quarta-feira, abril 25, 2012

Miguel Portas (1958-2012)

Acho que Miguel Portas, se tivesse podido determinar a data da sua saída deste mundo, gostaria que ela tivesse coincidido com um 25 de abril. Por algumas horas, isso não foi possível. Mas os cravos de hoje são para ele.

Conheci pessoalmente o Miguel há cerca de dez anos. Eu estava colocado em Viena, tínhamos amigos comuns e, um dia, recebi dele um e-mail, manifestando o desejo de trocarmos impressões sobre as questões europeias, numa ocasião em que eu passasse por Lisboa. Era um assunto em que eu trabalhara alguns anos e pelo qual me continuava a interessar, embora dele desligado profissionalmente. 

Convidou-me para almoçar, sugerindo, cuidadoso com os riscos para o meu "estatuto", aquilo que considerava um sítio "discreto": um pequeno restaurante na praça da Armada (ao lado das "espanholas"), que costumava frequentar (e que eu, por "milagre", não conhecia). Ri-me, intimamente, divertido com o que sabia ir ser o grau de "discrição" do lugar: minutos depois da nossa chegada, as escassas mesas foram invadidas por funcionários do ministério dos Negócios estrangeiros, os quais, nessa tarde de fins de 2002, devem ter espalhado, por uns claustros das Necessidades à época um tanto assombrados, terem sido testemunhas de uma conversa sigilosa entre um embaixador algo conhecido e um deputado do Bloco de esquerda. Recordo-me bem de preocupação do Miguel quando, bem disposto, lhe revelei as presumíveis consequências, em matéria de inevitável "gossip", desse nosso encontro. E sosseguei-o quanto à importância que eu próprio (não) dava ao facto.

O Miguel Portas que então conheci - e com quem, em anos futuros, apenas troquei bastantes e-mails, dada a nossa vida geograficamente distante - era um homem sereno, com um sorriso acolhedor, extremamente delicado, que transpirava honestidade e sentido de dedicação à coisa pública. Tinha seguido, desde bastante novo, um percurso político de grande dignidade, retratado de forma curiosa num pouco conhecido livro inglês, de 1975, que um dia descobri num "sebo" (alfarrabista) brasileiro. O Brasil, aliás, interessava-o bastante, como sempre sublinhava um amigo comum, que muito me falava dele - Tarso Genro, ministro da Justiça e agora governador do Rio Grande do Sul.

À época desse nosso encontro, o Miguel estava muito preocupado com o sentido que as coisas tomavam na Europa. Mas, contrariamente a mim,  angustiava-o menos a nova arquitetura institucional que se desenhava, e, muito mais, o sentido, que lia como quase totalitário, da deriva neoliberal que atravessava as políticas que iam fazendo o seu caminho em Bruxelas. Mal nós imaginávamos o que estava por aí para vir...

Recordo-me de, na conversa, o ter interrogado sobre a génese do Bloco de Esquerda, tentando perceber como era possível a convivência, no seu seio, de tradições trotskistas e maoístas, dimensões que eu julgava mais incompatíveis do que a água com o azeite. Contou-me o papel que as pessoas como ele, originárias do PCP e chegadas ao Bloco através da "Política XXI", representavam nesse (então) curioso projeto político. E recordo-me bem de uma frase que me disse: "No fundo, eu sou hoje considerado como situado na ala direita do Bloco".

Miguel Portas fez um trabalho notável no Parlamento Europeu, sem concessões, com imensa coragem, correndo mesmo o risco de afrontar as iras corporativas, de que é bem demonstrativa uma notável e quase histórica intervenção, que pode ser vista aqui. Ainda na passada semana, em Bruxelas, dele falei com amigos, que me avisaram do agravamento da sua doença.

É quase um lugar comum dizer que homens como Miguel Portas fazem muita falta à política portuguesa. Mas fazem-no muito mais à sua família - muito em especial à sua mãe, Helena Sacadura Cabral, estimada comentadora deste blogue, bem como ao seu irmão, Paulo, meu ministro - a quem deixo a expressão amiga e muito sincera do meu grande pesar por esta perda.

Este 25 de abril é muito mais triste sem Miguel Portas.

22 comentários:

Jose Tomaz Mello Breyner disse...

Uma noticia triste e inesperada.Pensei que o cancro já era coisa do passado. Como Católico que sou peço a Deus que a esta altura tenha já o Miguel na sua Divina presença e a gozar da vida eterna, porque o Miguel era um homem bom e justo.

Para a Helena Sacadura Cabral sua Mãe aqui lhe deixo um abraço de sentidos pêsames, e peço a Deus que lhe dê coragem para enfrentar esta separação.

Deixo-lhe este texto que o meu Pai pouco antes de morrer nos pediu para lhe colocarmos no seu "souvenir pieux" após a sua morte

A MORTE NADA É
Eu estou apenas noutro lado
Eu, sou eu, tu és tu.
Aquilo que éramos um para o outro
continuamos a ser.
Chamem-me como sempre me chamaram.
Falem-me como sempre me falaram.
Não mudem o tom da vossa voz,
Não façam ar solene ou triste.
Continuem a rir daquilo que juntos nos fazia rir.
Brinquem, sorriam, pensem em mim,
rezem por mim.
Que o meu nome seja pronunciado em casa como sempre foi:
Sem qualquer ênfase
Sem qualquer sombra.
A vida significa o que sempre significou.
Ela é aquilo que sempre foi.
O “fio” não foi cortado.
Porque é que eu
estando longe do vosso olhar
estaria longe do vosso pensamento?
Espero-vos, não estou muito longe,
somente do outro lado do caminho.
Como vêm
ESTÁ TUDO BEM

Anónimo disse...

Para o Sr. Embaixador a minha compreensao pela perda do seu amigo.
E, se me permite, para a Senhora Dona Helena Sacadura Cabral, que somente conheço a través do “Duas ou Tres Coisas” e que acabo de saber de quem é mae, vai a minha solidariedade neste momento de tanta dor.
Francisco F. Teixeira

, disse...

Quando no ano de 1986, eu um jovem liberal, entrei com apenas 16 anos para Económicas, conheci aquele que era então já o líder daqueles que dominavam por essa época a escola, os Comunistas: nada mais nada menos que o Miguel Portas.

Tendo prometido a mim próprio que o meu ainda que imberbe, já longo ativismo político e cívico de então terminaria nesse ano, as circunstâncias assim não o permitiram.

Foi um desafio ter que defender uma economia regulada, mas liberal e moderna, numa escola recheada de eminências pardas da esquerda, então quase todas no PCP, o que se alteraria com maior ou menor explicação...

Ser liberal ou de "direita" à época, era um sacrilégio para o Deus Marx que lá se venerava.

Tendo como colegas de ano, entre outros, Pina Moura, Francisco Louçã, Manuel Coelho, Sérgio Figueiredo, e Professores como António Mendonça, Francisco Pereira de Moura, Augusto Mateus, Castro Guerra, Manuel Farto, Garcia Pereira, ser liberal era complicado - era ser-se contra a situação e do "reviralho"!

Lá tive que abandonar a promessa e lutar pela pluralidade interna - Marx tinha prioridade e direito a disciplina autónoma.

E, pasme-se aquela rapaziada burguês caviar gauche, dava-se ao desplante de concorrer ao campeonato de futebol de Económicas, com equipas de futebol, com nomes tão eloquentes como PapaTchernenko ou KGBolinhas - o muro ainda não tinha caído, e os amanhãs cantariam...

Mas gabe-se a verdade, nunca o Miguel Portas teve qualquer golpe baixo para com os adversários "políticos" de Económicas, antes pelo contrário.

Eu que à época lia sofregamente o Independente, que MEC o irmão Paulo Portas, fundaram - irmão com o qual me passaria a cruzar depois frequentemente em funções institucionais - só me resta, qual arrogância de epitáfio, escrever à mãe Helena Sacadura Cabral, uma das mais nóveis mulheres economistas do país à sua época - também de Económicas - e ao Paulo Portas, seu irmão, aquilo que do Miguel Portas me ficou:

Viveu em coerência, consciência, com seriedade intelectual.
Foi de uma postura ética intocável, mesmo para quem, indevidamente, lhe deu "estalos na face".

Infelizmente alguns dos outros que citei, não lhe seguiram as pisadas da coerência e integridade.
Se tivessem seguido, talvez a data que hoje, alguns ainda celebram, pudesse ter sido cumprida. Porque uma nação é aquilo que as suas "elites" forem.

Joaquim Rocha da Cunha

Isabel Seixas disse...

Que bonita Homenagem a Sua e a do comentador Jose Tomaz.

Rubi disse...

Sem dúvida :(!

Anónimo disse...

Eu deixo aqui um abraço muito sentido à Mãe do Miguel, Helena Sacadura Cabral, esta mãe que educou e deu a Portugal dois filhos tão diferentes mas este particularmente tão bom e tão nobre, o Miguel, com quem partilhamos esperanças que ele sabia defender contra ventos e marés.
José Barros

L M D disse...

Um percurso firme e digno, na luta pelas causas em que acreditava.
Paz á sua alma.

MMusoni disse...

Os meus sentidos pêsames à família.

Monica Musoni

Armando Pires disse...

Neste momento de grande tristeza e pesar e não tendo eu outro modo de expressar os meus sentimentos por quem nutro e sinto uma grande simpatia e estima, queira Dr. Helena receber de um simples cidadão as minhas mais sentidas condolências.

Alguém disse:

“Aqueles que amamos nunca morrem”

margarida disse...

Uma prosa que não queria ter de ler por esta razão.
Às vezes existem palavras que nos confortam, mas, na realidade, face ao desaparecimento precoce de uma pessoa tão rica humana e profissionalmente, e que tanta dor e saudade deixa, não existem palavras nenhumas.
Sobra um mar de lágrimas.

A esperança de que exista um Além que acarinha os bons tem de nos suster.

Obrigada por partilhar o seu testemunho e homenagem.
E que a todo-poderosa força dos que têm Fé ajude nestes dolorosíssimos tempos a nossa boa Amiga.

Anónimo disse...

Era amigo do Miguel. Ponto.

Para a nossa querida Helena Sacadura Cabral o carinho e a solidariedade - que é o pouco que lhe posso enviar. Um beijo do amigo sincero.

patricio branco disse...

um dia de sol, de luz lisboeta, aquele 1º de maio de 1958 em que o miguel nasceu. Assim estava o tempo quando nesse dia ou no dia 2 à tarde fui à clinica maternidade cabral sacadura ali onde é hoje a estação do parque felicitar os pais e vê lo.
Nasceu cedo para a politica tendo aos 11 anos já opiniões e posições firmes que debatia com convicção. Nunca mais parou a sua actividade civica e grande parte dos seus esforçs e energia foram para o país. Mas tambem para a sua familia e outros interesses culturais e ludicos que tinha.
cidadão exemplar,fica o seu exemplo, passe a repetição, o seu estilo, a sua obra que há que continuar.
1º de maio, 25 de abril, 53 anos.
Aos pais, irmã e irmão dou os meus pêsames.

Anónimo disse...

Anónimo como tantos outros milhões, eu conheço do Miguel o que qualquer cidadão atento pode conhecer desta figura pública.

Raio de forma de ser, esta de gostar de pessoas com quem não partilho ideias ou ideologias...

E perante a brutalidade da notícia, dou comigo a tentar dissimular uma lágrima que clama liberdade e teima silenciosamente em obedecer à lei da gravidade.

Porque um ser humano se não esgota em ideais tanta vez mais teóricos do que praticáveis, sinto muito o desaparecimento do Miguel Portas.

E sempre identificado nos meus comentários, hoje apetece-me, pela primeira vez neste espaço, ser anónimo, para enviar à família, sobretudo à nossa querida Dra Helena Sacadura Cabral, uma sentida solidariedade com a sua dor.

P.S.

Isabel Seixas disse...

À minha amiga
Mãe
Helena Sacadura Cabral

Caem em cadência
cinquenta mil lágrimas
na despedida

são cálidas de cedência
a promover a vida

com elas nasce e cresce a sombra do Grande espirito

vagueia a memória sã da honra em murmúrio lírico

e o respeito holista ergue
a alma já sem dor limpida leve

É a vez dos Enfermeiros
Lhe
darem a mão
em massagem de afetos
numa ponte humana
que o Elevou a céu...

Ao Miguel
De uma Enfermeira

Helena Sacadura Cabral disse...

A si Senhor Embaixador e a todos aqueles que aqui me abriram os seus braços, vai o abraço de uma mãe agradecida, que tentará continuar a honrar, sem vacilar, o compromisso de amor que a liga ao filho que perdeu.

Helena Oneto disse...

Senhor Embaixador,
Subscrevo o sua e todas as outras homenagens a Miguel Portas aqui expressas.

Á nossa querida amiga Helena quero dizer que somos muitos a continuar a honrar a memória do Miguel e a lutar pelos ideais que sempre o guiaram e que pode contar com a nossa amizade.

Para a Helena e para si, meu caro Embaixador, um grande abraço amigo.

Anónimo disse...

Permita-me, Sr. Embaixador, que através deste seu espaço, exprima à família do Miguel, e em particular a sua mãe, D. Helena Sacadura Cabral, a mais profunda e sincera solidariedade pela sua perda. Sofreu a Sra. D. Helena a dor maior de perder um filho. Sofremos nós a dor grande de ver partir um Homem justo e bom.
Cícero Catilinária

Julia Macias-Valet disse...

Foi com imensa tristeza que me chegou a noticia de que Miguel Portas nos tinha deixado.

A Helena SC nossa querida comentadora com quem tantas gargalhadas partilhei, aqui, ao longo destes três últimos anos, quero que saiba que partilho hoje consigo este momento difícil...certamente o mais difícil na vida de uma mulher.

Receba, cara Helena, um abraço com muita ternura e amizade.
A seu filho Miguel deixo aqui uma flor que jamais deixaremos murchar : um cravo vermelho.

Fada do bosque disse...

O Miguel como pessoa era justo e bom, como político era na actualidade, a pessoa que eu mais admirava e continuarei a admirar. Pela sua sinceridade, pela sua coragem e pelo seu sorriso e simplicidade.
Os meus sentimentos sinceros para a Drª Helena Sacadura Cabral, Mãe de uma das pessoas mais verdadeiras deste País. A Missão foi cumprida... da mesma forma que se orgulha de seus antecessores, irá orgulhar-se por ter gerado um filho assim, sempre.
Tanto bem me fizeram sempre as palavras do Miguel... e como eu muitos outros o admiravam, se não como político, sim como pessoa!
Desejo toda a força deste mundo a uma Mãe, a quem a mágoa implantou no coração a sua semente... e para sempre.

Paulo Correia disse...

Embora sabendo que o Miguel estava doente há cerca de dois anos foi muito triste saber da sua morte.

Tive o privilégio de o conhecer e ter privado com ele. Só posso dizer bem. É uma pena deixar-nos tão cedo, com tanto ainda para nos dar.

Foi um lutador por ideais e valores nobres. Honesto, intransigente e sério. Um Político com P grande. As suas intervenções ficam para a história do Parlamento Europeu e da democracia portuguesa.

OBRIGADO MIGUEL!
JÁ SENTIMOS SAUDADES.
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Foi-me impossível estar presente no velório. Assim, envio um abraço de sentidas condolências à família, através da mãe Helena Sacadura Cabral. CORAGEM! A vida é mesmo assim. No entanto, o Miguel não morreu vai continuar vivo no nosso pensamento e recordações.

Paulo Correia

Anónimo disse...

Senhor Embaixador,

Lindíssimo este testemunho ao Miguel Portas.

Um abraço muito sentido à caríssima Helena SC e família.

Isabel BP

Anónimo disse...

Senhor Embaixador, aproveito desta vez o seu excelente blog para que todos os comentários acerca do português Miguel Portas aconcheguem um pouco o coração da Drª Helena Sacadura Cabral, sua digníssima amiga, pela perca de todos nós - de um filho que a ela coube pela primeira vez acarinhar e pela vida fora cuidar -, com aquele desvelo e a liberdade que facilmente conseguimos perceber. Um português que tão diganmente nos representou! Os cravos são vermelhos, mas verdes os caules, que podem sustentar uma esperança de que muitos sigam o seu exemplo. Todos os 1ºs de Maio que tenhamos de vida, que se veja no seu blogue o nome dele gravado por boas razões... Prometa que sempre nos ajudará a recordá-lo!

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