É dos livros
que o comentador dá a sua opinião, na esperança de convencer o leitor. Não é o
caso deste texto. Tenho apenas duas questões. Aliás, incómodas.
Nos últimos dias,
todos fomos abalados pela tragédia humanitária no Mediterrâneo. Assistimos aos
esforços dos dirigentes europeus para montarem uma operação que, simultaneamente,
abra as portas da Europa a um número limitado de migrantes que lhe chegam do
norte de África, somada a medidas restritivas ao tráfico de pessoas que,
praticamente todas as noites e desde há anos, tentam dar às costas do eldorado
continental em que vivemos, para atravessar a fronteira da miséria.
De certo
modo, é uma decisão “envergonhada”: procura evitar-se a repetição das tragédias
mas, no fundo, o que se tenta é pôr cobro à entrada desses migrantes. Como
“compensação”, cria-se uma espécie de quota, que sossega as consciências. É
esta a solução possível? Haveria outra? Deixar entrar toda a gente? Não sei.
Se olharmos
bem para a origem geográfica destas migrações, facilmente concluiremos que é a
permissividade da costa da Líbia que hoje as favorece. Naquele país não existe
algo a que possamos chamar um Estado, pelo que os cidadãos da África subsaariana
que o atravessam têm bem melhores condições do que as que existiam no tempo de
Kadhafi para se entregarem às mãos dos traficantes, para as suas sinistras
jornadas marítimas. Recordo que fomos “nós”, a Europa, quem liquidou Khadafi.
Daqui
decorre a segunda questão, a que também não sei responder.
A rejeição
das barbáries de Saddam Hussein sobre o seu povo estiveram por detrás da justificação
do seu derrube. Desaparecido o ditador, o Iraque e a região caíram num caos e, centenas
de milhares de mortos depois, ali se abriram as portas para o sinistro Estado
Islâmico.
No Egito,
todos olhámos com esperança para a “primavera árabe” que emergiu da praça Tahrir,
que derrubou Mubarak e possibilitou eleições. Depois, foi o que se viu: a
experiência democrática levou os radicais islâmicos ao poder, os quais, de
imediato, tentaram hegemonizá-lo. Regressaram os militares e o mundo ocidental
parece hoje aceitar, embora de sobrolho democrático cerrado, o novo regime
ditatorial.
Quem é que
quer responder a esta questão? É preferível conviver com um ditador, por mais
sinistro que seja, que preserve uma estabilidade nacional e regional pela força
ou, por um proselitismo democrático, devemos arriscar abrir as portas ao caos?
Temo que, um
destes dias, venhamos a ser tentados a repetir a frase de Franklin D. Roosevelt
sobre o ditador nicaraguense Somoza: “Ele pode ser um filho da puta. Mas é o
nosso filho da puta”.
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")