homem, achincalhavam-no e riam-se dele. O tal pobre diabo reagia então, avisando de que, no futuro, se tivessem problemas, não poderiam voltar a contar com ele, dizendo: "Hádes querer auguinha!"

sábado, maio 31, 2014

Tweets do início do fim de semana

- Um segredo bem guardado: há uma maneira do Tribunal Constitucional não vetar as leis do governo. Basta elas serem conformes à Constituição!

- A decisão do Tribunal Constitucional é uma coisa séria. O governo deveria ter aprendido que não pode brincar com as leis e atuar como se elas não existissem.

- A Constituição é o consenso qualificado do país. O governo tem maioria mas não tem legitimidade para violar unilateralmente esse consenso.

- Tentar desqualificar politicamente o Tribunal Constitucional é um ato vergonhoso de desrespeito pela Justiça. E um insulto à idoneidade profissional dos juízes,

- A diabilização do Estado, o desprezo pelos direitos e a cobardia de atacar os mais fracos teve um travão na decisão do Tribunal Constitucional. Uma decisão honrada.

- Os que protestam contra a Constituição, estariam aos gritos se a sua liberdade fosse limitada. É a Constituição que o impede, sabiam?

- Quem acha justo que entre o salário de um jovem e a pensão de um idoso só este último pague CES?

- Será que a ninguém no governo perturba o facto de estar a ter como alvo de medidas reformados e idosos, pessoas que não podem regressar ao mercado de trabalho e estão numa fase fragilizada da vida?

- Há algo que não entendo: como é possível que alguém não considere como obscenos cortes em rendimentos de pessoas que ganham pouco mais de 20 euros por dia.

sexta-feira, maio 30, 2014

Alberto Costa e Silva

Há alguns meses, contei por aqui um episódio. Um dia, numa intervenção pública que proferi no Rio de Janeiro, no início das minhas funções no Brasil, afirmei que era chegado o tempo de abandonarmos a retórica nas relações bilaterais e passarmos a preenchê-las com a substância do relacionamento humano, cultural e económico desses novos tempos. No final dessa minha fala, o antigo embaixador brasileiro em Portugal, Alberto Costa e Silva, aproximou-se de mim e disse: "Não despreze a retórica, Francisco. Ela tem sido historicamente essencial ao nosso relacionamento bilateral. Foi ela a "almofada" de afetividade que permitiu sustentar as nossas relações, quando as coisas correram mal". Tomei nota dessa observação e, com os anos, vim a dar plena razão àquele nosso amigo.

Há minutos, uma jornalista quis saber a minha opinião pelo facto de acabar de ser atribuído a Alberto Costa e Silva o "Prémio Camões". Fiquei imensamente satisfeito com a decisão, que distingue uma personalidade riquíssima da cultura brasileira, que é igualmente um bom amigo de Portugal e uma das figuras da intelectualidade brasileira que maior atenção tem dado às questões africanas. Se há alguém que pode, com legitimidade, ser visto como representando bem a lusofonia que está na matriz do Prémio Camões, essa figura é o meu amigo Alberto da Costa e Silva.

Um forte abraço, Alberto.

Diplomacias

Sob a experiente condução jornalística de Anabela Mota Ribeiro, o embaixador Marcello Mathias e eu próprio discutimos hoje, em seis páginas do "Jornal de Negócios", como vão as coisas pela Europa pós-eleições, bem como a situação portuguesa. Foi um exercício bem interessante, para o qual infelizmente, não há link.

Sarsfield Cabral

Ainda antes do 25 de abril, um pequeno livro publicado pela editora Moraes chamou a minha atenção. Chamava-se "Uma perspectiva sobre Portugal" e era assinado por Francisco Sarsfield Cabral, um nome que eu me habituara, desde há uns anos antes, a ler na imprensa. Era um texto com que, à época, não concordava, porque transmitia uma leitura da sociedade e do futuro do país que eu identificava com uma visão demasiado conservadora. Isso mesmo escrevi numa nota crítica que o "Comércio do Funchal" então publicou. Lida hoje, a quatro décadas de distância, devo confessar que essa "perspectiva" de FSC (brincamos muito com a coincidência das nossas iniciais, que partilhamos com Francisco Sá Carneiro e com o jornalista Filipe Santos Costa) traduzia já uma forma refrescante de olhar as coisas, num tempo cinzento pouco dado ao brilho das ideias inovadoras.

Sarsfield Cabral é um jornalista, licenciado em Direito, que dedicou toda a sua carreira a "descriptar" a economia, a trazer para o leitor, o espetador ou o ouvinte uma leitura mais simplificada, mas nem por isso caricatural, dos aspetos económicos da sociedade. Isto parece coisa pouca, neste tempo em que qualquer estagiária televisiva de "corneto" na mão se arroga a mandar bitaites sobre a "saída limpa" ou o "défice estrutural". Mas não era assim, há umas décadas: quase ninguém na imprensa fazia esse esforço de simplificação, com rigor e precisão. Salvo Sarsfield Cabral e Daniel Amaral, não recordo mais nomes (mas admito que outros houvesse) que se tivessem destacado nessa pedagógica tarefa.

Só anos mais tarde, depois de muito o ler, vim a conhecer pessoalmente Sarsfield Cabral. Com ele tive, a partir de então, várias agradáveis conversas, públicas e privadas, sobre a Europa, de que sempre foi um fiel e ardente defensor, nomeadamente ao tempo em que chefiou a delegação da Comissão Europeia em Lisboa, depois de ter passado um período no MNE. Épocas houve em que não estivemos totalmente de acordo, embora no essencial sempre coincidíssemos. Mas criámos uma sólida relação pessoal, revestida já das vestes da amizade. Lembro-me agora que cheguei a desafiá-lo para uma aventura profissional, que ele entendeu não poder aceitar.

Li ontem que lhe acaba de ser atribuído um importante prémio de carreira, no seio da comunidade católica. Tinha já a intenção de fazer hoje uma nota neste blogue, a esse propósito. Para minha agradável surpresa, acabei por encontrá-lo, há horas, num jantar-palestra, onde lhe dei um forte abraço de parabéns. Mas quero aproveitar esta nota para aqui testemunhar a minha admiração sincera pelo grande profissional do jornalismo que é Francisco Sarsfield Cabral. Que, repito, é também um amigo.

quinta-feira, maio 29, 2014

Demissões

O período desses anos 90 era fértil em viagens. Eu acompanhava, com grande frequência, António Guterres nos contactos internacionais com os seus pares, nesse tempo de grande atividade e iniciativa de Portugal no plano europeu. A política interna, porém, não parava e algumas tensões resultavam em crises.
 
Um dia, em Paris, Guterres recebeu a notícia da demissão de Jorge Lacão, creio que de líder do grupo parlamentar. Telefonemas e mais telefonemas. Passaram umas semanas e, creio que estávamos em Londres, Manuela Arcanjo demitiu-se de secretária de Estado. Nova crise. Durante uma outra viagem, pouco tempo depois, um outro abandono de alguém, de um qualquer cargo que já não recordo. Mais problemas.
 
Passaram umas semanas. Numa outra viagem, no "Falcon" oficial, o primeiro-ministro recordou as três demissões e gracejou que parecia que não podia sair do país: demitia-se logo alguém! Acrescentou, sorrindo: "espero que, durante esta viagem, ninguém se demita!".

No percurso entre o aeroporto e a cidade, levei no meu carro um funcionário do MNE que tinha ouvido o comentário de António Guterres e que sublinhou a curiosa coincidência das ocorrências descritas pelo chefe do governo. A certo passo, recebi uma chamada por telemóvel. Porque o meu companheiro de viagem era um homem em cuja discrição eu confiava muito pouco, respondi por monossílabos e expressões vagas àquilo que me estavam a dizer, para não se perceber o assunto. Notei a curiosidade imensa do pendura, pelo que achei que tinha uma bela oportunidade para testá-lo. À saída do carro, sem mais pormenores, disse-lhe: "O primeiro-ministro ainda não sabe uma demissão de que acabo de ter conhecimento". E referi o nome de um político socialista medianamente conhecido, acrescentando em voz baixa: "Mas não se pode dizer rigorosamente nada! É secreto!".
 
Chegámos ao hotel. Uma hora depois, no hall, um membro do gabinete de Guterres aproxima-se de mim: "Você quer saber que aquele tipo do MNE referiu por aí a alguém que "Fulano" se demitiu. Tem sido imensamente gozado, porque, como se sabe, "Fulano" não ocupa nenhum cargo! Não podia ter-se demitido!". Verifiquei a eficácia do teste e tomei nota do sentido de discrição do diplomata. Que nunca me falou do assunto. Até hoje.
 
Lembrei-me disto ontem, quando vi que Jorge Lacão se demitiu.

quarta-feira, maio 28, 2014

Eu e os Stones

Numa noite dos anos 90, fiquei preso num "rush" de trânsito na praça das Flores, em Lisboa. De um "carrão" à minha frente vi então saírem Mick Jagger e a sua mulher (da época), Jerry Hall. Estavam a entrar para jantar no restaurante "Conventual". Fiquei com o episódio na memória, até porque tinha almoçado nesse belo e já desaparecido restaurante nesse dia.

Ontem, andando à hora de almoço pela zona do Cais do Sodré, deu-me para ir à procura de um restaurante que não conhecia, de que me haviam falado muito bem, a "Casa de Pasto". Há minutos, vi na RTP que Mick Jagger foi lá jantar ontem à noite.

Caramba! Mick Jagger, em matéria de restaurantes de Lisboa, tem mesmo bom gosto! Da próxima vez que voltar por aí, posso dar-lhe mais umas dicas.

Em tempo: dizem-me agora que Mick Jagger foi também ao "Salsa & Coentros". Ora bolas! Era era uma das dicas que eu tinha para ele!

Ainda as Europeias

Estive ontem na SIC Notícias, como convidado de Ana Lourenço, para falar sobre as eleições europeias, em Portugal e no resto da União. A conversa pode ser vista aqui.

Gastronomia

O que é a Academia Portuguesa de Gastronomia? É uma associação privada, com estatuto de "utilidade pública", composta por um núcle...