segunda-feira, abril 23, 2018

O pé da Luisinha Carneiro


Ontem, ao voltar a página, rápida e indiferentemente, sem ler o texto da notícia, de um jornal que referia em título os mais de 60 mortos num atentado suicida no Afeganistão, pensei para mim mesmo: será que já estou conquistado pela síndroma “Luisinha Carneiro”? Mas quem é Luisa Carneiro?

Num texto que ficou para a história pela sua genialidade, Eça de Queiroz imaginou um dia uma cena de província, com uma senhora a dar conta, num grupo reunido em sua casa, das notícias que vinham no jornal local, acabado de chegar. Os “horrores” dos vários desastres pelo mundo (o “Correio da Manhã” não nasceu do nada, podem crer!) sucediam-se, com apartes de aborrecimento e ar pesaroso dos circunstantes, mas não muito mais: um terramoto que matara duas mil pessoas na ilha de Java, na Hungria um rio transbordara e causara vítimas e prejuízos sem fim, na Bélgica greves e repressão, um descarrilamento trágico no sul de França, etc. 

A senhora sobre quem convergiam as atenções, que permanecia agarrada ao jornal, do qual extraía todas aquelas pouco excitantes notícias, de súbito “solta um grito, leva as mãos à cabeça: Santo Deus!” Eça relata a cena com deliciosos pormenores: “Todos nos erguemos, num sobressalto. E ela, no seu espanto e terror, balbuciando: ‘foi a Luísa Carneiro, da Bela Vista, torceu um pé!’ Então a sala inteira se alvoroçou, num tumulto de surpresa e desgosto”. É que “todos nós conhecíamos a Luisinha” e ninguém sabia quem eram os javanezes, os húngaros, os belgas ou os franceses atingidos pelas tragédias distantes.

Os meus “javanezes”, ontem, foram os afegãos mortos em Cabul, entretanto já sepultados pela minha indiferença. E a “minha” Luísa Carneiro está, com certeza, numa novidade de proximidade da perna partida de um amogo que alguém me traga, daqui a pouco. Este é um mundo que nunca muda muito.

Macron

Macron pode ter uma extraordinária oportunidade - para si, para a França e para a Europa. Questão é que a não utilize como instrumento da sua ambição pessoal, da “grandeur de la France” ou subordinando-se, de forma oportunista, a Trump. Não é caminho fácil, mas seria interessante

Lições

Dizem-me que, entre nós, no ensino universitário na área das ciências humanas, a neutralidade científica deixou totalmente de existir. Um professor marxista ensina a sua doutrina, um conservador a sua. Quem se inscreve numa cadeira fica assim sujeito a esta ditadura opinativa. Será mesmo assim?

Sporting

O meu sportinguismo é mesmo “de trazer por casa”: não me consigo entusiasmar minimamente com vitórias em outra modalidade que não seja o futebol sénior masculino. Confesso esta minha falta de ecletismo emocional.

Rótulos

Alguns socialistas, depois de anos de escrúpulo semântico e ideológico, lá conseguem assumir que o seu partido é “social-democrata”. O mesmo não acontece ainda com a direita que, envergonhada, teima em não adotar a designação e se traveste do equívoco “centro-direita”. Que complexos!

América, América!

Há dias, durante um debate na Universidade do Minho, alguém sublinhava a nossa esquizofrenia face aos EUA: criticamo-los quando eles vão pelo mundo e, depois, acusamo-los de saírem de forma precipitada. É verdade, mas o segundo erro só é cometido porque foi praticado o primeiro.

Matas

Andei nos últimos dias centenas de quilómetros por estradas rurais do Norte. Vi muito trabalho de limpeza de matas já feito, mas fiquei espantado ao constatar que grande parte do que foi cortado está ainda lá pelo chão, sem ser recolhido. Com o calor a chegar, aquilo é “petróleo”

RTP

Nos últimos meses, tenho vindo a constatar algo que nunca antes fora para mim evidente: há por aí um imenso mundo de má-vontade contra a RTP, estimulando a intriga, fazendo figas pelo seu insucesso, colando-a a um “Estado” a abater. E há uns “inocentes úteis” a ajudar à festa!

Deputados da nação

Um dia espero poder vir a perceber se os deputados persistem em manter todas as imensas ambiguidades que existem em torno do seu estatuto (moradas, viagens, mordomias, incompatibilidades, etc), contribuindo assim para a progressiva degradação da sua imagem, apenas por arrogância ou inconsciência. É que outra razão não consigo ver.

Irão

Durante anos, o Irão tentou convencer o mundo que o seu programa nuclear era apenas para fins pacíficos. E só aceitou negociar depois de fortes sanções. Teerão diz agora que, se os EUA se afastarem do acordo, poderá retomar o programa. Se assim proceder, dará plena razão a quem nunca acreditou na sua boa fé.

Chinesices

A China vai ser o grande elefante na sala do encontro EUA - Coreia do Norte. E ajudou a preparar o terreno para ele. Pequim detesta ter um poder nuclear na vizinhança, em mãos imprevisíveis. Mas não poderia nunca aceitar que Pyongyang viesse a sofrer uma colonização do Sul. O caminho chinês é muito estreito.

Poderes

Não é preciso recuar muitos anos para chegarmos ao tempo em que a Rússia era muito mais determinante e condicionante do que a China, no comportamento dos líderes norte-coreanos. Hoje, Moscovo é uma sombra desses dias. Há uma boa expressão para quem conta: “The powers that be”

domingo, abril 22, 2018

Algum Minho à mesa


Um fim de semana no Minho deu para algumas incursões gastronómicas. Aqui ficam telegráficas notas das visitas, para quem estiver interessado:

CENTURIUM (Braga)

É um edifício antigo, bem modernizado, na Avenida Central de Braga. Uma lista “a puxar” para o caro, com alguma ambição. Uma experiência que, contudo, ficou um pouco aquém da expetativa. Nota para um serviço muito atento e profissional.

EL OLIVO (Braga)

No Hotel Melià, em Braga, há um excelente restaurante! Já me tinham dito e confirmei. Carta com alguma diversidade, com hipóteses de “defesa” em matéria de preços. Vou voltar.

RETIRO DA CABREIRA (Vieira do Minho)

Não tivemos sorte com a ocasião. A sala estava deserta, nesta moradia a escassos quilómetros de Vieira do Minho. Lista inteligentemente curta, mas com o essencial. Cometemos um erro: pedir cabrito à noite, quando é sabido que ele se prepara de manhã. Mas vamos voltar um dia, porque a casa promete, as entradas eram ótimas e a carta de vinhos simpática.

O ABOCANHADO (Campo do Gerês)

Andava há anos para visitar este belíssimo espaço em Bufre, no meio do Gerês, com bela vista sobre a barragem de Vilarinho das Furnas. Para se lá chegar é preciso andar um pouco, bem adiante de São Bento da Porta Aberta. Foi um almoço simpático embora não deslumbrante. A lista é muito bem construída, os vinhos são bons (embora um tanto carotes), o serviço agradável.

VICTOR (São João de Rei, Póvoa de Lanhoso)

Comer outra coisa que não seja o bacalhau seria sempre um sacrilégio no Victor. Com a atenção costumeira do patrão, provámos um “fiel” pescado, demolhado no ponto, de boa qualidade. Antes, provei aqueles que considero terem sido os melhores bolos/pastéis de bacalhau que comi em toda a minha vida (e sou um “habitué” do produto). O senhor Victor tem a tese de que, sendo os ovos do seu quintal, isso faz toda a diferença. É capaz de ter razão. O que importa é que se comeu muito bem, como sempre me aconteceu por ali, há muitos e muitos anos.

POUSADA DA CANIÇADA (Caniçada, Gerês)

Há muito que se deixou de comer barato nas pousadas mas, em compensação, raramente tenho tido más experiências, nos últimos anos, em qualquer daquelas que visitei. Foi agora o caso da Caniçada, onde pernoitei por uns dias (isto diz-se?). Pratos bem apresentados, saborosos, com produtos de qualidade, revelando que quem está na cozinha tem “métier”. O serviço foi muito profissional, não deixando de ser acolhedor e simpático.

CANEIRO (Arco de Baúlhe)

Era um endereço que trazia em agenda, há anos. O Arco do Baúlhe, a dois passos da A11, não fica muito “à mão de semear”, mas fiz um esforço para lá passar. O restaurante está modernizado, “confortabilizado” sem arrebiques excessivos, com um serviço muito atento e um ritmo bem oleado. Comemos lindamente, com um preço muito aceitável, vinhos “em conta”. Vou contar aos amigos e voltar quando puder.

Lamas de Olo


“Isso é quase em Lamas de Olo!”, dizíamos, na minha adolescência, quando queríamos significar um sítio que, embora relativamente perto de Vila Real, se tornava imensamente longínquo pelo muito difícil acesso, através dos péssimos e lamacentos caminhos que então serviam as aldeias das redondezas. E não era mais do que uma dúzia de quilómetros a distância que separava a aldeia de Lamas de Olo da cidade de Vila Real. 

Mas que mundo de diferenças! Em Lamas de Olo (e algumas outras “Lamas de Olo” havia por esse país fora) não havia um médico, uma farmácia, um comércio decente. Também não havia saneamento básico, nem água canalizada, nem tratamento de lixos. Uma agricultura pobre e o comércio de gado era tudo quanto mantinha aquela gente por ali, até que a guerra colonial ou a ousadia da migração lhe viesse chamar os homens.

Nenhum de nós, à época, se tinha alguma vez aventurado a ir a Lamas de Olo, pelo caminho do Alvão. Mas imaginávamos o que seria, para os habitantes da aldeia, a saga de vir à cidade - por questões burocráticas, de saúde ou para as feiras. Aquela vida miserável e primitiva, então com todas as casas de habitação cobertas de colmo (como mostra uma imagem tirada hoje), com os animais a viver por baixo, teria talvez “graça” para os etnólogos e para os cultores urbanos do Portugal “pobrezinho mas contente”, que a ditadura mantinha.

Um professor primário que, de Vila Real, se deslocava regularmente a Lamas de Olo, falou-me muito da vida dessa gente. E disse-me da dificuldade de contar certas histórias às crianças de lá. Nesse tempo em que o único canal de televisão mal chegava a Vila Real e a “venda” da aldeia ainda não tinha um aparelho, era difícil fazer imaginar o que seria um comboio ou o mar - coisa que nenhuma delas tinha ainda visto e só podia adivinhar pelas imagens estáticas dos livros. 

Parece que estamos a falar do século XIX, mas tudo isto se passava na segunda metade do século XX, já na transição dos anos 60 para 70, com os Beatles na moda e o homem na lua.

Depois, um dia, foi o 25 de abril. 

Hoje, a aldeia tem turismo, dizem-me que perto há uma casa com belos petiscos. Passei por lá, há minutos, através de uma estrada aceitável de Mondim de Basto para Vila Real, pelo Alvão, com passagem por Lamas de Olo.

O Acre não existe!


Já não sei a que propósito é que eu trouxe à conversa, nesse jantar com familiares de visita ao Brasil, num restaurante do Rio de Janeiro, uma próxima visita que iria fazer ao Acre, um dos 27 Estados brasileiros. Ia ser uma visita curta, de um dia, para encontrar a segunda geração de portugueses quecaí se tinha fixado e impulsionar projetos económicos e culturais.

À mesa desse jantar, estava a namorada de um familiar, então estudante universitária no Rio. "Ah! Acredita na existência do Acre ?!", reagiu. Confesso que fiquei siderado, mas a minha interlocutora logo me "esclareceu": "O Acre não existe! É uma ficção, uma criação dos militares brasileiros. As cidades ditas do Acre são, na realidade, na Amazónia e os senadores e deputados do Acre vêm de outros locais. É uma imensa montagem política". 

Para quem, como eu, ia visitar, dentro de dias, o Acre, numa viagem para cuja organização tinha contado com a ajuda de um dos políticos mais destacados do Estado, o senador Tião Viana, a “revelação” era muito interessante. 

A jovem “explicou-me” ainda que funcionava na sua universidade, a exemplo de outros locais, um “grupo de trabalho” que “acompanhava” o assunto e que bastava ir à internet e colocar “Acre não existe” para poder ter ampla “informação” sobre o tema. Era verdade, como pude e ainda pode ser constatado, uma década depois!

Dias mais tarde, já no Acre (ou no que passava por sê-lo...), contei a história ao meu amigo Tião Viana (hoje governador do Estado), ao seu irmão Jorge Viana e ao então governador Binho Marques. Todos acharam imensa graça e, ao que me recordo, revelaram estar a par do debate sobre a “inexistência” do Estado brasileiro de que eram figuras dominantes. Mas, por qualquer razão, não me pareceram nada preocupados. Deviam “estar feitos” com os militares...

A verdade é que as teorias da conspiração, por mais tontas que sejam, ainda continuam a ter muita força!

sábado, abril 21, 2018

Legal e moral

De há uns tempos para cá, explora-se muito a dicotomia entre a legalidade e a moralidade. Começo a ficar com a sensação de que, basicamente, se pretende, com esta dualidade, dar pasto aos opinadores para, quando alguém pratica um ato e afirma fazê-lo porque tem a lei do seu lado, poderem vir dizer: “Está bem! É legal, mas não é moral”.

Vem isto a propósito das verbas recebidas pelos deputados insulares. Ficou claro que essa prática é legal, mas logo surgiu um coro de acusação de imoralidade da prática. No caminho, a tentar atenuar a alegada imoralidade, apareceu o incrível argumento do “sempre foi assim”, como se isso fosse um fator minimamente legitimador.

Vamos a ver se nos entendemos! Não gosto de viver numa sociedade onde, perante o legítimo exercício daquilo que a lei incontroversamente me permite, possa surgir um qualquer fabiano, à luz de uma autoridade duvidosa, a dizer-me: “Está bem, é legal, mas não é moral!”

Se uma determinada lei não é moralmente aceitável, então mude-se de imediato a lei, tornando-a conforme com o juízo moral que, com toda a certeza, os deputados da nação estão qualificados para interpretar. E, já agora, comecem eles próprios por tornar mais “morais” as leis e regulamentos que regem a sua casa.

António Mafra


Neste tempo em que nos Correios - entre bonecos, lotarias, livros e um mundo de outras bambochatas (um destes dias, ainda vamos ter vinho ao copo, “finos” e sandochas) - já quase é uma raridade venderem-se selos), quero deixar uma homenagem a José Mafra, sucessor do seu irmão António Mafra, que há dias desapareceu, com um link para o histórico tema do grupo “O carteiro”. Até Sérgio Godinho gravou esta imorredoura canção.

O conjunto António Mafra teve um grande êxito nos anos 60, com temas humorísticos, em tom musical popular. “O carrapito da dona Aurora”, “Sete e picos, oito e coisa, nove e tal”, “O vinho da Clarinha”, “Arrebita, arrebita, arrebita”, “Aperta o cordão ó Berta” ou “No baile da Mariquinhas” foram grandes sucessos da rádio e dos espetáculos ao vivo. Os textos tinham alguma ousadia “marota”, mas ficavam bastante aquém do desbragamento posterior da pimbalhada rasca que por aí anda agora.

Leão


Recuperando forças para o que aí vem!

Joaquim Barbosa


Num país em que, a escassos meses da importante eleição presidencial, o leque de candidatos não para de se abrir, não significando necessariamente esse alargado espetro um refrescamento revigorador da vida política brasileira, ressurge agora o nome de Joaquim Barbosa. 

Trata-se de um magistrado negro, que chegou a presidente do Supremo Tribunal Federal, tido como um lutador contra a corrupção, como deu mostras aquando dos primeiros tempos da operação “Lava Jato”. 

O nome de Barbosa já várias vezes tinha sido citado como possível presidenciável mas, para tal, vai ser preciso “costurar” (como por lá se diz) uma base partidária mínima. E, no Brasil, essa é uma operação sempre complexa.

Ao ler estas referências a Joaquim Barbosa, recordei-me de um livro de Frei Beto, um intelectual e ativista religioso amigo de Lula, que li vai para uma década. O livro, creio, chamava-se “A Mosca Azul”, e nele Frei Beto contava que, um dia, numa fila de “check-in” de um aeroporto, ficou junto a um cavalheiro negro, com quem trocou o tipo de conversa que se tem nessas circunstâncias. A certo ponto, o homem revelou ser juíz. Frei Beto lembrou-se então de que, nos círculos próximos de Lula, não havia figuras negras na área da Justiça. Trocou contactos com o jurista e, mais tarde, proporcionou o encontro deste com Lula. 

A carreira desse juíz, Joaquim Barbosa, teve a partir daí um imenso impulso, culminando com o facto de ter sido escolhido por Lula para o tribunal máximo do país. 

A avaliar pelo seu comportamento posterior, Barbosa pode não ter agradado muito aos seus mentores, mas a vida é isso mesmo.

sexta-feira, abril 20, 2018

“Simplicidade amável”


Uma das poucas coisas que fragiliza a minha animosidade irredutível face ao Estado Novo são as nossas Pousadas. A sua criação foi iniciada em 1942, por essa curiosa figura que foi António Ferro e representa uma tentativa de dar realce às diferentes regiões do país, à diversidade da sua gastronomia e dos seus costumes, incentivando o turismo estrangeiro e um turismo interno mais exigente. 

Registo algumas das primeiras: Santa Luzia, Elvas (1942), São Gonçalo, Marão (1942), Santo António, Serém (1942), São Martinho, Alfeizerão (1943), São Braz, S. Braz de Alportel (1944), Santiago, Santiago do Cacém (1945), São Lourenço, Serra da Estrela (1948).

Vale a pena dizer que os "Paradores" espanhóis, instituídos nos anos 20, foram os verdadeiros inspiradores das nossas pousadas, mas a expansão destas foi mais rápida e sustentada do que o do (excelente, aliás) modelo vizinho, que só viria verdadeiramente a desenvolver-se a partir dos anos 70.

Ferro deixou bem claro o que pretendia das Pousadas, ao afirmar, na inauguração da primeira daquelas unidades, em Elvas: "o luxo e a ostentação, muitas vezes sem conforto nem bom gosto, não constituem, obrigatoriamente, a matéria-prima do turismo", pelo que as pousadas deveriam ser "pequenos hotéis que não se parecessem com hotéis". Embora isto possa chocar os espíritos de hoje, nada melhor para qualificar o seu objetivo do que esta sua frase: "se o hóspede, ao entrar numa destas Pousadas, tiver a impressão de que entrou num estabelecimento hoteleiro onde passará a ser conhecido não pelo número do seu quarto, mas na sua própria casa de campo, onde o aguardam os criados da sua lavoura, teremos obtido o desejávamos". E também: "o conforto rústico, bom-gosto fácil no arranjo das coisas e também no paladar, simplicidade amável, eis as grandes linhas do programa das nossas Pousadas", que se pretendiam "pequenos conservatórios da cozinha portuguesa". Os tempos mudaram muito e as pousadas também.

Inicialmente, as pousadas eram relativamente baratas e - imagine-se! - tinham um limite imperativo de três dias de ocupação por utilizador. A forma da sua gestão teve um percurso que partiu da plena dependência estatal até ao modelo atual, em que o grupo hoteleiro Pestana detém uma posição maioritária, numa forma de semi-privatização, que não deixou de ter consequências sensíveis na oferta atual de serviço e qualidade das Pousadas, sujeitas a um padrão de exploração onde praticamente desapareceram as preocupações originárias de serviço público. Algumas unidades vivem num regime de "franchising" que, igualmente, afeta a identidade do conceito. A Enatur, a empresa pública que antecedeu o grupo Pestana, já havia fechado várias unidades. O grupo Pestana, numa lógica de gestão em que o Estado não soube (ou não quis, essa é a minha conclusão) acautelar no contrato a dimensão de serviço público, fez uma razia em tudo quanto não fosse altamente produtivo.

No que me toca, só no início dos anos 70, quando tive o meu primeiro emprego, é que comecei a ser um “colecionador” de pousadas. Mas, a partir daí, passei a viciado... Durante alguns anos da minha vida, por razões que não vêm ao caso, tinha obrigatoriamente de trabalhar todos fins-de-semana, em paralelo ao meu emprego regular. As pousadas eram o meu "pouso" preferido para isso. Nesse tempo, quando os preços eram outros, cheguei mesmo a passar férias em pousadas. Por isso, tenho sobre elas muitas e diversas experiências, que vão desde grandes exemplos de profissionalismo a monumentais descasos. Mas, apesar de várias razões que possa ter em contrário, ainda hoje sou "addicted" das nossas pousadas e, sempre que posso, frequento-as.

Às vezes pergunto-me qual terá sido a primeira pousada onde dormi. Talvez na de Serpa ou na da Murtosa/Torreira*. Mas, por esses tempos, lembro-me bem de estadas em Santiago de Cacém, em Miranda do Douro, em Santo António de Serém, em Manteigas, na Caniçada*, no Caramulo. Porque as Pousadas eram então, como disse, “muito em conta”, lembro-me de passar mais de uma semana em São Brás de Alportel, na Quinta da Ortiga (perto de Sines), em Santa Clara, em Oliveira do Hospital. Das “históricas”, creio que comecei por Óbidos*, Évora* e Estremoz*. Fui também cedo a Bragança#, a Marvão* e a Elvas. Pouco tempo depois de abrirem, estive em Monsanto, em Vila Nova de Cerveira, no Bouro/Amares*, em Alcácer do Sal*, em Ourém#,em Vila Pouca da Beira, na de Viseu*, na da Serra da Estrela* (Covilhã), na da Rede (Mesão Frio), em Belmonte#, na de Vila Viçosa*, no Porto/Freixo*. Dormi também nas incaraterísticas de Condeixa#, de Almeida, de Proença-a-Nova, da Batalha. Também na moderna de Sousel e numa coisa inenarrável que abriu por um tempo em Braga. Estive muitas vezes em Viana/Santa Luzia* (antes e depois de ser pousada), fui uma vez à pousada de Beja*, outra à do Alvito*, outras ainda à de Estói* e à de Sagres*. Dormi por mais de uma vez nas duas de Guimarães, Santa Marinha da Costa* e Senhora da Oliveira, e no Vale do Gaio. Conheço bem a de Arraiolos* e a do Crato*. Tenho boas memórias da do Castelo do Bode (Tomar) e de Valença#. Estranhamente, ou não, dormi algumas vezes na Pousada do Marão, a meia dúzia de quilómetros de minha casa, em Vila Real. E, muito mais estranhamente, já dormi na Pousada do Terreiro do Paço*, em Lisboa, bem como nas de Queluz* e de Cascais*. E também em Palmela*.

Por ter sido criada e ter desaparecido num tempo em que eu ainda não era nascido, nunca estive na pousada de Alfeizerão, como não estive numa unidade que chegou a existir nas Berlengas, que rapidamente deixou de existir. E, porque nunca calhou, acabei por nunca dormir, tendo apenas almoçado, nas pousadas de Setúbal e Alijó#. E nunca estive numa pousada que houve na Madeira e nas duas que ainda há nos Açores - Terceira* e Faial*. Mas frequentei muito - fui mesmo o cliente número 1 - da primeira pousada portuguesa no exterior, em Salvador da Baía no Brasil.

Nos dias de hoje, em que muitas das pousadas acima referidas já desapareceram, ou passaram a estalagens sem marca Pousadas de Portugal, constato só me falta conhecer, no continente português, a pousada de Tavira*. Mas lá irei um dia. (Duvido que alguém me “bata” em número de pousadas visitadas em território português. Foram 53!)

Hoje, estou a escrever naquela unidade que, como pousada, existe há 50 anos, tendo antes sido uma pequena estalagem, propriedade de um casal belga. Tem, a grande distância, a mais bela vista de todas as pousadas portuguesas. Onde é?

(Houve até hoje 61 pousadasCom um (*) assinalei as 27 pousadas que hoje ainda  integram a rede do grupo Pestana e com um (#) as 6 pousadas que já estão em regime de “franchising”. As 24 restantes que referi no texto, e não têm (*) ou (#), já não existem. Um dia tentarei listar as pousadas fechadas antes da entrada em cena do grupo Pestana, aquelas cujo encerramento ou alienação foi promovido pelo Pestana e, finalmente, aquelas que foram criadas no “reinado” Pestana .)

No Panteão Nacional

No dia 8 de janeiro de 2025, José Maria Eça de Queirós entrará no Panteão Nacional.  Finalmente!