terça-feira, junho 14, 2011

"Marcelismo" e diplomacia

Terminei há pouco a leitura de um livro de memórias de Pedro Feytor Pinto, intitulado "Na sombra do poder", recentemente editado pela Dom Quixote. O autor é uma figura pública que esteve fortemente envolvida na máquina de propaganda dos derradeiros anos da ditadura, após o que encetou, já em democracia, um percurso profissional na área da promoção do comércio externo português.

Não farei aqui uma análise valorativa deste livro. Porém, quero dizer que, para quem se interessa pela história do "marcelismo" (1968-1974), o livro traz alguns relatos curiosos, fruto do envolvimento direto de Feytor Pinto em diversos eventos da época. O trabalho descreve muitas situações e acontecimentos, sob um prisma em que o autor assume, com meritória lealdade, a sua constante admiração pelo chefe do governo derrubado em 25 de abril de 1974, bem como pela linha política por este seguida, nomeadamente em matéria colonial.

Frequentes, ao longo do texto, são as referências ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, pela multiplicidade de contactos que Feytor Pinto teve com diversas figuras da carreira. Creio que, com uma única mas relevante exceção, a diplomacia portuguesa frequentada pelo autor sai "bem tratada" do livro. Noto, a este propósito, um comentário que Feytor Pinto recolheu no livro, atribuído a uma conhecida figura da carreira diplomática, o embaixador Caldeira Coelho: "No serviço diplomático é, muitas vezes, muito mais importante o que evitamos do que o que conseguimos". É bem verdade. 

8 comentários:

Anónimo disse...

Mesmo assim não me alicia a lê-lo...
Isabel Seixas

João Forjaz Vieira disse...

A relevante excepção é o emb. António de Faria que conheci. Temo que o comentário seja muito justo!
O livro não é super interessante mas é-o suficientemente para merecer ser lido.
João Vieira

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro João Forjaz Vieira: o embaixador António de Faria tem, como todos nós temos, os seus detratores, no seio da carreira diplomática e não só. Mas, nem por isso, deixa de ser considerado, por muitas e respeitáveis pessoas, como uma das grandes personalidades da diplomacia portuguesa. Ninguém é nomeada, por mero acaso, para chefiar as embaixadas de Portugal no Reino Unido, em França, no Brasil e na Santa Sé.

patricio branco disse...

ninguem é do género feminino ou trata-se de um lapso?

já folheei o livro de pfp mas decidi não comprar (não ler). embora por vezes as memórias nos falem tambem do que fomos nós, alguns dos leitores

Anónimo disse...

Caro embaixador:
Tendo sido amigo do emb. Faria nunca diria que ele não seria considerável e merecedor de consideração. O que disse é que a história contada por Feitor Pinto está absolutamente dentro das possibilidades de actuação do emb. Faria o que, penso, todas as pessoas que o conheceram com alguma intimidade, sobretudo os que não estão presos por critérios diplomáticos, não deixarão de reconhecer ... penso :- porque o emb. Faria estava bem longe de ser um santo e um homem sem defeitos.
João Vieira

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Patrício Branco: é lapso, claro.

Anónimo disse...

Não sei se vem a propósito:


Há poucos anos entrei numa sala onde o emb. Faria, imediatamente antes do almoço, acabava de fazer a sua leitura dos “jornais estrangeiros”. Como está, como não está disse-me que se sentia “velho” estando então a rondar os noventa anos. Respondi: mas porquê? Se o senhor anda, lê, mantêm intactas as capacidades intelectuais, dança e bem, namora, faz uma vida social intensa, acompanha o que se passa na “Casa” e no mundo e tem uma perspectiva de vida alargada (em menção a uma tia que vivia com ele que conheci com 108 anos com um cigarro e um copo de whisky na mão). O emb. Faria olhou para mim, deu quatro passos (andava na forma da torre de Pisa: inclinava-se para a frente tomava a dita forma e iniciava a marcha) numa direcção da sala, voltou para trás e disse, com um olhar triste: faz muita falta a vida sexual!

João Vieira

Anónimo disse...

Se ainda a tempo e a propósito:

O emb. Faria divulgara, suficientemente, que fora convidado a participar numa importante reunião no “Ministério”, acrescentando, com um brilho de satisfação no olhar: “foram muito simpáticos”. Na hora do almoço desse dia, por mero acaso, sentei-me ao lado do emb. Calvet de Magalhães a quem perguntei, para iniciar a conversa entre dois conhecidos, muito pouco íntimos e querendo ser simpático, “como correu a reunião no Ministério?” O emb. olhou para mim e perguntou: qual reunião? Ao que eu, estupidamente, respondi: àquela para a qual o emb. Faria foi convocado. O emb. olhou para mim, irritado, e disse: não fui convidado, nem tinha que ser e o Faria foi porque é, e sempre foi, um louvaminheiro (não garanto o uso desta palavra, apenas o significado) e acrescentou: – Só para você perceber vou-lhe contar uma história. No início das nossas carreiras na “casa” mandava o todo-poderoso emb. Teixeira de Sampaio. Teixeira de Sampaio gostava de agricultura e tinha até uma quinta perto do Cartaxo onde passava largos tempos (acrescento: escreveu um artigo muito interessante sobre Chavões, uma casa multissecular, sobre o Tejo, no Cartaxo – berço dos Teles, depois marqueses de Unhão e Niza–, lamentando o seu estado decrépito e que hoje está magnificamente restaurada, podendo ser observada por qualquer passageiro da linha do Norte) pois o Faria, retomando a estória, que era citadino e de agricultura sabia tanto como eu, comprava o borda d’água, que trazia imensas informações agrícolas, e à segunda feira comentava com o emb. Sampaio, com grande alegria deste e a fúria dos restantes presentes: agora está bom para as batatas, as cebolas é que é mais perigoso com o tempo que se prevê!

João Vieira

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