domingo, julho 06, 2014

"Private joke"

- Será este tipo o verdadeiro Mertens?

- Não sei, mas se calhar, no início deste Mundial a Itália fez mal em não ter feito alinhar o Antici...

Os futebolistas de bancada que, com cervejas e batatas fritas em apoio, assistiam ontem ao Argentina-Bélgica, não perceberam nada deste diálogo entre aqueles dois amigos. De facto, a Bélgica tinha feito entrar um jogador chamado Mertens, mas ninguém se lembrava da Itália ter tido alguém com o nome de Antici. Que raio de conversa era aquela? E, no entanto, quem alguma vez tivesse estado envolvido nas instituições europeias, em Bruxelas, perceberia facilmente esta "private joke".

"Antici" é o nome que, desde 1975, é dado ao grupo que reúne o colaborador mais próximo de cada embaixador Representante permanente de cada país junto das instituições europeias, enquanto que "Mertens" é, desde 1993, o seu correspondente para o grupo dos colaboradores dos Representantes permanentes adjuntos. As designações resultam do nome de dois dos primeiros ocupantes do cargo, o italiano Paolo Antici e o belga Vincent Martens de Wilmars. Sem o saberem, esses dois diplomatas, acabaram por entrar para a história da Europa. Mertens é hoje embaixador do seu país em Roma, mas já não encontrou por lá Paolo Antici, que fez uma carreira na instituições europeias e morreu em 2003.

Ao balcão

- Já viste aquilo no BES? É sempre a mesma coisa. Escolhem os da "panelinha"...
- Porque é que dizes isso?
- O Vitor Bento, pá!
- O Vitor Bento o quê?
- É um neo-liberal igual aos outros.
- Mas, espera aí: o que é que se pretende com a escolha de um novo CEO para o BES? Não é acalmar os mercados e recuperar a confiança no banco?
- Sim...
- Não é evitar que o banco entre em rutura e que não nos venham depois ao bolso, como aconteceu no BPN?
- Claro, mas não estou a ver...
- Ai não? Então porque é que achas mal a escolha de um tipo de quem os mercados gostem? Ou eles ficariam mais sossegados se tivessem nomeado o Louçã? Ou o João Galamba?
- Não exageres! Mas chateia-me que seja sempre gente do "mesmo lado"...
- Mas é a família Espírito Santo e o resto do capital quem escolhe! Quem é que tu tens, "deste lado", que fosse para a chefia do BES e lhes agradasse mais, tal como aos mercados, do que o Vitor Bento? O Frei Bento? Confessa lá: o que te chateia é que o capital e os mercados gostem mais do "outro lado", não é?
- Por isso é que eu não aceito esta resignação à lógica dos mercados...
- Também te percebo, mas, até ver, é o que há... no mercado!

sábado, julho 05, 2014

"Olhar o Mundo"

Em "competição" perdida com o futebol e com os noticiários, estive na última emissão de "Olhar o Mundo", um programa da RTP (que passa na RTP 2, na RTP Informação, na RTP Internacional e na RTP África) dedicado à política internacional e apresentado por António Mateus.

Nele falamos de muitas coisas, desde as atribulações de Nicolas Sarkozy ao agravamento do conflito israelo-palestiniano, passando pela crise na Ucrânia. Mas também abordámos temas relacionados com a Turquia, a Nigéria, o Brasil, Hong-Kong, a Argentina e o Japão. Uma volta ao mundo em alguns minutos de conversa.

Pode ver o programa aqui.

Emiliano Dionísio


Os leitores deste blogue pela certa que nunca ouviram falar deste nome. Mas ele fazia vibrar a minha juventude, embora por não mais do que as primeiras etapas da "Volta a Portugal", nos idos de 60 e 70. Lembrei-me dele, há minutos, ao ver o emocionante sprint do final da primeira etapa do "Tour de France" (no dia em que Cavendish terá arruinado, por culpa própria, as suas esperanças para este ano).
 
Emiliano Dionísio era um ciclista do Sporting Club de Portugal. Nesse tempo, a primeira etapa era disputada em pista, por equipas, e o Sporting tinha quase sempre muito boas equipas. Longe de ser o melhor do seu grupo, Emiliano era, contudo, um fantástico especialista no sprint e, por duas vezes, ganhou a camisola amarela nessa primeira etapa, na qual ficava sempre bem classificado. Perdeu-a quase de seguida, porque a não conseguiu aguentar ao longo da prova. E, com a passagens dos dias, ia-se quase sempre afundando na classificação, com a etapa da Torre a marcar a sua inescapável sina. Mas ganhou etapas e outras provas em que a decisão ao sprint, que era a sua inegável especialidade, foi a regra. Guardei sempre uma ternura particular pela sua figura de homem modesto, com um sorriso simpático.
 
Que será feito de Emiliano Dionísio?

Debré e Sarkozy

"Pode-se contestar aquilo que nos é imputado, não se constentam os fundamentos da Justiça, porque nesse momento contesta-se a República", disse o presidente da Comissão Constitucional francesa, Jean-Louis Debré, em reação à entrevista em que Nicolas Sarkozy, depois de ter sido interrogado pela polícia, colocou em causa e acusou de instrumentalização política os agentes judiciais.

Debré é um homem de direita, filho de um antigo primeiro-ministro de De Gaulle, ele próprio antigo ministro do Interior. Tem um humor à flor da pele e é escritor de (razoáveis) romances policiais. É sabido que Sarkozy não faz parte das suas amizades, "to say the least". 

Um dia, numa ocasião em que tive o ensejo de o conhecer, o seu telemóvel tocou e o som que dele saiu foi uma versão da "A Internacional". Com exceção do amigo em cuja casa estávamos, todos os convivas mostrámos um ar de surpresa. Debré explicou: decidira colocar no telefone, em relação a algumas pessoas, músicas que as identificassem. Assim, com "A Internacional", ele sabia que quem o chamava era alguém de esquerda. Revelou então que tinha a "Le Chant des Partisans" para os amigos gaullistas, creio que "A Marselhesa" para os contactos de direita e outras músicas, com menos conotações políticas, para os contactos de familiares.

Já na rua, à saída, depois de termos ouvido Debré ironizar bastante sobre o então presidente da República, um conhecido quem nos acompanhava disse: "Devíamos ter perguntado a Debré que música tinha no 'portable' para identificar Sarkozy". Um de nós sugeriu, exagerando, pela certa: "Talvez 'Le métèque' "...

A velhice e as mulheres

O "Expresso" publica hoje uma entrevista com o ator Michael Douglas. Nela se refere às provações da doença e da velhice. A certo passo, fala de Angela Merkel, afirmando ser a figura política que mais admira: "Espero que não haja limites na carreira de Angela Merkel. Espero que ela continue presente por muito mais tempo. Todos nós confiamos nela e esperamos muito da sua orientação e diplomacia".

Michael Douglas tem razão em se preocupar com a velhice. Eu sou do tempo em que as suas mulheres de eleição eram Sharon Stone ou Catherine Zeta-Jones. E fiquei por aí.

sexta-feira, julho 04, 2014

"Crescimento e dívida externa - interações"

Se puderem, não percam hoje, pelas 18h30, na Culturgest, no âmbito do ciclo "Portugal – Propostas para o Futuro", a conferência "Crescimento e dívida externa - interações", com Daniel Bessa e José Amaral, moderada por João Salgueiro.
 
Quem não puder deslocar-se, pode acompanhar a transmissão em http://www.culturgest.pt/, onde podem igualmente ser visualizadas as anteriores sessões deste ciclo, de cuja organização faço parte.
 
Procuramos com estas conferências estimular um debate sereno sobre os grandes temas que importam ao futuro de Portugal.

"Elementos de linguagem"

Ontem, no "Público", Francisco de Assis falava da debilitação do debate democrático pela perca da substância da palavra pública. E citava, em seu apoio, a figura de Philippe Bilger, um magistrado francês que se revolta contra o condicionamento uniformizador do discurso político, feito através daquilo a que os franceses chamam "elementos de linguagem". Por mero acaso, há uns anos, em casa de um amigo comum, tive o ensejo de conhecer pessoalmente Bilger, autor de um blogue muito popular, a quem ouvi de viva voz a sua preocupação pelo risco de degradação do debate público, fruto de uma espécie de "template" discursivo que tende a substituir a livre formulação de um pensamento crítico.
 
À época, já estava muito em voga em França o conceito de "elementos de linguagem". De que se trata? É uma espécie de cartilha temática, usada pelos grupos políticos, que permite que, na expressão pública de opiniões, nomeadamente perante a comunicação social, as figuras do mesmo setor político tenham um discurso basicamente comum, não divergindo na mensagem que divulgam. Antes de darem uma entrevista ou serem ouvidos por uma televisão ou uma rádio sobre um tema da atualidade, essas figuras passam pela sede do partido onde recebem um texto com as linhas básicas que devem defender. Os "elementos de linguagem" fazem hoje também parte integrante das políticas públicas francesas, constituindo, por exemplo, uma regra para os seus diplomatas.
 
Percebo as preocupações de Philippe Bilger, como entendo as de Francisco de Assis, mas, correndo o risco de estar a parecer retrógrado, devo dizer que tenho pena que, em Portugal, as forças e os agentes políticos não recorram a esse fator uniformizador que são os "elementos de linguagem". É que o caráter caótico do nosso discurso público, onde cada um diz o que lhe vai "na real gana", é hoje um elemento descredibilizante dos nossos atores políticos.
 
Querem um exemplo? Veja-se o governo português e as confusões que regularmente são criadas pelo facto de, aparentemente, cada um vir dizer a público o que lhe apetece, sem rigor na forma e com "nuances" que dão uma imagem de permanente descoordenação. E não falo no PS, onde, às vezes, parece reinar uma espécie de "coordenação pelo ouvido", sobre cuja eficácia me abstenho de elaborar.
 
Ontem, uma diplomata francesa, perante a minha revelação de que, entre nós, nunca distribuíamos folhas escritas com "elementos de linguagem", perguntava-me como é que se fazia então a coordenação das posições públicas. Saiu-me: "olhe, por Espírito Santo de orelha!" Fiquei com a sensação de que esta minha expressão idiomática, tendo em atenção a pressão obsessiva da atualidade, pode ter criado uma imensa confusão...

Rui Tovar

Morreu Rui Tovar, uma voz serena que me habituei a ouvir falar na televisão sobre futebol, com equilíbrio e sem as "hipérboles" de alguns "filósofos da bola" que por aí abundam.
 
Há pouco, ao jantar, Miguel Sousa Tavares lembrava a clássica frase de Tovar, num Portugal-República Checa, quando um jogador checo entrou isolado na área portuguesa e marcou um golo: "é o que dá deixarem um checo sem cobertura..."

quinta-feira, julho 03, 2014

"Até nos vermos lá em cima"

Hoje, pelas 19.00, vou fazer a apresentação no Instituto Franco-Português (avenida Luís Bívar, 91), na presença do autor, Pierre Lemaitre, o romance "Até nos vermos lá em cima", recentemente editado pelo "Clube do Autor".
 
Esta obra ganhou no ano passado, em França, o mais prestigioso galardão literário daquele país, o Prémio Goncourt.

O conselho e o Estado

Custa muito a compreender o sentido da reunião de hoje do Conselho de Estado. Recordo momentos graves da nossa vida política recente durante os quais o chefe de Estado não entendeu útil promover a reunião dos conselheiros, não obstante muitos terem então considerado que haveria fortes vantagens em que tivesse havido um debate aberto sobre a situação que se atravessava. Todos se lembrarão também da bizarra agenda da última reunião deste órgão, em total dessintonia com o momento político que então se vivia, o que levou a que as discussões se tivessem desviado do objetivo inicial. E já não é segredo para ninguém que muitos conselheiros continuam a não se reverem nas conclusões que, em seu nome, são extraídas no final das reuniões. 
 
O Presidente da República é dono e senhor das agendas do Conselho de Estado, que convoca quando muito bem entende. Porém, não se pode eximir a que haja juízos de valor sobre a oportunidade dessas convocatórias. E, por isso, também não se deve surpreender se houver quem considere que a reunião de hoje tem muito mais a ver com a necessidade do chefe de Estado "cumprir o calendário", por forma a poder vir a tentar demonstrar, porventura em benefício do prefácio do último dos seus "Roteiros", que fez tudo quanto estava ao seu alcance para promover "consensos" e que não terá sido por sua culpa que os mesmos não tiveram lugar. Com o devido respeito, o espaço nos livros de História não se ganha desta forma. 

quarta-feira, julho 02, 2014

Sophia de Mello Breyner

Um dia em que a poesia toma as notícias é um bom dia para um país. É bom sentir Portugal numa onda de consenso em torno de um nome das letras que, por direito próprio e incontestado, toma o caminho da imortalidade institucional. Marx dizia que a filosofia explicava o mundo, mas que era tempo de o transformar. Ouvi ontem Sophia de Mello Breyner, numa velha entrevista, dizer uma coisa similiar, relativizando a importância da sua poesia e apelando ao dever da intervenção cívica. Leiam Sophia de Mello Breyner! Faz bem.

Paulo Portas

Há precisamente um ano, Paulo Portas ameaçou sair do governo. Sabedor de que o CDS não o acompanharia, o primeiro-ministro "não aceitou" a resignação e ofereceu-lhe uma "promoção" que surpreendeu muita gente, desde logo no PSD, onde o gesto pareceu um "benefício do infrator". Mas Passos Coelho sabia o que fazia. Paulo Portas assumiu as novas funções e, dentro delas, a de "coordenador" da negociação com a "troika". Fez então o "tour" das instituições desta, tendo constatado uma total inflexibilidade face às propostas que apresentou. Imagina-se o sorriso irónico interior de Maria Luís Albuquerque. Recolheu a penates, concentrou-se na diplomacia empresarial, emergiu em conferências de imprensa, mas, para o que aqui importa, ficou sem qualquer margem de manobra para renovar publicamente as suas anteriores reticências face aos exageros do ajustamento, que eram o seu "fond de commerce" partidário, a alegada diferença face ao PSD. A um ano de distância, fico com a sensação de que o CDS perdeu quase toda a sua autonomia, deixou de ver reconhecida no eleitorado uma especificidade política própria, de tal modo Paulo Portas e os seus ministros, salvo um esbracejar fiscal tímido na economia, ficaram com a sua atividade dependente da agenda política do primeiro-ministro. E do PSD. Por isso, ou muito me engano ou Paulo Portas e o CDS estão numa grande encruzilhada. E isso não é sem consequências para a liberdade futura da sua política futura de alianças, se bem me faço compreender.

Troca de nomes

Há dias, falei por aqui das "brancas" que, por vezes, nos acontecem, quando queremos lembrar-nos do nome de alguém que está perto de nós. Outro caso, não menos ou ainda mais embaraçante, tem a ver com as trocas de nomes, que muitas vezes ocorrem.

Ontem, num almoço com diplomatas, alguém lembrou uma cena que ficou célebre num Conselho de ministros europeu. O ministro da Economia do Luxemburgo tinha um apelido que lembrava uma figura do tempo do III Reich, Goebbels. Esse político socialista luxemburguês é um homem simpático, que conheço pessoalmente e que sempre imaginei que, ao longo da sua vida, deve ter protagonizado vários episódios derivados do facto de partilhar o nome com o antigo ministro da Propaganda de Hitler.

Nessa reunião, o orador seguinte o Goebbels foi a comissária francesa, Edith Cresson. Querendo referir-se à intervenção que acabara de ouvir, cometeu um "pequeno" erro, por uma subliminar associação de ideias: tratou o ministro luxemburguês por "M. Goering", confundindo com o chefe da Força aérea da Alemanha nazi. Quem assistiu ao percalço diz que a sala se revelou divertida com o incidente, que o ministro visado não terá levado a mal.

Outro colega presente ao almoço de ontem recordou o dia em que o antigo secretário-geral da NATO, Joseph Luns, numa visita a Lisboa, ao dirigir-se ao embaixador português António Cascais, teve um lapso geográfico e o tratou por "Mr. Estoril"...

terça-feira, julho 01, 2014

Carlos do Carmo

Encontrei-o na passada semana, a jantar com Júlio Pomar. Divertido como sempre, falámos de coisas alegres da vida e da noite que ambos apreciamos. Concluimos que andamos os dois, muitas vezes, pelo "fuso de Caracas"...

Carlos do Carmo recebeu hoje um "Grammy" pela sua carreira, de mais de 50 anos. Ninguém o merece mais, no mundo da música em Portugal. Com a sua qualidade, a sua personalidade e o seu justo prestígio, Carlos do Carmo ajudou muito a projetar o Fado como a canção portuguesa que Amália fez conhecer pelo mundo, que a UNESCO consagrou como "património imaterial da Humanidade" e de que ele foi um digno "embaixador".

Parabéns, "colega"!

Sarkozy

Sarkozy detido! Não sou muito dado a surpresas, mas devo dizer que esta é uma notícia inesperada. Ver um presidente da V República sujeito à mesma disciplina pública de qualquer outro cidadão é uma "première" e diz muito de como o mundo mudou. 

Para o bem e para o mal, a sacralização da função presidencial diluiu-se definitivamente num país onde o prestígio da função era, em si mesmo, uma das forças constituintes do imaginário do próprio poder. A V República já não é o que era ou os seus presidentes já não são aquilo que nos habituáramos que fossem? Será que a responsabilização dos políticos já ganhou um estatuto irreversível? 

Não consigo deixar de comparar Sarkozy com Nixon. A mesma energia, uma inegável capacidade de ação e, a confirmarem-se estas imputações, o mesmo desprezo pelos princípios e uma lógica de fins a orientar-lhe a vida.

segunda-feira, junho 30, 2014

Depósito

Numa fila de um banco, na tarde de hoje, perdi quase meia hora para depositar um cheque. Somada outra meia hora nos correios (e começo a encanitar que por lá me tentem impingir coisas que nunca pensei nem penso comprar), bem como o calor da tarde, fiquei num estado de pré-fúria. 

Ao assinar a papelada, quando chegou o almejado momento do depósito, lembrei-me dos tempos longínquos em que fui funcionário da Caixa Geral de Depósitos e da regra que então ouvi de um colega mais velho:

- Ó Seixas, aprenda-me bem isto: para depositar, aceita-se em papel de cartucho. Para levantar paínço, isso já fia mais fino!

Santos populares

Este ano, "deu-me" para os Santos Populares. Andei a noite de Santo António por Alfama, fui ao Porto passar o São João e, ontem, estive no São Pedro, em Sintra. De Santos, só me faltou poder saudar o Fernando, que há pouco se viu definitivamente grego contra a Costa Rica.
 
E foi em Sintra que deparei com esta curiosidade, no seu belo Museu do Brinquedo. Um "recuerdo" dos anos 30, que revela bem o que mobilizava a juventude de então. Ora o museu, segundo aí me informaram, vai fechar. Ainda será efeito da "troika"? Eu sei que, com estas montras, não será fácil obter a boa vontade alemã. Mas não haverá mesmo uma "chance" de evitar o encerramento, caro dr. Basílio Horta? 

domingo, junho 29, 2014

Luis Fontoura (1933-2014)

Soube, há minutos, na intervenção televisiva de Marcelo Rebelo de Sousa, que morreu Luís Fontoura.
 
O Luís é um homem a quem devo um gesto de imensa, e inesperada, simpatia, num momento difícil da minha vida profissional. Nunca esqueci essa atitude, por parte de quem eu pensava que me conhecia mal. Esse abraço telefónico - e foram então muito poucos, mas bons... - foi o início de uma bela amizade e de uma aproximação que se reforçou com os tempos.
 
Encontrei-me, pela primeira vez, com Luís Fontoura, em 1973. Foi em "A Capital", o jornal a cujo conselho de administração ele presidia. Eu era militar, de visita de estudo ao jornal (já um dia contei a história aqui). Desde esse momento, guardei dele a imagem de um homem frontal, com ideias claras e vontade de as dizer. Alto.

Quase uma década mais tarde, o Luís foi a Angola, como secretário de Estado da Cooperação. Recordo um jantar, organizado pelo Fernando Andresen, na sua "suite" do "Trópico" (as "suites" eram, então, o que era possível nessa época...), onde ambos vivíamos. Foi uma noite interessantíssima, com o Luís a revelar-nos episódios pitorescos da vida política lisboeta, que ele comentava com imensa graça. Luís Fontoura passou depois pela presidência do então ICEP, estrutura a que deu um "abanão" de modernidade, que sempre avaliei muito positivamente (ao contrário de alguns amigos meus). E trabalhou muito na "nossa Escola", no ISCSP, onde lecionava. 
 
Fomo-nos sempre encontrando e comunicando, embora a espaços. Ele, grande e generoso, dava-me aqueles abraços imensos, seguidos de gargalhadas, as mais das vezes destinadas à evocação de figuras em relação às quais comungávamos uma distância crítica, de bom senso e bom gosto. Muito nos rimos...
 
Há cerca de dois anos, telefonou-me: tinha sido nomeado presidente da Comissão que ia rever o Conceito estratégico de Defesa e convidava-me para fazer parte desse grupo que tinha como mandato debater e redigir esse texto. Expliquei-lhe que, estando a viver em França, me era difícil assegurar uma participação capaz. Mas ninguém dizia que não a Luís Fontoura. E tive imenso gosto e senti-me muito honrado por fazer parte do grupo e dar o meu modesto contributo ao trabalho liderado por Luís Fontoura. Uma noite de setembro de 2012, em férias em Albi, em França, cerca da meia-noite, o Luís telefonou-me a pedir um texto sobre um determinado tema. "Você quer isso para quando?". "Para daqui a horas, claro! Ó Francisco, você faz isso com uma perna às costas!". Eram "apenas" três páginas. Lá estive eu, até às quatro da manhã, agarrado ao computador, a "produzir" a minha contribuição. Não era possível dizer que não ao Luís...
 
Um dia, já regressado a Lisboa, combinámos almoçar. No "Coelho da Rocha", mesa que ele muito apreciava. Surpreendentemente, o Luís não apareceu. A meio do almoço, telefonou a desculpar-se: "Desculpe lá! Tive de ir de urgência tratar um dos meus cancros", disse-me com a ligeireza, irónica e desafiante, com que se atrevia a tourear a fortuna. O "Coelho da Rocha" já desapareceu, há uns meses. O Luís, esse grande homem de bem, desapareceu hoje. O que me deixa muito triste. E agora, se me permitem, vou velá-lo à Estrela.   

Isabel Arriaga e Cunha

A jornalista Isabel Arriaga e Cunha deixa agora o "Público", depois de uma longa estada junto das instituições europeias.

Um dia falarei, aqui ou algures, da relação nem sempre fácil entre os políticos (que episodicamente fui, num passado já distante) e os jornalistas, no tratamento das questões europeias. As respetivas agendas nem sempre coincidem, à curiosidade destes últimos opõe-se o interesse de discrição dos primeiros e as visões dos factos são, por vezes, bem opostas. E, não raramente, aquilo que para uns é importante que seja destacado confronta-se com uma diferente ordem de prioridades dos outros.

Nesses tempos europeus, tive com a Isabel Arriaga e Cunha algumas divergências. Hoje posso confessar que, dentre os muitos - e alguns bem competentes - jornalistas portugueses que cruzei pelos corredores bruxelenses, a Isabel foi sempre a figura mais "difícil". Profunda conhecedora dos dossiês, com uma rede invejável de contactos, dispunha sempre de elementos que dificultavam a "venda" das nossa versão dos assuntos e, nas conferências de imprensa, fazia "aquela" pergunta que nós desejaríamos que não fosse feita. É o melhor elogio profissional que lhe posso fazer.

Um dia, à margem de um Conselho europeu, em Dublin, tivemos uma troca dura de argumentos, já nem sei bem porquê. À noite, de Lisboa, do "Público", a Teresa de Sousa, telefonou-me para o hotel: a Isabel ficara sentida com as minhas palavras, com o que eu dissera no calor dessa conversa. Passaram algumas semanas e o Manuel Menezes organizou um almoço de "reconciliação" no Luxemburgo. Ficámos amigos e, com o tempo, creio que a nossa visão dos temas europeus se foi aproximando.

Desde que deixei as lides europeias, passei a confiar nas análises conjugadas da Isabel e da Teresa de Sousa para melhor perceber a evolução dos grandes dossiês bruxelenses. De uma forma séria, rigorosa e sem "agenda" seguidista, elas têm-me ajudado a acompanhar esse mundo fascinante e crescentemente mutante, de que depende e muito continuará a depender o nosso destino como país.

Independentemente da solução que o "Público" possa encontrar para a substituição de Isabel Arriaga e Cunha, tenho a certeza que a sua escrita informada e a sua lucidez analítica me vão fazer muita falta.  

Para o que me havia de dar!

O empregado do restaurante ficou um pouco banzado, mas lá serviu, como eu tinha pedido, uma ameixa de Elvas a acompanhar o Toucinho do Céu. ...