Em Portugal, a ocorrência de "fugas" sobre episódios políticos passados em Conselho de ministros é, quase sempre, um sinal que prenuncia o estertor dos governos. Ela significa que alguns membros do executivo não se coibem já de utilizar a comunicação social para colocarem em cheque os seus colegas e, muito claramente, demonstram a diluição da autoridade do primeiro-ministro, cuja liderança e capacidade para impor a disciplina e a solidariedade governativas é dessa forma posta em causa.
Se há uma regra "sagrada" que, bem ou mal, se tem procurado preservar ao longo dos tempos essa é a de que o que se passa, com relevância política, nas reuniões entre os ministros (e nas reuniões entre secretários de Estado), o sentido da discussões ou a estrutura das suas eventuais votações, deve permanecer no "segredo dos deuses". Por alguma razão não existem atas dos Conselhos de ministros. Outra coisa, que naturalmente nada tem a ver com isto, é a possibilidade de algum facto mais anódino poder vir a cair no domínio público, sem que minimamente isso coloque em causa a unidado do governo.
É claro que uma coisa são os princípios e outra é a realidade concreta dos factos.
No "cavaquismo", os primeiros sinais de tensão e cansaço, já depois de um longo período de governação, fizeram-se sentir pelo surgimento na imprensa de confrontos entre ministros nas suas reuniões, num ambiente de desagregação que era também evidenciado pelo uso das consabidas soluções entrópicas para compor as derradeiras reformas governativas: secretários de Estado a subir a ministros e membros de gabinetes ou diretores-gerais a serem promovidos a secretários de Estado.
O "guterrismo" não escapou a esta "doença". Num ambiente já de algum desânimo e inação, por virtude da falta de uma maioria parlamentar para ajudar à decisão governativa, alguns ministros não se coibiram, a certo ponto, de utilizar algumas conexões na comunicação social para sublinhar a sua distância face a certas políticas, distância essa que, contudo, consideravam insuficiente para tomarem a decisão que seria mais óbvia: a sua demissão.
O "socratismo", curiosamente, escapou, quase até ao fim, a esta pecha. Talvez porque, face à crise, o governo se transformou numa unidade "de combate", apenas nos seus derradeiros dias deixou escapar cá para fora alguma informação sobre o "desalinhamento" de um ou dois governantes. Foi um caso muito raro.
O governo de Durão Barroso quase não "aqueceu" lugar e o de Santana Lopes produziu ele próprio um espetáculo com episódios para deleite público que não precisava de quaisquer "leaks" para ser apreciado.
O tempo da governação Coelho-Portas é, neste terreno, algo desigual. A necessidade do CDS, a partir de certa altura, e para tentar preservar o seu potencial nicho eleitoral, de sublinhar uma alegada especificidade programática, fez com que a imprensa fosse constantemente brindada com informações, quase sempre de uma forma muito cirúrgica, sobre as "dissonâncias" de Portas (embora, curiosamente, muito menos dos seus pares do CDS no governo). Diz quem sabe que houve sempre por aqui algum "teatro", que muito do que surgia na comunicação social estava um tanto distante no que realmente se passava nas mesas da Gomes Teixeira ou do "bunker" de S. Bento. As coisas mudaram um pouco depois da "demissão irrevogável", mas voltaram a agravar-se mais recentemente a propósito das mudanças do IRS no orçamento para 2015.
Mas se as tensões entre dois partidos membros de uma coligação são quase inevitáveis nas conjunturas políticas pré-eleitorais, já parece um tanto estranho que as "fugas" de dentro dos Conselhos de ministros incidam sobre oriundos do principal partido. Como se já não bastassem comentadores televisivos terem acesso a informação privilegiada oriunda de certas áreas do governo para alimentarem as suas charlas (pagas), assistimos agora a alegados "clashes" entre ministros referenciados mesmo com citação de expressões utilizadas - veja-se a imprensa desta manhã.
Há quem diga, nos "mentideros" políticos, que isto faz já parte da luta pelo poder futuro no pós-"passismo". Não sei. O que se prova é que os tempos do fim são sempre patéticos.