terça-feira, junho 05, 2012

Jubileu

Eu devia ter aí uns 6 anos e, com uma tia-avó, recordo-me de mim num camarote do antigo Teatro-Circo, de Vila Real, a ver o filme da ascensão ao trono de Isabel II. Algumas imagens de infância não nos abandonam e aquelas fazem parte do meu património de memória. A da jovem raínha a ser coroada pelo arcebispo de Cantuária ficou-me para sempre.

Na meia dúzia de vezes em que tive a ocasião de trocar umas palavras de circunstância com a soberana britânica, devo dizer que tentei sempre, sem o menor sucesso, perceber o que estava por detrás daquela postura formal, daqueles olhos atentos, daquele leve sorriso com que cumpria, aparentemente sem falhas, o seu papel institucional. Para mim, Isabel II foi e será sempre uma figura enigmática.

Não tem sido dito que a esmagadora maioria dos problemas que testaram a capacidade de gestão da raínha britânica acabaram por não ser de pura natureza política, interna ou externa. Eles decorreram, maioritariamente, das derrapagens de integrantes da própria casa real britânica, passando daí, com frequência, para preocupações com dimensões de Estado. As grandes questões que o Estado britânico teve de enfrentar nestas seis décadas, da guerra do Suez à das Falkland/Malvinas, das temáticas da guerra fria às aventuras com o "amigo americano" no Golfo e adjacências, das greves de dimensão histórica à barbárie dos atentados terroristas, tiveram na raínha o patriótico notário que o seu papel institucional exigia. Sempre leal ao governo legítimo, mesmo quando se sabia que o detestava, escrupulosa leitora dos discursos do trono, mesmo quando estes apontavam para políticas contrastantes. Era essa a sua função e foi a consciência de que dela se não deveria desviar um milímetro que lhe garantiu o prestígio de que disfruta. Para bem do seu país, diga-se.

Ontem, ao ver, por uns minutos na televisão, as carruagens a passar pelo Mall, e não obstante o caráter entusiástico com que a locução da BBC procurava descrever a dimensão dos aplausos, não terá escapado a ninguém, a começar pela própria raínha, que as multidões que a saúdam já não são o que eram, que o magnetismo da coroa, seis décadas passadas, pode estar a erodir-se, que a sociedade britânica mudou imenso na sua atitude face aos ocupantes de Buckingham. Mas é uma indiscutível evidência que, se esse "appeal" ainda se mantém no nível em que está, isso se deve a essa grande profissional do Estado que é a raínha Isabel II.   

6 comentários:

Anónimo disse...

Senhor Embaixador,

Uma coisa e certa e justa: O profissionalismo do"show" nao tem limites. Acompanhei pela televisao o desfile de barcos, bergantins, barcacas, etc, etc. Comoveu-me ver barcos que na segunda guerra participaram na retirada de Dunkirk, repintados, restaurados, ao lado da "pompa e circunstancia" que a ocasiao pedia. E tambem no final do "show" a Royal Philarmonic Orchestra noutra embarcacao a tocar o que todos antecipavamos e era de esperar. No entanto, no "upper deck" estava o coro, em pe, a chuva, sem pestanejar, elas de vestido preto, como convinha, umas louras, uma ou outra de longos cabelos pretos,lembrando Debussy "Pelleas et Melisande", todas molhadas coitadinhas, mas nem pestanejaram e, oh magnifica maquillage, nao havia uma falha no rimmel ou no eyeliner....

Hoje, ultimo dia da exposicao na National Gallery fui ver "Turner inspired. In the light of Claude".
Chovia de novo. A exposicao a cunha e quase a perdi feita burra. Dai para um magnifico film frances "Free Man". Acabou o "long week end". Back to reallity.

Saudades de Londres

F. Crabtree

Isabel Seixas disse...

"Grande profissional do Estado"In FSC

Se o Senhor o diz...

Agora sempre, que horror!!!Do meu ponto de vista, claro ...
Que rigidez, sem a aliciante submissão a votos de quatro em quatro anos ou mais ou menos , irrelevante...

Aquela expressão estanque e embalsamada...

Se formos a ver, a Sra.,"com todo o respeito, claro", decerto que fez estágio com as Nossas Avós e cristalizou nesse papel, e deu-se muito bem , ótimo, ponto final.

De qualquer forma se me permite (mesmo que o irrite) não invejo a Sra,mas que se deixe estar.

Jose Tomaz Mello Breyner disse...

Senhor Embaixador

A Monarquia tem esta coisa boa que é um Soberano independente na chefia do Estado e com o qual o povo se identifica.

Independente dos partidos e das confusões partidárias .

Por mais que se diga o contrário, o chefe eleito nunca se sente - o que até seria logomáquico - identificado com os que pretendiam outro, que, para ele, era o outão, o opositor.

Depois agindo transitoriamente e a título pessoal é da essência humana que apenas o preocupe o seu tempo de consulado.

Contrariamente, o monarca é vitalício; e chefe de família não quererá deixar ao seu primógenito, natural sucessor nos negócios do Estado, problemas que lhe possa evitar.

Na verdade, a Monarquia não se distingue da República por propor uma diferente forma de chefia do Estado. A Monarquia é a forma particular como um Povo/Nação se organiza numa comunidade viável e solidária. O rei não governa nem chefia o Estado, mesmo quando em situações histórias extremas a isso se viu obrigado. A Família Real é, isso sim, a mais perfeita representação do seu Povo: quer a memória dos que já passaram, quer o do presente, quer os direitos e a esperança dos que hão-de vir. Os Povos/Nações podem encontrar várias formas de se auto-governar, como já fizeram no passado. A Monarquia é sobretudo o garante da unidade orgânica e identidade do seu Povo/Nação.

Desculpe a propaganda e um aplauso por esta sua justa homenagem a uma Grande Rainha.

Abraço

Anónimo disse...

Entre o que se manteve e o que mudou no modo como os ingleses analisam a realeza, espero que a cerveja na abertura dos pubs ao fim da tarde tenha sido "for free". Pagamento por conta da Rainha por ocasião de acontecimentos extraordinários. Facto que me deu algumas Guinness num célebre casamento num dia de muito calor a 29 de Julho... Há uns anitos.

gherkin disse...

Sem dúvida, meu caro Embaixador e amigo!
A monarquia britânica, embora obviamente diferente de há meio século atrás, e não obstante as manifestações republicanas, continua de bia sa+ude, especialmente com a nova geração.
Cumprimentos,
Gilberto Ferraz

Anónimo disse...

Pois é... tudo isto para um republicano português nem sempre é facil de perceber. Mas eu não sei se numa aflição não passará a perceber.

Ai Europa!

E se a Europa conseguisse deixar de ser um anão político e desse asas ao gigante económico que é?