Era uma
figura baixa, rotunda, sempre muito esticado, elegante, de fato com colete e
relógio de bolso, chapéu largo, ar grave. Oficial do Exército, presente nas
campanhas de África da 1ª Guerra, casara com a mais bonita irmã da minha avó,
que “raptara” das Pedras Salgadas para a Ramada Alta.
Já só o conheci
na reserva. Viviam num andar com um cheiro confortável e indefinível, que ainda
hoje reconheceria em qualquer lugar do mundo. Da varanda traseira envidraçada,
onde se tomavam as refeições, via-se a estátua da Rotunda e o comboio para a
Póvoa, que passava fumegante ao fundo. Para mim, ido da província profunda que
então era Vila Real, aquelas luzes davam à cidade ares de incomparável
metrópole cosmopolita, deslumbrando-me os sonhos de futuro.
Foi o tio
Óscar quem me ensinou o Porto, melhor, quem me ensinou a gostar do Porto, nas
temporadas que por lá passei com ele. Levava-me a passeios de elétrico até Matosinhos,
subimos o elevador da ponte da Arrábida, calcorreei os jardins do Palácio.
Sendo ele
portuense de gema, não me recordo de ter inclinações clubistas. Era um leitor
compulsivo, organizado, mandava encadernar os livros na Mártires da Liberdade.
Foi ele quem me deu a ler, pela primeira vez, Arnaldo Gama, uma escrita quase
tão imprescindível como “Uma Família Inglesa” para se perceber o espírito da
terra.
O tio Óscar
colecionava “O Tripeiro”, começando o dia a ler “o Janeiro”. Depois do almoço,
antecedido de um passeio “higiénico” a passo forte pela Constituição, descia
Serpa Pinto, galgava Cedofeita até Carlos Alberto, rumo ao Rialto. Aí se
juntava a um grupo de amigos, creio que “camaradas” também na reserva, até que
chegava, “fresco” e sujando os dedos, o “Diário do Norte” e se iam fazendo horas
para apanhar o 6, na Praça, com destino último Monte dos Burgos.
Aos
domingos, o programa variava: iam almoçar à Messe, na Batalha e, se o tempo
estivesse a jeito, passava com a Tia Maria a ver as montras de Santa Catarina e
de Santo António. Parece que, com sol, às vezes, acabavam o dia num chá no Bela
Cruz, junto ao Castelo do Queijo.
“Tens de vir
cá pelo S. João! Não há festa no mundo como aquela!”, repetia-me, com orgulho,
embora mais tarde eu não o estivesse a ver, pelas Fontaínhas, a levar com o alho-porro
de rigor, nesse tempo em que ninguém tinha sonhado martelos de plástico. Era o
seu amor ao Porto que o fazia alardear uma festa a cuja confusão, tal como hoje
sucede a muitos portuenses, imagino que fugisse.
Foi essa
imagem mítica do S. João do Porto que transportei comigo quando um dia fui
viver para a cidade, já o tio Óscar tinha desaparecido. Tive pena de não lhe
poder ter dito que ele tinha toda a razão: é uma das mais impressionantes
festas do mundo.
Bom S. João
para todos!