segunda-feira, agosto 15, 2016

O mês de 40 dias

Na minha cabeça, tenho o ano dividido em dois períodos, muito desiguais em dimensão: de setembro a dezembro e de janeiro a julho. Estes são os meus dois "semestres". Agosto é a pausa.

Para mim, o ano começa, verdadeiramente, em setembro. É um mês diferente de todos os outros, com menos "eventos" mas não com menos compromissos, bem pelo contrário. Arrumo (ou penso arrumar) nele muitas coisas, no caminho para os onze que se seguem. Depois, outubro e novembro são meses cheíssimos. Só lá para 20 de dezembro é que tudo estaca. A pausa natalícia prolonga-se até à primeira semana de janeiro, quando tudo rearranca, de novo bem a sério. Fora o período da Páscoa, todo esse segundo "semestre" é muito intenso, apenas com as festividades em junho a atenuar o ritmo, mas com as aulas a reforçá-lo. Como já estou muito longe do tropismo obsessivo para o turismo, fico a ver os meus amigos, entre maio e junho, a avançar para "as viagens".

A maior diferença que senti entre os anos de vida em que estava numa atividade profissional oficial, "from nine to five", e a atípica "aposentação" que se aproxima dos quatro anos, são os meses e julho e dezembro. No passado, esses eram meses de transição para tempos de férias, já de um relativo "phasing-out" laboral. Hoje, não: verifiquei que a atividade privada acelera fortemente na última quinzena de julho e na primeira de dezembro. Foi uma descoberta interessante.

Quando vivi na Noruega, ouvia dizer que o dia de hoje, o 15 de agosto, era "o início do inverno". Também convém não exagerar! Mas há pouco, ao acordar, confesso que senti, como dizia o poeta", que já "cheira a setembro". Aliás, confesso, ando a preparar esse mês há largas semanas. São muitos os amigos com quem já troquei o clássico "então, combinado!, almoçamos lá para setembro!". Se acaso todos esses almoços de "rentrée" viessem a ter efetivamente lugar, setembro seria um mês de 40 dias. Úteis, claro.

domingo, agosto 14, 2016

Fidel

Julgo que por uma questão etária, a Revolução cubana nunca fez parte das mitologias políticas a que fui particularmente sensível. A mim, disse-me sempre muito mais, por exemplo, a guerrilha vietcong no Vietnam do que a aventura da Sierra Maestra. Mesmo as peregrinações posteriores de Guevara, do Congo à Bolívia, levei-as à conta de um voluntarismo romântico, simpático mas algo inconsequente.

Dito isto, é impossível, para alguém da minha geração, não ter tido alguma afetividade pelo movimento que conduziu ao derrube de Fulgêncio Baptista e pelo desafio orgulhoso aos Estados Unidos em que Cuba se erigiu, em especial num tempo em que Washington, à luz de uma cínica realpolitik motivada pela Guerra Fria, se tornou protetor de várias sinistras ditaduras, um pouco por toda a América Latina.

Li o que julguei necessário sobre Cuba e, um dia, passei por lá uns dias, bem fora das zonas turísticas. E, devo confessar, não gostei muito do que vi. Chocou-me a desesperança triste de alguma gente com quem falei. 

Já não vivo num mundo maniqueísta que me leve a justificar a flagrante ausência de liberdades e a vida miserável - repito, miserável - daquela gente como contraponto óbvio das pressões externas, nomeadamente com os malefícios do ridículo bloqueio americano. 

Por tudo isso, os 90 anos de Fidel, ontem completados, não suscitaram em mim qualquer particular emoção.

sábado, agosto 13, 2016

Conversas no Pereira (4)

- Acho que não vamos ter mais nenhuma medalha nos Jogos Olímpicos.

- Que pessimista! Por que é que dizes isso?

- Porque o Marcelo já regressou do Brasil.

- Ora essa! Que tem uma coisa a ver com a outra?

- Tem tudo! Não é ele que distribui medalhas pelos portugueses?

Desordens

Não sei como hei-de dizer isto sem ofender algumas classes profissionais, mas não posso calar o sentimento de que, em certos setores, as Ordens parece terem caído a pique no nível dos dirigentes que nos dias de hoje elegem. 

É talvez a "proletarização" de certas atividades que a isto conduziu, mas faz-me confusão ver eleitas para cargos de bastonário pessoas que, por exemplo, foram objeto de processos por conduta profissional incorreta.

Tinha-me habituado a ver num bastonário, não uma espécie de "duplo" dos dirigentes sindicais da classe, mas figuras referenciais na profissão, personalidades prestigiadas junto dos seus pares, sempre contidas na palavra, com a utilização desta a revelar peso, com prestígio que facilitasse a interlocução com os poderes. O que se vê mais por aí (com exceções, diga-se) são figuras de terceira ou quarta linha, truculentas, sem autoridade moral, de palavra vulgar.

Se acham que esta nota foi suscitada por um artigo que acabo de ler no "Público" sobre a Ordem dos Advogados, não se enganaram.

Memória pouco militar

O "Diário de Notícias" de hoje traz uma longa e interessante entrevista com o cineasta João Botelho. Andámos juntos no liceu e somos daquela espécie de velhos amigos que se encontra a espaços, às vezes com anos de intervalo. Quase sempre no "Snob", da última vez num ensoleirado "ferry" fluvial.

Há dias, num grupo de amigos, contei uma historieta com mais de meio século, em que me recordo que o João também figurava. 

Creio que na dúvida sobre se conseguiríamos entrar no exame para universidade, alguns de nós, no Verão de 1966, em Vila Real, começámos a treinar no Regimento de Infantaria 13 as provas de acesso à Academia Militar. Confesso que, à distância, me não estou a ver com um futuro castrense e, até hoje, pergunto-me por que diabo me prestei a esses exercícios masoquistas, que incluíam o sinistro "galho", o "pórtico", o muro, a vala e outras provas que vim a reencontrar menos de uma década mais tarde, quando involuntariamente me vi militar a prazo. No termo desses treinos, e essa era a melhor parte, organizávamos partidas de futebol, juntando os tais "voluntários" que nós éramos com pessoal da unidade, em especial os oficiais que nos orientavam. E acabávamos com um copo na messe.

Um dia, numa dessas ocasiões, vimos ao longe dois soldados de mão dada. O nosso espanto foi imenso. A cena era insólita numa sociedade como a portuguesa, há 50 anos, ainda por cima dentro de uma unidade militar. Imagino os sorrisos e dichotes irónicos que ela terá provocado, na reação machista tradicional e então quase de regra. 

Fomos interrompidos, nos nossos comentários, por um sargento: "Não é o que pensam!" Olhámos surpreendidos para o militar, que nos contrariava o pensamento óbvio. Ele explicou: "É gente que vem de aldeias isoladas muito longe, da zona do Barroso, que está fora pela primeira vez da sua terra. Aquele gesto é um sinal de fraternidade e de mútuo apoio, face ao isolamento que sentem. Não são homossexuais" (a palavra usada não foi essa). 

Com os anos, voltei a assistir a gestos semelhantes em África, em especial em países árabes e sempre me recordei desse episódio. De uma coisa estou certo: se a cena se voltasse a repetir no Portugal contemporâneo, a nossa presunção de há meio século seria seguramente confirmada.

Não acredito!

Alguns dirão que esta é uma atitude gratuita, não fundamentada, porventura preconceituosa. Outros considerarão que releva de falta de respeito político pelo governo, mesmo de incompreensível ausência de solidariedade para com gente que é minha amiga. 

Será o que quiserem e adoraria estar enganado, mas não consigo acreditar que o grupo de trabalho criado para tratar da questão da prevenção e combate aos fogos florestais, cujas conclusões irão a conselho de ministros no Outono, vá resultar em algo substancialmente relevante, que possa ter um impacto significativo no estado de coisas que se vive em Portugal. É uma descrença de quem já viu este "filme" anos e anos consecutivos, que assistiu a inúmeros "agora é que é!" que acabaram por dar no que agora aí se vê.

Pelo que se observa pelo mundo, uma constatação impõe-se: sempre que houver um "cocktail" de condições adversas, com temperaturas altas e baixa humidade, a floresta vai arder de novo. Em Portugal como em Espanha, nos Estados Unidos como na Austrália. Pode é arder mais ou menos, dependendo das condições criadas para o evitar.

A minha teimosa falta de crença nas soluções que aí vêm liga-se ao que entendo ser a inevitável continuação de dois fatores negativos, que Portugal não vai conseguir superar: a sua estrutura fundiária, com gente cada vez mais ausente das zonas rurais ou que é proprietária de terrenos que não produzem o rendimento suficiente para sustentar a sua limpeza, e a falta dos recursos financeiros ao Estado para vir a suprir essa lacuna dos proprietários privados, que hoje são detentores de mais de 90% da área florestal do país. Porque nenhum destes fatores pode mudar por obra e graça do "novo banco", tudo vai continuar na mesma. 

O resto, os meios de deteção e prevenção, os de combate aos incêndios e a otimização da sua organização, a repressão dos incendiários e a melhoria da legislação para os punir, bem como o sempiterno "número" salvífico do uso dos militares, isso é outra parte da história. Uma história que eu receio acabe da mesma maneira que tem acabado ao longo de vários governos, isto é, em "águas de bacalhau".

Que fique claro: não tenho soluções miraculosas, não sou especialista no assunto, nem sei mais do que um qualquer outro cidadão. Mas tenho o meu inalienável direito à "fezada", neste caso à falta dela, e exerço-o aqui.

sexta-feira, agosto 12, 2016

O abraço de Marcelo


Anda aí um pequeno debate sobre o abraço de Marcelo a uma vítima dos incêndios na Madeira. Desde os neo-marcelistas recém-convertidos com o amplexo até aos detratores irónicos que acham haver politiquice no gesto.

Conheço pessoalmente Marcelo Rebelo de Sousa há bastantes anos. Não votei nele (votei António Sampaio da Nóvoa, para que não haja dúvidas), mas tenho consideração e simpatia pessoal por ele. Espero, com sinceridade, que o país ganhe com a sua presidência. Já está a ganhar, pelo contraste feliz que faz com o seu sombrio antecessor. Quem, no fim, julgará isso? Eu, claro, porque sou dono da minha opinião, como o sou do meu voto.

Porque creio conhecer suficientemente o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa, estou totalmente seguro de que aquele abraço, aquela emoção, aquele gesto são de uma total genuinidade, representam um instante solidário para com um deserdado da sorte, por parte de quem, sendo o presidente da minha República, é acima de tudo um homem com sentimentos.

Neste mundo de teorias conspirativas e de claqueiros de teatros de sombras, as pessoas esquecem que as coisas, às vezes, são bem mais simples do que parecem.

Ninguém morre de véspera


Regressemos ao final de 2015, ao momento em que António Costa surpreendeu o país com o acordo parlamentar que proporcionou a « geringonça » que nos tem governado. 

Lembremo-nos do tom patibular de Cavaco Silva, da deselegância política com que reagiu ao entendimento parlamentar que reconduziu a esquerda ao poder. Recordemos o « roadshow » revanchista que a antiga maioria promoveu pelo país, tentando incendiá-lo politicamente contra a nova solução governativa. Elenquemos as « cassandras » (nas quais me incluo) que davam por certa a incompatibilidade entre socialistas e os companheiros da « frente popular ». Tenhamos presente as previsões que garantiam que Bruxelas, que detesta ver a « esquerda da esquerda » perto do poder, iria fazer vergar o primeiro orçamento, esmagar com sanções o défice herdado dos seus « amigos » e criar uma guerrilha permanente que transformasse este num Verão em que do calor não resultassem só incêndios. E quantos não foram, à pressa, reler a detestada Constituição, tentando perceber os meses que faltariam para que o futuro presidente de direita dissolvesse o parlamento, convocasse eleições e retornasse os seus ao poder ?

O futuro é sempre mais imaginativo do que os homens. A maioria, embora sacudida pela chantagem do sindicalismo paleolítico e por umas flores legislativas « fraturantes » que a sua natureza obrigou a adotar, demonstrou uma inesperada capacidade para trabalhar em conjunto. Com maior ou menor esforço e sucesso, ultrapassou algumas crises, como a dos contratos de associação com o ensino privado, polémicas de conjuntura, como a demissão de João Soares ou os governantes « voadores », ou ratoeiras herdadas do passado, como o Banif ou a Caixa. 

A crise das (não) sanções acabou por gerar um momento de indignação nacional, que atrapalhou a oposição e colocou o país atrás de António Costa. O Euro futebolístico acabou por reforçar o otimismo com que o sorriso do primeiro-ministro tem vindo a acalmar um país que, em boa medida, viveu estes meses num surto de alguma esperança, de recuperação de rendimentos e de uma « oxigenação » salutar do seu quotidiano.

Seria de uma grande injustiça não pôr também a crédito do novo presidente da República uma fatia importante da descrispação que o país atravessa. Mas não nos iludamos. Por muito boa vontade que Rebelo de Sousa pudesse ter, se tudo se tivesse desconjuntado, por exemplo, em matéria de finanças europeias, as coisas não estariam como estão.

Em perspetiva, há que convir que a « geringonça » soube ultrapassar os grandes testes com que foi confrontada. Até ver, a avaliar pela nervoseira raivosa que provoca nos seus opositores, saiu « melhor do que a encomenda ». O futuro ? É só amanhã ! Ninguém morre de véspera.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, agosto 11, 2016

Anedotas

- Por que é que não escreves um livro de memórias?, perguntei hoje a um amigo, durante um almoço em que nos contou alguns episódios, bem divertidos e interessantes, da sua vida diplomática.

- Porque são simples anedotas, respondeu.

A palavra portuguesa "anedota" concentra dois conceitos que, em língua inglesa, são distintos: "anedoct" e "joke". Enquanto que este último é uma "piada", uma "graça" para gargalhar, o primeiro aproxima-se mais daquilo que por aqui "pratico", isto é, a historieta que descreve uma situação ocorrida, em geral divertida ou espirituosa, mas não necessariamente hilariante. Deve ter sido esta a perspetiva do meu colega.

Em qualquer das suas aceções, o conceito, contudo, não deixa de ser desqualificador. Publicar anedotas, ou melhor, resumir uma vida a um percurso de episódios mais ou menos divertidos, é um passo discutível, concedo. Há uns anos, li um livro divertidíssimo de um diplomata estrangeiro que, de tão obsessivamente recheado de historietas, em geral titulada por outros, quase fazia esquecer o seu próprio percurso pessoal.

Fiquei a pensar que, lá no fundo, essa será porventura a principal mas não assumida razão pela qual nunca perdi umas horas a recolher deste blogue algumas das largas centenas de historietas que por aqui tenho vindo a deixar registadas, desde há mais de sete anos, transformando-as num livro, como às vezes me sugerem. É porque detestaria que a imagem de uma profissão a que dediquei quatro décadas da minha vida pudesse ser marcada no imaginário de quem me viesse a ler, em letra de forma, pelo tom deliberadamente "light" que por aqui utilizo. 

Esta é uma decisão definitiva? Sei lá! Não disse que era uma decisão irrevogável...

quarta-feira, agosto 10, 2016

Os sorrisos de Luanda



Foi no domingo, num fim de tarde alentejano, com o sol a declinar sobre o mar, como esta imagem (medíocre) atesta. De súbito, olhando a paisagem, perguntei a quem ia ao meu lado: "Isto não te lembra nada?". A resposta foi "Luanda".

Em rigor, não era bem Luanda, era a estrada que saía de Luanda para sul, passada a Samba e a Corimba, o Costa do Sol, a misteriosa zona presidencial do Futungo, a caminho do Quilómetro Dezassete, onde uns "camaradas" procediam "ao reconhecimento das viaturas", antes de entrarmos no longo percurso até à barra do Quanza. Depois de novo controlo na ponte - "já há kwachas por aqui!", dizia-se, nos últimos anos -, seguia-se pela reserva da Quissama até a um ponto alto de onde se descia para Cabo Ledo, para as belas lagostas do Mário, cozinhadas em água do mar. Praia, conversa, almoçarada longa e divertida e regresso à capital, com paragem obrigatória no Morro da Lua, para um último whisky, seguida de pores do sol magníficos, que gozávamos como versões lusotropicais da "National Geographic".

Esta era a vida privilegiada de alguns diplomatas, técnicos estrangeiros, "cooperantes" e amigos angolanos, nos domingos luandenses dessa segunda metade dos anos 80, que quase sempre ainda acabavam numa jantarada generosa em casa dos "Guedais". Na véspera, no sábado, o programa tinha sido, em geral, o Mussulo, uma romagem em barcos com arcas frescas e vitualhas, que saíam sabe-se lá bem de onde.

Éramos, há que reconhecer, uma quase obscena "ilha dourada" nessa cidade de grande pobreza, onde afluiam dos campos centenas de milhares de refugiados, expulsos pelo conflito, que viviam um musseques cada vez mais gigantescos e miseráveis. Cruzávamo-los pelas ruas, nas suas deslocações, a pé sob o sol a pique ou atafulhados em "combies" abafantes, a caminho do sustento. Eram milhões, mas só conhecíamos alguns, aqueles que trabalhavam para nós, junto de quem absolvíamos, com gestos facilmente simpáticos, o nosso íntimo desconforto.

Às vezes, raras, essa nossa Luanda tocava, em algumas ocasiões públicas ou sociais, estratos da classe política angolana, nesse tempo muito radicalizada politicamente, com muito escassa propensão à ostentação, vista talvez como inconforme com os rigores do conflito que atravessava o país. Era gente quase sempre esforçadamente distante de nós, com menos compreensíveis (ou, se calhar, nem tanto) exceções, que afivelava uma lusofobia oficiosa militante, atenuada à chegada à Portela de Sacavém, para visitar a família.

Luanda era então, recorde-se, uma cidade em guerra, quase sitiada pela instabilidade, pelos rumores de erráticos incidentes. A Norte, podia passear-se até ao Cacuaco, a Leste até Viana - mas para ir aí fazer o quê? Arriscar uma avaria e, em tempo sem telemóveis, "entrar numa fria"? Frequentes eram os cortes de energia elétrica, as falhas de água, havia imensa malária, as escassas lojas estavam quase vazias, os imensos mercados populares estavam muito aquém dos limites da salubridade, os serviços públicos eram altamente deficientes, os hospitais e clínicas de evitar a todo o custo, havia dois ou três restaurantes "íveis", imprevisíveis na abertura e a "fazer-se caros" nas reservas, era zero a oferta cultural (salvo filmes repetidos à exaustão em ruidosos e algo caóticos cinemas ao ar livre e livros soviéticos ou aparentados traduzidos, à venda numas livrarias manhosas, onde, de português, só se encontrava o "Avante!"). Nas madrugadas, entre a meia-noite e as cinco, era proibido circular durante o "recolher obrigatório", exceto com salvo-conduto cuja eficácia sempre temíamos, atenta a distração, às vezes etilizada, das tropas de serviço.

E, no entanto, esse foi um tempo magnífico das nossas vidas! De amizades para a vida, de histórias deliciosas, de convívios memoráveis. Um tempo único, talvez porque a idade também ajudasse. Tenho muitas imagens que me ficaram de Luanda. Uma boas e outras más. Faço um deliberado esforço para só guardar as primeiras. E, dentre elas, guardo sempre os sorrisos.

Fiquei com os sorrisos alegres, às vezes desdentados, das simpáticas quitandeiras dos mercados, preocupadas que algum "camarada ladrão" nos assaltasse a carteira. Os sorrisos ingénuos dos jovens soldados nos controlos das estradas, que se rasgavam com um maço de tabaco ou uma cerveja. O sorriso resignado daquela logista onde, ingénuo, entrei para comprar algo que estava na vitrine e que, nesse imenso armazém cheio de prateleiras vazias, me retorquiu com ironia triste que aquilo era "para encher montra". O imenso sorriso e a gargalhada franca do Sambo, o empregado do "grill" do Trópico, quando com ele inventávamos ágapes imaginários, garrafeiras míticas, num teatro amigável e divertido, com que procurávamos dar a volta à realidade trágica dos dias.

E, principalmente, lembro-me muito bem dos sorrisos abertos das crianças. Aqueles filhos de pescadores do Mussulo a quem levávamos o "lanche", as sandwiches e as Coca-Cola, que sorviam como um banquete. E as crianças da vizinhança do "compound" da embaixada, que por anos nos diziam adeus a dançar para as nossas janelas, das casas pobres onde viviam, quando, pelos Natais, lhes trazíamos de Portugal caixotes de brinquedos que os nossos sobrinhos tinham já posto de lado. Nunca esquecerei o brilho daqueles olhos. Que será feito deles? Sorrirão?

Quarta-feira de Ramos

Houve hoje por aqui, fruto das distrações da "silly season", um troca de nomes. Parabéns, agradecimentos e desculpas aos leitores atentos.

terça-feira, agosto 09, 2016

Os livros e as férias


A minha relação com os livros, em férias, é muito complexa. E, invariavelmente, frustrante, embora eu disfarce isso perante mim mesmo, com relativo sucesso.

Em miúdo, em casa da minha avó, lá por Viana do Castelo, durante as férias, passei a dormir, por vários anos, num divã colocado na biblioteca. De três grandes armários envidraçados surgiam-me as lombadas de uma imensidão de livros, na maioria encadernados, numa escolha que não era muito óbvia mas que correspondia aos interesses culturais de um tio por afinidade - o tio Túlio - que morrera antes de eu nascer e cuja biblioteca ficara como a sua imagem póstuma. (Às vezes penso que é possível fazer um perfil bastante aproximado de alguém através dos livros que deixou ao longo da vida). Durante alguns anos, olhava para aquilo como cenário. Depois, com artes, acedi à chave e, sem o menor critério, ou melhor, com critérios erráticos de quem não tinha para isso a menor orientação, lá fui lendo (às vezes só algumas páginas de) livros um pouco ao acaso. Era o tempo em que a banda desenhada me ocupava quase obsessivamente as horas  - e nunca me perdoei disso.

Noutro cenário de férias, na casa do meu avô, em Bornes de Aguiar, ao lado das Pedras Salgadas, o ambiente da disponibilidade bibliográfica tinha a caraterística de ser mais eclético, mais caótico e muito mais contemporâneo (bastante fornecido por um tio que vivia em Lisboa e era dado à curiosidade pela literatura). Havia de tudo por ali, mas, estupidamente, não me lembro de ter aproveitado devidamente muito de bom que podia ter lido, que poderia ter ajudado fortemente a colmatar falhas graves que permanecem na minha cultura no terreno da ficção. O que eu por ali então li, em grande prioridade, foram livros sobre a Segunda Guerra mundial, sobre as relações Leste-Oeste ou artigos das Seleções do Reader's Digest. De romances, apenas alguns Camilo e Redol, ou romances da guerra, de Leon Uris ou Erik Maria Remarque. Ou então uma coisas chatíssimas, mas informativas, de Fernando Namora, sobre uns encontros de debate internacional a que assistira, na Suíça.

Um dia, para todos nós, as férias passam a ser da nossa exclusiva conta. E os livros que para elas levamos também. De início, havia muito "whishful thinking": livros que "havia que ler" mas que, durante o ano, nos não apetecia ler. Se eram coisas "pesadas", menos razão havia para ir carregado com esses monos, muitas vezes coisas "essenciais" mas ai damais impossíveis de digerir em ambiente estival. (Recordo-me que o mais próximo que estive de ficar deprimido alguma vez na vida foi, numas férias algures na Beira, quando dei por mim a soçobrar a meio do segundo volume do "Traité d'Economie Marxiste", de Ernest Mandel. Talvez por essa razão, senti um imenso alívio, há dois anos, quando ofereci os três volumes dessa obra do pensador trotskista belga à Biblioteca de Vila Real, para integrar o espólio de milhares de livros meus que para aí vão caminhando com o tempo).

Desde há muitos anos que, incluída na bagagem para as férias, há a chamada "saca dos livros". Tem sempre entre 30 e 50 volumes e, não raramente, alguns deles transitam de ano para ano. Por lá figuram obras "virgens", compradas num momento de inconscinte otimismo num dia bem disposto numa livraria, de que nunca abri um página. Outros são livros que comecei a ler, que ascenderam à pilha sobre a minha mesa de cabeceira, mas que foram lentamente submergidos por outros. Um dia, aí de três em três meses, quando a resma começa a inclinar-se, qual "torre de Pisa", são retirados alguns para uma estante de apoio, também estategicamente existente no quarto de dormir, que funciona como uma espécie de "banco de suplentes". Aí se vão acomodando, sem o menor critério temático, à espera de melhores dias, isto é, das férias. A sua inclusão na "saca dos livros" (de longe, a mais incómoda peça da nossa bagagem, ou, como diz a munha mulher, que "a que pesa como chumbo") é uma espécie de rebate de consciência, de autocrítica subliminar, de ilusão de que posso vir a fazer a devida justiça a essas obras que, numa noite, foram friamente desprezadas, trocadas por uma qualquer novidade editorial mais apelativa e prometedora.

Há mais de duas décadas, por uma razão pontual, fui obrigado a fazer férias sozinho. Estive quase duas semanas numa já desaparecida pousada alentejana e, logo no dia da chegada, arrumei mais de meia centena de livros por todo o quarto. Nos dias seguintes, notei que o pessoal me olhava com uma inusitada curiosidade. A notícia devia ter circulado. Eu não tinha, humanamente, a menor hipótese de ler aquilo tudo, ainda por cima (mas julgo que não chegaram a esse ponto de análise) eram obras muito díspares, sem a menor coerência entre si. Ao final de alguns dias, com um estatuto já meio "da casa", à conversa com a jovem diretora da pousada, o assunto derivou para livros, para o que se quer (e deve) ler e o que é realisticamente é possível. Ela não podia assumir que sabia que o meu quarto estava estranhamente atulhado de livros, pelo que fez uma conversa "à volta", perguntando se eu estava a escrever algum. Matei-lhe a curiosidade, mas perdi de caminho boa parte do mistério criado, quando lhe expliquei que, das dezenas de livros que sempre levava comigo para todas as férias, só em anos muito excecionais eu conseguia ler mais do que um quinto de todos os títulos. Na vida, expliquei-lhe, o que é bom é podermos ter à disposição, à "mão de semear", em abundância, o que nos pode trazer prazer, com a total liberdade da escolha a fazer parte integrante desse mesmo gozo. Não sei se ela ficou com a impressão de que eu estava a "fazer-lhe a folha" quando, juro!, só estava a tentar reproduzir, por outras palavras, o dito batido de Pessoa: "Ai que prazer / não cumprir um dever. / Ter um livro para ler / e não fazer!"


segunda-feira, agosto 08, 2016

A pergunta eternamente sem resposta


Era, com toda a certeza, o resto de uma conversa que nascera ainda no carro, a propósito de limites de velocidade, e que se prolongava agora à mesa do restaurante.

O miúdo tinha um ar de "sabichão", óculos de aros grossos, daqueles que querem saber tudo. Falava com uma voz agaitada, estridente e algo irritante, que ecoava por toda a sala. A pergunta era "simples":

- Mas, ó mãe, se cá é sempre proibido andar a mais de 120, porque é que deixam vender carros que "dão" mais?

A senhora olhou em volta, embaraçada, sem saber o que dizer, com o puto a insistir, alto, "diz lá, mãe!"

Não a pude ajudar, porque justificar perante uma criança uma chocante hipocrisia da nossa sociedade é algo que não está ao alcance de um simples escriba de blogue.

domingo, agosto 07, 2016

Maracanã


Como era de esperar, Temer teve a vaia tradicional no Maracanã. Nada de novo: "Maracanã vaia até minuto de silêncio", já escrevia Nelson Rodrigues, o mais genial reacionário brasileiro.

O Maracanã, esse estádio-símbolo do futebol mundial, esse Wembley com sol, está hoje muito diferente. Mas ao ver nele entrar, na inauguração olímpica, a "vóvó" Elsa Soares (por que será que, ao vê-la, me lembro sempre da Mara Abrantes?), tive pena que ali não estivesse também Mané Garrincha, esse seu famoso namorado, o mago de pernas tortas na ponta-direita, que tanto génio por aquele (ou outro) gramado ilustrou. E, claro, a história dos russos.

Foi no Mundial de 1958. Garrinha estava a ser instruído pelo treinador Feola sobre o modo de ultrapassar a defesa russa. Há muitas versões do episódio. No essencial, Feola teria dado sucessivas dicas a Garrincha sobre como atrair e derrotar, sucessivamente, os jogadores russos, até conseguir chegar à linha de fundo e centrar para a cabeça de Vává. O dispositivo era descrito de forma tão precisa, com decorrências tão automáticas no colapso da defesa então soviética, que Garrincha, a certo ponto, não se terá contido e perguntou: "E já combinaram com os russos?" 

A frase ficou até hoje e é utilizada regularmente, no dia-a-dia brasileiro, para significar uma situação difícil em que apenas por ingenuidade se pode crer num resultado favorável, como se o adversário não existisse.

Às vezes, acho que a Nato tem, um destes dias, de pensar a sua estratégia europeia com Garrincha.

Ivo Pitanguy


Em 2005, acabado de chegar ao Brasil como embaixador, fui um dia convidado para um jantar dado no Rio por Yeda e Roberto Assumpção. Eu havia encontrado esses meus anfitriões numa outra ocasião. Assumpção era um embaixador brasileiro reformado e a sua mulher tinha escrito um livro de memórias que, por um mero acaso, eu havia lido uma semana antes desse encontro. Nasceu então o convite para um jantar com os seus amigos, um grupo de cerca de vinte pessoas da sociedade tradicional da cidade. Entre elas estava Ivo Pitanguy.

Pitanguy era um nome mítico da cirurgia plástica à escala internacional e, a grande distância, o cirurgião dessa especialidade mais conhecido do Brasil. Recordo-me de ser uma figura muito interessante, belo conversador, com um domínio excecional da língua francesa, como na ocasião tive oportunidade de constatar, por estar alguém presente dessa nacionalidade. Falámos bastante nessa noite, ou, pelo menos, tanto quanto a necessidade protocolar de "circular" entre os vários convidados o permitia. Revelou-se um homem de uma cultura multifacetada, leitor de coisas essenciais e pessoa muito atenta ao mundo.

A certo ponto da nossa conversa, juntou-se-nos uma senhora bonita e elegante. Já não sei por que motivo, veio à baila o facto de ela ter andado no colégio com uma amiga brasileira que eu também conhecia e que, à época, teria quase 70 anos. Numa tirada, meia de charme meia de sinceridade, disse-lhe da minha perplexidade: como é que ela podia ser colega de infância dessa nossa amiga, sendo muito mais nova que ela? A minha interlocutora, sentada num braço de sofá, com uma saia que punha a descoberto uma perna bem torneada, exibindo um sorriso que se rasgou com o elogio, fez a pergunta de resposta impossível: "Que idade você me dá, "baixadô"?". Percebendo que todo o exagero por defeito me seria perdoado, quiçá mesmo agradecido, arrisquei: "Talvez 58 ou 59? Enganei-me?". A senhora alargou ainda mais o sorriso e revelou: "Que simpático, querido embaixador! Tenho 67 anos. Mas não pareço, "né"? É graças aqui ao mestre!", voltando-se para Pitanguy. Este assistira à cena, deliciado, com aquela sua cara redonda, sorridente, que nos anos seguintes algumas vezes voltaria a encontrar no tradicional chá dos académicos, nas tardes das quintas-feiras, na Academia Brasilleira de Letras (ABL), de que ele era um dos "imortais".

Pitanguy, que na sexta-feira chegou a empunhar a chama olímpica, morreu precisamente ontem, sábado, aos 93 anos.

Duas coincidências. Um grande amigo brasileiro enviou-me ontem um email, dizendo ir concorrer a um lugar vago nos 40 "imortais" da ABL. Com a morte de Pitanguy, passará a haver mais uma vaga. A segunda coincidência é que tenho combinado um jantar hoje com um outro grande amigo, excelente cirurgião plástico português, que, há bem mais de três décadas, na Noruega, pela primeira vez me falou sobre Ivo Pitanguy. Isto é um mundo muito pequeno, não é?

sábado, agosto 06, 2016

O Mini, o Zé e o Verão


Anda aqui pela praia, há dias. É um Mini Cooper, dos antigos, todo "artilhado", como antes se dizia. Esta manhã, à ida para os jornais, lá estava ele, ao pé do Pereira. Lembrou-me uma historieta de um Verão dos anos 60.

Lá por Vila Real, quem tinha uma "máquina" parecida com essa era o José Araújo, conhecido pelo "Foquita", um dos meus mais sólidos (e saudosos) amigos desde a infância. Em férias, depois dele regressar da tropa, passávamos horas sentados no carro, à conversa com música, discutindo este mundo e o outro, quando não às "voltas ao circuito", depois de meter "cinco escudos de gasosa", na bomba do Platas, em frente à farmácia Almeida.

Um dia, foi anunciado que o Rali Tap tinha uma "classificativa" que passava ali perto, pelo Marão. Os automóveis nunca me interessaram minimamente (embora Vila Real seja a indiscutível "capital" do desporto automóvel em Portugal), mas o espetáculo noturno de uns aceleras a levantar poeira, com faróis dardejantes, nos caminhos de terra batida lá para os lados da Pousada, entusiasmou-me a alinhar numa expedição com o Zé, com o Antonio Lopes e o Gama mais novo, numa certa madrugada de Verão. Ainda guardo fotos dessa noite.

No regresso a Vila Real, ainda sob o efeito do ambiente excitado do rali, ao Zé Araújo deu-lhe para acelerar e apertar nas curvas, sob alguns protestos de prudência, pelo menos meus. Já estávamos quase a chegar a Parada de Cunhos, uma das portas da cidade, quando, na curva a seguir à Toca do Lobo, o Mini fugiu do controlo do Zé, fez um "pião", desligou-se e aí fomos nós, numa silênciosa queda às arrecuas, para dentro do que julgo que era uma vinha. O carro ficou "de pé", connosco, ilesos, a olhar para o céu e a emitir alguns qualificativos pouco abonatórios (e impublicáveis) sobre os dotes do condutor. Eu e o Zé, que íamos à frente, fomos os primeiros a conseguir sair, com o Lopes e o Gama (que, tal como o Zé, já se foi desta vida), vindos lá de trás, a terem de ginasticar-se para o exercício.

Depois, seguiu-se a operação "resgate". De boleia, fui aos bombeiros "de cima" (em Vila Real, os bombeiros estão "balcanizados") acordar o chefe Artur, com quem regressei ao local do acidente no Jeep com guincho, com ele a remoer todo o caminho contra o Zé Foquita. 

Mas a noite ainda não tinha terminado... Retirado o Mini para a estrada, verificou-se que o tubo de escape havia ficado bloqueado com terra, o que impedia o arranque da viatura. Simpaticamente, o ocupante de um dos carros que pararam para "ver o desastre" colocou a cara ao nível do escape e procurou desobstruí-lo com uma chave de fendas. O Zé, que estava mais do que nervoso, distraído, colocou o carro a trabalhar no preciso momento em que o improvisado ajudante ainda olhava para dentro do tubo. Um último torrão atingiu então a vista do prestável cidadão, que ficou aos berros de dor na noite, tendo que ser conduzido de imediato ao hospital. Os colegas do ferido, pessoal da Régua, queriam dar um "enxerto" ao Zé Foquita, pela sua imprudência. Deu trabalho acalmar as hostes! 

O que um Mini na praia agora me fez lembrar!

Hombre!

Afinal, na tabacaria da vilória, a oferta em matéria de revistas não era melhor do que na da praia, onde já me aviara de jornais. Claro que havia tudo quanto o social de coscuvilhice exige, mas o Nouvel Observateur era-lhes desconhecido, o L'Express não tinha vindo e o Economist "talvez só amanhã".  

Trouxe o El Pais e vinha a olhar para os títulos da primeira página, com a tragicomédia do impasse político espanhol, quando me dei conta de que tinha deixado o carro muito mal estacionado, quase no meio da estrada.

Pensava para comigo "ando muito distraído, tenho de ter mais cuidado", quando abri a porta do carro e comecei a sentar-me.

Foi então que ouvi, do banco ao lado, um sonoro e feminino "Hombre!" Que diabo tinha dado à minha mulher?! Como é que ela tinha adivinhado que eu tinha comprado um jornal espanhol?

Olhei melhor: era outra senhora, era outro carro, de cor exatamente igual ao meu, o qual, claro, estava imediatamente atrás. Pedi "perdón!", com a minha mulher a rir-se imenso e eu encavacado.

Será do calor ou da idade?

sexta-feira, agosto 05, 2016

António Guterres


Continua a ser encorajante a votação obtida por António Guterres, agora no segundo escrutínio na corrida ao lugar de secretário-geral da ONU. O favoritismo que vinha do primeiro apuramento de resultados não se perdeu, mas o facto de terem surgido dois votos de "não encorajamento" tem de ser analisado com atenção.

Na primeira votação Guterres tinha tido 12 votos de "encorajamento" (agora teve 11), nenhum de "não encorajamento" (agora teve dois) e três votos "sem opinião" (agora teve dois). Se acaso pelo menos um desses votos de "não encorajamento" tiver tido origem num dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança (os chamados P5), só uma reversão do sentido desse voto pode garantir hipóteses ao candidato português. Chamo a atenção de que um voto negativo de um P5 é um veto.

Mas, atenção! Os principais adversários de António Guterres não mostraram uma evolução favorável nas suas votações. Danilo Turk aumentou de dois para cinco os votos de "não encorajamento", Helen Clark de cinco para oito, Susana Malcorra de quatro para seis, Irina Bukova de quatro para sete. Apenas o sérvio Vuk Jeremic reduziu de cinco para quatro esses votos se sentido negativo. E os 11 votos de "encorajamento" de Guterres comparam com apenas oito para Malcorra e Jeremic, sete para Turk (tinha 11!) e Bukova, seis para Clark.

Este cenário, a meu ver, deixa ainda em aberto a possibilidade de surgirem novos nomes para juntar à lista de candidatos.

Uma pequena nota para o facto de se falar, nos "mentideros" da ONU, do lugar de secretário-geral adjunto poder vir a ser jogado num "trade-off" final.

Seguros?


O que vier a passar-se, em termos de grau de cobertura dos prejuízos e rapidez de reembolso dos danos, no triste caso das centenas de viaturas que arderam em Castelo de Vide, vai ensinar-nos muito quanto à verdadeira responsabilidade assumida pelas seguradoras. Esperamos que elas não existam apenas para a cobrança dos prémios em tempos em que nada acontece. Um caso a seguir com muita atenção.

Que achas?


Na minha terra, utiliza-se bastante uma expressão de modéstia opinativa, depois de falar sobre qualquer tema que temos por não consensual: digo eu, não sei!

No Brasil, chama-se «achismo» à tendência natural para emitir opiniões, a propósito de tudo e de nada, muito «conversa de mesa de café». Os italianos criaram a expressão «tudólogos» para qualificar os catedráticos públicos de generalidades – e os portugueses conhecem bem alguns.

Lá no fundo, todos «achamos» alguma coisa sobre quase tudo, sobre o que conhecemos bem ou apenas «pela rama». Raras vezes guardamos para nós essas ideias, geradas no que lemos ou ouvimos a alguém que temos por «abalizado» (adoro este conceito antigo).

As redes sociais «democratizaram» o exercício de troca de opiniões e deram à generalidade dos cidadãos um «altifalante» para dizerem o que pensam junto de um público mais alargado. Com franqueza, não tenho a certeza de que o esclarecimento coletivo tenha ganho muito com isso, mas essa seria uma longa conversa.

Alguns leitores estarão a perguntar-se : «Mas então ele não tem um blogue diário, uma página no Facebook, uma conta no Twitter e colunas na imprensa?» Claro que sim. E nelas escrevo o que penso sobre vários temas. Quase sempre, porém, apenas sobre aquilo de que julgo saber alguma coisa. Ou, quando isso não acontece, faço um «disclaimer» relativizador, do género «digo eu, não sei».

Uma passagem pelo governo, em tempos idos, refreou em definitivo a minha pulsão para dar opiniões de «mesa de café». Nesses anos, confrontado com a necessidade de estudar melhor algumas questões, dei-me conta da complexidade de temas sobre os quais, antes, «mandava bitaites» sem grande rigor. E passei a ser muito mais cuidadoso ao pronunciar-me sobre assuntos distantes das áreas onde atuei ou onde exerço atividade profissional.

Ninguém nunca me ouviu uma palavra sobre se os hospitais devem ser centralizados ou regionalizados, sobre se deve haver grandes esquadras ou polícia de proximidade, sobre opções em matéria de ensino, se o novo aeroporto devia ser na Ota ou em Rio Frio, sobre se deve ou não haver TGV, etc. São assuntos sobre que não tenho opinião, decisões que, no quadro da democracia representativa que acerrimamente defendo, entendo que devem ser decididos por quem elejo para gerir o país. E por aqui me fico.

«Olha lá! Então nem uma palavra sobre o juíz com filho na escola subsidiada, sobre o secretário de Estado que «galpeou» para o Europeu, sobre o boato da privatização da ADSE, sobre o mito da introdução do sol & vistas no IMI?» - já imagino alguns amigos a perguntar. Não! Sobre isso, só a tagarelar debaixo do toldo da praia...

(Artigo hoje publicado no JN)

Na minha outra juventude

Há muitos anos (no meu caso, 57 anos!), num Verão feliz, cheguei a Amesterdão, de mochila às costas. Aquilo era então uma espécie de "M...