No âmbito da preparação de uma atividade docente universitária, que versa sobre a negociação diplomática, estou a recolher dados para poder utilizar o processo negocial grego na Europa como um modelo de estudo.
Independentemente do seu resultado final, esta negociação aberta, com forte utilização agressiva dos mídia, configura uma tática pouco comum no mundo multilateral.
O governo grego tinha duas frentes essenciais a atender. Desde logo, a mais vital, eram as instituições europeias e os seus parceiros nesse âmbito. Não menos importante era a sua frente interna, onde os resultados no plano europeu serão sempre medidos à luz das promessas eleitorais muito firmes que o Syriza fez durante sua campanha. Mas houve sempre uma terceira dimensão instrumental que também esteve nos objetivos de Atenas: a opinião pública europeia, com que os gregos pareciam contar, através do levantamento de uma onda de simpatia que acabasse por condicionar os restantes governos.
É neste particular que se insere o esforço de diabolização da Alemanha, de que a Grécia quis erigir-se como contraponto "afetivo". Ao vocalizar a acusação de "má da fita" à Alemanha, o governo grego procurou "isolar" Berlim, contando com um sobressalto na opinião europeia que, na realidade, não se verificou. Da parte dos países do ajustamento, nos quais os gregos esperavam poder suscitar uma onda de simpatia, por terem partilhado agruras similares, nenhuma reação forte emergiu. Pelo contrário, os "ajustados" procuraram, numa lógica puramente nacional, afastar o seu caso do da Grécia, garantindo a benção dos "powers that be" - isto é, da própria Alemanha, de cuja boa vontade dependem. Falhada uma empatia operativa por parte da França e da Itália (com a qual a Grécia começou por cometer uma indiscrição imperdoável), Atenas voltou-se para a Comissão Europeia. que esteve à altura dessa confiança. Mas também, neste caso, ao dar conhecimento público do "non paper" de Moscovici, a Grécia quebrou uma relação de confiança. O desespero não é bom conselheiro num processo negocial.
No plano multilateral, as coisas não haviam começado bem. A "receção" em Atenas ao presidente do Eurogrupo, Dijsselbloem, foi lida por muitos como uma provocação. Se a intenção era "assustar" Bruxelas, o modo pouco urbano como a parte pública dessa visita decorreu não ajudou em nada. Já no Eurogrupo, o governo grego começou por colocar a sua questão através da contestação da filosofia subjacente ao processo europeu tradicional, tentando situar o problema num patamar diferente daquele em que assentava o paradigma da UE. Como que para reforçar essa distância, utilizou mesmo uma figura, como o seu ministro das Finanças, que passou uma mensagem - e até uma postura física e coreográfica - de não estar disponível para ter um debate assente nos termos de referência habituais. Hoje, em perspetiva, constata-se que a postura de Varoufakis não ajudou nem ajuda, "to say the least". Ele estava convencido de que a originalidade académica das ideias que trazia acabaria por impor-se com naturalidade, porque colocaria em fácil evidência que havia alternativas sensatas ao modelo dos programas de ajustamento que a Europa utilizara até então. E, neste particular, a Grécia parecia julgar que, ao propor os modelos de "bonds" quase eternos, tinha "descoberto a pólvora". Isso fê-los, aparentemente, descuidar na preparação de planos B e C, essenciais para amortecerem recuos, sem que eles fossem vistos como humilhações. Ora são apenas estas que parecem estar agora na agenda, acompanhadas de uma escassa boa vontade do parceiros para as travestirem por forma a "salvar a face" à Grécia. A cristalização pública de posições nunca ajuda.
Pela minha experiência, que naturalmente vale o que vale, o efeito surpresa, numa negociação multilateral, raras vezes funciona. O passado ensinou-me que é sempre muito importante "trabalhar" um-a-um os parceiros, enquanto aliados potenciais, a montante dos encontros coletivos, tentando garantir antecipadamente, da parte de cada um deles, uma atitude de apoio nesse contexto negocial subsequente. Para tal, é essencial partilhar com aqueles que julgamos potencialmente permeáveis aos nossos argumentos o essencial daquilo que iremos apresentar, dando-lhes razões para os convencer das vantagens que poderão retirar do facto de poderem vir a colocar-se ao nosso lado. Na vida internacional, salvo no caso das ditaduras ou dos regimes autoritários, os governos não têm mandato para poderem mudar internacionalmente de posição (muito menos radicalmente) sem terem garantido que as suas opiniões públicas podem vir a entender a racionalidade dessa mesma alteração. Ora os gregos, muito por falta de tempo, mas igualmente por manifesta falta de jeito e alguma arrogância voluntarista, não fizeram devidamente esse trabalho de casa e criaram uma expetativa de reconhecimento público da "bondade" natural das suas propostas que, muito claramente, não se concretizou. Os governos europeus não foram minimamente pressionados pelas suas opiniões públicas para ajudarem a Grécia a sair do seu isolamento e o resultado foi o que se viu.
Este texto é escrito antes da nova apreciação no Eurogrupo das derradeiras propostas gregas e tem apenas uma intenção de discussão metodológica, não de apreciação da substância dos temas.