sexta-feira, agosto 20, 2010

Dalton

Ficou-se agora a saber que o governador do estado americano de New Mexico decidiu perdoar postumamente a Billy the Kid, o histórico bandido que morreu em 1880, com 22 anos de idade, e que povoou o imaginário do "far west" a muitas gerações.

Dentro do mesmo espírito, acho que seria de elementar justiça haver um gesto de clemência familiar para os irmãos Dalton, de cujos crimes concretos não há registo e que já foram punidos com regulares humilhações por parte de Lucky Luke.

Ou há moralidade...

quinta-feira, agosto 19, 2010

Guido de Marco (1931-2010)

Acabo de saber que morreu Guido de Marco. A última vez que nos encontrámos, em 2002, num jantar em Nova Iorque organizado pelo então meu colega maltês Walter Balzan, prometeu fazer-me uma visita em Viena, para onde eu iria a seguir. Tal não aconteceu e, durante alguns anos, perdemo-nos de vista. Em 2008, teve a gentileza de me mandar, para o Brasil, o seu "The Politics of Persuasion", memórias em cuja simpática dedicatória recordou que éramos "parceiros nos valores de uma Europa mediterrânica". Tinha intenção de o voltar a encontrar, daqui a meses, em La Valetta, onde devo ir fazer uma conferência.

Apesar da diferença de idades, estabeleci com Guido de Marco uma forte relação de amizade, desde que nos conhecemos em Barcelona, em Novembro de 1995, no lançamento do Processo que levava o nome da cidade. Diversas outras vezes nos vimos, em Bruxelas e em Estrasburgo. Ele era então ministro dos Negócios Estrangeiros de Malta e o governo português, de que eu fazia parte, mostrava-se abertamente favorável à entrada do seu país nas instituições comunitárias - um sonho que ele perseguia há muito tempo, tendo para isso que lutar contra a linha dominante nos trabalhistas malteses, muito tributária de um soberanismo isolacionista que vinha dos tempos de Dom Mintoff.

Com a conjuntural vitória eleitoral dessa linha socialista anti-europeísta, no ano seguinte, de Marco, que era de um partido conservador, passou à oposição. Numa visita que fiz a Malta, em 1997, pedi para incluir no meu programa um encontro formal com ele, gesto cujo sentido não escapou aos meus anfitriões do então governo socialista local. E, pelos vistos, esse foi também um gesto que Guido não esqueceu quando, em 1999, tendo entretanto sido já eleito Presidente da República do seu país, fez questão de me receber de forma muito calorosa, aquando de uma outra deslocação minha a La Valetta, excedendo, em muito, aquilo que o protocolo justificaria para um simples secretário de Estado.

De Marco foi uma figura destacada na vida política de Malta, tendo exercido vários cargos ministeriais, para além de ser um dos mais reputados advogados do seu país.  Era uma das personalidades maltesas mais conhecidas no mundo, tendo ocupado o cargo de presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas. Era um homem sábio e de diálogo, cordial e solidário, era um europeísta que tinha um sentido muito profundo daquilo que poderíamos designar por "mediterraneidade", o que lhe concedia uma audição muito fácil em  ambas as margens desse "lago". Com Portugal, manteve sempre uma relação de grande afinidade, contando políticos portugueses, como Jaime Gama e Durão Barroso, entre os seus amigos*, de quem sempre me falava com grande estima.

*Uma oportuna nota num comentário revela que Freitas do Amaral e Mário Soares estavam igualmente entre os amigos portugueses de Guido de Marco.

Eça no Panteão

A sugestão que fiz no post anterior, no sentido de ser lançado um movimento para a trasladação dos restos mortais de Eça de Queiroz para o Panteão Nacional, mereceu vários e gratificantes apoios.

Que fique claro que essa ideia partiu da nota que esse ímpar queiroziano que é Luis Santos Ferro deixou num comentário a um anterior post. O seu a seu dono!

Como não tenho o "know how" informático para colocar uma petição naquele sentido, desafio quem o saiba a que o faça. Pelo que me toca, procurarei apenas tentar gerar um apoio parlamentar alargado à ideia, desde que pressinta que ela pode ter pernas para andar.

quarta-feira, agosto 18, 2010

Vinicius e Eça

Com a graduação formal à categoria de embaixador, agora decidida pelo presidente Lula, o diplomata, escritor e compositor Vinicius de Moraes recuperou, postumamente, um estatuto a que poderia ter ascendido se a ditadura militar o não tivesse afastado prematuramente da carreira diplomática brasileira, numa decisão tomada à luz do odioso Ato Institucional nº 5.

Vinicius é uma daquelas figuras que - tal como Eça de Queiroz - teve a carreira diplomática como cenário de parte da sua existência mas cuja razão de vida foi uma obra literária magistral. 

Como seria a música e a poesia brasileiras sem Vinicius? Como seria a literatura portuguesa sem Eça?

O cônsul-geral José Maria Eça de Queiroz não necessita de ser ascendido a embaixador, mas, em compensação, justificava-se plenamente um movimento para colocar os seus restos mortais no Panteão Nacional. Se aí estão Almeida Garrett, Aquilino Ribeiro e Guerra Junqueiro, porque razão Eça de Queiroz não tem lá o seu túmulo? Quem quer alinhar numa campanha nacional nesse sentido?

terça-feira, agosto 17, 2010

Lápis

O jovem diplomata estranhou um pouco, mas alguma timidez levou-o a não inquirir, de imediato, da razão pela qual aquele seu primeiro chefe escrevia todos os seus despachos a lápis. Sempre que lhe chegava qualquer documento, que era necessário enviar a uma Embaixada ou a um outro serviço, lá vinham, no canto superior direito da página, as iniciais do seu nome, a ação a executar, a data e uma vaga rubrica do chefe. A lápis. A reiteração da prática anulou, quase desde o início, a hipótese de se tratar de  uma episódica falta de caneta.

Faria isso parte da "liturgia" do Ministério dos Negócios Estrangeiros? Outras bizarrias havia já detetado, nesses seus primeiros dias nas Necessidades: o chefe queria que se usasse a palavra "estadia" apenas para paragem de barcos e aviões e "estada" para pessoas; tinha-lhe também explicado que se devia usar "muito se agradeceria" num qualquer pedido a um embaixador e apenas um seco "se agradece" se o destinatário fosse um cônsul. E, claro, aos primeiros chamava-se "Vossa Excelência" e, aos segundos, "Vossa Senhoria". A escrita dos despachos a lápis era, porventura, um desses estranhos hábitos da Carreira.

Mas não. Numa conversa com colegas, à hora do almoço, ficou a saber que os respetivos chefes usavam abundantemente a tinta, na elaboração dos seus despachos. Um deles, era mesmo famoso por despachar e assinar a tinta verde! Outras cores iria encontrar pela vida fora...

Esta constatação deu-lhe a coragem para, um dia, numa ocasião menos formal, perguntar ao seu chefe a razão por que despachava a lápis. A reação foi de uma cortante simplicidade: "Porque me posso enganar e, se assim acontecer, depois apago e corrijo o que tinha escrito".

O jovem diplomata, surpreendido, ousou retorquir: "Mas, se eu tiver cumprido o despacho e o senhor doutor depois o modificar, quem fica mal sou eu!".

Aí, o chefe, já impaciente e irritado com a inesperada impertinência do jovem colega, deu meia volta, fumegando nervosamente o seu eterno cigarro, e deixou, para trás: "Isso depois vê-se!"

Fogos e artifícios

Não quero parecer desmancha-prazeres, mas é impressão minha ou continuam a ser lançados, em todas estas noites quentes de verão, fogos de artifício, por esse país fora, com todos os riscos que isso implica para a geração de incêndios?

Eu sei que há tradições, expectativas de visitantes, uma indústria de pirotecnia que vive deste período do ano, mas (a imagem é capaz de não ser climaticamente a mais adequada) "não se pode ter chuva na eira e sol no nabal".

segunda-feira, agosto 16, 2010

Outro Queirós

Ainda no tema Queirós, tenho uma questão simples: por que razão não foi acautelada, no respetivo contrato, nenhuma forma de poder afastar o selecionador nacional de futebol, com base em razões de natureza técnica, ligadas aos resultados obtidos e, por essa via, à avaliação da sua eficácia no comando da seleção?

Mas sem truques. Ou alguém acredita que, se Queirós tivesse ganho o Mundial, teria este processo? 

Eça de Queiroz

Há 110 anos, foi a enterrar Eça de Queirós*. 

Eça de Queirós foi diplomata. Se, como escritor, Eça foi um génio, como diplomata situou-se numa mediania que nem o esforço laudatório de alguns conseguiu disfarçar. Eça utilizou a sua carreira consular para escrever algumas das obras-primas da literatura portuguesa e, só por isso, valeu largamente a pena que o Ministério dos Negócios Estrangeiros lhe tenha pago o salário. O qual, no seu entender, não era suficiente, a crer no que escreve em "Uma Campanha Alegre":

Os diplomatas portugueses passam por agradar no estrangeiro pela sua palidez! Mas não se sabe que a sua palidez vem, não da beleza da raça peninsular, mas da fraqueza de legação mal alimentada. Onde um embaixador português mais se demora, não é diante das instituições estrangeiras com respeito, é diante das lojas de mercearia com inveja! E se eles não podem alcançar bons tratados para o País – é porque andam ocupados em arranjar mais rosbife para o estômago. Se não fossem os jantares da corte e as ceias dos bailes, a posição do diplomata português era insustentável. E ainda veremos os jornais estrangeiros, noticiarem:

“Ontem, na Rua de… caiu inanimado de fome um indivíduo bem trajado. Conduzido para uma botica próxima o infeliz revelou toda a verdade – era o embaixador português. Deram-lhe logo bifes. O desgraçado sorria, com as lágrimas nos olhos.”

Que o país atenda a esta desgraçada situação! Que tenha um movimento generoso e franco! Dê aos seus embaixadores menos títulos e mais bifes! Embora lhes diminua as atribuições, aumente-lhes ao menos a hortaliça. Eles pedem ao seus país uma coisa bem simples: não é um palácio para viver, nem um landau para passear, nem fardas, nem comendas! É carne! Que o País no número do pessoal diplomático – diminua os adidos e aumente os bois.”

*Como refere num comentário, com precisão, Luis Santos Ferro, entre a morte e o funeral de Eça de Queiroz mediou um certo tempo.


Portugal no mundo

Por uma referência cruzada na "net", encontrei, há dias, uma nota sobre uma cerimónia que, em 2006, teve lugar na localidade de Nova Mazagão, no Estado brasileiro do Amapá, junto à fronteira com a Guiana Francesa.

Num certo dia de Janeiro desse ano, recebi do governador do Estado um convite para estar presente numa solenidade, na qual iria ser feita uma homenagem aos fundadores de Nova Mazagão.

À época, eu tinha uma ideia muito vaga da história da localidade. Nova Mazagão foi criada, em 1775, para apoiar a fortaleza de S. José de Macapá, na defesa do norte do Pará. O nome advém do facto de ter sido fundada pelos antigos ocupantes da fortaleza de Mazagão (atual El Jadida), em Marrocos, a última que os portugueses haviam sido forçados a abandonar, já em 1769, dentre as várias que, desde os século XVI, haviam sido criadas na costa marroquina. É impressionante pensar, hoje, como Lisboa tomou a decisão de enviar, recém-chegado da costa africana, este contingente mais de 300 famílias, mistas de portugueses e familiares marroquinos, para o norte brasileiro. Porém, em termos práticos, pode concluir-se que terá sido a eficaz proteção dessa entrada do Amazonas que contribuiu para a preservação da soberania setentrional do que é atualmente o Brasil.

A data do evento era-me inconveniente: dia seguinte às eleições presidenciais em Portugal, o que me obrigava a sair de Brasília bastante tarde e chegar ao Amapá já bem dentro da madrugada, naqueles aviões noturnos que a insuperável imaginação brasileira crismou de "corujões". Porém, a amável pressão telefónica do governador Waldir Goes convenceu-me a ir. Cheguei a Macapá às três da manhã, acompanhado por um diplomata marroquino, e fomos brindados com uma ceia com convidados no hotel, tudo sem grandes pressas. No final, foi-nos dito que às sete (!!!) passariam a buscar-nos... Se dormi uma hora, depois do lauto repasto, foi já muito!

Hoje, sabendo o que poderia ter perdido se não fosse ao Amapá, ficaria arrependido para toda a vida. Chegar a Nova Mazagão, ido de Macapá (distante escassas dezenas de quilómetros) numa piroga, acompanhado por um músico-cantor a entoar modinhas sobre os portugueses do século XVIII, sermos recebidos por toda a população do local chefiada pelo prefeito José Carlos "Marmitão" (nome que condiz, à justa, com a dimensão da amável figura), enquadrada por garbosos cavaleiros que reproduziam as lutas entre os cristãos e os muçulmanos, num evento que culminou com a inauguração de um memorial onde ficaram os restos mortais dos portugueses e das suas famílias marroquinas - tudo isso se transformou numa experiência inesquecível.

Resta notar, como curiosidade que, em Macapá, passa o Equador, o qual é a linha divisória do estádio de futebol, que se encontra assim nos 0º de longitude. Por isso, o seu nome oficial é "Zerão"...

Sobre o evento, pode consultar aqui, referência onde cheguei através daqui.

domingo, agosto 15, 2010

Era assim, ontem...

... o Douro, ao final da tarde (através de fotos de telemóvel). 

E pensar que há portugueses que ainda não visitaram esta região!

Gabriel Abrantes

Há semanas, falámos aqui do êxito em Paris de Gabriel Abrantes, um artista português com uma obra plurifacetada.

Ontem, chegou a notícia de lhe ter sido atribuído um Leopardo de Ouro, no festival de cinema de Locarno.

Boas notícias destas é o que nós precisamos.

sábado, agosto 14, 2010

Florestas (2)

No âmbito de um seminário sob o lema "Investir nas florestas portuguesas", realizado em Coimbra em 2005, moderei, a convite de Miguel Cadilhe, então presidente da Agência Portuguesa para o Investimento, um painel de especialistas internacionais sobre combate aos fogos florestais.

Foram largas horas de debate, com técnicos considerados entre os melhores do mundo, que deram origem a uma longa série de recomendações, muito bem fundamentadas - desde intervenções técnicas a propostas de alteração de legislação.

Seis anos passados, onde parará esse trabalho? Ou melhor: o que se aproveitou dele?

sexta-feira, agosto 13, 2010

Pedras Salgadas - Siza Vieira e a Unicer

Julgo que não necessita de quaisquer comentários a importante carta que o arquiteto Álvaro Siza Vieira faz publicar na última "Visão", sobre o projeto do hotel de Vidago, no quadro das suas relações com a Unicer. 

Comentando um anterior texto da revista, Siza Vieira refere que no texto publicado "não fica claro o que é e o que não é da minha autoria no projeto de Vidago", referindo ser abusivo dizer-se que o hotel "reabriu as suas portas após um restauro de quatro anos dirigido por Siza Vieira". O consagrado arquiteto informa ter comunicado à Câmara Municipal de Chaves a retirada da sua responsabilidade quanto a trabalhos executados.

O texto da "Visão", no quadro da promoção mediática que a Unicer tem feito das suas "obras" em Vidago e nas Pedras Salgadas, não refere o caso desta última estância balnear. 

Mas creio que seria importante que se soubesse que Siza Vieira retirou igualmente a sua responsabilidade quanto a obras executadas nas Pedras Salgadas. E - mais importante de tudo - Siza Vieira não tem atualmente em mãos nenhum projeto para um hotel nas Pedras Salgadas

Se a Unicer conseguir desmentir isto, que o faça.

Florestas (1)

Porque será que, acabado o verão, acabam de imediato as reuniões e reflexões sobre política florestal, ninguém mais fala da questão da limpeza das matas e tudo entra num total esquecimento até ao ano seguinte, até aos primeiros incêndios, altura em que tudo recomeça, da mesma forma, como no ano anterior?

Portugal tem mesmo de continuar a ser assim?

Em tempo: quem se preocupa, leia Ferreira Fernandes.

quinta-feira, agosto 12, 2010

O comício

Numa conversa recente com Délio Machado, uma figura importante da luta pela democracia durante o "Estado Novo", em Vila Real, lembrámos a campanha eleitoral para a Assembleia Nacional, em 1969. Foi um tempo complexo, o último teste (falhado) da (falsa) abertura política do "caetanismo". Com essa personalidade notável que foi o médico e escritor Otílio de Figueiredo, líder oposicionista local, e com Délio Machado, fiz parte do trio de responsáveis que fez entrega formal ao governador civil, Torquato de Magalhães, da lista de candidatos da Comissão Democrática Eleitoral (CDE). Lembro-me de Otílio de Figueiredo dizer, à saída: "Isto foi o mais fácil. Agora é que 'vão ser elas!'".

E foram. As dificuldades criadas pelo regime à atividade da oposição sucederam-se, ao longo das semanas seguintes, com intimidações e obstáculos, desde pressões sobre as tipografias e proprietários de espaços para potenciais reuniões públicas até à não disponibilização das listas dos eleitores. Tivemos uma elevada despesa para mandar fotografar (é verdade, não havia fotocópias!) esses cadernos eleitorais, porque (para quem não saiba) os boletins de voto eram impressos sob responsabilidade de cada lista e tinham de ser entregues, individualmente, no endereço de cada eleitor. Nada que se parecesse com as "cruzinhas" atuais, no boletim recebido na assembleia de voto.

Verdade seja que não facilitávamos nada. Em plena campanha, fizemos um requerimento em "meia-folha-de-papel-selado", alegando ilegalidades formais na propaganda da União Nacional, o que levou a que o "partido único" tivesse de pagar uma humilhante coima. E ainda me surpreende a coragem que tivemos, dois ou três comparsas, ao sentarmo-nos na terceira fila do comício da União Nacional, ovacionando ruidosamente quando palavras como "liberdade", "democracia" ou "paz" surgiam no meio de um qualquer discurso dos candidatos da "situação", silenciando-nos ostensivamente durante todo o resto das intervenções. Claro, fomos insultados, várias vezes...

Imagine-se agora o que significava organizar um comício da Oposição Democrática, nessas condições. Conseguiu-se alugar o Cine-Teatro Avenida, de Vila Real, para a "sessão de esclarecimento" de encerramento da nossa campanha. Papeladas e mais papeladas, diligências durante as quais éramos tratados com uma sobranceria oficial só atenuada pelo facto de algumas das pessoas nos conhecerem de há muito, bem como às nossas famílias. Isso não evitava provocações, bocas acusatórias ("comunas!", "anarquistas!") e irritantes chamadas à polícia e ao Governo Civil, por tudo e por nada. Mas, se bem me lembro, vivíamos isso como uma bela "festa".

O nosso objetivo era ter a sala cheia e mobilizada, pelo que contávamos com o reforço dos oposicionistas vindos de todo o distrito. A sessão convocara também muitos "bufos", servidores do regime que iam "ver quem estava", para poderem avisar o seu "patronato". Como reforço, umas caras novas andavam pela terra, com ar-de-quem-não-quer-a-coisa, isto é, com ar de pides.

A noite começou com uma imensa "gaffe" política. Alguém tinha instruído o Manuel "Pataquinhas", assalariado para algumas tarefas logísticas, para "pôr discos" com marchas mobilizadoras, do tipo "John Philip Sousa". A certo momento, começou a ouvir-se o "Angola é nossa!", talvez o mais emblemático expoente da propaganda musical do colonialismo. Foi preciso um de nós saltar para o palco, atrás de cuja cortina estava o gira-discos, quase despedaçando o aparelho, com fúria, aos berros ao "Pataquinhas". Lá se compôs tudo, com ordens rigorosas sobre as músicas que poderiam ser tocadas.

E o comício começou, com os nossos candidatos em palco. Depois de tocado o hino, todos sentimos, contudo, que o ambiente não "arrancava". Havia uma nítida falta de entusiasmo, apenas umas escassas palmas a sublinharem as frases mais sonantes dos oradores. Alguma coisa não estava a ir bem. Não percebíamos a razão.

Foi então que, num segundo, se entendeu o que estava a falhar: as luzes da sala, que iluminavam o público, que deviam desaparecer após o hino, permaneciam acesas. Alguém "voou" para os bastidores, a sala enegreceu-se e a "coragem" do auditório explodiu. A partir daí foi um fartote de "Viva a liberdade", "Abaixo o fascismo", "Abaixo o Caetano", "Abaixo a Ditadura" e coisas similares. Até que enfim! E a noite acabou em glória!

Porém, o comício só não havia sido um sucesso completo pelo facto de um dos nossos candidatos, revelando abertamente uma orientação política própria, que já vinha a ser clara há uns tempos, ter afirmado, a certa altura, que o "o ultramar é português" (teria sido ele a encomendar o "Angola é nossa!"? Quatro décadas depois, ele garante-me que não...). Alguns dentre nós ficámos furibundos com essa declaração. Como a oposição, em Vila Real, era de natureza unitária e comportava uma multiplicidade de tendências, havíamos tentado iludir as profundas divergências, que entre nós existiam, face à questão colonial. Mas, neste caso, a procurada ambiguidade fora quebrada. A reunião da direção de campanha, que teve lugar após o comício, não consensualizou uma rejeição formal da tomada de posição do candidato (o que, aliás, teria sido um imenso erro). Num gesto de radicalismo pateta, recusei-me a integrar uma delegação dos oposicionistas vila-realenses que deveriam, no dia seguinte, ir a uma reunião da Oposição Democrática à escala nacional. Coisas de quem tinha então 21 anos!

Agora, neste Agosto quente em Vila Real, deu-me para recordar este episódio.

Bombeiros

Na minha terra, em Vila Real, existem duas corporações de bombeiros voluntários. Sei que, nestes dias trágicos, têm andado numa roda-viva, com o fogo a rondar a cidade, como ontem à noite aconteceu. É uma luta contínua, infernal, de risco e coragem. Por um destino que parece que saíu em sorte aos portugueses, essa luta repete-se a cada ano, variando apenas na sua intensidade.

Nos meus tempos de juventude, a cidade "dividia-se" entre os seus bombeiros e eles competiam fortemente entre si (dizem-me que hoje essa rivalidade continua). À época, era-se "adepto" dos "de baixo" ou dos "de cima" (eu era dos "de cima"), por afinidades de vizinhança ou de simpatia. Recordo-me dos sinos tocarem a rebate, em frias madrugadas de inverno, com o número de badaladas a indicar a zona dos incêndios. E de ver passar, em passo rápido, em direção ao seu quartel, os homens que iam combatê-los.

Desde então, ficou-me uma grande admiração por aquela gente simples, orgulhosa nesse seu admirável clubismo solidário. Os nossos bombeiros, "de baixo" ou "de cima", em Vila Real, são hoje um belo símbolo da cidade. E, na primeira semana de cada ano, competem entre si para comemorar, com sirenes e bombos, as datas próximas dos seus dois aniversários, no exercício da sua eterna rivalidade.

quarta-feira, agosto 11, 2010

Humberto Delgado (2)

Há dias, falei aqui de Humberto Delgado. Tinha comigo, desde há mais de um ano, o livro "Humberto Delgado - biografia do general sem medo", de Frederico Delgado Rosa. Não o tinha lido, à espera de tempo para um trabalho de mais de 1300 páginas. O autor é neto do general e, por regra, mantenho sempre uma grande desconfiança no rigor deste tipo de obras, quando há relações familiares entre biógrafo e biografado. 

Numa conversa recente, Artur Santos Silva recomendou-me que lesse o livro. Não perdi o meu tempo, mas igualmente confirmei algumas das minhas preocupações.

O livro é, de longe!, a mais bem informada obra existente sobre Humberto Delgado - e julgo ter lido  muito de quanto se escreveu sobre o general. A recolha informativa é excelente, servida, aliás, por uma muito boa escrita. Apesar da sua extensão, o livro lê-se como um romance.

Mas há um "mas": o texto é manifestamente "biased", às vezes a roçar o hagiográfico, tomando sistematicamente por más as posições de todos quantos - no regime ou na oposição - se opuseram frontalmente a Delgado, às suas ideias e às suas propostas, assumido estas como quase indiscutíveis. O modo cruel como são tratadas algumas das personalidades portuguesas da oposição ao salazarismo, no exílio no Brasil ou na Argélia, diabolizando-as e crismando-as de uma forma que se aproxima da abordagem feita em obras desprezáveis, desvalorizam desnecessariamente este trabalho, o qual, nem por isso, deixa de ser de grande mérito e de constituir um apoio historiográfico da maior valia. Cuja leitura, recomendo, claro.

terça-feira, agosto 10, 2010

Paredes

Carlos Paredes é um dos muito escassos génios que Portugal produziu. Uma noite de 1975, em casa de Carlos Eurico da Costa, poeta e administrador da empresa de publicidade Ciesa-NCK, Paredes foi apresentar sugestões para a banda sonora de um "spot" televisivo e radiofónico, destinado a mobilizar as pessoas a votarem nas "primeiras eleições livres". A encomenda era do STAPE (Secretariado Técnico para o Assuntos Político-Eleitorais), representado então pelo comandante Luís Costa Correia (que se deve lembrar bem desta cena). 

O músico e compositor chegou, com um ar muito modesto, um  andar desengonçado, quase a pedir desculpa por ali estar. Eu estava fascinado por poder conhecer pessoalmente o autor dos "Verdes Anos" e, recordo-me, sentei-me, reverencialmente, em frente do guitarrista, quando este ensaiou algumas hipóteses de fundo musical para o anúncio. Dedilhou quatro ou cinco temas e, nas pausas entre cada um, dizia algo assim: "Não sei o que acham. Esta parece-me fraquita..." ou "Só me saiu isto..." ou "Se calhar, isto precisa de ser melhor trabalhado!". A mim, cada uma parecia melhor que a anterior!

Deslumbrado, creio que hesitei até ao fim em dar qualquer opinião sobre as peças, tal a sua qualidade. O Costa Correia e o Eurico da Costa pareceram-me partilhar "l'embarras du choix", mas lá acabaram por eleger o tema que, durante semanas, fez parte do nosso quotidiano televisivo e radiofónico.

Só voltei encontrar Carlos Paredes quando, em 1993, acompanhado por Luísa Amaro, fez, em Londres, a convite de Mário Soares, um memorável concerto para a rainha Isabel II, no Guildhall. No final, a rainha fez questão de o conhecer pessoalmente e - recordo - quis ver a sua mão. Ao felicitá-lo, emocionado pelo espetáculo, Paredes inquiriu-me: "O amigo acha que eu estive bem? É que não estava nos meus dias..."

Duvido que alguém possa ser verdadeiramente português se não gostar da música de Carlos Paredes. E, se tiver 10 minutos, ouça isto.

A escola do "mas"

Hoje, o New York Times, elogia largamente a política energética de Portugal.

Ora aqui está um momento interessantíssimo para podermos aferir o comportamento, nas próximas horas, do nosso estimado "jornalismo adversativo".

Embora em parte a "banhos", não acredito que essa escola de escrita reticente deixe de assinalar, a par da notícia, tudo o que de negativo puder descortinar para a atenuar: "porém, há que contar que..." ou "não obstante, o jornal não deixa de...", etc.

Era o que faltava alguém andar a dizer bem da atual situação portuguesa - e logo "lá fora"!

segunda-feira, agosto 09, 2010

Sueco

Os tempos eram outros, claro. No passado, a aprendizagem de línguas um pouco mais bizarras não era considerada, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, um particular fator de valorização. Pelo contrário, pode mesmo dizer-se que aqueles que se dedicavam a esse estudo eram, em muitos casos, olhados como figuras excêntricas, à busca de uma notoriedade não muito apreciada.

Um velho embaixador contou-me que, no início dos anos 60, ao tempo em que servia, como seu primeiro posto, num consulado nos EUA, decidiu aprender sueco, aparentemente estimulado a tal por um conhecimento feminino dessa origem. Andou meses no difícil estudo da língua, já conseguia articular algumas frases básicas e, um dia, perante o surgimento de uma vaga em Estocolmo, escreveu uma carta ao secretário-geral do Ministério (que é o chefe da carreira, com uma palavra decisiva sobre as colocações) e pediu transferência para a Suécia. Na comunicação referiu, naturalmente, que já falava razoavelmente sueco, que podia ser útil ter naquela Embaixada um diplomata com algum domínio da língua, etc. Em termos de "equilíbrio" entre postos, a mudança, à luz dos critérios da época, não era descabida.

Passaram-se algumas semanas, até que recebeu nota do seu novo destino: Malawi. Sendo embora, nesse tempo, uma capital politicamente bastante importante para Portugal, Blantyre estava longe das perspetivas de carreira do jovem diplomata. A desilusão fê-lo ter um desabafo com o seu superior, o embaixador em Washington. Embora a decisão fosse já irreversível, este prometeu-lhe procurar saber, do secretário-geral, das razões que teriam motivado o não acolhimento do seu estimável sonho nórdico.

Um dia, numa visita à capital americana, o embaixador esclareceu-o: "Você sabe, o seu pedido de transferência para Estocolmo chegou a ser ponderado. Mas havia um problema: você fala sueco. Foi o embaixador que lá está que não quis que fosse. Ele não diz uma palavra em sueco e comentou com o secretário-geral que o facto de ir ter um secretário de Embaixada com o domínio da língua local ia ser um embaraço para ele, criando-lhe alguma "menorização" nos círculos diplomáticos...".

O tema das línguas foi sempre um insondável "mistério" dos Negócios Estrangeiros. Uma das graças correntes na carreira, noutros tempos, é que havia sempre uma boa justificação para colocar alguém em Londres: ou porque sabia muito bem inglês ou porque não sabia, razão pela qual uma estada na capital britânica seria positiva para a aprendizagem da língua. Nos dias de hoje, as coisas mudaram? Claro que sim!

Na minha outra juventude

Há muitos anos (no meu caso, 57 anos!), num Verão feliz, cheguei a Amesterdão, de mochila às costas. Aquilo era então uma espécie de "M...