No seu IV volume de memórias, "Acta est fabula", há dias publicado, Eugénio Lisboa, que foi conselheiro cultural em Londres entre 1978 e 1995, e com quem coincidi naquela embaixada de 1990 a 1994, traça um singular retrato de uma certa estirpe. Respigo o extrato aqui, com a devida vénia:
"À volta das Embaixadas, gravita toda uma fauna peculiar, que vive dependente de ser vista nas recepções das Embaixadas, cujo estatuto social precisa da bênção e da aura das Embaixadas e para quem é vital "ser muito das Embaixadas" e saber o que lá se passa e "quem vai ser o novo embaixador". Intrigam, telefonam, pressionam, namoram, iriam para a cama, sendo necessário, para assegurarem que receberão o "convite". Recebido este, nada lhes dá mais prazer do que alardeá-lo por todo o lado, sobretudo junto daqueles que, quase de certeza, o não receberam. Não há nada como marcar a diferença: ir ou não ir à Embaixada, eis a questão. Depois, no dia miraculado da recepção, saltitam de pessoa em pessoa, repletos, garantindo o máximo de visibilidade às suas egrégias e assaz convidadas pessoas. Quando, por uma razão qualquer ou por nenhuma razão em particular, houve uma recepção para que não foram convidados ou convidadas, ficam num desespero de ave ferida na asa, não largam o telefone, a quererem saber porquê, numa voz um bocadinho histérica, de amante abandonada. Sim, porque, no passado, tinham estado sempre "na lista". Terão sido "riscados" ou "riscadas" da "lista"? Quem foi o intriguista responsável pela erradicação? Sim, porque houve de certeza alguém mal intencionado, invejoso, que esteve por detrás daquela "intriga"! Para estas pessoas, a "Embaixada" é um lugar mágico, "a charmed place". É um mundo de mil e uma noites, de maravilhas insuspeitadas... Quando um embaixador deixa o posto, entram logo numa grande ansiedade: "Quem será o novo?" Babam-se, literalmente, de uma expectativa quase lasciva. Quando lhes dizia que ainda se não sabia, olhavam para mim, com ar de dúvida: "Sabe, mas não pode dizer..." E este "segredo", não desvelado, tornava-se, para elas, um grande motivo de emoção, de quase acarinhada ternura... Quando, por fim, era conhecido o nome do novo ocupante do posto, derramavam-se, sôfregos, compreensivelmente impacientes: "Quando chega? Como é ele? De onde vem?" Desfaleciam, literalmente, de curiosidade mal saciada. Antecipavam, mentalmente, a "recepção" em que seriam, finalmente, apresentados a Sua Excelência! A alguns, mais atrevidos, parecia-lhes que talvez fosse a ocasião de sugerir ao "novo" a oportunidade, a conveniência, a justiça de uma apetecida condecoraçãozinha..."
Não ouso dizer-lhes se, na minha opinião, as coisas são mesmo assim. Tendo servido em quatro das maiores embaixadas portuguesas - Luanda, Londres, Brasília e Paris -, onde essas situações podem ser mais frequentes, sou forçado a repetir a expressão clássica de Urquhart, na versão inglesa (não conheço a americana) da série "House of Cards": "You might think that. I couldn't possibly comment"...