Uma conversa com João Crisóstomo, o indefectível defensor da memória de Aristides Sousa Mendes nos Estados Unidos, que
aqui anotei há semanas, trouxe-me à evidência a questão do estado deplorável da preservação da residência do antigo diplomata, em Cabanas de Viriato.
Não fui o único a chocar-me e, por essa razão, integro um grupo de pessoas que hoje divulga no jornal "Público" uma texto-alerta. Assinei-o porque me parece muito justa a posição tomada e também, no meu caso pessoal, porque considero que, depois de tantos anos e de tantas boas-vontades mobilizadas e desperdiçadas, estamos perante um verdadeiro escândalo, onde se misturam incúria, incompetência e o exacerbamento de alguns egos. A memória de Aristides Sousa Mendes não é propriedade de ninguém e muito menos o poderá ser de alguns que, nada fazendo, nada deixam que nada se faça. Quem assim procede não parece entender que está a fazer o jogo objetivo dos inimigos póstumos do diplomata - e, podem crer, eles não são poucos.
Aqui fica o texto do artigo hoje publicado, sob o título "Em defesa da Casa do Passal, de Aristides Sousa Mendes":
Não é possível aceitar o estado de extrema degradação em que se encontra a Casa do Passal, situada em Cabanas de Viriato, concelho de Carregal do Sal. Uma situação tanto mais indigna, porquanto se encontra classificada como património nacional.
Falar do Passal é lembrar a figura notável de Aristides de Sousa Mendes, «o cônsul de Bordéus», como ficou conhecido, que, de Novembro de 1939 a fins de Junho de 1940, contrariando as ordens de Salazar, concedeu vistos a cerca de 30.000 refugiados, de diferentes nacionalidades, 10.000 dos quais judeus, salvando-os da perseguição das tropas nazis que haviam invadido a França. Um acto desinteressado, e nas suas palavras, «inspirado única e exclusivamente nos sentimentos de altruísmo e de generosidade», mas que, paradoxalmente, lhe mereceu uma severa punição.
Sousa Mendes não foi "o Schindler português" como, muitas vezes, se afirma. Com efeito, o seu procedimento não teve outra «recompensa» senão a «satisfação da [sua] consciência», e da desobediência às instruções de Salazar, que não permitiam «dar vistos a cidadãos dos países já ocupados pelos alemães» e em caso algum «a Judeus, Russos, Polacos, Checos e os sem-pátria», resultou o seu afastamento compulsivo da carreira diplomática e a impossibilidade de exercer a advocacia, situações que se repercutiram dramaticamente na Família, aliás numerosa, e que o apoiara no trabalho exaustivo da emissão de vistos. Sousa Mendes não elaborou uma qualquer lista de gente a salvar; disse sim a quantos, desesperadamente, o procuraram, indo para além das suas possibilidades. Testemunham-no a memória de documentos e de descendentes de refugiados salvos. Em carta dirigida ao embaixador do Brasil, pedindo-lhe que intercedesse em seu favor, ditou ao seu filho Luís Filipe: «Esperava eu que, terminada a guerra, Salazar reconsiderasse a sua injusta decisão, mas tal não sucedeu, encontrando-me eu actualmente não só na mais cruel miséria com a minha numerosa família, mas gravemente doente». (Figueira da Foz, 7-9-1945).
É esta Casa, espaço alicerçado na memória histórica, que ameaça ruir por completo, caso não se proceda a intervenções, neste momento, inadiáveis. A saber: execução de uma cobertura provisória e medidas provisórias de estabilização estrutural. Surpreendente é o facto de estes 2 projectos já existirem desde 2010, por iniciativa do Eng. Vítor Cóias, Presidente do GECoRPA – Grémio do Património (www.gecorpa.pt), uma associação sem fins lucrativos que defende a excelência na recuperação e reabilitação do património. Estes dois projectos foram entregues à Câmara de Carregal do Sal e encontram-se ambos aprovados (2010) pelo IGESPAR (Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico). Também em 2010, Francisco Manso realizou um documentário sobre a Casa do Passal, que está disponível na internet, em português e em inglês. Refira-se ainda que a Direcção-Regional da Cultura Centro está a preparar o caderno de encargos para a cobertura provisória e para os trabalhos de consolidação, com base nos projectos do Eng. Vítor Cóias.
Perante a situação de intolerável abandono a que está votada a Casa do Passal, onde viveu Aristides de Sousa Mendes com a sua família, um grupo de cidadãos, certamente acompanhado por todos os portugueses, e não só, apela à Fundação Aristides de Sousa Mendes (www.fundacaoaristidesdesousamendes.com) que, em articulação com a Câmara de Carregal do Sal e outras Instituições, actue rapidamente, envidando esforços para a concretização dos 2 projectos acima referidos que, necessariamente, exigirão a intervenção de mecenato.
Assinam este texto:
Maria do Carmo Vieira (professora do Ensino secundário), Vítor Cóias (engenheiro e presidente da GECoRPA), António Barreto (professor), António Monteiro (embaixador), Francisco Seixas da Costa (embaixador), D. Januário Torgal Ferreira (bispo), Iva Delgado (presidente da Fundação Humberto Delgado), Gastão Cruz (poeta), João Pombeiro (director da Revista LER), Pedro Tamen (poeta e tradutor), Pedro Mexia (escritor), Carlos Calvet (arquitecto e pintor), Isabel Allegro de Magalhães (professora universitária), Teresa Cadete (professora universitária), Rui Baptista (professor universitário), Emília Nadal (pintora), Maria Filomena Molder (professora universitária), Jorge Molder (fotógrafo), Emanuel Pimenta (músico e compositor), Teolinda Gersão (escritora), Inês Pedrosa (rscritora), Fernando Ornelas Marques (professor universitário), Santana Castilho (professor universitário), Joshua Ruah (médico), José António Melo Gomes (médico), João Carlos Alvim (editor), Carlos Fragateiro (encenador), Guilherme Valente (editor da Gradiva), Maria Amaral (pintora), Maria João Cantinho (poetisa e professora do ensino secundário), Maria do Carmo Abreu (tradutora), Rui Zink (escritor).