terça-feira, outubro 21, 2014

Direitos do Homem


Portugal foi hoje eleito para o triénio 2015/2017 do Conselho dos Direitos do Homem, a instituição das Nações Unidas que, desde 2006, sucedeu à antiga Comissão dos Direitos do Homem. É a primeira vez que o nosso país integra esta estrutura e a expressiva votação que recebeu, nomeadamente colocando-se à frente da Holanda, o outro candidato da nossa área, demonstra que a diplomacia portuguesa continua a ser capaz de garantir uma sólida e diversificada rede internacional de apoios.

Imagino que, aos olhos de alguns observadores internos mais céticos, esta vitória possa ser avaliada como algo de irrelevante ou de somenos. Trata-se uma leitura de vistas curtas, de quem não entende, ou não quer entender, que a nossa margem internacional de manobra, com efeitos práticos bem sensíveis em diversas área de interesse, se ganha precisamente na multiplicação de presenças neste tipo de tabuleiros, onde a nossa diplomacia tem uma firmada tradição de prestações com grande sentido de responsabilidade, que grangearam forte prestígio à imagem do país.

Deixo aqui as minhas muito sinceras felicitações a todos quantos, nas Necessidades e pelas nossas embaixadas um pouco por todo o mundo, desde há vários anos, se empenharam ativamente nesta eleição, neles incluindo, naturalmente, o ministro Rui Machete, que esteve à frente da diplomacia portuguesa no tempo decisivo desta eleição.

Em tempo: contrariamente a alguma popularização demagógica que por aí anda, a coberto de um falso politicamente correto, deve dizer-se "Direitos do Homem" e não "Direitos Humanos", porque o conceito de "Homem" neste contexto nada tem de masculinizante. Para perceber isto, basta consultar a doutrina académica relevante ou os documentos oficiais da União Europeia, onde naturalmente se escreve "Conselho dos Direitos do Homem".

Eleições antecipadas?

A ocorrência de eleições legislativas antecipadas, por forma a que o governo que delas venha a resultar possa, atempadamente, preparar o orçamento para 2016, só poderia fazer-se por demissão do governo ou por dissolução da Assembleia da República, neste caso provocada pelo Presidente da República.

O governo já deixou claro que se opõe a essa antecipação, argumentando com a normalidade constitucional, mas, na realidade, com a perceção, porventura correta, de que isso poderia favorecer a oposição. 

O Presidente da República não tem dado mostras de estar aberto a essa antecipação, tendo sido, no entanto, quem começou por abrir essa porta, no ano passado, quando sugeriu essa "prenda" ao PS, em troca da subscrição por este partido de um "consenso" com a maioria.

O PS, e com ele toda a oposição, já há muito que pede eleições antecipadas, considerando estar esgotada a legitimidade política do governo e da maioria que o apoia.

Saíram agora a terreiro, na defesa da ideia, os parceiros sociais. Somam-se neles duas agendas: a das forças sindicais, que seguem de perto as oposições, e a do patronato, que teme a instabilidade que o calendário pode gerar, particularmente se pensarmos que há eleições presidenciais logo no início de 2016.

Posso estar enganado - e gostava de estar - mas acho que não vai haver antecipação das eleições. 

Passos Coelho é muito determinado e já percebeu que, no dia em que uma data de eleições antecipadas fosse anunciada, o seu já muito fragilizado governo entraria num "phasing-out" acelerado, com efeitos na capacidade de se apresentar às legislativas com um mínimo de condições para minorar o previsível insucesso. E até porque lhe apetece mostrar firmeza e contrariar as vozes do PSD que, em público, defendem a antecipação das eleições, julgo que nunca cederá neste ponto. A sua estratégia passa por ligar as legislativas com as presidenciais, criando uma espécie de "dobradinha" onde crê poder ter mais algum espaço de manobra, nomeadamente perante um PSD que dá fortes mostras de angústia com a perspetiva de entrar num importante ciclo de afastamento do poder no país - ainda por cima, depois de uma derrota autárquica de inédita dimensão.

Resta Cavaco Silva. O presidente já percebeu que não vai sair bem desta história e, também por causa dela, na própria História. O que se passou na última década afetou mesmo algum prestígio que certos setores ainda lhe reconheciam, tributário do tempo em que liderou o governo. Faça agora o que fizer, e mesmo que viesse a antecipar as eleições legislativas, nunca teria a gratidão da oposição, que já não esquecerá o triste legado destes seus dois mandatos - e não deixa de ser patético que surjam por aí agora, como que a rogo de Belém, uns articulistas piedosos a tentar dourar o brasão político de Cavaco Silva. Por isso, a última coisa que pretenderia seria alienar a boa vontade de Passos Coelho e de quantos, com ele, comungam da estratégia da não antecipação de eleições. O PM e o PR têm hoje uma relação de conveniência que, embora sem afetividade à mistura, acaba por se completar, não obstante algumas dissonâncias táticas aqui ou ali (como se viu no tema dos eventuais encargos para o contribuinte da solução BES). 

Passos Coelho é o último reduto a que Cavaco Silva se pode agarrar para o "ajudar a acabar o mandato com dignidade" (frase usada por Cavaco Silva, há precisamente 20 anos, referindo-se ao mandato de Mário Soares). Mas só perante algum PSD, claro.

Barroso e a UE

Durão Barroso terminou o seu mandato de cerca de dez anos como presidente da Comissão europeia. O tempo será, presumo, para alguns balanços.
 
Desde logo, um balanço português. Recordo que, quando Barroso foi escolhido pelos seus pares para presidente da Comissão europeia, tinha acabado de titular uma "luta" de algumas semanas para a colocação nesse lugar de António Vitorino. Nunca levei esse "esforço" muito a sério, até porque seria perfeitamente incongruente, mesmo tendo em conta o incontestável prestígio de Vitorino, que uma UE com predominância conservadora aceitasse um presidente da Comissão oriundo de outra área política. Barroso e os que o rodeavam sabiam isto muito bem; e, sobre isto, mais não digo. Na ocasião, a mútua anulação de alguns candidatos, num tempo em que ter sido antigo PM começava a ser um fator de peso, fez com que Barroso surgisse como uma solução de compromisso - com a óbvia vantagem de não ser uma figura forte, sendo já pressentido como maleável à vontade média de quem mandava no Conselho. Quem o escolheu, não se enganou.
 
Em Portugal, levantou-se um escarcéu pelo facto de Barroso ter "fugido" do governo e de Jorge Sampaio ter ajudado a esse passo. Nunca estive de acordo. É extremamente prestigiante para um país, em especial da nossa dimensão, que o chefe do seu executivo seja convidado para um lugar daquela importância, o qual, pelo menos teoricamente, projeta a nossa imagem internacional. Portugal não se pode dar ao luxo de desperdiçar, quando os ensejos ocorrem, possibilidades como esta. Jorge Sampaio procedeu muito bem ao ter "autorizado" a ida de Barroso. Para a nossa história doméstica ficará a eterna discussão sobre se deveria ou não ter aceite a solução endogâmica que o PSD lhe apresentou ou se não seria mais adequado ter promovido eleições antecipadas.
 
Agora, um balanço europeu. Na sua década de mandato, Durão Barroso esteve exatamente à altura daquilo que dele se esperava: quer por parte de quem o indigitou, quer por quem o conhece melhor. Barroso faz parte de uma "linhagem" de presidentes do executivo bruxelense que foram escolhidos depois de Delors, isto é, depois de uma personalidade que, em aliança objetiva conjuntural com o então "eixo" franco-alemão, fez a Europa dar um salto qualitativo em matéria institucional e de projeto. A Europa que se seguiu a esse tempo era já diferente, a ambição era outra e o peso do Conselho de ministros face à Comissão (também por via de compensação do poder crescente e inevitável do Parlamento europeu) estava em crescendo. Não foi por acaso que os governos foram escolhendo, sucessivamente, figuras do cariz de um Santer ou de um Prodi. E, depois, de um Barroso.
 
Durão Barroso adotou, no desenho institucional do seu papel à frente da Comissão europeia, precisamente a mesma "leitura" que dela fizera quando, como chefe do governo, negociou o defunto Tratado Constitucional. E projetou exatamente essa mesma perspetiva no modo como se colocou perante o Tratado de Lisboa, que historicamente foi o maior atentado ao poder da Comissão na história europeia, que teve então a cumplicidade objetiva do governo (socialista) português.
 
Barroso teve uma Comissão difícil de gerir. Pela primeira vez, nela se sentavam 27 comissários à volta de uma mesa, nomeados por governos que, em geral, tinham como agenda pouco escondida enfraquecer o poder dessa mesma instituição. A Comissão, e Barroso com ela, esteve muito mal no início da crise financeira, que inicialmente desvalorizou, antes de se ter assustado com ela. Esquizofrenicamente, impulsionou os Estados a promover doses maciças de despesa pública para, logo de seguida, se colar a uma política totalmente oposta, à subordinação a um modelo de forte austeridade: E ambas as políticas foram defendidas por Barroso, com o mesmo zelo. A Comissão, nesse percurso, "reganhou" algum poder, mas agora de natureza "polícia financeiro" face aos Estados membros.
 
Durão Barroso foi um presidente débil da Comissão europeia, muito pouco respeitado pelos grandes Estados e que, porque assim era pressentido pelos restantes, não soube ou não quis ganhar algum espaço junto destes últimos. Se a fragilidade dos homens ainda poderia justificar que, no primeiro mandato, tivesse de "jogar" para garantir a sua reeleição, já nada justificava que, no segundo mandato, não tivesse, a certa altura, "partido a loiça" e defendido com garra o papel central da Comissão. Um chefe do executivo europeu que, mesmo contra a Alemanha, tivesse a coragem de afirmar a necessidade de ser respeitado o método comunitário e soubesse "federar", numa aliança tática com o Parlamento europeu, as angústias de muitos Estados de pequena e média dimensão, da "outra Europa" mais frágil e necessitada de solidariedade, poderia ter perdido a partida, poderia mesmo ter sido forçado à demissão, mas teria provocado um choque institucional muito salutar, que poderia ter salvo a Europa. E ter ficado na sua história. Foi o que Durão Barroso não fez e que, no dia de hoje, o obriga a sair por uma pequena porta do Berlaymont.   

Em tempo: leia-se este balanço de Jean Quatremer

segunda-feira, outubro 20, 2014

Direito ao "copianço"?

Há uma prática regular na nossa imprensa com a qual, desde há muito, convivo mal. Se, no sábado, o "Expresso" traz uma "caixa" qualquer, há sempre um jornal diário "pendura", logo no domingo imediato, que disso faz uma notícia própria, citando naturalmente o colega, mas "roubando" a notícia, assim enchendo uma página com o trabalho do outro. As televisões são também useiras e vezeiras nesta forma de atuar, "pilhando" o esforço dos outros, normalmente nos telejornais do almoço.

Há dois dias, o "El Confidencial" (um excelente site espanhol, que vivamente recomendo) trazia a história de um "jotinha" do PP espanhol que andava a fazer carreira e a sacar vantagens através de uma desbragada promoção pessoal. Passaram 24 horas e logo a nossa imprensa, sem acrescentar rigorosamente nada de novo ao trabalho do jornal espanhol, encheu páginas com as mesmas fotos e com textos similares. O normal seria que fosse publicada uma tradução do artigo do "El Confidencial", com liquidação dos necessários créditos. Mas não senhor! Uns ditos "jornalistas" fizeram de conta quer escreviam textos sobre o caso quando, na realidade, se limitaram a copiar. E a assinar.

Isto é mau jornalismo ou sou eu que estou equivocado? 

Zemmour


Gosto de "malditos", confesso. Quando vivia por França, não perdia um "On n'est pas couché" onde Eric Zemmour, com um género físico de "fraca figura" comparável a Aznavour, seduzia pela sua inteligência "facho", politicamente muito incorreta, com uma vivacidade e uma cultura excecionais. Depois do seu forçado e estúpido afastamento do programa da France 2, segui-o para o Zemmour/Naulleau e lia as suas crónicas no Figaro Dimanche. E vou tentando acompanhar os livros que publica.
 
Zemmour é um jornalista e escritor desencantado com o manifesto declínio do seu país. Com pena fácil e verbo ácido, esconde por detrás do sorriso (é especialmente perigoso quando começa a mover a cabeça com ar de assentimento) uma atitude de aguda agressividade face àquilo que entende que está a descaraterizar a França contemporânea - as culturas estrangeiras, as políticas migratórias, as atitudes de permissividade multicultural que entende por perversas por parte da esquerda, mas também de alguma direita. Tem coragem para ser impopular, o que é sempre raro. Na polarização política francesa, é visto como um mero "compagnon de route" de Marine Le Pen. O que é muito injusto para ele e, a contrario, elogioso para a líder da extrema direita. Dele saiu agora o livro "Le suicide français". Não tenciono perder.
 
Há muitos anos que sigo a regra de que, verdadeiramente, apenas é importante ler aqueles com quem sabemos, de ciência certa, que não vamos concordar. Faço isso tanto com livros como com artigos e, em especial, com blogues: salvo por nota de atenção de um amigo para um texto específico, não tenho por hábito visitar "sites" ou blogues escritos por gente de esquerda, não tenho mesmo nenhum nos meus "favoritos". Como dizia há muitos anos, com rubra soberba, o meu querido amigo António Alves Martins, "a esquerda somos sempre nós", os outros que dela se reclamam são meras "aproximações"... Considero assim que rever as ideias dos que, à partida, concordam no essencial connosco é algo de redundante, um ato de mera preguiça mental, de quem se contenta com a imagem no espelho. Como na arte da guerra, o importante é conhecer bem o "inimigo". O resto, como se aprendia em Mafra, serão sempre são as NT (para quem saiba o que isto significa) ...

domingo, outubro 19, 2014

DN

Vai uma "agitação" boa pelo Diário de Notícias. Embora a orientação ideológica do jornal tenha, a meu ver, deslizado um pouco para a direita (em ano de eleições, os "powers that be" não brincam em serviço), com escolhas editoriais de tintas neoliberais que me parece provirem da escola do "Dinheiro Vivo", o jornal ganhou maior vivacidade: os títulos "soltaram-se" (um pouco "à Libé"), o desporto está bem mais criativo, a cultura fez um esforço notório, há mais e mais ágeis entrevistas (mas não exagerem na "ligeireza": há dias, um entrevistador tratava o entrevistado por tu!). Apareceram novos cronistas, alguns da própria casa, tendo sido dado mais e melhor espaço a outros. (Há dois dias, deparei com um texto magnífico da Ana Sousa Dias sobre a diversidade étnica de Lisboa; ontem, Ferreira Fernandes, que segue com a melhor crónica do país, trazia uma página deliciosa sobre a sentença, pateticamente humorística, do Supremo Tribunal de Justiça). Sei lá bem porquê, o jornal dispensou escrita da qualidade de Baptista Bastos e Manuel Maria Carrilho, mas conservou gente muito boa (como João Lopes e o já indispensável Bernardo Pires de Lima, que ensina a ler o mundo internacional como ninguém hoje faz diariamente na nossa imprensa), embora mantenha, estranhamente ou não, certos monos e alguns personagens pios que, tal como os almoços, não devem ser totalmente grátis. Entretanto, o provedor do leitor, Óscar Mascarenhas, já caiu numa página par, o que é sempre um "downgrading" que pode indiciar um destino. A primeira página está mais apelativa e a imagem ganhou por lá força e espaço, mas o grafismo necessita ainda de um imenso golpe de asa. E o site tem de sair rapidamente da pré-história. No geral, o DN está a demonstrar ter estamina interna para conseguir "dar a volta", o que não era muito evidente, até há umas semanas atrás. Ontem, no Twitter, o novo diretor, André Macedo, dizia, "inchado", que o seu jornal desse dia "metia no bolso" o "Público" e o "Expresso". E tinha razão! Eu, que escrevinho "por outra freguesia", não quero deixar de associar-me a quantos se alegram com mais um renascimento do antigo jornal "da Moagem". Até o Augusto de Castro e o Saramago, cada um à sua maneira, devem  estar a sorrir.

Os meus dias da rádio


A conduzir pela noite numa estrada transmontana, ouvi há dias, no para mim até então desconhecido Radio Clube de Resende, e não sem alguma nostalgia, um programa chamado "Onda Noturna".  Nesse instante, lembrei-me que, noutro Rádio Clube, o histórico Rádio Clube Português (que, no Porto, funcionava no edifício da rua de Ceuta, de que deixo uma foto recente), eu próprio havia colaborado num programa homónimo, dirigido por Rui de Melo. Às vezes, pela noite dentro, o Rui de Melo entregava-me a emissão do "Onda Nocturna" e eu ficava por lá a "pôr discos" e a dizer banalidades serenas, no tom que o programa exigia.

Faço parte da geração dos "dias da rádio". No meu caso, das noites. Na minha juventude, em Vila Real, o Rádio Clube, a par de algumas rádios estrangeiras (Radio Caroline, Radio London, Radio Andorra) e da "23ª hora" da Renascença, era uma companhia noturna regular, com os programas da madrugada, em especial o "Meia Noite" e, mais tarde, o efémero "Europa", de Vitor Espadinha, a trazerem a música que me fez crescer. (Na província, sem FM, apenas com Onda Média, não chegávamos ao lisboeta "Em Órbita")

Em 1966, com a ousadia dos meus 18 anos, apresentei-me nos estúdios do Porto do RCP, onde pedi "emprego" sem salário, ao tempo em que fingia estudar Engenharia Eletrotécnica. O Alfredo Alvela abriu-me então as portas do seu "Clube da Juventude," onde realizei, durante alguns meses, o meu semanal "Tempo de Teatro" (eu era então membro do Teatro Universitário do Porto), com textos do João Guedes e um "gingle" com efeito de eco, feito no vão do elevador do prédio, numa ideia louca, creio que do Jaime Valverde. Numa manhã, saído tarde do Rádio Clube com o Humberto Branco (um nome histórico da rádio portuense), lembro-me como se fosse hoje de um belo nascer-do-sol, a atravessar as janelas do "Transmontano", que o Alvela teimava em qualificar como o único restaurante "ível" (onde se podia ir...) na noite portuense. Não era verdade: o "Ginjal" era uma alternativa possível. Às vezes, o destino final acabava também por ser "o outro lado da noite", na "Candeia", na "Japonesinha" ou na "Tentativa". Grande Porto desse tempo! Ainda por ali fiz locução, durante algum tempo, nos Emissores do Norte Reunidos, pelo final das tardes, num programa a que chamei "No espaço e no tempo", um nome ridículo, mas que ia muito bem com o ambiente da época.

Quando, em 1968, abandonei Engenharia e fui estudar (dessa vez, a sério) para Lisboa, o "bichinho" da rádio continuava a perseguir-me. Ainda nesse ano, fiz concurso para locução na Rádio Universidade e fui um dos escassos admitidos. A estação era propriedade da Mocidade Portuguesa, seguia uma linha oficiosa, mas devo confessar, em abono da verdade, que não terá sido uma razão puramente política que dela me acabou por afastar. Tenho uma vaga ideia de me ter confrontado com um ambiente algo "pesado" e hierarquizado, em que me não sentia bem, feito de gente que pouco tinha a ver com a "onda" académica mais agitada em que eu já andava envolvido por essa época. Mas, conhecendo-me, creio que também o facto de me terem exigido que me submetesse a um estágio nas socrossantas manhãs de domingo terá pesado bastante e deverá ter sido a gota de água que fez travar o início de uma pouco estável carreira radiofónica, que chegou a estar nos meus horizontes. Afinal, há males que vêm por bem... 

sábado, outubro 18, 2014

Gabriel Espírito Santo (1936-2014)

Perdi mais um amigo: o general Gabriel Espírito Santo. Com uma brilhante carreira militar, que o levou ao posto mais elevado da hierarquia - chefe do Estado-maior General das Forças Armadas -, cruzei-o pela primeira vez em outubro de 1974, quando servi sob a suas ordens na 2ª Divisão do EMGFA, instalada então no Palácio da Ajuda. 

Eram tempos político-militares complexos e para sempre recordarei a sua ousadia de levar o Aspirante a Oficial miliciano que eu então era à primeira reunião da Assembleia do MFA, numa apresentação (polémica) sobre a situação partidária da época. Ficámos amigos desde então.

Ainda tenho alguns dos cartões, com letra muito bem desenhada, sempre com uma palavra amiga e personalizada, com que me mandava, com regularidade, a "Revista Militar", que dirigiu por muitos anos. Nela me convenceu a publicar um dia um artigo.

Voltei a encontrar o general Espírito Santo no Conselho Geral da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, que ambos integrámos em 2008. Quando passei a presidir àquele Conselho, meses mais tarde, disse-me com simpatia: "Invertemos posições. Agora, você passa a ser "meu chefe"..."

Era um transmontano sereno, que apreciava e praticava o humor, que olhava o país com grande dedicação patriótica, um democrata, um militar culto. Uma pessoa de bem.

Deixo aqui uma saudação sentida e de grande respeito ao "meu general" e amigo.

Boa Nova


O espaço está modificado, modernizado, "confortabilizado" - nomeadamente face a esta imagem já antiga. A "Casa de Chá da Boa Nova", a obra emblemática do início da carreira de Álvaro Siza Vieira, que esteve encerrada durante alguns anos, depois de ter sido um restaurante algo incaracterístico de Leça da Palmeira, ganhou agora uma nova vida sob a batuta do "chef" Rui Paula, estando hoje transformada na oferta gastronómica mais "fashionable" do Porto.

Conheço o Rui Paula há muitos anos, desde os tempos do "Cêpa Torta", em Alijó, onde se revelou como uma inventivo utilizador dos produtos tradicionais. Depois, visitei-o várias vezes no "DOC", na Folgosa, entre a Régua e o Pinhão, onde ganhou as suas esporas de grande senhor da cozinha. Escrevi um dia um texto sobre uma experiência peculiar que por lá tive. 

Mais tarde, assisti ao despertar do "DOP", no Porto, um belo espaço perto da Bolsa, onde, com sucesso, ele ousou arriscar a exigente cidade. No meu heterónimo "Augusto Maria de Saa", um cronista gastronómico despretencioso, escrevi na "Sábado", vai para quatro anos, duas páginas elogiosas sobre o bem que se comia (e come) no "DOP", notas não isentas de algumas reticências sobre outros aspetos (repito: para além da comida, sempre excelente) do então funcionamento da casa. Questões que, entretanto, vi corrigidas. Nunca falei com o Rui sobre isto, como é de regra.

Depois, o Rui Paula passou a dirigir o restaurante do "Palace Hotel de Vidago". Sólido, constante (que é o mínimo que se pede a um restaurante) e cuidado, o "estilo Rui Paula" demonstrou igualmente um salto qualitativo na preparação das equipas - questão essencial para quem, por virtude da dificuldade da ubiquidade, não pode atender a todos os espaços que se reclamam do seu nome, como sei que é o caso do seu "Rui Paula", no shopping "Riomar", no Recife, que ainda não visitei (até porque o "meu" restaurante pernambucano de eleição é o grande "Leite").

Famoso agora pela televisão, consagrado pelo público, trabalhador incansável a um limite que às vezes me parece exceder o aceitável, o Rui Paula é, no meu entender, um expoente dentre uns escassos "chefs" que se esforçam por trabalhar coisas portuguesas com requinte cosmopolita, de uma forma original e criativa. Trata-se de um trabalho complexo, exigente, que implica mobilização de equipas que (presumo eu!) não deve ser barato formar (e que demorará sempre tempo a adquirirem um ritmo natural, fugindo ao maneirismo de procurada sofisticação a que o lugar apela) e manter, com as consequências óbvias na dimensão da fatura final que o cliente pagará. 

Mas o resultado do trabalho do Rui Paula na "Casa de Chá" - que está lindíssima, na simplicidade elegante que o espaço sempre teve - é, na minha opinião, excelente. Só lhe desejo muita sorte. Que bem merece.

sexta-feira, outubro 17, 2014

Amarante

António Manuel Pinto da Silva
O autor da fotografia é um dos meus mais antigos amigos, que herdou a arte do seu pai, o prestigiado Marius, figura que se mantém, até hoje, como fautor das mais belas fotos existentes da cidade de Vila Real.
 
A localidade da imagem é Amarante, uma belíssima cidade à beira-Tâmega, que dispõe de uma unidade hoteleira de exceção, a "Casa da Calçada", dotada de um restaurante magnífico, o "Largo do Paço", com uma merecida estrela no Michelin. 

Na restauração local, longe vão os dias de glória do "Avião" ou da velha tasca do "Príncipe", ali ao Arquinho, ou os almoços regados a branco a acompanhar o cabrito na varanda do Zé da Calçada" (vê-se, longa, na foto), que pode já não ser o que foi em tempos idos. Agora há também, perto da autoestrada, a muito recomendável "Quinta do Outeiro" onde passo de quando em quando. Para doces, foi-se há muito o clássico "Alcino", há menos tempo a histórica "Lailai", mas a "Tinoca" mantém, com grande garbo, o "quinteto" maravilha: as lérias, os papos d'anjo, os São Gonçalos, os foguetes e as brisas do Tâmega.

De caminho, se puderem, junto à histórica ponte, visitem a igreja (e a sacristia!) e o mosteiro de S. Gonçalo, adjacente ao museu Amadeo de Souza Cardoso, que tem uma bela coleção de arte contemporânea portuguesa (entre a qual o também amarantino António Carneiro) e, até ao fim de novembro, uma exposição temporária de Mário Cesariny de Vasconcelos.

Por que diabo me deu hoje para esta nota? Sei lá! Porque Amarante é magnífica, é terra de Pascoaes e de Agustina (e, já agora!, de Marinho e Pinto...) e tenho encontrado quem por lá nunca tenha passado e não saiba o que perde.

Os bancos e os cafés


Há dias lembrei-me. Pelos anos 60 e 70, todos nos queixávamos de que os cafés de Lisboa e Porto iam fechando, um a um, dando origem a balcões bancários.
 
Agora que os bancos andam por aí a encerrar "paletes" de balcões, iremos ter os nossos cafés de volta?

quinta-feira, outubro 16, 2014

Do anonimato

Alguns comentários anónimos em blogues ou em sítios informáticos de jornais, quando deliberadamente ofensivos ou obscenos, devem merecer da nossa parte a consideração dada à cobardia de uma carta não assinada. Para mim, sem excepção, convocam a piedade que é devida aos pobres de espírito.

É claro que não me estou a referir a anódinos e civilizados comentários que, mesmo quando sem assinatura, dão graça e vida aos blogues e sítios informáticos, servem de estímulo, e até de saudável contraditório, a quem escreve. Esse é o anonimato benévolo, perfeitamente normal e sempre bem-vindo.

O que eu quero notar é a circunstância de, com grande frequência, depararmos, nas áreas dedicadas aos comentários, com uma imensa legião de corajosos escribas anónimos que, na solidão cómoda do seu teclado, se dedicam a insultar quem lhes desagrada, a denegrir aquilo que nunca teriam a coragem de dizer cara-a-cara ou a assinar com o nome verdadeiro e identificável por debaixo.

Há hoje por aí um mundo clandestino que destila fel e acrimónia, muitas vezes com laivos xenófobos e racistas, prenhe de adjetivação ácida e de óbvios recalcamentos. Todas as sociedades, ao que parece, tem destas "faunas rascas", o que talvez justificasse um estudo sócio-psicológico, com uma dimensão médica a ajudar. Embora já haja um óptimo medicamento para esta patologia: chama-se "Delete", é eficaz, tem um efeito imediato e pode usar-se as vezes que se quiser.

O mais curioso é que esses profissionais da cobardia têm mesmo a suprema lata de defenderem o "direito ao anonimato", lamentando-se, em outros espaços informáticos, das escassas vezes em que por aqui travei a publicação das suas diatribes - as quais, aliás, sempre publicarei, sem o menor corte e com o maior gosto, quando nos quiserem dar a subida honra de lhes conhecermos o nome. Mas a frontalidade é uma qualidade que é alheia essa fauna, a qual, por exemplo, foge do Facebook como o diabo da cruz, porque por ali tem mais dificuldade em esconder a sua cara cobarde.

quarta-feira, outubro 15, 2014

Duas ou três... gotas!

Um contido espirro de um amigo, na tarde de ontem, trouxe-me à memória uma história antiga "de espirros", que marcou algumas viagens diplomáticas em que participei, no final dos anos 80.

Era um colega mais velho, homem muito agradável, excelente companheiro, com um ar sempre sorridente. Tinha um "problema". Por uma qualquer razão, espirrava com grande frequência. Nada de grave, estarão a pensar... De facto, isso não teria a menor importância não fosse o facto de o seu espirro ser, como alguém dizia, imenso, fragoroso e "de leque", quase a 180º, com uma incontrolada projeção de perdigotos por quem tinha o azar de se situar no seu vasto horizonte de "ação". O ato nele era tão súbito que nunca tinha sequer tempo para procurar um lenço, pelo que a explosão liquefeita saía sempre em frente, com uma força de projeção muito assinalável. Um espetáculo para quem assistia, um horror para quem o sofria!

A experiência havia-nos mostrado que a mudança de temperaturas tinha como consequência originar uma maior frequência desse fenómeno. Por essa razão, sempre que ele nos acompanhava, em viagens aéreas ao estrangeiro, os mais experientes, alguns dos quais suas anteriores "vítimas", procurávamos garantir lugares bem longe dele, onde pudéssemos estar a salvo desse temível e quase inevitável "chuveiro". Fazíamos isso com real pena, porque ele era uma ótima companhia.

Um dia, numa viagem na Europa, havíamos tido o especial e discreto cuidado de garantir-lhe um lugar numa ala lateral do avião. A seu lado, ia benjamim da delegação, cuja falta de antiguidade justificava o risco a que o submetíamos... O resto dos nossos viajantes, que incluía um membro do governo (já não recordo se alertado ou não), sentava-se prudentemente na zona central do avião. A viagem começou. Minutos depois, o nosso colega levantou-se e, de pé, começou a conversar conosco, que continuávamos sentados. Deu-se então conta que toda a fila à frente da nossa estava vazia. Com naturalidade, veio colocar-se de joelhos, num assento à nossa frente, a muito curta distância.

Pressenti de imediato o "perigo". Como ia junto à coxia, levantei-me e coloquei-me ao seu lado. Os restantes colegas da delegação, menos avisados ou encurralados, permaneceram no seu "raio" potencial de "bombardeamento". O ar condicionado, alguma poeira ou outra qualquer razão levaram, minutos depois, ao inevitável "grande espirro". Que, como nele era habitual, não foi nada contido. Pelo contrário, foi "generoso", com um efeito visível no vestuário (e até na cara!) dos colegas. E não foram duas ou três gotas... Assistiu-se então a uma debandada geral, na busca da casa de banho. A reação foi tal que nem o membro do governo teve prioridade na busca da lavagem redentora. Só visto! 

Ainda tens esses terríveis espirros, Manel?

A encenação do poder


No dia 4 de novembro, pelas 19 horas, no Teatro Nacional D. Maria II, sob moderação de António José Teixeira, irei ter o privilégio de discutir com Eduardo Lourenço a questão da "encenação do poder", os mecanismos simbólicos de projeção do poder político. O título exato do exercício é "A encenação do poder / O poder da encenação" e insere-se nos chamados "Encontros Garrett - Descodificar o futuro", organizados por Margarida Gouveia Fernandes.  
 
O programa completo destes encontros pode ser consultado aqui.

terça-feira, outubro 14, 2014

Ana Maria Duarte Silva

Foi-se hoje a Ana Maria Duarte Silva. Uma longa doença anunciava há muito este dia. Longe de Lisboa, não podemos despedir-nos, como desejaríamos, de uma amiga de há quase quatro décadas. Conheci-a quando, juntamente com a Madalena Mendonça, secretariava o diretor-geral dos Negócios económicos. Eu tinha acabado de entrar para o Ministério, não conhecia por lá praticamente ninguém, e nunca esquecerei a simpatia acolhedora de ambas, nesses tempos iniciais que, por várias razões, não foram para mim totalmente fáceis. 

A Ana era uma amiga sempre alegre, divertida, tinha uma forte e sã gargalhada. Conhecia meio mundo, sabia tudo, era de uma ilimitada disponibilidade para os amigos. Quando estávamos no estrangeiro, era para nós uma espécie de "anjo da guarda". Gostava imenso de ser útil, de ajudar, desencantava soluções. Era uma companheira ideal para jantaradas e nunca esquecerei a surpresa muito agradável que me fez um dia, em Londres, batendo à nossa porta numa noite do meu aniversário. Em 1995, quando estava de saída da Presidência da República, onde trabalhara com Mário Soares, convidei-a para integrar o meu gabinete, no governo que começava. Cheguei tarde! António Sousa Franco, de quem era amiga pessoal, havia chegado mais cedo...

Adeus, Ana. Até sempre!

Facas na Liga

Não sei se têm seguido o que se passa na Liga de Futebol Profissional, uma misteriosa instituição que organiza a representação dos clubes e que, desde há meses, vê a eleição dos seus corpos gerentes envolvida numa imensa polémica. 

Há dias, numa rádio, ouvi um especialista em "justiça desportiva" debitar judiciosos comentários sobre o intrincado novelo jurídico que envolve as listas concorrentes ao próximo ato eleitoral. Quem o ouvisse desprevenido, expressando ideias sobre a "jurisprudência", recursos e impugnações, poderia ser levado a crer que estávamos perante coisas sérias e relevantes para o país. Mas não: o que atravessa esse submundo são negócios de dinheiros televisivos e jogos de gestão de poder sobre a relva. Os jornais e as televisões, ao darem espaço e antena a essa gente, transformam um tema reconhecidamente menor numa magna questão. 

Num país em que só o que nos divide parece ser notícia, não deixa de ser significativo as longas horas que a comunicação social dedica, não ao futebol (o que ajudaria a entreter saudavelmente o quotidiano) mas à "conversa" sobre isso. Um país que, com a dimensão do nosso, alimenta três jornais desportivos, em que há horas em que todos os canais televisivos só falam de futebol, qualifica-se bem a si próprio.

Anomia

A palavra não é muito usada, mas a expressão cunhada por Durkheim é a única que me ocorre para simbolizar o que hoje atravessa Portugal. Ausência de objetivos, diluição de identidade, descrença num sentido coletivo de vida são os sinais contemporâneos que nos revelam um país à deriva. Não se deduza daqui um derrotismo catastrofista, porque estamos sempre a tempo de mudar o rumo às coisas e, contrariamente ao que vulgarmente se pensa e diz, já atravessámos crises bem piores. Mas, para mudar, é necessário perceber como e por onde andamos e, em especial, evitar passos irreversíveis.
O que se tem passado nos últimos tempos na máquina do Estado, se bem que previsível, ultrapassou todos os limiares de razoabilidade e da incompetência aceitável. As crises no sistema educativo e na Justiça, somadas a afloramentos de ruturas em várias outras políticas públicas, mostram que a aposta no desmantelamento do Estado, que este governo levou a cabo com um zelo sem precedentes, está a “funcionar”: o estado do Estado é já o que se vê.
Para isto juntou-se uma agenda ideológica de liberalismo simplista, servida por um pessoal político em geral impreparado, um cocktail de “jotas” com homens de aparelho, acolitados por tecnocratas cínicos e por deslumbrados com MBA, com uma agenda geracional agressiva, que se sentaram à mesa da desorçamentação do Estado atulhados de preconceitos: o Estado é hoje gerido por quem o odeia e despreza. No início, obedeciam ao “script” dado pelo Memorando, que, com aparente alegria doutrinária, haviam herdado e que iam mesmo polindo com o zelo dos neófitos. A palavra de ordem era desregular, “desblindar”, acabar com as “golden shares” que perturbavam o livre fluir do mercado, privatizar tudo quanto fosse possível. Ah! e fazer tudo isso tão depressa quanto viável, antes que o país aturdido acordasse e os devolvesse à procedência.
Ao fim de uns meses pelos corredores do poder, percebeu-se logo que esse pessoal se achava possuído de uma “filosofia”: uma espécie de otimismo visionário e profético, uns novos “amanhãs que cantam” que pediam meças à credulidade determinista do “socialismo real”. Alguns parece que chegaram a acreditar piamente na bondade dessas soluções e, como também ocorreu do outro lado do espelho ideológico, encaravam as vítimas da conjuntura – os velhos, os reformados, os doentes, os excluídos, os desempregados – como uma espécie de inevitáveis “colateral casualties”. Sem remorsos, porque o “homem novo” estaria ao virar da esquina a salvar-lhes as consciências. E o seu futuro, claro.
Depois, foi, não o que se viu, mas o que está a ver-se. A dívida disparou, o desemprego também (na melhor das hipóteses fixá-lo-ão ao nível que o governo Sócrates o deixou), fazem uma coreografia anual para colocar o défice tão próximo dos objetivos quanto as malabarices financeiras o permitem, o Estado está no estado em que está e quem vier a seguir que feche a porta. Agora, atrapalharam-se no BES, deixaram a PT ir ao fundo sem um ai tempestivo, estão ainda a pensar se têm tempo para dar cabo da TAP.
E o país? O país, pelo que mostra, permanece em anomia, se acaso disso ainda restasse a menor dúvida. E se acordar?

Artigo que hoje publico no "Diário Económico"

segunda-feira, outubro 13, 2014

Simbolismos

Portugal vai doar 25 mil euros para a reconstrução de Gaza. Só a presença de Portugal na Conferência de Doadores, onde este anúncio foi feito, quanto terá custado? 

Em lugar desta ridícula contribuição, os palestinos teriam apreciado muito mais se o governo português tivesse elevado a sua voz no auge dos bárbaros atos de devastação que Israel provocou naquele território.

Portugal pode não ter dinheiro, mas deve mostrar que tem princípios.

"Mind your business!"

Um dia, noutro espaço, denunciei com frontalidade uma aberta ingerência de uma amiga minha, deputada europeia portuguesa, que se arrogava a ter um "droit de regard" sobre umas eleições em Timor-Leste, tomando partido por um dos candidatos. Agora observo outro grupo de portugueses a "mandar bitaites" e a proceder de forma idêmtica sobre o curso eleitoral em S. Tomé e Príncipe. Arriscam-se a que alguém diga que as saudades do império parece continuarem...

Com os diabos! Essas pessoas não perceberão que as nossas antigas colónias são hoje Estados independentes, que já há muito abandonaram a tutela lusitana, que passam bem sem a opinião do antigo colono sobre a sua vida política e que a sua despropositada intervenção pode legitimamente ser interpretada como uma tentativa de tutela de matiz neocolonial? Não entenderão que, ao procederem dessa forma, estão a afetar a dignidade das instituições próprias desses países, que têm o pleno direito de se sentirem ofendidas por essa atitude e a legitimidade de reagirem em consonância? S. Tomé não é um Estado pária, sob o olhar negativo da comunidade internacional, como foi o caso da Guiné-Bissau depois da quartelada de há poucos anos. Não entenderão esses políticos, de vários quadrantes partidários, que é detrimental para a imagem futura de Portugal naquele país que possamos vir a ser acusados de aproveitar a sua eventual fragilidade para nos acharmos no direito de nos imiscuir na sua vida política interna? Porque não tentam isso com Angola ou Moçambique? "É o tentas!"

Apetece dizer a esses políticos portugueses, entre os quais conto alguns amigos, a expressão clássica: "mind your business"!

E o Guião?


A política portuguesa é um grande palco. E, às vezes, exibem-se por lá umas grandes "peças".

A memória pública é curta e, de certo modo, já olha para as iniciativas políticas com uma desconfiança que é proporcional ao juízo que faz sobre a sua previsível não implementação. Hoje anuncia-se uma coisa, ela passa nos telejornais, enche umas páginas da imprensa, suscita posições partidárias (do CDS aos Verdes, porque somos sempre muito democratas e ouvimos todas as vozes, das mais histriónicas às mais histéricas), justifica-as em alguns artigos. Passam algumas semanas, já ninguém se lembra (nem se lembra de perguntar "que é feito?"), tudo morre no esquecimento, esmagado por outros eventos, por outros anúncios, a maior parte dos quais com um destino idêntico.

Recordo-me de um responsável pela assessoria mediática de um primeiro ministro que se obcecava em ter, todos os dias, um "número" preparado, em qualquer área do governo. E o país lá se ia entretendo em ter, com essa regularidade, um "número" preparado.

Há um ano e tal, depois de uma ansiedade forjada que roçou várias vezes o ridículo, o governo apresentou, embora com pompa algo discreta e com algum esgar sectorial maldoso, o "Guião para a reforma do Estado". Como habitualmente, a montanha tinha parido um rato e o executivo deixara-se cair na ratoeira. O texto, aumentado na apresentação gráfica para dar um ar de volume prestigiante, era um chorrilho de banalidades, de lugares comuns e obviedades, uma "rede" onde cabia tudo o que mexesse ou fosse suscetível de mexer na administração pública. Pelo meio, anunciavam-se mesmo algumas medidas. Que é delas?

Como justificação para não se avançar, o maioria balbucia, lamentada, que "não há consenso". Ah! não?! Mas é apenas minha impressão ou o governo dispõe. na Assembleia da República, de uma sólida maioria? Se essa maioria, sem a menor busca de consenso, tem sido capaz de fazer aprovar, sob o clamor indignado do país, um conjunto celerado de medidas, porque não utiliza esse mesmo poder para aprovar aquilo que está no "Guião para a reforma do Estado"?

Desde 2011, temos vivido em Portugal uma tragicomédia. Com maus atores. E temos pago caro para assistir. Começa a ser tempo de mudar o repertório. E, de caminho, o elenco. Ao contrário do título daquele filme com o Jack Nicholson, pior é impossível.

São três e meia da manhã...

... e eu vou deitar-me com as coisas assim. Logo veremos!