sábado, junho 16, 2012

A nova emigração

Foi para mim muito interessante, nesta manhã de sábado, participar no debate organizado no Consulado-Geral, pela Santa Casa da Misericórdia de Paris, sobre os novos fluxos migratórios portugueses para França. Entre outros, ouvimos testemunhos de cidadãos que procuraram recentemente este país como destino de vida, de empresários que têm acolhidos alguns compatriotas, de dirigentes associativos e sindicais com experiência de casos concretos, bem como de responsáveis de apoio social na estrutura consular.

De todas essas intervenções começa a resultar uma imagem mais clara dessa realidade complexa, marcada por uma nova tipologia migratória, feita, em geral de pessoas mais qualificadas academicamente e que, talvez por essa razão, denotam uma maior dificuldade em se adaptarem às ofertas de emprego disponíveis, situadas muitas vezes abaixo das suas expetativas profissionais.

Também se falou da situação social específica de Portugal, da crise europeia, dos frequentes atos de solidariedade, da exploração oportunista de pessoas em dificuldade por empresários desonestos, dos problemas de comunicação e de uma multiplicidade de outras realidades. Evidente ficou a necessidade de um grande esforço de informação aos potenciais ou novos migrantes dos riscos que têm que ter em conta, mas igualmente dos direitos que lhes assistem e dos recursos que lhes estão disponíveis.

Na intervenção com que concluí uma das sessões, deixei clara a minha perspetiva de que a emigração por motivos económicos é sempre trágica, porque não é mais do que a constatação da incapacidade do país de proporcionar condições de vida decente a quem nele nasceu. O normal é um cidadão poder realizar-se, em pleno, sem ter de sair do seu país. Às vezes, fica a impressão de que os portugueses têm uma espécie de tropismo identitário para emigrarem, que isso já faz parte da sua natureza. Não nos iludamos e não confundamos os impulsos de aventura e de legítima ambição pessoal ou profissional com as rotas tristes da necessidade e da miséria. O que é uma evidência indiscutível é o facto de que, nos últimos dois séculos, o nosso país foi incapaz de sustentar um processo de progresso interno que desse oportunidade a muitos dos nossos compatriotas de, se assim o quisessem, se realizarem plenamente no seu seio. E, por isso, muitos foram obrigados a saír, por vezes em condições dramáticas, com percursos de vida frequentemente heróicos, dos quais o país se deve orgulhar muito, por tudo quanto esses compatriotas conseguiram fazer por si próprios e pela imagem de Portugal. Mas que, simultaneamente, Portugal também se deve envergonhar bastante, por aquilo que infelizmente lhes não soube proporcionar. Por muito que isso possa não ajudar ao nosso ego, Portugal foi e continua a ser, desde há muito, o país mais pobre da Europa ocidental. E, enquanto isso assim acontecer e não conseguirmos gerar, para todos, soluções decentes de vida, dentro das nossas fronteiras, uma parte de Portugal andará sempre numa viagem forçada pelo mundo.

16 comentários:

Portugalredecouvertes disse...

o Sr. Embaixador tem razão, levam coisas muito positivas dentro deles mas também e sempre muitas saudades

gherkin disse...

Emigraçâo: Desgraçado o país, qual mãe que não sabe - ou não pode! - alimentar os seus filhos!
Gilberto Ferraz

Portugalredecouvertes disse...

o Sr. Embaixador tem razão, levam coisas muito positivas dentro deles mas também e sempre muitas saudades

Helena Sacadura Cabral disse...

Mas também temos exemplos como os de Vitor Constâncio, de Durão Barroso, de Damásio, de Orta Osório, de Borges ou da Domitilia. E há muitos mais que não conhecemos aqui, mas que são conhecidos lá fora. Claro que não são a maioria. Mas são pessoas que "preferiram"
não ficar por cá. Só não sei se feliz ou infelizmente...

Isabel Seixas disse...

"E, enquanto isso assim acontecer e não conseguirmos gerar, para todos, soluções decentes de vida dentro das nossas fronteiras,"(...)In FSC

"uma parte de Portugal andará sempre numa viagem forçada pelo mundo."(...)


É Sr. Embaixador não imagina como é pertinente e profundo/a este Seu pensamento e reflexão, um colega da minha filha está na Suiça(parece que acompanhado no seu sentir) e não consegue adaptar-se pediu se alguém o deixava trocar os 4000€ frios (para ele lá) por 500€ (afetivos Cá, em Portugal claro...)

é a vida, filha da...Não digo Mãe deliberadamente.

Talvez filha da exclusão insidiosa.

Isabel Seixas disse...

"Só não sei se feliz ou infelizmente..."In comentário de HSC

Meu Deus que vontade de plagiar este seu pensamento por identificação plena...

Anónimo disse...

Totalmente de acordo com a análise. Se alguma coisa nos deve envergonhar é mesmo esta triste sina de "país de emigração". Hoje em dia emigram não apenas os desempregados, mas os que têm empregos com salário mínimo vergonhoso - 478 euros, salvo erro. Conheço diversos casos. O Durão Barroso e outros que foram aqui citados num comentário não são para aqui chamados... A emigração é uma desgraça tanto para as pessoas que são a isso obrigadas como para o país; Aplausos para este seu post, senhor embaixador. Gostaria muito de ver outros, incluindo ministros e mesmo o Durão Barroso, a debruçarem-se sobre este assunto com as mesmas frontalidade e desassombro. Infelizmente não o fazem e fogem como o diabo da cruz quando sentem que alguém os vai interrogar sobre isso. Agem exatamente ao contrário ... e isso diz muito sobre Portugal, onde muita gente importante não gosta de se ver ao espelho e acha que as pessoas que levantam estas questões são umas chatas!

Daniel Ribeiro

Helena Sacadura Cabral disse...

Caro Daniel Ribeiro
Tenho pena que não tenha sentido o "humor negro" do meu comentário...
É que enquanto uns saem, dramaticamente, para sobreviver, outros saem porque têm convites para viverem melhor!
E se falo deles é porque entendo que alguns destes têm uma dívida para com Portugal. Mas parece que há quem esqueça isso...

Anónimo disse...

Intervenho só para agradecer o Sr. Embaixador por duas coisas:
Por ter estado connosco no colóquio e por este excelente texto.
Agora peço ao Daniel Ribeiro para me deixar utilizar o seu pensamento supra expresso, letra por letra, paragrafo por paragrafo, pontuação por pontuação porque quero dizer, precisamente, a mesma coisa.
José Barros.

Anónimo disse...

Intervenho só para agradecer o Sr. Embaixador por duas coisas:
Por ter estado connosco no colóquio e por este excelente texto.
Agora peço ao Daniel Ribeiro para me deixar utilizar o seu pensamento supra expresso, letra por letra, paragrafo por paragrafo, pontuação por pontuação porque quero dizer, precisamente, a mesma coisa.
José Barros.

Anónimo disse...

Dra. Helena Sacadura Cabral. Aproveito este momento para lhe enviar os meus pêsames. Era amigo do Miguel hà muitos anos, que via frequentemente. Tb o meu comentàrio não a visava, claro, nem nunca foi minha intenção. Com todo o meu respeito, claro. daniel ribeiro

Anónimo disse...

Senhor Embaixador, que dizer mais? Só agradecer-lhe por ser um diplomata que tem um trabalho "no terreno", que o diferencia bastante de outros colegas seus. Bem haja!

Anónimo disse...

O que é uma evidência indiscutível é o facto de que, nos últimos dois séculos, o nosso país foi incapaz de sustentar um processo de progresso interno que desse oportunidade a muitos dos nossos compatriotas de, se assim o quisessem, se realizarem plenamente no seu seio.
Não é verdade o que escreve, porque o fenómeno da emigração ominosam "neste últimos dois séculos foi um fenómeno comum em toda a Europa (desde a Suécia até ao Império otomano); basta questionar-se de onde vem aquela gente que hoje forma os EUA, Canadá, brasil e "passo-me". O que se passou contudom nos últimos 50 anos, isso sim, é de uma gravidade extrema para o estado e país que representa. O que se está a passar nos últimos vinte anos é como diz, uma vergonha. sendoq ue de facto
é um crime inominável. Este processo e certos fluxos migratórios em direcção ao sul, são, a prazo não mnuito longo, mais um crime que ficará sem crimonoso. Quanto ao resto e sobre o essencial. D'acordo.

Unknown disse...

Sr. Embaixador;

Parabéns pela sua participação neste debate, e também pela forma directa de demonstrar o seu apoio a esta questão da sociedade portuguesa.

Desde 2005 denunciei e continuo a denunciar os contornos e as formas em que este fluxo migratório é feito, em particular aqui na Holanda. Nos anos 50 e 60 não sei se foram piores as condições do que as actuais.

Lamento que se continue ainda numa fase só de dar informação e alertar para estes contornos, mas de concreto nada é feito, para os que "mafiosos" e desonestos contratantes, sejam punidos.

A nível do(s) Governo(s) de Portugal, e dos seus colegas diplomatas na Holanda, só tiveram mais cuidado com as minhas denuncias, do que pelas formas e empresas desonestas que contratavam trabalhadores.

Foram centenas de trabalhadores lesados, muitos tiveram a coragem de denunciar todos esses contornos num encontro público, com Eurodeputados Portugueses ( Ilda Figueiredo, Miguel Portas e Ana Gomes) em Roterdão, e os diplomatas portugueses na altura nem se dignaram comparecer, e até duvidaram das denuncias e da falta de apoio do consulado.

Muito teria de dizer sobre este tema, que conheço muito bem e que quando fui membro do CCP, sugeri um debate do mesmo, num plenário e que posteriormente os resultados desse debate, e as sugestões fazem parte duma brochura.

Em resumo, os debates são importantes, mas está na hora (já que mesmo atrasado) de haver vontade política, dos nossos governantes, para tratar este tema de uma forma séria, senão estaremos sempre no mesmo!

José Xavier

Anónimo disse...

Não há sínteses perfeitas, mas a análise feita pelo Embaixador Seixas da Costa sobre a emigração está lá próximo. Brilhante na reflexão, triste porque é assim mesmo.
Ana Nave

Anónimo disse...

Não há sínteses perfeitas, mas a análise feita pelo Embaixador Seixas da Costa sobre a emigração está lá próximo. Brilhante na reflexão, triste porque é assim mesmo.
Ana Nave

BOAS FESTAS!

  A todos quantos por aqui passam deixo os meus votos de Festas Felizes.  Que a vida lhes sorria e seja, tanto quanto possível, aquilo que i...