Num dia de Julho de 2011, ao tempo em que era embaixador em Paris, fui a uma
televisão debater com um representante de uma agência de “rating” a forte degradação
da nota portuguesa, pouco depois da assinatura do Memorando com a Troika. Em irónica
esquizofrenia, puniam-se as novas medidas de ajustamento com que Portugal se acabara
de comprometer dado o seu impacto recessivo. À saída, o meu interlocutor, disse-me:
“Portugal não é o problema. A questão para o euro está na Espanha e na Itália. No
dia em que a Europa conseguir convencer os mercados de que suportará aqueles
países, a vossa vida tornar-se-á mais fácil”.
Tinha razão. A partir do momento em que a
acção persistente do BCE convenceu os mercados da determinação europeia em
sustentar a moeda única, quando os fantasmas sobre as economias espanhola e
italiana começaram a dissipar-se, as pressões dos mercados atenuaram-se. Isso
reflectiu-se sobre as taxas de juro portuguesas, ajudadas pelo facto da Troika premiar,
em nome dos credores, o zelo do governo nas medidas para o ajustamento. Taxas
que, contudo, continuam incomportáveis, afectando já bastante a taxa média da
nossa dívida, o que suscita, aliás, questões de fundo a que todos fogem.
Gostava de voltar ao Memorando, que hoje já ninguém
lê, e aos seus objectivos: “Reduzir o défice das Administrações públicas para (…)
5.524 milhões de euros (3% do PIB) em 2013, através de medidas estruturais de elevada
qualidade, minimizando o impacto da consolidação orçamental nos grupos
vulneráveis. Baixar o rácio da dívida sobre o PIB a partir de 2013”. Onde tudo isso vai!
Como dizia o outro, é fazer as contas. O
défice não será de 3%, mas cerca de 5,5%, e, em lugar dos 5.220 milhões de
euros previstos, os números mostram que estamos acima de 9.000 milhões “Medidas
permanentes de alta qualidade” pouco se vêem, com meros cortes ad hoc a serem os
responsáveis essenciais pelo conseguido. Quanto à minimização do “impacto da
consolidação orçamental nos grupos vulneráveis”, estamos conversados. O rácio
da dívida sobre o PIB não só não declinou a partir de 2013 como aumentou nesse mesmo
ano. Não acertaram uma!
Abstenho-me de elaborar sobre um desemprego que
se mantém a níveis altíssimos, não obstante uma emigração que está já nas médias
mais altas do século passado (com um inédito “brain drain”), números
impressionantes de falências, um forte empobrecimento da classe média e camadas
mais indefesas, esmagadas por aumentos nos transportes, na energia, na saúde,
etc. Esqueçamo-nos também de um país dividido como nunca, onde se incita o
privado contra o público, os novos contra a “peste grisalha”, os activos contra
os pensionistas.
A Troika vai sair, nós ficaremos por cá, na
convalescença do “sucesso”, a caminho do novo oásis. As eleições são dias depois.
Aposto em como vai haver dinheiro para os foguetes.
Artigo que hoje publico no "Diário Económico"