Os diplomatas em postos distantes acabam por tornar-se, por vezes, figuras algo solitárias. Trocam impressões com os colaboradores, mas o afastamento da capital faz-lhes, frequentemente, perder alguma influência na "casa". Alguns tentam compensar essa distância com o cultivo de redes pessoais de contacto telefónico, agora que o Skipe e uma rede interna gratuita tornaram tudo mais fácil. Mas, apesar disso, um posto no estrangeiro longínquo acaba por ser sempre uma espécie de satélite desprotegido da "secretaria de Estado" - o nome que damos à nossa "sede", ao MNE em Lisboa.
Quase todos os postos vivem com maiores ou menores dificuldades, com problemas logísticos e de pessoal a resolver. Não raramente, o envio de comunicações oficiais ou algumas chamadas telefónicas para amigos e conhecidos não são suficientes para ultrapassar os problemas. A capital vive assoberbada de pedidos de ordem material ou em matéria de recursos humanos os quais, cumulativamente, representam sempre muito mais do que aquilo que manifestamente pode dar. E hierarquizar esses pedidos é muito complexo.
Quando os embaixadores ou os cônsules percebem que as coisas chegaram a um ponto em que não conseguem ter uma resposta satisfatória de Lisboa, e se acaso a ocasião se proporciona, recorrem a um método já clássico: o "atracão" aos políticos de passagem, o aproveitamento "intenso" de episódicos contactos com o ministro ou com os secretários de Estado.
Uma sala de aeroporto ou os carros são, em geral, os cenários deste tipo de abordagens, quase sempre detestadas por todos os membros do Governo.
Uma sala de aeroporto ou os carros são, em geral, os cenários deste tipo de abordagens, quase sempre detestadas por todos os membros do Governo.
A tática é vetusta. O governante, por simpatia, pergunta ao embaixador: "Então como vai por cá?". Mal ele sabe a porta que abriu... Com maior ou menor subtileza, o homem avança: "Sabe, é muito difícil trabalhar com pouco pessoal. Estou à espera de um colaborador, há meses. O secretário-geral já mo prometeu, mas nada! Se, no regresso a Lisboa, pudesse dar um jeito, ficava-lhe gratíssimo".
O segundo nível é mais móvel, é o próprio carro. Um rúido de motor ou um qualquer percalço técnico, dá logo aso a um pedido: "Peço-lhe desculpa pelo estado desta viatura, mas ando há meses a insistir com Lisboa para a substituir. Este carro está no limite. Espero mesmo que, hoje, não nos deixe ficar mal. Acha que o seu gabinete poderia dar uma palavra ao 4º andar sobre isto?", sendo o "4º andar" a área administrativa do MNE.
Finalmente, o mais clássico: a casa. Um "tour du propriétaire" por zonas degradadas da residência é um "must" para tentar convencer os governantes da necessidade (muitas vezes, bem verdadeira e evidente) de se fazerem obras, de se comparem uns sofás ou de se proceder uma mudança: "Julgo que já se deu conta que esta casa não está em condições para receber ninguém. Estes sofás estão velhos e continuo sem ter resposta aos pedidos que fiz para pinturas e para o telhado. Quer ver o estado do telhado?". O governante não quer, claro. O que quer, desesperadamente, é deixar de ouvir as lamúrias. Os colegas mais ousados invocam mesmo, em despero de causa, o orgulho nacional: "Estou cansado de dizer a Lisboa que esta casa não está à altura da imagem de Portugal neste país. Olho para os meus colegas europeus e é uma vergonha! Temos de mudar de casa. Temos perdido ótimas oportunidades, não é que eu não avise!, mas dizem-me que as Finanças se opõem. Não poderia dar-me uma ajuda?".
Os ministros e secretários de Estado, muito frequentemente, até reconhecem que os diplomatas têm razão, que as coisas são difíceis em muitos postos, que a casa ou o carro ou os móveis não estão, de facto, em condições. E que falta pessoal. Só que as coisas são o que são, os orçamentos também, "as Finanças" são impiedosas. E, as mais das vezes, nessas visitas às capitais, têm a cabeça noutro lado, estão preocupados com outras coisas, não têm tempo nem paciência para o exercício de preocupação em "micromanagement" que os diplomatas deles esperariam.
Não é fácil a vida no MNE. Para todos!