Paulo Castilho, no seu novo livro “O Sonho Português”,
coloca uma personagem a descrever-nos: “fervemos em pouca água e no instante
seguinte caímos na resignação e na tristeza, não somos um país, somos uma
melancolia politicamente organizada”.
Nada pode ser mais verdade. Os portugueses são de rompantes,
de emoções fortes, de ameaças de “partir a loiça”, de deitar abaixo tudo, de
mudar de vida. Depois, com o calendário a passar, desejosos, bem lá no fundo,
de “viver habitualmente”, como bem os topava Salazar, os nossos concidadãos
entram numa progressiva apatia, o que era chocante deixa de o ser tanto, o que foi
inaceitável passou a ser digerível, até certas caras, tão “impossíveis”, passam
a ser convivíveis.
E, no entanto, é bom ver o país mobilizado por causas. A
democracia deu espaço para isso. Recentemente, temo-nos entretido com os
méritos do Tribunal Constitucional, o Acordo Ortográfico, a privatização da TAP,
está mesmo aí a chegar a “saison” do debate sobre as touradas. Uma grande parte
do país detesta José Sócrates, outra defende-o. Desde há meses, a Grécia excita-nos
as colunas: os gregos ou são uns madraços ou uns heróis que acabarão por
derrotar os “troianos” berlinenses. A história, por cá, faz-se sempre de índios
e cowboys, ambos com adeptos legitimamente irados.
O país precisa destas polarizações. Elas não assentam em
racionalidade: baseiam-se no debate emocional, simplificado, caricaturado. O
maniqueísmo é uma deriva que demonstra a mediocridade de uma vida cívica onde,
às vezes, fica a ideia de que quem falar mais alto tem (pelo menos por algum
tempo) a razão.
Os resultados da última sondagem de avaliação
político-partidária são um barómetro desta nossa ciclotimia emocional.
Não vai para muito tempo, esta maioria tinha “os dias
contados”, Passos Coelho estava “politicamente morto”, o país saía à rua e
grandolava, irado, contra a falta de sensibilidade social do executivo, com o
experimentalismo de governantes sem jeito. Lembro-me de falar com pessoas que
olhavam para o lado, quase com o receio de serem escutadas, quando afirmavam
que mantinham a sua confiança no governo.
Do lado da oposição, Seguro era visto como o único travão à
afirmação de uma alternativa credível. Recordo a tensão, quase “bélica”, no
seio da minha família política, entre os “seguristas” e os “costistas”. Tive conversas
arruinadas por altercações entre amigos, nas vésperas das “primárias”.
Hoje, as coisas vão sendo o que são. Bem cantava o Carlos do
Carmo, em “Os putos”: “quando a tarde cai, vai-se a revolta”. A TSU, as
pensões, as rendas, a emigração, o caos do ano letivo, o estado do “citius”
judiciário, a Tecnoforma, as listas VIP, todas as imensas trapalhadas e
incompetências de um ciclo, tudo isso passou à história, tudo isso foi antes de
Jesus caminhar sobre as águas da “segunda circular” e parar as televisões.
Somos um país curioso. Um amigo meu resume bem isto: os
portugueses, a partir de certa altura, optam por “berrar baixinho”.
(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")