Aproveito para deixar claro que as memórias que, por vezes, trago para este blogue não representam, necessariamente, qualquer saudade de outros tempos. Com escassas excepções, o presente é bem melhor do que tudo o que ficou do lado de lá da esquina da História, por mais graça que esse tempo tenha então tido, por mais complexa que a vida de hoje seja. Pelo menos, eu penso assim, com sinceridade.
A "Reader's Digest" lembra-me as suas "Selecções" (ou melhor, as "Seleções"). Cresci com elas sempre lá por casa, na sua versão brasileira, espreitando "pin-ups" que a publicidade caseira não comportava ainda nos seus cânones, com propaganda a frigoríficos e automóveis que não havia em Portugal. E tinha sempre, pelas suas páginas de textura sedosa, donas-de-casa loiras e de "permanente", tipo Doris Day, com camisas aos folhos e saias compridas rodadas, ao lado de cavalheiros invariavelmente elegantes, tipo Cary Grant, quase sempre de fato e chapéu ou naquilo que os brasileiros designam por "esporte fino", ao lado de crianças sorridentes e felizes nas suas bicicletas e bonecas (nunca houve muitas bolas por lá), sempre à porta de moradias com relva a descer para as alamedas dos bairros. Sorridentes e sempre brancos, claro. Era a América oficial que exportava a imagem do "way of life" de alguns.
Fui leitor assíduo de rubricas como "Meu tipo inesquecível", "Flagrantes da vida real", "Rir é o melhor remédio", "Piadas de caserna" ou o "Enriqueça o seu vocabulário" - onde, pela primeira vez, devo ter pensado nas vantagens do Acordo Ortográfico. Nunca li, e nunca me arrependi, nenhuma das suas irritantes sínteses de romances, mas algumas vezes fui à procura do volume completo. Devo também às "Selecções" a minha hipocondria, pela reiterada inclusão de artigos sobre doenças, cuja sintomatologia tantas vezes partilhei. Já não cheguei à fase das peças sobre dietas... logo quando mais delas necessitava!
Só tarde me apercebi, ou me fizeram aperceber, da existência, em cada número das "Selecções", de três ou quatro artigos onde, com maior ou menor subtileza, se fazia a apologia de ideologias convenientes aos interesses americanos. Mas, na verdade, que importava isso, no tempo cinzento do salazarismo? Claro que as "Selecções" diziam mal dos comunistas, mas com bem mais sofisticação do que o "Diário da Manhã", o "Novidades" ou o "Diário de Notícias". E também lembravam, numero-sim-número não, belos episódios das glórias aliadas na 2ª Guerra Mundial.
Um dia, as "Selecções" aportuguesaram-se e, pouco a pouco, foram desaparecendo do nosso horizonte de leitura, concorrendo com outras publicações mais apelativas. Às vezes, antes de entrar num comboio, ainda comprava as "Selecções", mais por curiosidade do que por interesse. A "Reader's Digest" passou então a ser mais famosa por livros e discos que editava e que uma inventada "Marta Neves" nos propunha, em regular e personalizada epistolografia - alguns, aliás, de grande qualidade.
Há anos que já não lia as "Selecções". Minto: há poucas semanas, numa casa de campo nortenha, encontrei exemplares das edições brasileiras, dos anos 40 e 50 do século passado, alguns já sem capa, e, confesso, diverti-me bem com algumas historietas, bem de um outro tempo. Será isto nostalgia?