Foi bastante mais significativo do que, à primeira vista, se pode pensar o voto unânime do Conselho de Segurança da ONU que impôs sanções acrescidas à Coreia do Norte, em condenação pelos recentes lançamentos balísticos e atividades conexas de natureza militar. Ver a Rússia e a China a votar ao lado dos EUA, França e Reino Unido foi a prova clara de que a atividade do regime norte-coreano é vista como gravemente desafiadora da paz internacional.
Nos últimos anos, a Coreia do Norte contou com alguma complacência da China e da Rússia, mas apenas porque estes seus vizinhos temem, não sem razão, que um colapso do regime, nomeamente por via militar, possa vir a desequilibrar geopoliticamente a região, conferindo novos avanços estratégicos aos EUA e abrindo caminho a uma reunificação sob o "template" político da Coreia do Sul. A China, em especial, não permitirá nunca que o futuro da península coreana passe a ficar dependente, na totalidade, da tutela americana – hoje sob uma administração tão “respeitadora” da autonomia de Seul que até agora ainda não encontrou tempo para nomear um embaixador para o país.
Mas é também muito evidente que, para a China e a Rússia, é altamente desconfortável ver nascer um novo poder nuclear, ainda por cima titulado por um regime imprevisível, no seu "near abroad".
Se este mal-estar já era muito óbvio, ele não se atenuará ao observar a escalada que está montada entre Washington e Pyongyang. É que de ambos os lados desta trincheira verbal estão duas personalidades, dotadas de um poder quase absoluto sobre a movimentação das suas máquinas militares, que não auguram nada de bom em matéria de uma serena ponderação das suas decisões.
O mundo que viveu duas guerras, e em particular aquele que atravessou uma Guerra Fria, em que os dois lados da equação eram potências de capacidade equivalente, que se anulavam pelo mútuo temor, não contava com este potencial conflito, cuja simetria se apoia apenas no jingoísmo e na bravata.
O que é mais angustiante, na perspetiva da Comunidade Internacional que observa este “ping-pong” de ameaças, é o papel quase marginal do mundo multilateral, em especial das Nações Unidas, reduzidas à tarefa de promotor de medidas económicas constrangentes e com uma voz inaudível no tocante às questões de onde podem depender as vidas de milhões de pessoas.
Se as condições, na sua política interna, estivessem reunidas de forma favorável, os EUA teriam aqui uma oportunidade soberana para fazer reganhar à ONU a sua centralidade. Mas não estão, pelas razões que todos sabemos e perante as quais se torna ainda mais evidente a nossa impotência.
(Artigo hoje publicado no "Jornal de Notícias")