segunda-feira, outubro 10, 2011

Espetáculo

Com uma excitante irregularidade, todos (mas todos) os funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros recebem, de tempos a tempos, num "block-mail" (que não discrimina quem está em Sidney de quem trabalha em Lisboa), notas sobre as mais variadas temáticas, desde o anúncio da (temporária, claro!) falta de água nas Necessidades (utilíssima informação, como se imagina, para funcionários em Harare ou em Tóquio), até à abertura de cursos de francês em Lisboa (bem úteis, especialmente para quem está colocado em Paris, apenas com a dificuldade dos horários dos aviões, para ir e vir no mesmo dia). Aparentemente, alguém cedeu, sem critério, o acesso indiscriminado à lista de e-mail oficiais dos funcionários e, agora, é "um fartar vilanagem". Se pensarmos que cada funcionário que recebe estes mails tem de "abrir" a respetiva pasta, ler o texto e, só depois, constatar a eventual irrelevância da informação, pode imaginar-se a quantidade de minutos tirada ao trabalho do Ministério. Mas, como já constatei há muito, não há nada a fazer! É assim, pronto!

Algumas destas mensagens são verdadeiros ícones recorrentes. E a sua falta ou atraso induz angústias, porque faz presumir que alguma coisa de grave se está a passar. Foi, por isso, que respirei de alívio ao receber há dias a que respeita à disponibilização de bilhetes para o circo de Natal 2011. 

Uhf! Pensava que nunca mais chegava! 

Eça, o Brasil e nós

No âmbito dos chamados "jantares queirosianos", dedicados a aspetos da vida e obra de Eça de Queiroz, a Fundação Eça de Queirós, o Círculo Eça de Queirós e o Grémio Literário promovem, no próximo dia 25 de outubro, em Lisboa, um debate, seguido de jantar, sobre o tema "O Brasil e os brasileiros".

Moderados por Miguel Sousa Tavares, o embaixador brasileiro Mário Vilalva, o advogado Pedro Rebelo de Sousa e eu próprio, juntar-nos-emos no Grémio Literário, numa charla que pretendemos bem animada.

domingo, outubro 09, 2011

De ouvido

Aqui fica uma historieta bem antiga da "casa".

Era a segunda ou terceira vez que o secretário-geral do MNE levava, ao despacho com o ministro, a proposta de atribuir a um determinado funcionário a chefia de uma embaixada. Por uma qualquer razão, que nunca ficava evidente, o político fazia-se deliberadamente desentendido, considerando o assunto não prioritário, pelo que transitava para a agenda da reunião seguinte. 

O secretário-geral, cuja qualidade de chefe da carreira o obrigava a ter de respeitar equilíbrios mínimos de justiça entre os funcionários, em função da sua antiguidade, experiência passada e avaliação de qualidade profissional, começava já a mostrar-se um pouco desagradado com a relutância do ministro, tanto mais que ela não era apoiada em qualquer argumento, mas apenas naquela misteriosa e persistente determinação em não tomar qualquer decisão.

Um dia, numa nova ocasião de despacho, o secretário-geral decidiu ser um pouco mais insistente:

- O senhor ministro vai-me desculpar, mas já não sei o que hei-de dizer ao homem. Ele aceita um posto modesto, está já muito atrasado em relação a colegas do seu tempo e, com toda a franqueza, parece-me que conseguiria gerir uma missão com a necessária dignidade. O senhor ministro conhece-o bem?

O político olhou o chefe da carreira e respondeu:

- Tenho uma ideia dele. Não é um que é surdo de um ouvido? 

O secretário-geral anuiu, animado com o reconhecimento feito pelo ministro: era esse mesmo.

- Pois é, só é pena que não entenda nada do outro.

E o homem acabou por nunca ser embaixador.

sábado, outubro 08, 2011

Sermão de domingo

As pessoas acreditam naquilo que querem acreditar. Em particular, acreditam no que lhes prolonga as ideias feitas, no que entendem como sendo "lógico" e no que lhes aparece como podendo desenhar-se como "óbvio". E se o que lhes é servido como verdade tem o condão de adubar sentimentos pré-existentes, então o processo de convicção pode dar-se como adquirido. Essa é a glória do criador da crença, para quem o supremo objetivo era construí-la, dá-la como evidência e vê-la partilhada, difundida e aceite como "a verdade". 

Ingenuamente, pode argumentar-se que, para além da crença, há que ter em conta esse pormenor, quiçá marginal, que são os factos. E que, às vezes, os factos apontam, de forma cristalina, no sentido de infirmar, em absoluto, a crença entretanto estabelecida. Neste caso, "tant pis" para os factos. Se acaso eles não acompanham o rumo da crença, esta dispensa-os, por irrelevantes e incómodos. É dos livros. Pirandello dizia que "a cada um a sua verdade". É verdade, cada um fica na sua. Apesar da verdade, na verdade, ser só uma. E, às vezes, a crença nada ter a ver com ela. Mas que importa? As pessoas acreditam naquilo que querem acreditar.    

Sábado comunitário

1. Começámos de manhã cedo. A reunião da CCPF (Coordenação das Comunidades Portuguesas em França) abriu com um interessante debate sobre problemas que interessam à nossa comunidade. O secretário de Estado das Comunidades portuguesas, José Cesário, os deputados Carlos Gonçalves e Paulo Pisco, bem como o autor deste blogue discutiram, durante quase duas horas, com um interessado auditório, temáticas tão variadas como o ensino português no estrangeiro, o trabalho associativo e a forma de o apoiar e promover, a imagem das comunidades migrantes em Portugal e no estrangeiro, as dificuldades dos residentes no estrangeiro com a nossa burocracia, os novos fluxos migratórios portugueses para França, a necessidade da preservação e valorização da memória da emigração, os contributos da "diplomacia autárquica", o papel do empresariado da diáspora, a promoção cultural no exterior, a mobilização cívica e política das nossas comunidades, a situação dos presos de nacionalidade portuguesa em França, o perfil dos mais jovens setores das comunidades.

2. À tarde, a associação de portugueses e luso-descendentes Cap Magellan, dinamizada pelo autarca parisiense Hermano Sanches Ruivo, instituição que agora faz 20 anos, organizou uma gala no "Hotel de Ville" de Paris, antecedida por palavras do "maire" Bertrand Delanoe e do SECP, José Cesário. Nela foram distribuídos prémios e apresentado um espetáculo com figuras como Kátia Guerreiro, Miguel Ângelo, Pedro Abrunhosa, Rui Reininho, lado a lado com artistas oriundos da nossa comunidade. Com pena, deixei a sessão a meio, por que tive de partir para...

3. ...uma noite limiana em Saint-Cyr, perto de Versailles, onde, com a presença de milhares de pessoas, teve lugar uma espécie de reedição das "Feiras Novas" de Ponte de Lima, com muita música e a gastronomia da "Encanada", o excelente restaurante da vila (porque Ponte de Lima é e quer permanecer vila!). Claro que acabámos com uma pratada de rojões e sarrabulho, regado a "vinhão" (sabem o que é?). Já prometi a mim mesmo entrar de dieta. Talvez comece 2ª feira...

sexta-feira, outubro 07, 2011

João Crisóstomo

Conheci-o há cerca de uma década, em Nova Iorque.

João Crisóstomo é uma personalidade que tem dedicado grande parte da sua vida a dar a conhecer a figura de Aristides Sousa Mendes, o cônsul em Bordéus que, durante a segunda guerra mundial, emitiu, contra a vontade do governo salazarista, vistos de entrada em Portugal que permitiram salvar a vida a milhares de judeus e pessoas que fugiam à invasão nazi da França.

Sousa Mendes, por esse ato de desobediência cívica, foi perseguido pelo regime ditatorial, demitido da função pública, tendo acabado a sua vida em muito precárias condições financeiras. Ironicamente, em certos documentos internacionais, o regime salazarista chegou a ser elogiado por ter "permitido" esse acolhimento de refugiados, pelo qual puniu um seu servidor. E, para cúmulo, por esse mesmo motivo, Salazar chegou mesmo a ser proposto para a dignidade de "justo entre os justos"...

Há dias, tive o gosto de receber João Crisóstomo em Paris. Com o entusiasmo de sempre, falou-me dos seus projetos. Perguntei-lhe por que razão a casa de Aristides Sousa Mendes em Cabanas de Viriato, que Jaime Gama tanto se empenhou em colocar à disposição da respetiva Fundação, permanece em ruínas. Muitos estrangeiros que aí rumam, numa peregrinação de homenagem a essa figura ética, vão-me dando conta da sua desagradável surpresa em verem o edifício cada vez mais degradado, fruto de um incompreensível desleixo. E não deixam, de forma muitas vezes inquisitiva, de apontar o dedo às autoridades portuguesas - que não têm, na metéria, a menor responsabilidade.

O modo discreto como João Crisóstomo se referiu ao assunto, procurando não acicatar feridas mas sem resposta concreta para a questão colocada, suscitou-me alguma inquietação. Neste tempo em que as fundações são sujeitas a um escrutínio mais apertado, talvez não viesse mal ao mundo, bem pelo contrário!, se se pudesse "pôr em pratos" limpos o que se passa com a Fundação Aristides Sousa Mendes.

Casa da Música

Convidei hoje 20 jornalistas franceses da área musical para almoçar na Embaixada com responsáveis da Casa da Música, do Porto, com vista a conhecerem melhor aquela instituição e, em particular, o projeto de celebração da música francesa que, durante o ano de 2012, aí vai ser desenvolvido.

Num excelente francês, que pode ter surpreendido os convidados e que testemunha a saudável permanência da relação cultural intensa que Portugal mantém com a França, Nuno Azevedo e António Jorge Pacheco deram conta, a um grupo muito interessado de interlocutores, das iniciativas que vão ser levadas a cabo naquela que o "Le Figaro" qualifica como "a fascinante Casa da Música, (...) uma das salas mais ativas da Europa".

Graças à produção da Casa da Música, vamos, hoje à noite, na Cité de la Musique, aqui em Paris, ter oportunidade, de apreciar uma versão sintética do "Ring" de Wagner.

Meio milhão

Alguns por erro, outros por casualidade, muitos por acaso do "Google", mas a maioria "porque sim" - foram até hoje já mais de 500 mil, segundo o "sitemeter" ao lado, aqueles que, desde o início de fevereiro de 2009 (esse ano longínquo em que Fevereiro se escrevia com maiúscula), apareceram por este blogue. Todos continuam a ser muito bem vindos.

quinta-feira, outubro 06, 2011

Nobel

Confesso que nunca tinha ouvido falar do novo prémio Nobel da Literatura, hoje anunciado, o poeta sueco Tomas Transtromer. O que, aliás, já me sucedeu, no passado, com outros nomes galardoados com idêntico prémio.

Fiquei a pensar se isso não seria uma imperdoável lacuna cultural da minha parte. E, pelo sim pelo não, durante um almoço de trabalho de que acabo de sair, perguntei ao colega sueco se os nomes de António Ramos Rosa ou de Herberto Hélder lhe diziam alguma coisa. Disse-me que não e sosseguei. Também ele não conhecia dois génios da poesia portuguesa. O meu sossego durou pouco, ao ouvi-lo dizer, logo de seguida, que, como poetas de Portugal, apenas conhecia Fernando Pessoa e Camões. Ora eu não conhecia nenhum poeta sueco (lembrei-me, depois, mas só lá cheguei com ajuda do Google, do nome, mas não da poesia, de Par Lagerkvist)! Mas logo aquietei o espírito com a reconfortante ideia de que, se isso acontece, é seguramente porque a nossa poesia é bem melhor do que a sueca. Deve ser isso! Pena é que ela não conte para o nosso PIB...

Logo à noite, quando for ouvir uma palestra do meu colega português na Unesco, o embaixador Luís Castro Mendes, que "acumula" com o facto de ser um dos grandes poetas contemporâneos de língua portuguesa, vou tirar tudo isto mais a limpo. 

Steve Jobs (1955-2011)

Por pouco que alguns tenham a ver com a "escola" Apple, há que reconhecer que o mundo da informática fica muito a dever a Steve Jobs, o génio que hoje desaparece.

quarta-feira, outubro 05, 2011

Não enche!

Figura muito conhecida do mundo da banca e da finança do Brasil, desaparecida há uma década, Walter Moreira Salles, que também foi embaixador em Washington, era uma personalidade convivial e conhecida como simpática e de acesso fácil. Por isso, não terá estranhado quando, numa casa de banho de um restaurante, alguém se aproximou e lhe fez um pedido algo bizarro:

- O senhor podia fazer-me um grande favor! Sou empresário e estou ali numa mesa com clientes. Nem imagina quanto me ajudaria se, à passagem, pudesse dar um sinal de que me conhece. Se eles percebessem que sou conhecido de Walter Moreira Salles isso aumentaria, de imediato, o meu prestígio.

Salles terá achado a ideia, se bem que estranha, bastante inóqua. Pelo que anuiu, perguntando o nome do homem. Minutos depois, ao passar pela mesa onde o seu "conhecido" já tinha entretanto regressado, lançou: 

- Olá, João. Como vai você, meu amigo?

A reação é que não foi a esperada. O João olhou para Salles "do alto", como se ele estivesse a importunar a conversa profissional, e respondeu:

- Waltinho, não enche, tá?!

Dois amigos brasileiros, cada um a seu modo, contaram-me esta historieta, há dias. Acho-a um belo exemplar da caridade não reconhecida.

terça-feira, outubro 04, 2011

O 5 de Outubro

Em Portugal, no tempo da ditadura, o 5 de Outubro, dia de implantação da nossa República, era uma data regularmente aproveitada pelos oposicionistas para celebrar a memória da democracia.

O curioso é que, ao tempo, alguém dizer-se "republicano", num regime que não tinha coragem de se afastar terminologicamente do conceito, era quase um ato de coragem, porque afirmava uma explícita rejeição do regime instaurado em 28 de maio de 1926. Ou, muito simplesmente, significava uma implícita colocação no campo da "oposição" ao Estado Novo, cujos defensores eram então designados, até pelos próprios, como a gente da "situação".

Nesses tempos, antes da Revolução de abril, recordo-me de ter participado em algumas iniciativas oposicionistas por ocasião do 5 de outubro. Eram, vulgarmente, romagens a cemitérios lisboetas onde estavam sepultadas figuras republicanas. Um dos momentos altos, nessa data, quase sempre alvo da repressão policial, consistia numa (muitas vezes apenas tentativa de) concentração junto ao monumento a António José de Almeida, ao Arco do Cego. Nunca esquecerei a figura magra, alta e esquálida de um homem que sempre aparecia nessas manifestações em Lisboa, com uma grande bandeira portuguesa, que a polícia, mesmo nos momentos de perseguição aos ajuntamentos, se via obrigada a respeitar. Não sei se a esse homem chegou a ser atribuída a Ordem da Liberdade. Bem a mereceria.

No ano de 1969, passei a data de 5 de outubro em Vila Real. Ao tempo, preparávamos no distrito o movimento da Oposição democrática (a Comissão Democrática Eleitoral, CDE) que haveria de defrontar a lista local da União Nacional. Contrariamente às listas CDE que haviam sido criadas em Lisboa, Porto e Braga, numa base um pouco mais radical, as CDE de província eram movimentos unitários onde se encontrava um pouco de tudo - republicanos "reviralhistas", monárquicos em aberta rutura com o regime, católicos em curso de dissidência com a hierarquia, socialistas de vários matizes, os comunistas "oficiais" do PCP e tantos outros, menos ou mais esquerdistas (como era o meu caso), sem filiação mas com uma imensa vontade de ver o Estado Novo pelas costas.

Organizado por um grupo liderado por essa grande figura de democrata que era o médico Otílio de Figueiredo, teve lugar, na noite de 4 de outubro de 1969, no restaurante Espadeiro, um jantar "oposicionista", que comemorava o "5 de outubro". Nele tomavam parte as figuras mais proeminentes da Oposição do distrito, tendo à frente, além do próprio Otílio de Figueiredo, José Alberto Rodrigues, Júlio Montalvão Machado e Camilo de Sousa Botelho. Eu e um grupo de jovens que fazíamos parte das estruturas organizativas da CDE de Vila Real decidimos dissociar-nos desse ato, por termo-lo considerado uma manifestação "burguesa" e saudosista. Só aparecemos para o café... No meu caso, fui mais longe: publiquei, na véspera, um artigo algo provocatório, no jornal local "A Voz de Trás-os-Montes", onde afirmava (e cito de cor) que "a nós não nos interessa nada o 5 de outubro de 1910, mas apenas o 5 de outubro de 1969". Os respeitáveis democratas vilarealenses devem ter olhado com displicente magnanimidade para essa nossa descabida ousadia. Só assim se compreende que tenham continuado a aceitar a nossa colaboração, nessa bela aventura que foi a campanha para as "eleições" para a Assembleia Nacional de que já falei aqui, aqui e aqui

segunda-feira, outubro 03, 2011

Por outro lado...


Ontem, já nem sei porquê, veio à conversa o famoso (e hoje politicamente incorreto) comentário de Margareth Thatcher de que gostaria que todos os seus assessores fossem manetas. Explicava a antiga primeira-ministra britânica: "quando me dão um parecer, acrescentam logo outro, de sentido contrário, antecedido de "on the other hand"...".

Lembrei-me então dos tempos em que as "informações de serviço" no MNE assumiam um estilo formalmente subserviente, marcado por um tom modestamente auto-dubitativo. Normalmente, o autor do texto sugeria várias opções possíveis e, no final, qual Pilatos, "lavava as mãos", com a frase clássica: "V. Exª, no seu alto critério, melhor decidirá".

Como devem imaginar, a apresentação de várias opções, sem coragem para as hierarquizar valorativamente, dava um jeitão, a quem tinha de decidir...

Guimarães

Convidado pelo Dr. Jorge Sampaio, acedi a integrar, a partir da passada semana, a título gracioso, o Conselho Geral da Fundação Cidade de Guimarães, que tem a seu cargo acompanhar a organização de Guimarães 2012 - Capital Europeia da Cultura.

Este é um projeto de interesse nacional em cujo êxito todos temos obrigação de nos empenhar e ao qual procurarei dar a melhor colaboração possível.

domingo, outubro 02, 2011

Ainda o défice

Passo, às vezes, pelos blogues da política portuguesa, um espaço que se assemelha a uma guerra de trincheiras, onde os índios e os cow-boys se revezaram há pouco. Com louváveis exceções, trata-se de um terreno virtual de guerrilha, às vezes muito pouco urbana, feita de uma imensidão de ressentimentos e de vontade de "explorar o sucesso", de muito mau-perder e de muito mau ganhar. Velam-se espetros e incensam-se aparições, num mundo maniqueu de "bons" e de "maus", com os erros de uns a transformarem-se, patética e patetamente, no gozo dos outros. Esses uns agora esquecendo, como já antes essoutros esqueciam, que, no final da linha, há por aí um país e que, quando as coisas correm mal, correm mal para todos! Também isto faz parte do nosso défice.

Lisboa em 48 horas

1. A Madeira continua nas notícias. E nós com ela.

2. Ainda bem que está calor, dizia-me ontem uma amiga, sempre se evita testar a próxima fatura de aquecimento.

3. Um autarca é preso. O autarca é solto. Foi um erro. O processo pode prescrever. As televisões mostram a nossa Justiça em direto.

4. Colóquio na Gulbenkian. Bela discussão. Disse o que pensava, sem "langue de bois". Houve quem não gostasse, claro.

5. A coleção Berardo e os seus dinheiros suscitam novos problemas. Desde o início, sempre suspeitei que isso ia acontecer e lembro-me de o ter dito ao António Mega Ferreira. Cabe agora ao Francisco José Viegas a nova "batata quente". "Bon courage"!

6. Nesta passagem por Lisboa, fiz uma rara "greve" ao Procópio. Com o Nuno Brederode "de molho", a "mesa dois" perde toda a graça. Um forte abraço para ele e para a Céu. 

7. Muita gente na rua, na manifestação sindical. Jornada com ordem. É muito importante que assim continue a ser. 

8. Com o Porto a descer e o Benfica a subir, veremos onde chega este ano o Sporting. Embora a rua da Esperança só seja famosa por andar ao passo dos seus caracóis.

9. Deu-me para ouvir "Lisboa que amanhece".

10. ... e, sei lá porquê, para ver, em vídeo, uma obra prima com Peter Sellers, o "Goodbye, Mr. Chance".

sábado, outubro 01, 2011

Rosário

Estou certo que a Rosário teria gostado do momento que os seus familiares e amigos criaram na quinta-feira, no Père Lachaise, na muito triste e emocionada despedida que muitos lhe fomos prestar.

Com o Álvaro Vasconcelos, seu marido, a Rosário de Moraes Vaz foi a espinha dorsal dessa grande aventura de modernidade no pensamento geopolítico português que constituiu o Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais, cuja revista "Estratégia" ela propria dirigiu.

Lembro-me bem dos debates que tivemos no âmbito do EuroMesco, essa rede a que ela tanto se dedicou, na busca de soluções para o espaço do Mediterrâneo, o tema que sempre a fascinou. E as discussões sobre a Europa, onde estivemos bastante distantes para, mais tarde, coincidirmos muito nas nossas perspetivas.

A Rosário era uma personalidade forte, frontal, com muitas ideias e com vastas razões para as afirmar. Muito culta, atenta às questões do mundo, iluminava as discussões e revelava a sua inteligência brilhante, num "tandem" sempre criativo com a serenidade profunda do Álvaro. 

Recordo, agora com saudade, a nossa última conversa, na sua casa, aqui em Paris, ela com o seu inseparável cigarro e o seu entusiasmo transbordante. E, depois, o último dia em que brevemente falámos, no ano passado: ambos de muletas, fruto de acidentes, saídos de uma conferência sobre a Europa, na Gulbenkian de Paris. Ironizámos que estávamos ambos como o próprio projeto europeu...

sexta-feira, setembro 30, 2011

FT

Já por aqui confessei, por mais de uma ocasião, que aprecio bastante o "Financial Times", o diário financeiro britânico, um dos jornais mais bem escritos e construídos do mundo.

Um tarde de sábado, nos anos 90, em Londres, fui ao mítico e já desaparecido estádio de Wembley ver um jogo de futebol. De jeans e camisola, apanhei o metro, metido na fauna dos apoiantes das duas equipas, que, por essa hora, ainda viviam o tempo de relativo sossego que antecede as partidas. O ambiente era galhofeiro, sem agressividade, embora com muitas "bocas", a maioria num intraduzível "cockney". 

Alguns escassos viajantes liam tablóides, tipo "The Sun", "Today" ou "Daily Mail". Eu, distraído, recostei-me num banco e deliciava-me com o FT do dia. Não me tinha dado conta que, naquele ambiente, ler aquele imenso jornal cor-de-rosa era quase tão natural como ler "O Diabo" num "centro de trabalho" do PCP.

A certo ponto da viagem, dou-me conta que muitos olhares convergiam sobre mim. E algumas "bocas" também. Até que um grandalhão, vestido a rigor de apoiante de clube, me espetou o dedo no jornal e inquiriu: "Hey, pal! What the hell are those pink sheets you're reading?" A situação não era fácil. Dar explicações era descabido, recolher o jornal seria cobardia. Já havia um público para a cena. Com um sorriso amarelo, saiu-me: "Wanna see the weather forecast?". Não estava seguro de ter sido a melhor deixa, mas foi o melhor que me surgiu. Para meu imenso alívio, o grandalhão sorriu. E lá seguimos para mais uma "Cup Final". No regresso do jogo, com metade do metro zangado com o mundo, viajei prudentemente com o FT debaixo do braço.

Os sábados do FT trazem, nos dias de hoje, um imenso suplemento, para cujo título alguém, há dias, chamou a minha atenção: "How to spend it". Para sintetizar: trata-se de uma revista para quem tem dinheiro e gosto. Esse amigo dizia-me: "Não achas obsceno e provocatório um título como este, num tempo como o que atravessamos?". Tive de concordar. Mas se esse amigo lesse alguns textos do "The Spectator", como se sentiria?  

Economia e imagem

A convite dos organizadores do colóquio "Economia portuguesa: uma economia com futuro", apresentei hoje na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, uma comunicação sobre "Portugal: a sua economia e a sua imagem".

O tema foi por mim escolhido pelo facto de considerar necessário que se encare, de frente, o modo como Portugal é hoje visto no exterior, em especial tendo em atenção a fragilidade, recentemente mais evidenciada, da sua situação económico-financeira. E sobre o modo de intervir nesse contexto.

Ao longo do dia, o colóquio deu origem a debates muito interessantes e animados sobre o estado de Portugal neste tempo de crise, mas também sobre o euro e a sobre as políticas da Europa. No painel em que intervim, dedicado a "Portugal no mundo", e como bem notou a moderadora Diana Andringa, o auditório foi mais crítico e pessimista que os membros do painel, cujas opiniões foram saudavelmente contraditadas. 

A minha intervenção, para quem possa estar interessado, pode ser lida aqui.  

quinta-feira, setembro 29, 2011

Grafitti

Está no "l'air du temps" de certa intelectualidade modernaça aceitar a livre prática do "grafitti", dando-lhe dignidade de expressão artística e afirmando o dever de tolerância perante esses selváticos atentados de poluição visual. Como absolvição de todos esses atos, mostram-se escassos exemplos em que esse tipo de pintura anima, por uns meses, a fachada de alguns prédios abandonados.

O presidente da Câmara do Porto, num ato de meridiano bom senso, decidiu dar ordens à polícia municipal para tentar punir os responsáveis por estes atos. Como não podia deixar de ser, logo surgiram vozes libertárias a reclamar o direito dessa gandulagem à livre "expressão" nas paredes dos outros. Será que esses paladinos da liberdade seriam tão afirmativos se as portas das suas casas tivessem o mesmo destino das que a fotografia mostra?

... e logo se vai ver!

Ver aqui .