sexta-feira, outubro 10, 2014

A imagem


Lá diz o ditado estafado: uma boa imagem vale mais do que mil palavras. O modo como o ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble olha para Mario Draghi, o presidente do Banco Central Europeu, cuja política tem vindo a ser objeto de crescentes críticas de Berlim, quase não necessitaria de legenda. 

Eleições

 
Como Ferro Rodrigues há pouco bem lembrou, seria de toda a conveniência que as eleições legislativas pudessem ocorrer em junho de 2015 (em lugar de outubro), por forma a distanciar esse tempo da elaboração do orçamento para 2016 e, conjunturalmente, das eleições presidenciais de janeiro. Ter eleições "em cima" do orçamento é uma coincidência reconhecidamente infeliz e que convida, no caso provável de alternância, à execução de um orçamento retificativo, imediatamente a seguir, com custos para o país e para as expetativas dos agentes económicos. Se acaso a instituição Presidente da República cuidasse em algo mais do que desenhar, sem mais ondas, a previsível nota histórica que o país guardará dos últimos dois mandatos, teria o dever em ser ela a promover esta iniciativa. Mas, em tudo o que dependa dali, pode o país "esperar sentado"...
 
Partamos, contudo, do princípio de que, em 2015, não é possível, por via da vontade dos partidos, fazer essa antecipação de data, como se detetou hoje pela posição do primeiro-ministro. Assim, estando a questão "fechada" para o próximo ano, não parece impossível resolvê-la para o futuro. Então o que é que impede que, desde já, se avance num projeto de reforma constitucional, no sentido de mudança do tempo eleitoral para eleições futuras? E, de caminho, por que não acordar, também só com efeitos daqui a alguns anos, que se encurte o disparatado calendário eleitoral para a Assembleia da República, que todos parece concordarem ser exageradamente dilatado no tempo? Não entendo o que bloqueia isto, confesso.

Praxes

Há dois dias, entrei no pátio da universidade onde passarei a dar aulas na área das Relações Internacionais e deparei com um agitado ambiente de praxes académicas. Não gostei, confesso.

Detesto praxes e sinto uma profunda rejeição por estes ritualismos. Admito que, no caso da Universidade de Coimbra, uma história muito antiga e uma cultura académica particular ainda possa justificar a manutenção de alguns desses hábitos, se bem que adaptados às realidades de hoje e sempre numa base assumidamente voluntária e não constrangente. Mas não consigo entender como é que em universidades com algumas escassas dezenas de anos, sem suporte de uma vivência académica usufrutuária de um longo passado, se inventam (e procuram justificar) "tradições" e se estabelecem impunemente práticas de humilhação dos mais novos, com o alibi de serem modelos de "enquadramento" e iniciação na vida das escolas. 

Estudei, dos anos 60 para os 70 do século passado, em universidades públicas no Porto e em Lisboa. Nunca por lá vi praxes e, nem por isso, deixei de ter uma feliz integração académica, criei novos amigos e agradáveis conhecimentos, desde a primeira hora. Essa falsa justificação para a imposição das praxes deveria ser denunciada e combatida, mas não vejo vontade suficiente para isso, desde logo por parte das associações académicas (e aqui, sim!, assumo: tenho saudades do espírito das associações académicas do meu tempo!). Por seu lado, muitos professores parece viverem num ambiente acomodado: privadamente confessam que não gostam das praxes mas acabam por considerá-las inevitáveis, para não "comprarem uma guerra" com os alunos, limitando-se, por tibieza, a condenar as mais abusivas.

Esta minha atitude negativa estende-se também ao uso, fora de Coimbra, da capa-e-batina, atulhada de emblemas, bem como para as bizarrias de algumas tunas, quase sempre servidas por escolhas musicais que relevam apenas dos usos espanhóis, em especial galegos, com coreografias femininas feitas de ridículos e inestéticos saltos ginasticados e piruetas pelo chão, cuja graça e elegância nunca me foi dado entender. Se a isto somarmos as bebedeiras "de caixão à cova" nas "festas académicas" e o recrutamento de cantores da escola pimbo-pornográfica para os seus espetáculos musicais fica feito um retrato nada lisonjeiro dessa triste parte da atual geração académica. 

Muitas destas palhaçadas, porque é disso que se trata, tiveram os seus extremos em casos como o do Meco - mas os registos de incidentes graves e até fatais são bem frequentes - sem que, até hoje, quiçá sob pressão dessas "escolas" que são as "jotas", tivesse havido coragem legislativa para pôr cobro a estas derivas.

Mas as universidades têm a principal culpa na tolerância destas práticas, quando lhe seria fácil, pura e simplesmente, determinar a proibição das praxes nas suas instalações e atuar e exercer competência disciplinar sobre os seus instigadores, em práticas fora do seu perímetro. Tenho a certeza que a suspensão de meia dúzia de "praxistas" seria um princípio do fim deste medievalismo. Será por cobardia que não atuam? 

Acho que o momento em que inicio atividade docente numa universidade é o momento certo para fazer esta declaração de interesses. Para que não haja quaisquer equívocos.

quinta-feira, outubro 09, 2014

Fernando de Sousa (1949 - 2014)

Estou muito chocado pela notícia que acabo de ter: a morte inesperada, em Milão, de Fernando de Sousa. O Fernando era um amigo e um excelente profissional, que me habituei a respeitar e admirar ao longo das décadas em que com ele convivi. Equilibrado, íntegro e conhecedor dos assuntos, era uma referência na comunicação social portuguesa, não apenas na televisão, em que os portugueses se habituaram a vê-lo.

Creio ter-me cruzado com ele, pela primeira vez, em Londres. Depois encontrámo-nos muito por Bruxelas e por todas as capitais onde a aventura europeia nos levou a ambos, durante vários anos. De um rigor jornalístico extremo, não deixava de colocar as questões pertinentes, sempre sem o menor compromisso com os interesses imediatos do poder, mas também sempre com uma grande lealdade face aos interesses essenciais de Portugal, o que, não sendo incompatível, não é necessariamente a mesma coisa.

Convidei-o um dia a ser Conselheiro de Imprensa na Representação permanente de Portugal junto da União Europeia. Não quis aceitar, no que tive imensa pena. Falávamos disso, a última vez, creio, em Paris. Nunca esquecerei uma visita que em 2002 me fez em Viena, com o António Esteves Martins, para me dar um abraço de solidariedade, numa certa ocasião.

Criei e mantenho vários e bons amigos na classe profissional dos jornalistas. Fernando de Sousa era um dos melhores. Entristece-me muito a sua morte.

Portugal na Noruega

Leio que o Português passa, a partir de agora, a estar presente no ensino de duas escolas secundárias norueguesas, fruto da dedicada ação da minha colega embaixadora Clara Nunes dos Santos. Os embaixadores, quando querem, podem fazer a diferença.

Quando, em 1979, cheguei à Noruega, meu primeiro posto diplomático, a aprendizagem da língua portuguesa fazia-se na Universidade de Oslo, num minúsculo departamento dependente da secção espanhola, como frequentemente acontece. Era seu responsável o professor Kåre Nilsson que, nesse mesmo ano, lançou o primeiro dicionário de Norueguês-Português. A embaixada prestava o apoio possível (que era muito pouco) a esse núcleo lusófilo, que tinha quatro ou cinco alunos. O grande discípulo de Nilsson, também docente de Português, era o tradutor da nossa embaixada, o professor Johan Jarnaes, um bom amigo que hoje vive a sua merecida reforma em Kongsberg, dedicado à recolha de cogumelos.

Um dia, num intercâmbio universitário com que a embaixada nada tivera a ver, um consagrado professor da Universidade de Coimbra foi a Oslo proferir uma conferência, a convite do departamento de Português. Quando, na véspera, num jantar que lhe foi oferecido na residência, constatámos que a palestra era sobre uma temática muito especiosa, ligada à utilização dos pronomes reflexos num certo tipo de frases, e que seria proferida exclusivamente em português, assaltou-nos uma preocupação: quem iria estar presente na conferência? Quem, entre os noruegueses, conseguiria segui-la?

A nossa preocupação tinha fundamento. No início da sessão, lembro-me bem!, estavam presentes, para além da embaixada "em peso" - isto é, quatro pessoas... - e de uma funcionária do então Fundo de Fomento de Exportação (a quem eu havia pedido que viesse), um representante da secção espanhola (meu amigo pessoal, também "arrancado a ferros") e oito noruegueses, entre os quais Nilsson e Jarnaes.

A palestra lá foi andando, por um pouco mais de meia hora, em estilo académico cerrado, debitando teses complexas. O tom era monocórdico, o assunto era mais do que críptico, mesmo para nós, portugueses, que estoica e patrioticamente íamos resistindo à chatice. O embaixador e eu sentávamo-nos na primeira fila, fingindo estar atentos, "desertos" por que aquilo terminasse. Íamos sentindo, atrás de nós, a sala a esvaziar-se, à medida que o tempo passava. No final, para além dos funcionários da embaixada, notei que restava, num canto, uma figura de olhar fixo, que eu estranhara desde o primeiro momento. Era um homem de quarenta e tal anos, com ar norueguês. Quem seria esse admirável cultor nórdico da língua portuguesa, que fora capaz de seguir atentamente aquela difícil palestra?

No dia seguinte, na embaixada, comentávamos o evento. Perguntei então ao Jarnaes quem era aquela figura estranha - mas simpática! - que havia resistido até ao fim da conferência e que ajudara, na medida do possível, a atenuar a escassez de público. O nosso dedicado Johan Jarnaes (de que deixo uma fotografia que descobri na internet) explicou-me então, algo embaraçado: era um seu amigo, cego, que ajudava na secção espanhola e que ele próprio encaminhara de volta à sua sala, no fim da conferência. Tinha-lhe pedido para vir, para "compor" o nosso público... Estava explicada a "persistência" do homem.

A frase

Há precisamente dois meses, comentando a solução encontrada para o BES, escrevi aqui:

Numa coisa, porém, Carlos Costa pode ter cometido um grave erro: ao ter afirmado que "a medida de resolução, agora decidida pelo Banco de Portugal, e em contraste com outras soluções que foram adotadas no passado, não terá qualquer custo para o erário público e nem para os contribuintes". Esqueceu-se porventura de acrescentar: "se tudo correr bem"...

É hoje evidente que isso pode, ou não, ser verdade. Para a vida, essa frase vai ficar-lhe colada à pele. Se tiver razão, a sua presciência será creditada, com louvor, no seu excelente currículo de grande servidor público. Se acaso se tiver enganado, esse erro não lhe será perdoado pela História. E pelos contribuintes

Hoje, naquilo que os comentadores já consideram ser o início da admissão de que a venda do Novo Banco, a um preço interessante, será muito difícil, a ministra das Finanças e o próprio primeiro-ministro começaram a alertar para o facto de que o Estado - isto é, todos nós - poderá ter de vir a incorrer em prejuízos financeiros, caso o encaixe de capital seja inferior aos montantes já canalizados para o banco.

Porque será que não há um mínimo de prudência por parte dos atores institucionais antes de fazerem declarações? É assim que se dá alimento à ideia de que os agentes políticos dizem uma coisa num dia e outra qualquer no dia seguinte.

quarta-feira, outubro 08, 2014

A luva branca

 
Durante semanas, fui deixando cair por aqui algumas "farpas" pelo facto da "Opinião" do jornal informático "Observador" nunca apresentar textos escritos por pessoas de esquerda. Há dias, David Dinis, diretor da publicação, convidou-me para escrever um artigo para o "Observador" sobre as eleições brasileiras. Que surgiu na respetiva "Opinião". Um belo gesto. De luva branca ou, como diriam os franceses, "chapeau!"

Carros

- Tu já reparaste que o "pessoal" com carros grandes se comporta de forma quase intimidante, no trânsito da cidade, perante os carros mais pequenos? Avançam e "seja o que Deus quiser"...
- De facto, é verdade. Mas, cá para mim "vêm de carrinho"...
- Porquê?
- Porque eu, quando conduzo o meu Smart pelas ruas, guio como se tivesse um Ferrari. Comporto-me exatamente como eles. Claro que posso um dia levar uma "penada" forte e sair "pela paisagem", mas os da "estrelinha" ou os BM's de alta cilindrada, se me baterem, não deixam de ficar com a chapa amolgada. E, conhecendo-lhes o "ar estiloso", não devem gostar muito. E eu só mudo o plástico....

Baptista Bastos

Acabo de constatar que Baptista Bastos, uma das vozes mais livres do Portugal contemporâneo e uma das escritas mais cultas de um jornalismo que está a desaparecer, deixa de ser colunista regular do "Diário de Notícias". Tenho imensa pena. As crónicas de BB eram uma lufada de ar incómodo na face daqueles a quem ele não poupava na sua indignação, nestes anos cujo cinzentismo é menos de chumbo e mais de cinzas.

Quem destruiu a PT?

Este é um país em que a culpa morre geralmente solteira e triste, mas a nossa imprensa investigativa, que às vezes tanto se assanha (e faz bem!) pelos estranhos circuitos de alguns milhares de euros, deveria aprofundar sobre quem é verdadeiramente responsável pela destruição de uma empresa, que já foi prestigiada e forte, como a PT. Pela porta pequena, saiu há semanas Henrique Granadeiro. Hoje, sai o "golden boy" Zeinal Bava, "corrido" pela brasileira OI e pela desconfiança dos mercados.
 
Que raio de "corporate governance" era seguida na empresa, que permitiu que a conseguissem desvalorizar desta forma? Das trapalhadas da sua ligação ao Brasil às cumplicidades com o universo BES, é muito triste ver uma das marcas mais fortes de Portugal no exterior ser hoje arrastada pelas ruas da amargura e da desqualificação.
 
E que tristeza é constatar que o que nos resta de Estado - depois da operação cirúrgica da sua descapitalização económica, funcional e humana, ideologicamente levada a cabo, com método, no último triénio - não é sequer capaz de entender que o futuro de um ativo estratégico como é a nossa maior empresa de comunicações não deveria estar hoje à mercê de um negócio que já nem passa por Lisboa. Não há vergonha? Não há.

terça-feira, outubro 07, 2014

Os negócios

Era uma certa Lisboa, bem retratada nos sarcásticos livros do Vilhena, cuja divulgação as autoridades dificultavam. Sempre existiu, mas teve algum fulgor pelos anos 60 e início dos 70. Cavalheiros "da indústria" e "capitalistas" - o termo "empresários" era então utilizado apenas para designar os profissionais dos espetáculos, como Vasco Morgado, José Miguel ou Ricardo Covões - aportavam, à hora de almoço, por alguns restaurantes que, horas mais tarde, se transmutavam.
 
Lembro-me de três: o "Lorde", o "Comodoro" e o "Belcanto". Este último, foi o único que resistiu, agora num registo completamente diferente.
 
Ao almoço, eram os negócios, a conversa política. Aproximando-se a hora de jantar, começavam a pousar por ali algumas "pequenas", o ambiente aligeirava e o "negócio" era outro. Os cavalheiros, por vezes, eram os mesmos. 
 
Passei há pouco pelo que resta do "Lorde". Quem recordará da sua glória perdida?

Quentes e boas!

Já aí andam, pelas ruas de Lisboa, quentes e boas! Assinalam o Outono, prenunciam o Inverno e fazem-nos ter vontade de uma ginginha (com elas, claro!) ou de um eduardino (não sabe o que é? Vá à rua das Portas de Santo Antão, 7, em Lisboa).

Diplomacia económica

No dia 23 de outubro, vou participar nas V Jornadas Empresariais, organizadas no Porto pela Fundação AEP e pela Fundação de Serralves.
 
Integrarei, com o administrador da AICEP, Dr. Vital Morgado, o painel dedicado à "Organização do Comércio Externo", no qual abordarei a questão da Diplomacia económica.

segunda-feira, outubro 06, 2014

Os dois Brasis

Os "dois Brasis" vão estar, uma vez mais, frente a frente. Dilma Roussef e Aécio Neves defrontar-se-ão na segunda volta das eleições brasileiras, no dia 26 de outubro.

O "fenómeno" Marina Silva esvaiu-se com a rapidez com que tinha emergido. Constatou-se que havia sido fruto de uma reação emocional, logo seguido pela evidência da fragilidade política da candidata, que igualmente não dispunha de uma máquina política à altura.

Vão ser três semanas muito intensas. De um lado, estará o "establishment" de um PT fortemente ancorado nas camadas mais pobres, em alguma intelectualidade urbana e em certos setores que lucraram com estes quase 12 anos de "petismo", que se vai tentar agarrar ao poder a todo o custo. Do outro, estará um candidato que quererá federar o descontentamento anti-PT, que foi visível nas grandes manifestações populares de há já alguns meses, mas que acarreta consigo o estigma de poder ser visto como o representante do "Brasil rico". Daí que não se saiba se Aécio Neves será a melhor "imagem" para representar o "Brasil das ruas".

Como se dividirão os cerca de 20% de votos em Marina Silva? Menos importante do que a indicação de voto que a candidata eventualmente vier a fazer, vai ser olhar para a eficácia da estratégia de "sedução" desse eleitorado, que cada um dos agora "finalistas" vier a colocar no terreno. Dilma vai tentar, com a preciosa ajuda de Lula, "passar por cima" de Marina Silva e descobrir um discurso para o heterogéneo eleitorado que a apoiou na primeira volta, acenando com o fantasma das privatizações (a "privataria tucana", na linguagem PT) e o possível ataque às políticas sociais que uma vitória conservadora poderia acarretar. Aécio, com toda a certeza, vai jogar no "todos contra o PT", colando Dilma aos escândalos de corrupção e denunciando o peso do "Estado PT" e os riscos de uma desregulação económica, tentando sublinhar as carências nas principais políticas públicas - saúde, infraestruturas, ensino, etc. No fundo, vamos assistir a uma espécie de novo duelo virtual entre Lula e Fernando Henrique Cardoso, por interpostas pessoas.

Posso estar enganado, mas julgo que se vai entrar num período nada "limpo" da vida política interna brasileira, recheado de boatos, de campanhas mediáticas, de "medos" induzidos, etc. Logo veremos.

Uma nota final: esta eleição está, afinal, muito mais "aberta" do que eu esperava.

(Uma nota portuguesa: porque será que ninguém por cá reflete na fantástica vantagem do voto eletrónico, desde há vários anos usado no Brasil, que já se provou que está blindado contra fraudes e dá resultados quase imediatos? Quem tem medo do sistema? Por que diabo ninguém fala nisto?)

domingo, outubro 05, 2014

Um leão a sério

Encontrei-o há minutos numa sala da SIC, onde ambos esperávamos para entrar "em cena" - eu ia falar da política brasileira, ele de futebol. Nunca me tinha cruzado com ele, mas aproveitei o ensejo para lhe manifestar a minha solidariedade face ao ataque soez de que, há dias, foi alvo por parte do presidente do clube de que ambos somos fiéis adeptos e do qual ele foi um jogador admirável e ao qual deu muitos anos da sua vida e entusiasmo.

Ao lado de Manuel Fernandes, o atual presidente do Sporting Clube de Portugal - qualquer que venha a ser o sucesso da sua ação - não passa por ora de um leão de peluche, sem ofensa para estes. E, ainda por cima, mal educado.

A abstenção e a "falta de confiança"

Cavaco Silva, hoje: "A insatisfação dos cidadãos e a sua falta de confiança nas instituições – sobretudo nos partidos – têm tido reflexo em sucessivos atos eleitorais, marcados por níveis preocupantes de abstenção."
 
Abstenção nas últimas eleições legislativas: 41,93%
 
Abstenção nas últimas eleições presidenciais: 53,48%
 
Se a "insatisfação" e "falta de confiança" se mede pela abstenção, será "sobretudo nos partidos"?

O Brasil não é para principiantes




A expressão em título é de António Carlos Jobim que, além de génio musical, era um sábio das coisas da vida. O Brasil é uma realidade altamente complexa, não apenas pelo intrincado do seu tecido social e político mas, essencialmente, pela sua natureza mutante, que, de um dia para o outro, constrói inesperadas vagas de realidades que põem em causa o que, ainda na véspera, era um sólido adquirido. Foi sempre assim e essa é a graça desse grande e inigualável país.

Recorde-se a sociedade brasileira nos meses que antecederam a “Copa” de futebol, a agitação simultânea nas ruas de muitas cidades de um país continente, o quase descontrolo então demonstrado pelos agentes políticos, em face de um movimento que as redes sociais pareciam ter tornado imparável. Alguns acreditavam que já nem a “Copa” poderia amainar esta tempestade, que era o claro produto de uma frustração gerada pela esperança de um salto de qualidade dos instrumentos públicos de apoio à vida coletiva que, afinal, não estava, nem está, ao voltar da esquina. Segurança, saúde, educação, transportes, justiça e outras políticas públicas, se bem que com sensíveis melhorias, medidas à luz do tempo, continuavam bem distantes do tal “primeiro mundo” pelo qual os brasileiros teimam, e bem, em medir o seu percurso histórico.

E, no entanto, ao primeiro apito do árbitro da “Copa”, a rua serenou. Nem a deceção que foi o desastre do “escrete” brasileiro pelos campos desencadeou a onda de revolta que, de acordo com certos oráculos, varreria o poder e talvez trouxesse mesmo a anarquia, à falta de uma alternativa estruturada, capaz de responder politicamente aos diversos e contraditórios tipos de “enragés”.  

Olhe-se agora para o minuto antes da queda do avião que transportava Eduardo Campos: Dilma Rousseff tremia nas sondagens face a um Aécio Neves que prometia a grande desforra histórica de Fernando Henrique Cardoso, numa segunda volta de “todos contra o PT”. Campos vegetava pelo fundo das folhas de cálculo político. Em seguida, o avião caiu. A clara jogada oportunista que fora a inclusão Marina Silva numa “chapa” que era, por essa mesma razão, a mais incoerente das três candidaturas, transformou-se, de um dia para o outro, numa alavanca automática de promoção à antiga ministra do Ambiente de Lula, à fundamentalista “verde” que, afinal, já era capaz de pactuar com o agro-negócio. A emoção havia feito disparar a imagem de alguém que o Brasil parecia ter descoberto naquele instante, quando, afinal, a já conhecia de há muito. Entretanto, Aécio “despencou” nas pesquisas de opinião. “O avião de Campos caiu na cabeça de Aécio”, dizia-me um amigo brasileiro, com o cruel humor local.

A onda traz e o vento leva, reza uma bela história pernambucana. Pressionada com êxito pela implacável máquina do PT, gerindo com solidão as suas recorrentes contradições, Marina Silva foi-se esfumando no apoio popular. Lula, o mais genial “leitor” da realidade brasileira, surge mais abertamente a dar a esperada ajuda à festa de Dilma Rousseff. E a estrela da recandidata volta a subir, com Aécio Neves a não ter ainda exatamente a mesma sorte.

Há cinco anos, confirmando a lenda de que era capaz de “eleger um poste”, Lula conseguiu transformar uma fria tecnocrata esquerdista, que até algum PT olhava de lado, na presidente (ou “presidenta”) que muitos achavam difícil de ser “vendida” a um país que ainda estava órfão da sua afetividade. Claro que, para tal, teve a inestimável ajuda de José Serra, o suporífero candidato que a direita inábil selecionara. Roussef era uma continuidade de Lula confortável para os negócios, que, embora com algum crescente desgaste, conseguira federar o “cocktail” de forças partidárias que integram o seu mastodôntico governo e que, à época, parecia capaz de pilotar um Brasil que se agigantava no seio do G20, nesse tempo de glória dos emergentes face a um mundo em crise sem fim à vista. 

Esse mundo entretanto mudou, os emergentes perderam algum “glamour”, os capitais voltaram a favorecer sociedades mais previsíveis. O Brasil declinou na esperança e, com alguma ironia, muitos brasileiros começaram a pôr em causa precisamente quem os impulsionara pelos degraus sociais e, dessa forma, lhes induzira maiores ambições. Não tivesse o antigo presidente passado por provações de saúde, estou certo que Dilma Rousseff não teria sobrevivido a esse período e hoje seria ele a liderar, com grande distância, as sondagens. Rousseff provou ser hábil, não colocou em causa os mecanismos de repartição patrimonialista que fazem parte do ADN do sistema político brasileiro, mas definiu “red lines” em termos de corrupção que lhe deram a possibilidade de ser vista como saneadora de alguns costumes mais sórdidos. O sistema brasileiro, como atrás referi, é muito complexo e, sem algum sentido de compromisso com os seus hábitos, nenhum político tem possibilidades de sobreviver. E isto, verdadeiramente, nunca poderá ser explicado abertamente aos brasileiros, se bem que todos o pressintam. Como o caso do “mensalão” provou à evidência, só os exageros começam a ser eticamente punidos.

Domingo veremos a que distância Dilma Rousseff deixa os seus adversários, no termo do primeiro turno das eleições presidenciais. Tudo parece indicar que, a menos que um novo cataclismo atinja a política brasileira, ela conseguirá renovar o seu mandato. O mundo empresarial, a quem Aécio Neves agradaria naturalmente mais, ficará descansado com uma vitória da candidata do PT, a qual, para governar, terá de “costurar alianças” com o largo espetro dos partidos da futura “base de apoio governista”, onde todos “os interesses que interessam” ficarão sempre salvaguardados. A única questão que, ao que se sabe, atormenta o grande empresariado é a de saber se, face a uma potencial continuação do declínio do crescimento no Brasil, com impactos sociais a que seja imperativo dar resposta, um segundo governo Dilma Rousseff não poderá ser tentado a uma fuga em frente, em matéria de utilização da poderosa máquina financeira do Estado, que faça renascer o espetro maior da memória político-económica brasileira: a inflação.

* Texto que, a amável convite de David Dinis, publiquei há dias no "Observador"
 

Viva a República!


sábado, outubro 04, 2014

Alternativas

Foi um debate muito interessante aquele em que, na tarde de hoje, se processou no âmbito do Congresso Democrático das Alternativas". O tema do painel em que fui convidado a participar era "A Dívida, a União europeia e a soberania".

Com grande liberdade e abertura, discutimos a situação portuguesa, o que fazer quanto à dívida e ao Tratado orçamental e, em termos gerais, as bases para uma futura governação pelo lado esquerdo da estrada.

Num painel "avançado" (João Ferreira do Amaral, Octávio Teixeira e Marisa Matias, para além do próprio moderador, José Castro Caldas), fiz, como era natural, figura de "recuado" (sem o significado da palavra dado pelas FP25, claro!). Não penso da irreconvertibilidade da UE o que alguns dos meus parceiros pensam, recuso o cenário de abandono voluntário do euro que eles aceitam como solução e tenho sobre a renegociação da dívida uma posição um pouco mais prudente que a deles. Sublinho, talvez em demasia face a esses colegas de painel e de muitas das pessoas presentes, a necessidade de se seguir uma linha "possibilista", de exploração de todas as ambiguidades e oportunidades que uma leitura "hábil" (Octávio Teixeira chamou-lhe "inteligente", não acreditando nela) dos tratados, sem cair em soluções que possam ter um impacto negativo na captação do investimento produtivo estrangeiro, única - repito, única - fonte de recursos que podem vir a impulsionar o nosso crescimento, sem o qual nenhum futuro de estabilidade e bem-estar é plausível. De acordo estivemos em que nenhuma plataforma política futura poderá tornar tabu todas estas questões, que devem ser explicitadas à opinião pública sem medos nem chantagens catastrofistas, com argumentário de apoio sólido. E não emotivo, acrescentaria eu.

Entre muitas outras coisas que disse sobre a União Europeia, fui de opinião de que o Parlamento europeu pode, nesta fase, ter um papel importante como espaço de visibilidade para propostas em matéria de opções económico-financeiras europeias que, até ver, não encontram um terreno favorável de afirmação a nível do Conselho de ministros, provavelmente com tradução mais ou menos similar nos equilíbrios internos da nova Comissão Juncker, embora este terreno também não deva ser desprezado, pelo menos num teste aos compromissos do seu presidente.

Gostei muito deste debate. Encontrei por lá velhos e novos amigos, gente que tem em comum uma recusa da resignação e uma vontade de remar contra a maré, mesmo a da moderação - de expetativas e de atitudes - como aquela que eu por ali pareci representar.

Consultar aqui a minha intervenção inicial.

sexta-feira, outubro 03, 2014

Liberdade

No CCB, a Fundação Francisco Manuel dos Santos leva a cabo, hoje e amanhã, a terceira edição das suas conferências "Presente no Futuro", este ano dedicada ao tema "À procura da liberdade".

Há pouco, na TVI, a propósito do evento, uma voz em "off" afirmava durante o telejornal da noite: "Pior que o nível de impostos está a rigidez do mercado de trabalho e o peso do Estado na Economia. São estas as variáveis que hoje representam os maiores bloqueios à liberdade económica em Portugal". Em fundo, via-se um gráfico e a fonte que terá inspirado esta proclamação: Heritage Foundation.

A nossa liberdade está também na possibilidade do público incauto não ser "agredido", porque de uma agressão se trata, com uma proclamação deste género, em tom doutoral e como se de uma verdade inegável se tratasse.

A nossa liberdade passa também pela exigência do contraditório face à imposição deste "pensamento único". Há dois dias, na RTP, assisti, atónito, a um programa sobre economia com Camilo Lourenço, João César das Neves e uma terceira personagem, cujo nome não recordo. Cada um mais liberal do que o outro, os três interlocutores, sem um mínimo de respeito pelas opiniões contrárias às suas, passaram para o espetador conceitos e ideias mais do que discutíveis, em tom de teses definitivas. Isto numa televisão do Estado, paga com dinheiros de todos nós.

Há ainda um longo caminho a percorrer na preservação das nossas liberdades, como os exemplos acima bem o provam. 

quinta-feira, outubro 02, 2014

Uma síntese

Um dia poderemos falar do "revisionismo" que por aí anda sobre a ditadura a que o 25 de abril pôs termo. E dos nomes de uma geração de historiadores que, com jeito e subliminar técnica, pacientemente se dedicam a dulcificar ou relativizar o caráter sinistro do Estado Novo.
 
A técnica é simples: reconhecem-se alguns factos impossíveis de negar sobre o Estado Novo (às vezes com algumas adaptações semânticas, para não contribuir para a "narrativa" oposicionista tradicional) e, depois, relativiza-se essa realidade com imediata referência aos acontecimentos do período da I República. Este período é também quase sempre usado para absolver o autoritarismo dos últimos anos da monarquia, por cuja turbulência, aliás, os republicanos são tidos como os principais responsáveis. Porém, este percurso justificativo não leva a sua lógica até ao fim, isto é, não explica, por exemplo, que a agitação monárquica foi responsável por muita da instabilidade dos primeiros anos da nova República e que o golpismo premonitório do 28 de maio de 1926 muito contribuiu para a sua desestruturação e declínio. Outra "técnica" complementar é usar pontuais abusos ocorridos no período revolucionário de 1974/75 (prisões, sevícias, etc.) como exemplos de que, afinal, as coisas não haviam sido assim tão diferentes na época imediatamente anterior.   
 
Às vezes, quem muito escreve sobre estes assuntos é obrigado a sínteses. Foi o que aconteceu hoje a um prolífico historiador moderno, talvez o mais proeminente exemplo da historiografia conservadora, Rui Ramos. Talvez ele não aprecie que esta sua frase seja retirada do contexto, mas eu acho-a tão exemplar que não resisto a citá-la: "O Estado Novo foi uma ditadura, sujeitou a imprensa à censura, falsificou eleições, e prendeu, torturou e matou oposicionistas". Ele não escreveu apenas isto, mas é só isto que dele me apetece citar. E elogiar. 

Alternativas

 
Na tarde do próximo sábado, dia 4 de outubro, participarei numa mesa redonda no âmbito do "Congresso Democrático das Alternativas", a ter lugar no liceu Camões, em Lisboa.
 
O tema será "A dívida, a União europeia e a soberania". No debate, moderado por José Castro Caldas, participarão ainda João Ferreira do Amaral, José Gomes Canotilho, Marisa Matias e Octávio Teixeira.

Às vezes por uma rosa

 
Ontem à tarde. Era um café de bairro, muito pequeno, com duas mesas apenas, daqueles que servem refeições rápidas. Eu era o único cliente, para uma bica. Dentro do balcão, dois homens, claramente sócios. Discutiam como se eu não estivesse por ali. A relação entre os dois tinha algo de estranho, como se houvesse uma afetividade já ferida pelo desgaste de uma difícil vida em comum, que visivelmente não se resumia àquele confinado espaço. Um deles, um pouco mais velho, queixava-se de que o outro não colaborava como devia, que algo que lhe competiria fazer nunca aparecia feito. O outro, barba de três dias, esquálido, de olhar vidrado, mostrava um estado de tensão cada vez menos contida. "Já ouvi. Acabou! Não digas mais nada!". O primeiro insistia, mais sereno na aparência, o que sugeria uma espécie de assumida autoridade. "Já te disse que isto assim não pode continuar". A minha bica, praticamente sem que qualquer deles me olhasse, lá surgiu. "Vais-te arrepender, se não te calares", disse o admoestado, num crescendo de raiva. Estranhamente para os costumes, as suas vozes não subiam muito. Pelo contrário, soavam a remoques que a sua proximidade física, atrás do balcão, transformava numa coreografia teatral bizarra. "Eu digo o que quiser! Tenho razão!", insistia o primeiro, em jeito de persistir em esgravatar no mal-estar. Foi então que, comigo sempre "ausente", vi a faca surgir na mão do outro. Separava-os nem um metro. Com a voz a tremer, apontando-a junto à cintura, saiu-lhe: "Já faltou mais para te espetar isto nas tripas!" Um sorriso amarelo surgiu na face do primeiro, que, no entanto, ousou ainda a provocação: "Não tens coragem!". Vi então uma chispa no olhar do da faca e não me contive: "Meus senhores! Calma!". A faca foi pousada sobre o balcão. Tive a sensação de que o mais novo, que me servira a bica, só então olhou para mim, de forma fixa, bem no fundo dos olhos. "Quer pagar o café?". Paguei e saí. 

Lembrei-me então de Manuel Alegre:

Aqui viviam morriam. Tinham suas mulheres
suas tabernas seus adros
seus ódios e seus amores.
Aqui às vezes matavam.
Por uma vaca. Uma galinha. Água. Desespero.
Por uma coisa de nada:
às vezes por uma vaca
às vezes por uma rosa.

Naquele caso, seria mais pela rosa do que pelas mulheres.

Este país anda muito nervoso. 

quarta-feira, outubro 01, 2014

Eduardo Ferro Rodrigues

Uma amizade de quatro décadas é um "disclaimer" que não escondo, mas a presença de Eduardo Ferro Rodrigues à frente do grupo parlamentar socialista é, para mim, a primeira boa notícia da nova gestão de António Costa.
 
Ferro Rodrigues é um dos mais sérios políticos portugueses, um homem de princípios como conheço poucos, uma figura que honra a nossa democracia. Em todos os lugares que ocupou deixou uma rara marca de rigor, de competência e de dedicação à causa pública.

"The last king of Portugal"

Posso estar enganado, mas não me parece que Paula Rego, com a sua nova exposição "The last king of Portugal", vá grangear novos fãs em certos amigos meus...

A consideração


As más relações entre aquele embaixador e o ministro dos Negócios Estrangeiros eram conhecidas. Um conflito entre os dois desencadeara uma "guerra" surda que se mantinha já há alguns meses, com alguma repercussão pública. O ministro suportava o diplomata porque, por um conjunto variado de razões, era-lhe conjunturalmente impossível "ver-se livre" dele. Mas, sempre que podia, não deixava de atuar de modo a tornar difícil a vida do embaixador. E este, quase sempre, respondia da mesma moeda e, nas suas respostas, roçava frequentemente a insolência. O ministério, deliciado, esperava para ver quem seria o primeiro a "quebrar".
 
Um dia, o embaixador decidiu protestar por escrito, a propósito de uma qualquer decisão de Lisboa que entendeu errada. Como era seu hábito nesse tempo de confrontação com o ministro, usou um tom agreste na comunicação. A atitude terá desagradado ao chefe da diplomacia, que decidiu responder-lhe de uma forma ríspida, dizendo-lhe que não admitia comunicações formuladas naquele tom. Usou, para tal, um modelo de comunicação muito raro nas tradições da "casa", isto é, assinando ele próprio o "telegrama" ao embaixador, subscrevendo-o como "Ministro". Em regra, todas as comunicações enviadas de Lisboa para os postos aparecem assinadas por "Nestrangeiros", uma designação coletiva que representa o MNE. Dessa vez, o ministro optara pela fórmula de exceção, seguramente para marcar bem a pessoalização do "ralhete", que logo circulou pelos claustros.
 
O embaixador "dormiu sobre o telegrama", como se diz na linguagem tradicional do MNE. Só no dia seguinte respondeu, enviando um curto telegrama em que fazia uma indireta alusão ao facto de ter sido o próprio ministro a subscrever o texto: "Telegrama de V. Exa. nº "tal" foi lido por mim com a atenção que a sua origem justificava e com a consideração que o seu conteúdo merecia".
 
Conhecidas as relações entre os dois subscritores, ficava claro o que a "consideração" expressa pelo embaixador significava. Porém, no plano estritamente formal, o texto estava "blindado", isto é, dele não se poderia, necessariamente, inferir qualquer propósito menos respeitoso. De qualquer forma, vários diplomatas mais antigos, conhecedores do rigor dos humores do ministro, ficaram à espera de ver surgir, como reação, o conhecido texto que indicia a retirada do embaixador do local de trabalho: "É Vexa chamado em serviço, sem regresso ao posto".

Porém, nada aconteceu. O embaixador continuou em funções. O ministro não terá tido a coragem ou, o que é mais provável, continuava a não ter a possibilidade de se "ver livre" dele. Tempos depois, viria a acontecer precisamente o contrário: o ministro viria a abandonar o lugar, sem honra nem glória. E foi o embaixador quem se "viu livre" do ministro. É a vida!

terça-feira, setembro 30, 2014

Salário mínimo

A Comissão Europeia está desagradada com o novo salário mínimo em Portugal. Acha demais!
 
Talvez alguém devesse inquirir qual é o salário mínimo pago pela Comissão aos seus funcionários. E, de caminho, qual é o salário mais elevado que paga, esclarecendo os benefícios complementares de que usufruem os funcionários das instituições europeias.
 
Não se trata de suscitar nenhuma "inveja" particular sobre os rendimentos de quem, honradamente, cumpre as suas funções nas instituições de Bruxelas. Trata-se apenas de realçar esta espantosa insensibilidade de instituições cujo pessoal não é atingido pelo desemprego, pela pobreza, pelos cortes nos apoios de saúde e educação e que - vale a pena sublinhar - também são pagas pelo nosso orçamento nacional.

Alpoim Calvão

Morreu Alpoim Calvão. No dia 25 de abril de 1974, foi a sua estranha e nunca bem explicada deslocação matinal às instalações da Direção Geral de Segurança (ex-PIDE), na rua António Maria Cardoso, que deu alento aos respetivos agentes, os levou a optar pela resistência e permitiu que tivessem tempo para destruir importante documentação. Mais tarde, Calvão viria a ser um dos mais decisivos operacionais do MDLP, o movimento com que Spínola pretendeu reverter o curso do processo político e que ficou ligado a vários atentados, alguns mortais, no norte do país. O momento da desaparição de Alpoim Calvão não pode branquear este seu passado.

Alpoim Calvão havia sido, ao tempo da guerra colonial, um militar valoroso, titular da mais alta condecoração portuguesa, a Torre e Espada, sendo, até hoje, o mais condecorado militar da Armada portuguesa. A sua coragem era lendária e, em alguns meios, era conhecido como o "007 português". Em 1970, comandou a chamada "Operação Mar Verde", um golpe de mão ordenado por Spínola, dentro da República da Guiné, que tinha como objetivo central prender Amílcar Cabral. A ação provocou morte e destruição em Conacri, não cumpriu o objetivo essencial* e transformou-se num imenso embaraço para as autoridades portuguesas.

Soube agora que Alpoim Calvão escreveu três livros. O único que li, "De Conacry ao MDLP", é um relato essencial, pelo que diz e pelo que deixa implícito, para se entender melhor o ambiente do desastre colonial e uma certa perspetiva do período revolucionário.

* Em tempo: relevo um erro. Com efeito, o objetivo de libertar prisioneiros portugueses que estavam nas mãos do PAIGC foi plenamente atingido na operação.

Brasil

Qual dos candidatos às eleições presidenciais brasileiras poderá, à partida, ser mais favorável aos interesses que a Portugal compete defender nas suas relações com aquele país? A recondução de Dilma Roussef será preferível à hipótese de eleição de Marina Silva ou à escolha, agora cada vez mais improvável, de Aécio Neves? Este exercício é apenas teórico, porquanto o bom senso recomenda que não nos imiscuamos numa compita que, sendo profundamente democrática, terá como resultante final a vontade  de um país que, em qualquer circunstância, permanecerá no quadro da nossa atenção próxima.
 
Mas nem sempre foi assim. Durante muitos anos, a vida política interna brasileira, podendo ocupar o interesse de alguns, estava longe de constituir, entre nós, um motivo para a mobilização de opiniões. A razão por que isso mudou é interessante de ser observada.
 
Data de há cerca de duas décadas o início de um novo ciclo de intensificação das relações entre Portugal e o Brasil. No plano económico, radica na presença de capitais portugueses no processo brasileiro de privatizações. A partir daí, verifica-se também uma crescente retoma dos fluxos comerciais bilaterais. No mesmo sentido, uma "moda" brasileira instalou-se, por algum tempo, nos hábitos turísticos portugueses.
 
Depois, foram as pessoas. Portugal encheu-se de um Brasil indiferenciado, em busca de trabalho, que nos trouxe um país que as imagens das novelas nos tinha levado a pensar que conhecíamos. Uma efémera afloração de riqueza encheu entretanto de portugueses o Nordeste brasileiro, com outros a acreditarem que pelo Brasil podiam encontrar o "ouro" nos negócios fáceis. Nessas aventuras de um lado e de outro, houve coisas que correram bem, outras nem por isso. Passámos a entender melhor as nossas qualidades e os nossos defeitos mútuos. Caímos "na real", como se diz no Brasil.
 
Na política, muito dependeu sempre do modo como os dirigentes de ambos os lados se articularam. Historicamente, havia sido nos conservadores brasileiros que Portugal podia contar com os seus maiores amigos. Mas iria ser Lula da Silva, homem oriundo de outro setor, a revelar-se o nosso mais sólido apoio e a concretizar gestos de grande afetividade por nós. Daí decorreu, por exemplo, um impulso importante para o interesse empresarial brasileiro por Portugal ou um estímulo à ação da TAP, que hoje nos enche o país de turistas a falar a língua do gerúndio.
 
Mas, não nos iludamos, há muitos problemas que subsistem. Com África de permeio e a Europa em fundo, demos já passos interessantes para um melhor trabalho em conjunto, nomeadamente em torno da língua que nos junta. Mas a CPLP titubeia pela dificuldade de acomodar o gigantismo brasileiro numa estrutura luso-centrada.

Por tudo isso, não nos é indiferente quem venha a titular a voz do Brasil nos próximos tempos. Temos um candidato? Claro que sim. O nosso candidato é aquele que confira mais estabilidade, que lhe induza maior crescimento e bem-estar e que seja capaz de garantir um reforço do estatuto internacional do país. Esse é o candidato que nos interessa. Deixamos que sejam os brasileiros a escolhê-lo.

(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")

segunda-feira, setembro 29, 2014

O Butão

Na passada sexta-feira, num colóquio em que participei, alguém referiu, a título caricatural de exemplo, as "nossas relações com o Butão".

Pude então esclarecer, também por curiosidade, que o reino do Butão continua a ser - se não estou errado - o único país membro das Nações Unidas com o qual Portugal não mantém relações diplomáticas, com a possibilidade de aí acreditar um embaixador sediado noutra capital. Porquê? Porque o Butão tem uma política muito restritiva nesse domínio, como eu próprio tive ocasião de constatar quando, sobre o assunto, desenvolvi diligências ao tempo em que trabalhava junto da ONU. Talvez os leitores deste blogue que exerceram e exercem funções como embaixadores em Nova Deli (que seria a embaixada acreditada no Butão) possam deixar, nos comentários, uma melhor explicação sobre estas reticências butanesas.

Mas a que propósito vem hoje isto? Muito simplesmente pelo facto de ontem este blogue ter tido, pela primeira vez na sua modesta história, um visitante do Butão (ver à direita, no "Flagcounter"). Seria um acaso informático ou terá sido a minha amiga Cláudia Estrela, uma arquiteta brasileira que visita às vezes o Butão, que deu um ar da sua graça? De qualquer forma, bem vindo, leitor/a do Butão!

Para que tudo fique claro

Deixo aqui esta pérola, "roubada" ao Facebook do Paulo Dentinho. Tudo fica assim mais claro, não é?

Uma grande vitória

A vitória expressiva de António Costa nas eleições primárias do PS provou, à evidência, que existia um divórcio acentuado entre o "povo socialista" e a liderança cessante do partido. E que a decisão de lançar um repto a António José Seguro, longe de constituir um gesto de deslealdade de Costa, como Seguro argumentava, constituiu para ele um imperativo, em face de um grande movimento de opinião que a tal o impulsionou. Ficou assim muito claro que o modo como António José Seguro protagonizou a oposição ao governo não estava a agradar a uma grande maioria, não apenas de militantes, mas igualmente da massa eleitoral que usualmente se congrega à volta do PS. E que a figura de António Costa representa hoje, aos olhos desses cidadãos, uma nova e muito concreta esperança. O que significa também que, a cerca de um ano das eleições legislativas, o PS escolhe uma liderança que está em forte sintonia com a sua tradicional base de apoio. E isso não é indiferente para garantir uma boa mobilização para 2015.

O facto da vitória de António Costa assentar numa expressão numérica tão flagrante tem, por outro lado, a virtualidade de desfazer a ideia de que o PS fica, depois deste processo, um partido "dividido ao meio", como muitos auguravam. Pelo contrário, creio que o PS, através da mobilização obtida nestas eleições, pode vir a conseguir transformar o seu próximo Congresso numa grande alavanca política, capaz gerar um movimento forte de oposição ao governo, que hoje não tem a menor razão para estar a passar uma noite tranquila. Julgo mesmo que a "novidade" Costa tem, aliás, melhores condições para reunificar o PS do que teria sido uma mera solução de continuidade, no caso de uma eventual vitória de Seguro.

António José Seguro, que, a meu ver, não esteve bem nos debates e na condução da campanha, como ontem aqui assinalei, saiu com dignidade, cumprindo com o que tinha dito. E pode levar consigo a consciência de que, ao impor as eleições primárias, introduziu na vida política portuguesa uma nova - e, no futuro, provavelmente incontornável - forma de auscultar a vontade do eleitorado. As eleições primárias têm um "preço", pelo ambiente de tensão que induzem na máquina política e por alguma fragilização que trazem ao quotidiano do partido, debilitante da sua função de oposição, durante um tempo demasiado largo. Mas a legitimidade do líder que delas emerge é muito maior do que a que resultaria de um simples processo decisório interno.

António Costa saiu do exercício de ontem muito mais forte do que se tivesse, simplesmente, sido eleito num Congresso. Essa seria uma razão mais que o deveria ter levado, no seu discurso de vitória, a ter a generosidade de uma palavra simples para com o seu adversário, para com António José Seguro, como é da praxe e como Seguro, aliás, não deixou de fazer. Há coisas de que "não há necessidade"...

domingo, setembro 28, 2014

Caro António José Seguro

Escrevo-lhe no dia das eleições primárias do PS.

Recordo bem as conversas que fomos tendo ao longo de meses, o estímulo que dei para o seu esforço em construir uma oposição, simultaneamente eficaz e responsável, à triste governação que nos saiu em rifa. Tenho presente a confiança que em mim colocou, ao ter-me formulado honrosos convites, que nunca pude aceitar, com exceção da pontual colaboração na dimensão europeia do "Novo Rumo", uma iniciativa em que tive uma grande honra em participar e de cujo resultado me orgulho. Pela razão que sempre lhe disse: estou, em definitivo, indisponível para qualquer atividade política ativa. E esse é também o motivo pelo qual, com total liberdade, posso hoje dizer abertamente o que penso.
 
Desde logo, quero deixar claro que a sua tarefa, ao longo destes mais de três anos, foi sempre muito difícil. Você fez opções corajosas, com o objetivo de credibilizar a imagem internacional do PS, ao não obstaculizar o orçamento de 2012 e ao votar favoravelmente o Tratado Orçamental. Nenhum líder socialista responsável teria procedido de forma diferente, tenho absoluta certeza. E foi você, na solidão do lugar onde se encontrava, que teve de tomar a decisão. E fê-lo da forma certa, por muito que agora, com a comodidade da distância, alguns achem que isso não deveria ter sido feito. 
 
O seu espaço de manobra, ao longo de todo esse tempo, com um presidente da República que agora se revela em pleno, foi sempre muito reduzido: caminhar entre um "memorando" que o país político tinha aceite maioritariamente a contragosto, sob um estado de necessidade, e um governo que, dia após dia, surgia incensado por Merkel & quejandos, numa espiral de elogios que parecia diretamente proporcional ao desastre que ia provocando no país. Dir-se-á que, aqui ou ali, poderia ter procedido de forma diferente: talvez, mas você não era um líder populista, lesto a cavalgar "a rua", e tinha a estrita obrigação de cuidar a imagem histórica de responsabilidade do partido que o escolheu. E isso de se dizer que você comprou cedo a "narrativa" do governo sobre a crise é muito fácil de afirmar agora, num tempo em que as pessoas parece já terem esquecido o ambiente político-mediático, cá dentro e lá fora, sob o qual Portugal vivia. A memória é curta, meu caro.  
 
Mas nem só fora do PS estiveram as suas dificuldades. Estavam também no seio do grupo parlamentar socialista, onde você nunca pôde contar com um núcleo importante de deputados, que sempre o combateram. Por três razões: alguns porque nunca aceitaram a sua vitória e não se subordinaram democraticamente à sua liderança, outros porque você não se soube mostrar solidário com muitos aspetos positivos da governação socialista anterior (um importante erro seu!) e, finalmente, com outros que você decidiu não cooptar para a ação política de primeira linha (e fez mal!). Hoje, toda essa gente está com António Costa, alguns deles, há que dizê-lo, por terem entretanto percebido que você lhes não renovaria o mandato em 2015. Houve, de facto, muito sectarismo dentro do PS, mas você, meu caro António José Seguro, também não está isento de culpas nesse domínio. 
 
O PS, consigo, ganhou duas eleições? É verdade. Mas, sejamos francos, nas recentes europeias, o resultado conseguido ficou muito aquém daquilo que seria expectável que o principal partido da oposição pudesse ter conseguido, perante um descalabro da (antiga) maioria e um sentimento de revolta e desânimo que atravessa o país. A distância virtual entre o resultado obtido pelo PS e aquele que se pode computar ao PSD no seio da coligação é quase de 10 pontos? Também é verdade. Só que 72% dos eleitores mostraram o seu desagrado com a ação do governo e, dentre esses, o PS só conseguiu representar 32%. Isto é, 40% do país revoltado escapou-lhe de mão. E isto é um facto, mesmo com a atenuante da especificidade das europeias (mas, se formos por esse caminho, também o resultado das autárquicas pode ser lido como uma opção personalizada pelos candidatos e não uma ação virtuosa do PS central).
 
Como eu, com toda a franqueza, lhe referi logo após as eleições, muitos socialistas (e muita gente que vota PS) não se reviram no seu deslocado discurso da noite eleitoral. Foi um mau resultado e, como também então lhe disse, esse resultado e a forma como você o interpretou abriram o caminho natural à candidatura de António Costa. Não tem qualquer sentido você insistir em dizer que foi uma deslealdade o surgimento desse desafio: foi a resposta polarizadora de um sentimento que atravessava muita gente. Gente muito diversa, desde aqueles que, dentro e fora do PS, nunca acreditaram politicamente em si e a quem o seu estilo de liderança nunca convenceu, até outros que, mantendo por si simpatia e respeito - pela sua seriedade, pelo seu empenhamento, pela sua dedicação - chegaram à conclusão que não podiam arriscar-se a ver o destino do PS, numas futuras eleições legislativas, colado à escassez das vitórias que você lhes prometia. E que, com todo o direito, entenderam apoiar um outro candidato, que consideraram poder vir a protagonizar uma oposição mais eficaz à maioria cessante. 
 
Nessa altura, colocava-se um problema formal e você resolveu-o com inesperada maestria. Não prescindindo - e fez bem! - da legitimidade que os estatutos lhe conferiam (isto é, não se demitindo e convocando congresso e eleições diretas), tomou a decisão sábia de "resolver" o desafio pelo recurso a estas eleições primárias. Provou assim que não fugia à disputa e, mesmo para além disso, abriu-a para além do "aparelho", que o acusavam de ter "na mão".

Tudo estaria mais ou menos bem se o debate, a partir daí desencadeado, se tivesse processado com elevação. E aqui, meu caro António José Seguro, quero dizer-lhe que você esteve muito longe daquilo que eu esperaria de si. E, confesso, desiludiu-me muito. Foi você o primeiro a abrir as hostilidades com acusações de caráter ao seu adversário (como que esquecendo que ele era, antes de tudo, um seu camarada), a espalhar insinuações populistas sem rosto e a desenvolver uma campanha "ad hominem". E isso manchou, em definitivo, a sua imagem. Espero que hoje tenha plena consciência disso. 

Reconheço sem dificuldade que, do outro lado da barricada, alguns agitados prosélitos de António Costa - nos blogues, no facebook, no twitter, nos jornais e nas televisões - colocaram-se, desde cedo, ao mesmo nível a que você fez cair a campanha. Lamentei muito não ver a voz de António Costa a tentar travar essa deriva, mas há que reconhecer que, neste particular, nas intervenções que ele próprio fez, esteve bastante melhor que você. Se acaso ele ganhar, cedo vai perceber que, se quer que um PS sob a sua liderança seja tomado a sério, terá de se afastar de muita dessa "ganga" de "talibãs" de conversa económica radical - uma espécie de émulos, do outro lado do espelho, da "rapaziada" neoliberal que hoje enxameia os corredores do poder. Uma campanha pode ser conduzida assim, o Estado não.
 
Nos debates televisivos, devo dizer que não encontrei o António José Seguro que eu conhecia, o homem sereno, equilibrado, com sentido de defesa dos interesses do seu partido, colocando as ideias - e você construiu um "banco" de ideias que são património de "qualquer" PS - à frente da chicana. Posso estar enganado, mas quem vi por ali foi um homem ferido, amargo, com uma agressividade deslocada e não construtiva. Alguém que teimou em "deitar sal" sobre as feridas, como se, com essa atitude, quisesse consagrar uma vingança pessoal. Não gostei nada do que vi. E, por isso, meu caro António José Seguro, com toda a consideração pessoal que sabe que mantenho por si, lamento ter de dizer-lhe que, hoje, não vai poder contar com o meu voto.  
 
Com um abraço amigo do
 
Francisco Seixas da Costa

sábado, setembro 27, 2014

Seniores

Há dias, foi Sofia Loren. Hoje, é Brigitte Bardot que faz 80 anos. Respeitáveis "seniores", como agora se diz. Deixo imagens, assumidamente nostálgicas, de quando eram promissoras "juniores".

sexta-feira, setembro 26, 2014

Probidade

Ser livre tem imensas vantagens: permite-me, por exemplo, dizer que discordo frontalmente da "exigência" hoje colocada por António José Seguro ao primeiro ministro no sentido deste abrir ao escrutínio público as suas contas bancárias, relativas aos anos em que o então deputado Pedro Passos Coelho tinha dedicação exclusiva na AR. Percebo que isso pudesse ser muito esclarecedor, mas parece-me algo desproporcionado face à gravidade objetiva das suspeitas que andam no ar. Embora saiba que muitos amigos meus não vão gostar de ler isto. É que eu considero que a divergência política que tenho com o primeiro ministro e com o seu governo tem de ficar à porta deste tipo de questões que relevam da ética pessoal.
 
Devo dizer, embora sem nenhum elemento concreto a apoiar esta minha perceção, que tenho o dr. Passos Coelho por uma pessoa séria. Talvez eu esteja influenciado pelo facto de conhecer a sua família, que é gente de bem. E, olhando para a sua vida, nunca nela vislumbrei o menor dos sinais exteriores de riqueza ou de ostentação deslumbrada que, infelizmente, marcam a imagem de muitas pessoas da nossa classe política - desde logo, muita gente do seu partido, mas não só.
 
Uma acusação de falta de seriedade nas "contas" é sempre algo de muito grave. Por isso, e até prova concreta em contrário, acredito na palavra do cidadão Pedro Passos Coelho e na sua probidade. E digo-o com toda a sinceridade e sem a menor ponta de ironia. Mas ele tem de ajudar.
 
O dr. Pedro Passos Coelho, com apoio dos arquivos da ONG em que colaborou, deve procurar explicitar, muito rapidamente, quais as despesas pela quais foi reembolsado por essa mesma organização. Até ao cêntimo. Posso admitir que, nas suas notas pessoais, não disponha desses elementos. Mas não é crível que a ONG em causa não tivesse uma contabilidade organizada que agora possa permitir dilucidar, de uma vez por todas, esta questão, que está a inquinar a nossa vida política e a lançar uma sombra, quiçá desnecessária, sobre o dr. Pedro Passos Coelho.
 
Pergunto-me ainda porque é que na imprensa, que até agora tão atenta se tem mostrado às questões patrimoniais deste caso, nunca surgiu uma reportagem completa, que possa revelar o espetro de ações levadas a cabo por essa ONG, ligada à "Tecnoforma", cuja existência e prolongamento de atividade ao longo do tempo induzem a realização de um vasto programa de realizações. No que me toca, estou muito interessado em saber o que fez, de facto, o "Centro Português para a Cooperação" e, nomeadamente, que tipo de fundos públicos utilizou durante a sua existência. E isso não pode ser objeto de qualquer tipo de reserva de informação. É de interesse público, porque terá mobilizado bens públicos.

... e logo se vai ver!

Ver aqui .