Caro Liedson
Neste dia em que você pode vir a vestir pela primeira vez a camisola das quinas (e, já agora, como novo cidadão português, conviria que soubesse a razão pela qual essas quinas existem e porque figuram na nossa bandeira) quero enviar-lhe um muito sincero abraço de saudação por ter decido juntar-se a nós - embora você, como brasileiro, nunca tivesse estado muito distante.
Agora que as artes administrativas do Dr. Madaíl conseguiram apressar, pelo interesse de recrutamento urgente de pé-de-obra especializado, a emissão do seu novo bilhete de identidade, digo-lhe que vejo com muito agrado uma pessoa com a sua correcção, simpatia e profissionalismo passar a ser oficialmente um de nós. Há vários anos que você é um modelo de integração brasileira na sociedade portuguesa, para orgulho dos seus compatriotas de origem e para prazer de quem aprecia a sua bela arte futebolística, como é o meu caso.
Porém, agora já com a honestidade de compatriota, gostava de fazer-lhe uma séria advertência: você vai, muito rapidamente, ter de escolher uma de entre duas atitudes.
A primeira será você transportar, para a sua nova qualidade de português, muito daquele maravilhoso optimismo que faz parte da matriz do seu país, esse orgulho, essa crença e saudável maneira de ver a vida e um futuro que sempre "vai dar certo". De algum modo, isso retribuiria o "cheirinho a alecrim" que o Chico Buarque nos pediu e que, agora, bem precisávamos de volta - se puder, ouça bem a canção do Chico, porque ela explica muito do que houve e há entre nós.
Outra opção - o seu verdadeiro atestado de "ser português hoje" - será você, com a ampla legitimidade que o seu estatuto de lusitano "de carteirinha" agora lhe dá, entrar na onda dominante. Para isso, apenas tem de assumir o fado da desgraça, afivelando o carão do descontentamento, esse "mal-estar" (ia escrever "mal de vivre", mas receio que você não seja muito dado ao francês) que é hoje uma nossa marca de identidade quase obrigatória.
Não se arrisque, por isso, caro Liedson, a continuar a saudar alguém com o seu carioca "tudo bem?", porque pode ouvir, logo de volta, "das boas", como cá dizemos, talvez mesmo um arrogante "olha-me para este!?". Se quer passar a ser português contemporâneo de parte inteira, estando com os ares do tempo, logo na próxima segunda feira, ao entrar na porta 10A de Alvalade, ponha uma cara grave e angustiada, tipo Paulo Bento depois das derrotas, e queixe-se, queixe-se muito, de tudo e de todos, comece a dizer que isto é um país miserável, que está tudo mal, do clima ao trânsito, do que não posso dizer ao que você sabe que todos dizem. Não vou ao ponto de aconselhá-lo a chamar já "choldra" ao país (como fazia um saudado personagem de Eça de Queirós, um autor que você ganharia em ler, no intervalo dos treinos) ou a qualificar Portugal de "piolheira", como fazia um rei a quem o destino retribuiu com uma bala na cabeça.
Pode mesmo contar a anedota de que este ano está a ser tão mau, tão mau, que já parece o ano que vem. Vai ver que cai bem entre os seus amigos portugueses, que intimamente pensarão: "Este Liedson está muito bem integrado!".
A escolha é sua. E não resisto a oferecer-lhe uma música, que é um retrato curioso deste seu novo país, também à beira-mar espraiado.
Boa sorte, Liedson, e seja muito bem vindo ao seu Portugal!
Post Scriptum (por extenso latino, que o tempo não está para brincadeiras) - Publico este texto antes da sua provável estreia na selecção. Espero que a possa ajudar a sair do buraco onde a gestão pós-Scolari a meteu e onde agora se conta com a sua "macumba" para nos safarmos. Mas não se angustie. Se a não conseguir ajudar, porque você não pode fazer tudo, continue a marcar belos golos no clube a que tanto se tem dedicado e que muito continuará a necessitar de si. Como brasileiro ou como português.
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Neste dia em que você pode vir a vestir pela primeira vez a camisola das quinas (e, já agora, como novo cidadão português, conviria que soubesse a razão pela qual essas quinas existem e porque figuram na nossa bandeira) quero enviar-lhe um muito sincero abraço de saudação por ter decido juntar-se a nós - embora você, como brasileiro, nunca tivesse estado muito distante.
Agora que as artes administrativas do Dr. Madaíl conseguiram apressar, pelo interesse de recrutamento urgente de pé-de-obra especializado, a emissão do seu novo bilhete de identidade, digo-lhe que vejo com muito agrado uma pessoa com a sua correcção, simpatia e profissionalismo passar a ser oficialmente um de nós. Há vários anos que você é um modelo de integração brasileira na sociedade portuguesa, para orgulho dos seus compatriotas de origem e para prazer de quem aprecia a sua bela arte futebolística, como é o meu caso.
Porém, agora já com a honestidade de compatriota, gostava de fazer-lhe uma séria advertência: você vai, muito rapidamente, ter de escolher uma de entre duas atitudes.
A primeira será você transportar, para a sua nova qualidade de português, muito daquele maravilhoso optimismo que faz parte da matriz do seu país, esse orgulho, essa crença e saudável maneira de ver a vida e um futuro que sempre "vai dar certo". De algum modo, isso retribuiria o "cheirinho a alecrim" que o Chico Buarque nos pediu e que, agora, bem precisávamos de volta - se puder, ouça bem a canção do Chico, porque ela explica muito do que houve e há entre nós.
Outra opção - o seu verdadeiro atestado de "ser português hoje" - será você, com a ampla legitimidade que o seu estatuto de lusitano "de carteirinha" agora lhe dá, entrar na onda dominante. Para isso, apenas tem de assumir o fado da desgraça, afivelando o carão do descontentamento, esse "mal-estar" (ia escrever "mal de vivre", mas receio que você não seja muito dado ao francês) que é hoje uma nossa marca de identidade quase obrigatória.
Não se arrisque, por isso, caro Liedson, a continuar a saudar alguém com o seu carioca "tudo bem?", porque pode ouvir, logo de volta, "das boas", como cá dizemos, talvez mesmo um arrogante "olha-me para este!?". Se quer passar a ser português contemporâneo de parte inteira, estando com os ares do tempo, logo na próxima segunda feira, ao entrar na porta 10A de Alvalade, ponha uma cara grave e angustiada, tipo Paulo Bento depois das derrotas, e queixe-se, queixe-se muito, de tudo e de todos, comece a dizer que isto é um país miserável, que está tudo mal, do clima ao trânsito, do que não posso dizer ao que você sabe que todos dizem. Não vou ao ponto de aconselhá-lo a chamar já "choldra" ao país (como fazia um saudado personagem de Eça de Queirós, um autor que você ganharia em ler, no intervalo dos treinos) ou a qualificar Portugal de "piolheira", como fazia um rei a quem o destino retribuiu com uma bala na cabeça.
Pode mesmo contar a anedota de que este ano está a ser tão mau, tão mau, que já parece o ano que vem. Vai ver que cai bem entre os seus amigos portugueses, que intimamente pensarão: "Este Liedson está muito bem integrado!".
A escolha é sua. E não resisto a oferecer-lhe uma música, que é um retrato curioso deste seu novo país, também à beira-mar espraiado.
Boa sorte, Liedson, e seja muito bem vindo ao seu Portugal!
Post Scriptum (por extenso latino, que o tempo não está para brincadeiras) - Publico este texto antes da sua provável estreia na selecção. Espero que a possa ajudar a sair do buraco onde a gestão pós-Scolari a meteu e onde agora se conta com a sua "macumba" para nos safarmos. Mas não se angustie. Se a não conseguir ajudar, porque você não pode fazer tudo, continue a marcar belos golos no clube a que tanto se tem dedicado e que muito continuará a necessitar de si. Como brasileiro ou como português.
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Post Scriptum 2 - Mal eu sabia, caro Liedson, que seria você o "culpado" pelo prolongamento da esperança lusitana de ainda poder estar no Mundial da África do Sul. Dizendo as coisas de outro modo: adiou (espero bem estar errado) por uns dias a saída de cena do senhor professor Queirós. Ele fica-lhe a dever isso. A nós (mas gostava de estar enganado, repito) ficar-nos-á a dever muito mais.