Brasília faz hoje 50 anos. Portugal está na história da nova capital brasileira, por diversas formas e em diversos tempos. Desde logo, pelos muitos portugueses que fizeram parte da vaga dos “candangos”, os construtores originais da cidade, de que ainda por lá há alguns magníficos resistentes.
Ainda antes da inauguração oficial de Brasília, Juscelino Kubitshek, o construtor de Brasília e grande amigo de Portugal, quis ter um gesto de simpatia para com o novo embaixador português, que aguardava, no Rio de Janeiro, a hora de apresentar as suas cartas credenciais. Em 30 de Junho de 1958, o chefe de Estado brasileiro levou consigo, de avião, do Rio para Brasília, o embaixador Manuel Rocheta. E, nessa data, no Palácio da Alvorada, sua futura residência oficial, que abria as portas precisamente nesse dia, o representante diplomático português teve a distinção de ser o primeiro dignitário estrangeiro a apresentar em Brasília as suas cartas credenciais.
Mais tarde, faz hoje precisamente 50 anos, na data da inauguração de Brasília, a missa campal que aí teve lugar foi celebrada pelo cardeal português Gonçalves Cerejeira. Do anedotário local faz parte a recordação de que ninguém percebeu nada do que ele então disse, pelo arrevezado “sotaque” português (como os brasileiros dizem) e bem peculiar tom aflautado de voz do prelado preferido do salazarismo, quiçá agravado pelas condições acústicas. O que poucos saberão é que, a coadjuvar Cerejeira no ato, esteve uma figura que haveria de ficar na história da dignidade da igreja brasileira: o futuro arcebispo de Olinda e Recife, Hélder da Câmara. Há ironias e contrastes nos destinos, mesmo das figuras da religião.
Esta memória de Portugal em Brasília não ficaria completa sem que conte uma historieta que me foi relatada por José Pereira.
(Cabe aqui um parêntesis para uma palavra sobre o José – um orgulhoso brasileiro do Piauí, brasiliense por adoção, há décadas funcionário da nossa Embaixada em Brasília e, seguramente, um dos mais dignos e dedicados servidores públicos com que Portugal alguma vez pôde contar, entre todos os milhares que teve e tem pelos seus postos diplomáticos e consulares em todo o mundo. E não serei o único a dizer isto, estou certo. O José, porém, é, além disso e talvez mais importante do que tudo isso, um querido amigo que imensamente estimo.)
Nesse período distante em que, a Portugal, havia sido atribuído, pelas autoridades brasileiras, um terreno para a construção da sua futura Embaixada em Brasília, o José foi encarregado de se colocar na área, com vista a evitar eventuais ocupações “espontâneas”. Que, como é natural, não deixaram de ser tentadas. Um dia, bem atento, o José confrontou um grupo que pretendia invadir o terreno e nele instalar-se. Com paciência, explicou que aquele terreno era de Portugal, a quem fora dado pelo governo brasileiro, e que, por essa razão, os putativos ocupantes teriam de procurar outra área para se instalarem. A reação, contou-me o José, foi muito curiosa. O líder do grupo, surpreendido, retorquiu: “De Portugal? Este terreno? Então eles tiveram tudo isto (e fez um gesto largo, que pretendia ir do Amapá ao Rio Grande do Sul) e, agora, só têm esta coisa aqui? Coitados!”. E foram-se embora…