sábado, abril 07, 2012

O atracão

Os diplomatas em postos distantes acabam por tornar-se, por vezes, figuras algo solitárias. Trocam impressões com os colaboradores, mas o afastamento da capital faz-lhes, frequentemente, perder alguma influência na "casa". Alguns tentam compensar essa distância com o cultivo de redes pessoais de contacto telefónico, agora que o Skipe e uma rede interna gratuita tornaram tudo mais fácil. Mas, apesar disso, um posto no estrangeiro longínquo acaba por ser sempre uma espécie de satélite desprotegido da "secretaria de Estado" - o nome que damos à nossa "sede", ao MNE em Lisboa.

Quase todos os postos vivem com maiores ou menores dificuldades, com problemas logísticos e de pessoal a resolver. Não raramente, o envio de comunicações oficiais ou algumas chamadas telefónicas para amigos e conhecidos não são suficientes para ultrapassar os problemas. A capital vive assoberbada de pedidos de ordem material ou em matéria de recursos humanos os quais, cumulativamente, representam sempre muito mais do que aquilo que manifestamente pode dar. E hierarquizar esses pedidos é muito complexo.

Quando os embaixadores ou os cônsules percebem que as coisas chegaram a um ponto em que não conseguem ter uma resposta satisfatória de Lisboa, e se acaso a ocasião se proporciona, recorrem a um método já clássico: o "atracão" aos políticos de passagem, o aproveitamento "intenso" de episódicos contactos com o ministro ou com os secretários de Estado.

Uma sala de aeroporto ou os carros são, em geral, os cenários deste tipo de abordagens, quase sempre detestadas por todos os membros do Governo.

A tática é vetusta. O governante, por simpatia, pergunta ao embaixador: "Então como vai por cá?". Mal ele sabe a porta que abriu... Com maior ou menor subtileza, o homem avança: "Sabe, é muito difícil trabalhar com pouco pessoal. Estou à espera de um colaborador, há meses. O secretário-geral já mo prometeu, mas nada! Se, no regresso a Lisboa, pudesse dar um jeito, ficava-lhe gratíssimo".

O segundo nível é mais móvel, é o próprio carro. Um rúido de motor ou um qualquer percalço técnico, dá logo aso a um pedido: "Peço-lhe desculpa pelo estado desta viatura, mas ando há meses a insistir com Lisboa para a substituir. Este carro está no limite. Espero mesmo que, hoje, não nos deixe ficar mal. Acha que o seu gabinete poderia dar uma palavra ao 4º andar sobre isto?", sendo o "4º andar" a área administrativa do MNE.

Finalmente, o mais clássico: a casa. Um "tour du propriétaire" por zonas degradadas da residência é um "must" para tentar convencer os governantes da necessidade (muitas vezes, bem verdadeira e evidente) de se fazerem obras, de se comparem uns sofás ou de se proceder uma mudança: "Julgo que já se deu conta que esta casa não está em condições para receber ninguém. Estes sofás estão velhos e continuo sem ter resposta aos pedidos que fiz para pinturas e para o telhado. Quer ver o estado do telhado?". O governante não quer, claro. O que quer, desesperadamente, é deixar de ouvir as lamúrias. Os colegas mais ousados invocam mesmo, em despero de causa, o orgulho nacional: "Estou cansado de dizer a Lisboa que esta casa não está à altura da imagem de Portugal neste país. Olho para os meus colegas europeus e é uma vergonha! Temos de mudar de casa. Temos perdido ótimas oportunidades, não é que eu não avise!, mas dizem-me que as Finanças se opõem. Não poderia dar-me uma ajuda?".

Os ministros e secretários de Estado, muito frequentemente, até reconhecem que os diplomatas têm razão, que as coisas são difíceis em muitos postos, que a casa ou o carro ou os móveis não estão, de facto, em condições. E que falta pessoal. Só que as coisas são o que são, os orçamentos também, "as Finanças" são impiedosas. E, as mais das vezes, nessas visitas às capitais, têm a cabeça noutro lado, estão preocupados com outras coisas, não têm tempo nem paciência para o exercício de preocupação em "micromanagement" que os diplomatas deles esperariam.

Não é fácil a vida no MNE. Para todos!

A sogra

E aquele diplomata, cujo nível de conhecimentos em matéria de línguas se exauria na travessia do Caia, explicava pelo telefone, perante o embaraço da pessoa francesa que o convidara para jantar, da necessidade de levar também a sogra, chegada de surpresa: "J'irais avec ma femme et la mère d'elle".

Esta historieta (verdadeira, como todas as que publico por aqui), que prova que a língua francesa também pode ser muito traiçoeira, foi-me recordada, na passada semana, por um estimado colega.

Deixo-a com votos de boa Páscoa para todos.

quarta-feira, abril 04, 2012

"Encarnados"


Uma tarde, há muitos anos, numa sala de um serviço do MNE na Visconde Valmor, anunciei a um colega, sportinguista como eu, que tinha decidido ir nessa noite apoiar o Benfica, à Luz, num jogo internacional qualquer. Ele olhou-me, grave, e, em voz baixa, esclareceu-me, definitivo e alvaladicamente crítico: "um verdadeiro sportinguista nunca deseja uma vitória do Benfica, seja contra quem for". 

Imaginei ontem esse colega, cofiando o bigode, consolado, lá no Luxemburgo, com o golo (portista?) de Raul Meireles, que colocou um ponto na ambição europeia dos encarnados. (Sabiam que, por assim ter sido determinado pela censura, no tempo de Salazar, nunca ninguém mais ousou dizer ou escrever "vermelhos", referindo-se ao Benfica, embora não se hesite fazê-lo quando se fala dos cartões?). Esse amigo, no entanto, terá de convir que, para além do resultado, o Benfica fez um grande jogo, lutou com imensa dignidade e foi fortemente prejudicado por uma arbitragem tendenciosa.

Talvez seja por ser um "mau" sportinguista, mas confesso a minha incapacidade em não desejar a vitória de qualquer equipa portuguesa que dispute competições internacionais. 

Zé Guilherme

A "manga" do aeroporto de Orly que, no passado fim de semana, ligava ao avião da TAP para o Porto, fazia um cotovelo, o que permitia aos passageiros ler, com facilidade, o nome do aparelho: "Francisco d'Hollanda". À minha frente, dois "letrados", um tanto ajavardados, comentavam: "estes tipos até põem nomes de holandeses aos aviões da TAP, vê lá tu!". Ao que, quiçá premonitório, o outro respondeu: "daqui a uns tempos vão ter nomes chineses, ai vão, vão!"

Entendi não valer a pena explicar que Francisco d'Hollanda foi uma das figuras mais proeminentes da arte portuguesa no século XVI. Lembro-me bem de, no momento, ter pensado que o meu amigo e embaixador José Guilherme Stichini Vilela havia escrito um pequeno livro sobre Francisco d'Hollanda - coisa que eu descobri por acaso, um dia, numa livraria, e a que ele, para minha surpresa, nunca atribuiu grande importância.

Prestes a regressar a Paris, dois dias depois, já no aeroporto do Porto, recebi um telefonema, a dar-me conta da morte do Zé Guilherme.

Coincidimos em posto, em Luanda, nos anos 80, nesse tempo inesquecível em que, com António Pinto da França e Fernando Andresen Guimarães, todos juntos, conseguimos transformar um período profissional tenso e potencialmente abafante numa divertida aventura de vida - também com o Miguel Chalbert, a Ana Poppe, o António Vallera, a Élia Rodrigues, o Fernando Valpaços, os "Guedais" (Vasco, Sérgio e Zé Tó), a Bá e o Pedro, a Lena e o Bo Backstrom, a Alzira e o João Sobral Costa e tantos e tantos outros.

Até então, eu conhecia mal o Zé Guilherme. Desde aí, ficámos, para sempre, muito amigos e pelo mundo nos fomos encontrando, às vezes com alguma regularidade, outras vezes nem tanto - em Argel e em Londres, no Rio de Janeiro ou em Istambul. Fizemos magníficas férias juntos (lembras-te, Alda?) e, para sempre, o Zé Guilherme passou a ser um membro da nossa família. Era, para nós, como que um irmão mais velho, que às vezes parecia até bem mais novo. Era um congregador de afetos, generoso sem limites, dedicado aos outros, mesmo a alguns que o não mereceram. Muito culto, com um imenso bom gosto, tinha uma grande abertura ao novo e ao diferente, criando, com naturalidade e sem esforço, novos amigos e conhecidos, quase sempre gente muito diversa e interessante. E, às vezes, não.

Falámos pelo telefone, há muito pouco tempo. Desafiei-o a vir visitar-nos a Paris, onde tinha vivido, por duas vezes, no início da sua carreira. Respondeu-me com um discurso cansado e algo desiludido. Mas, depois, na ciclotimia de ânimo que era muito sua, mandou-nos um belo texto de ficção, que escreveu e que hesitava se devia ou não em publicar em livro. E, dias mais tarde, inscreveu-se como "amigo" no Facebook, com uma foto onde exibia um chapéu de palhinha, ao jeito da vida bem informal que agora levava.

O Zé Guilherme fazia parte daquelas pessoas de quem nos sentimos muitos próximos e que, porque não "frequentadas" com a regularidade que desejaríamos, em especial durante a nossa última década de permanência contínua no estrangeiro, tínhamos "reservado" para um convívio futuro mais assíduo, nos tempos mais calmos de ocupações que estão aí para vir. Mas não, já não vai ser possível usufruir do seu sorriso delicado e algo triste, das conversas serenas que alimentava, da sua imensa paciência para os erros dos amigos e, também, da sua crescente impaciência para as posturas dos idiotas. As amizades, como tenho vindo a aprender, não podem ter férias. Assumo a minha quota-parte de culpa nalguma solidão em que ele se foi fechando e em que acabou os dias.

Um imenso abraço, Zé Guilherme, até sempre. 

terça-feira, abril 03, 2012

Cante alentejano



Nos últimos dias, suscitou alguma polémica a decisão governamental de não apresentar à UNESCO, no corrente ano, a candidatura do Cante Alentejano ao estatuto de património cultural imaterial da Humanidade. A comissão promotora da iniciativa, ecoando o sentimento de outros apoiantes da mesma, manifestou o seu desagrado por esta tomada de posição.

É compreensível o desapontamento que atravessa as comunidades alentejanas que estiveram envolvidas na preparação do projeto, às quais tinha sido criada uma expetativa temporal para a conclusão do mesmo. Devo dizer, porém, que entendo menos bem algumas despropositadas e menos elegantes acusações personalizadas que surgiram neste contexto, que apenas posso levar à conta de exagerada emoção entretanto suscitada. 

Desde o primeiro momento que os interlocutores que, no quadro do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Lisboa e em Paris, dialogaram com os representantes da candidatura deixaram muito claro serem amplamente favoráveis à iniciativa, a qual, aliás, desde o início estimularam. Esse terá sido também o sentimento das altas autoridades do Estado e outras personalidades que expressaram o seu apoio à mesma. Toda essa solidariedade para com o projeto era dada, naturalmente, no pressuposto de que a candidatura seria apresentada com condições de pleno sucesso, tanto mais que, no caso de uma eventual rejeição, o processo teria de esperar cerca de cinco anos antes de poder ser repetido, com o incontornável efeito negativo que tal decisão não deixaria de ter na memória interna da própria UNESCO.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros não tem, no seu seio, uma "expertise" própria, pelo que, como em casos análogos, teria sempre que se apoiar, para a formulação do seu juízo sobre a oportunidade de apresentação da candidatura, em opiniões técnicas abalizadas, nomeadamente as que se projetam na comissão científica que a própria organização criou.

A comissão científica da candidatura foi presidida pelo professor Rui Vieira Nery, que já exercera idênticas funções na recente e bem sucedida candidatura do Fado ao estatuto agora pretendido pelo Cante Alentejano. O professor Vieira Nery pediu, entretanto, demissão do cargo e, ao fazê-lo, deixou algumas críticas àquilo que entendia serem alguns pontos menos consistentes desta candidatura. Sem desprimor para os restantes membros, a pessoa que, de forma unânime, era considerada como imediatamente mais qualificada, no seio da comissão científica, era a professora Salwa Castelo-Branco, a quem, aliás,os promotores da candidatura haviam solicitado a revisão final do respetivo processo. Ora também esta eminente especialista, conjuntamente com outro membro da comissão, considerou que, no seu estado atual de preparação, a candidatura teria fragilidades que poderiam conduzir à sua rejeição.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros - e não apenas a Comissão Nacional da UNESCO, como erradamente é sugerido - entendeu que, perante estas abalizadas opiniões e em tais condições, constituiria um elevado risco propor a candidatura este ano. Nada do trabalho já feito, na laboriosa preparação do dossiê que foi desenvolvida, se perderá. Apenas se pretende que, no tempo que agora temos pela frente, possam vir a ser colmatadas as deficiências e os problemas entretando detetados.

Todos temos interesse em que ao Cante Alentejano seja dado um estatuto internacional à altura da indiscutível qualidade que esta manifestação popular tem, como fator identitário de uma região e como património cultural de prestígio do próprio país. Por isso, com serenidade e redobrado rigor, vamos trabalhar para que, num prazo que esperamos curto, possamos apresentar na UNESCO uma candidatura de sucesso do Cante Alentejano.

(Artigo que hoje publico no "Diário de Notícias")

"Diplomatas exigem promoções"

É este, hoje, o título de uma "notícia" no diário delas. O leitor, com naturalidade, pensará: a diplomacia está em polvorosa, os embaixadores planeiam greves, vem aí uma contestação forte e quase inédita, numa classe profissional tida por tradicionalmente serena.

Vai-se a ver e o que diz o texto?: "o Sindicato dos Trabalhadores Consulares e das Missões Diplomáticas exigiu ontem que o governo proceda ao descongelamento das promoções nos serviços externos do MNE". Se o jornal tivesse procurado informar-se um pouco mais teria sabido que se trata de um sindicato que agrupa, precisamente, o pessoal que não é diplomático.

Mas que interessa isso, garantida que está a atenção do leitor, ao "jornalista" que fez o corta-e-cola do "take" da agência, encimando-o com um título simplista, "à maneira" a que o mau jornalismo português nos está a habituar?

segunda-feira, abril 02, 2012

O vinho do Porto e a economia

Hoje, numa conversa a propósito da promoção do vinho do Porto, falávamos da relação "cerimoniosa" que os portugueses tradicionalmente têm com aquele que é o seu produto vinícola mais prestigiado. A meu ver, o vinho do Porto teve, durante muitos anos, o caráter de uma bebida "engravatada", consumida em momentos solenes e formais, mas que nunca foi - até pelo seu preço - uma bebida popular. As coisas estão agora a mudar, a tipologia dos Portos está a alargar-se, há já, pelos bares, imaginativas combinações que têm a bebida no seu centro e, como é natural, isso está a trazer um novo tipo de consumidores e a fazer ganhar àquele vinho faixas diferentes no mercado nacional.

Em França, há também um longo caminho a percorrer na promoção do vinho do Porto. Os franceses são, nos dias de hoje, os principais consumidores internacionais de Porto, tendo já ultrapassado o tradicional mercado inglês, que se deixou ficar para trás. Porém, o vinho do Porto que surge nos escaparates deste país, sendo quantitativamente relevante, é, em regra, qualitatativamente bastante pobre. Várias vezes tenho mostrado o meu desagrado em restaurantes franceses de renome porque, lado a lado a cognacs, whiskies ou vodkas da melhor qualidade, nos são propostos vinhos do Porto verdadeiramente medíocres. Embora procurando sempre não afirmar, em público, que um produto nacional que nos está a ser servido tem escassa qualidade, vou encontrando maneiras hábeis de explicar que a apresentação aos clientes de outro tipo de Porto estaria mais à altura do prestígio da "casa"...

Com o Instituto dos Vinhos do Douro e Porto, bem como com alguns produtores, a Embaixada e a sua delegação da AICEP, tem em curso um conjunto de operações promocionais destinadas a fazer ganhar espaço a Portos de muito maior qualidade, que aqui continuam a não ser consumidos, apenas porque são desconhecidos do mercado. E, nesse esforço, procuramos frequentemente promover os vinhos de mesa do Douro e o turismo da região, ligando a isso o núcleo do Turismo de Portugal que conosco trabalha.

Esta manhã, numa escola hoteleira de Paris, concluiu-se um ano de trabalho que envolveu 50 escolas hoteleiras, com sensibilização de cerca de 1500 alunos, permitindo um melhor conhecimento das diversas categorias de Porto existentes e fazendo a sua ligação criativa a produtos alimentares franceses. Os alunos e as escolas, com o apoio de companhias vinícolas portuguesas, apresentaram criativas propostas de harmonização. O projeto vai continuar para o ano, com o apoio do Ministério francês da Educação, com mais escolas, mais alunos e com estímulos vários, que incluem prémios de viagem à zona vinícola do Douro. Este é um trabalho de sensibilização que tem efeitos a prazo - isto é, apostando no tempo em que esses alunos virão a ser os novos profissionais da hotelaria.

Com os atuais profissionais estamos também a trabalhar. Daqui a semanas, a Embaixada em Paris receberá os convidados do "Masters of Port", no termo de um processo de eleição dos "sommeliers" franceses que se revelem mais conhecedores do nosso vinho do Porto. É ainda pouco? É o que se pode e deve fazer, utilizando com muito critério os recursos financeiros disponíveis e os meios que nos é dado poder utilizar.

Nas relações económicas externas, é o somatório de muitos destes esforços pontuais que pode conduzir a resultados comerciais globais positivos, que tentamos que sejam sustentados. As empresas portuguesas - que é quem faz os negócios, entenda-se! - revelam uma fácil ligação ao mercado francês, muitas vezes mobilizadas por setores empresariais complementares da nossa comunidade, nomeadamente os que se juntam na operativa Câmara de Comércio o Indústria Franco-Portuguesa. No ano de 2011, creio que pela primeira vez desde há muito e muito tempo, a balança comercial portuguesa com a França apresentou um saldo a nosso favor. O turismo de origem francesa tem vindo a ganhar espaço no mercado português, tendo mostrado, em anos recentes em que os mais tradicionais emissores decaíram, uma tendência crescente. E, "last but not least", a França converteu-se hoje no principal país investidor estrangeiro em Portugal. 

domingo, abril 01, 2012

O dia das verdades

Por razões que julgo óbvias, não me agrada muito a utilização do termo "resgate", aplicado ao acordo de ajuda internacional de que Portugal beneficia. Porém, segundo o léxico jornalístico, é essa a figura a que o nosso país se viu obrigado a recorrer, há cerca de um ano, no auge de uma complexa situação financeira, num cenário de tensão social e política interna, que conduziu a eleições legislativas antecipadas. 

O jornal "Público" tenta, na sua edição de hoje, fazer a história possível desse período político, desenhando, pela coleta de testemunhos e pela produção de inferências, o que terão sido esses agitados dias no seio das nossas instituições e contactos externos.

O interesse em explorar a história imediata é sempre muito grande e compreensível. Mas porque não existe uma suficiente distância no tempo, porque haverá atores e figurantes que ainda guardam as suas cartas junto ao peito, porque as versões dos factos não são neutrais face ao jogo político, esse esforço de leitura corre sempre o imenso risco de ser parcelar e lacunar e, por essa via, de ficar aquém do rigor descritivo e interpretativo que seria, não só desejável, mas eventualmente mais próximo da realidade dos factos. Essa é a sina eterna do jornalismo e dos jornalistas, que alguém já qualificou como os "impacientes da História". No entanto, essa limitação não desvaloriza a recolha de dados feita, bem como a mostra do confronto de perspetivas.

Daqui a alguns anos, a história diplomática portuguesa, recolhida em capitais por onde passaram algumas das decisões que também ajudaram a formatar o saldo desses dias, poderá vir a dar a sua contribuição para tornar bastante mais nítido esse mesmo retrato, quiçá conferindo-lhe inesperadas cores e fazendo surgir, sobre a paisagem de fundo, novos matizes em eventos e factos que, por ora, estão apenas desenhados a traços grossos. Esse dia, porém, está ainda bastante longe de ter chegado.

sábado, março 31, 2012

Sonhos

Na parede de uma paragem de autocarros na aldeia de Lixa do Alvão, ontem, ao final da tarde.

quinta-feira, março 29, 2012

Protocolo

O meu colega e amigo embaixador José Bouza Serrano publicou, há poucas semanas, o "Livro do Protocolo".

Muitos de quantos se interrogam, por vezes de forma irónica, sobre a "liturgia" do cerimonial oficial teriam vantagem em visitar esse volume, como forma de entenderem melhor a importância do protocolo na vida dos Estados e nas relações internacionais. E também para aprenderem algumas coisas básicas, que ajudam à convivência, permitem superar equívocos e facilitam as relações, dando indicações preciosas sobre comportamentos e práticas adequadas.

De Gaulle, bem atento aos símbolos, dizia que o protocolo era a "ordem da República". Na minha vida profissional, sendo embora muito atreito a olhar as coisas da forma mais simples e desformalizada que for possível, aprendi a ter um grande respeito pelas regras protocolares, porque elas são, imensas vezes, o esqueleto que permite manter - de forma muito distante do caráter fútil que se lhes atribui - um equilíbrio saudável na vida oficial. Também me dei conta, em muitas ocasiões, que essas regras são, muito para além disso, um modo discreto de suprir faltas de educação de muita (dita boa) gente.

Para olhares menos atentos, o protocolo surge uma atividade marcada pela "ligeireza", pelo "maneirismo", pelo snobismo impositivo. Não é nada disso. Nas relações internacionais, não damos conta do protocolo até ao momento em que uma falha nesse âmbito tenha lugar. Quanto tal acontece, é um "aqui d'el rei!" geral, um mal estar das personalidades políticas, comentários jocosos da imprensa, olhares enviezados de colegas menos atentos, por vezes com sensíveis efeitos na substância das relações políticas. Desde há muito que criei um profundo respeito pelos diplomatas e técnicos que se encarregam do protocolo de Estado português. E eles sabem-no.

Quando entrei para o serviço diplomático, a nossa "bíblia" protocolar era "o Serres", o "Manuel pratique du protocole", uma obra de Jean Serres, de 1965. Mais tarde, na tradição francesa que fez muita escola em Portugal, tornou-se-me útil (e mais divertido, pela sua escrita solta) o "Guide du protocole et des usages", de Jacques Gandouin, que até já tem uma "édition de poche". Mas, devo dizer, até porque tem uma vertente importante em matéria de Direito internacional, que continuo a ser um incondicional fã do britânico "Satow's guide for diplomatic practice", que já vai em muitas e renovadas edições, desde a original de 1917. Tenho, além disso, umas boas dezenas de outras obras sobre protocolo diplomático, em outras línguas - para além das que já encomendei, à luz da bibliografia citada neste novo "Livro do protocolo".

Havendo regras internacionais que enquadram as práticas protocolares, a verdade é que cada país cria também o seu próprio protocolo, pelo que as "liturgias" variam de Estado para Estado, para além de, naturalmente, evoluírem com os tempos. Em Portugal, o livro "Regras do cerimonial português", do embaixador Hélder Mendonça e Cunha, foi, durante muito tempo, a obra referencial. Todos tínhamos "o Hélder" nas nossas estantes, para resolver questões de precedências, colocação e ordem de condecorações, regras para os lugares à mesa em cerimónias, cartões e tipo de convites, etc. Mais tarde, o embaixador José Calvet de Magalhães, com o seu magnífico "Manuel diplomático" (uma espécie de "Satow's" em português), trouxe uma atualização sensata ao "Hélder", para além de ser uma obra com outro fôlego e justificada ambição.

Agora, o José Bouza Serrano, com cultura, inteligência e um insuperável bom-gosto e elegância, transpõe para livro o caldo da sua longa (e muito bem sucedida) experiência como diplomata e, em especial, como chefe do Protocolo do Estado. Por isso, este seu livro passa a ser uma nova "bíblia", embora talvez não tão laica e plebeia como eu gostaria que fosse (e ele sabe porque digo isto...). Mas trata-se, sem a menos sombra de dúvida, de uma obra muito importante, uma incontornável (como agora se diz) referência na matéria, cuja consulta - mesmo para gente fora "dos Estrangeiros" - fortemente recomendo.

Termino com uma frase significativa de Jaime Gama, no prefácio deste trabalho: "Vencer o preconceito em torno do protocolo é um ato de maturidade que aperfeiçoa as sociedades e lhes confere um acrescido grau de liberdade, porque lhes acrescenta civilização".

Humor

Há dias, foi-se o Chico Anísio. Agora, desaparece o Millôr Fernandes.

Deixa-nos tristes gente que nos punha alegres.

quarta-feira, março 28, 2012

Proibições

Recordação que, há semanas, trouxe de Sloane Street, em Londres

(Declaração de interesses: não fumo nem nunca fumei)

segunda-feira, março 26, 2012

O adido

MNE, há mais de 30 anos. 

O diretor-geral, à secretária, de óculos na ponta do nariz, lia lentamente a informação de serviço que o adido de embaixada tinha preparado. De pé, o chefe de repartição e o jovem autor do texto mantinham-se num reverente silêncio, esperando o veredito.

Acabada a leitura, o diretor-geral levantou os olhos, deu um leve suspiro, olhou para o adido e disse: "Deixe ficar o papel", com uma implícita indicação de que o funcionário poderia retirar-se. 

Quando ficou a sós com o chefe de repartição, este último, pressentindo algum desagrado no modo como o seu superior tinha acolhido o texto, perguntou: "Não gostou da informação? Posso mandar refazê-la...".

O diretor-geral não respondeu logo. Levantou-se, caminhou para a janela e ficou a ver a ponte sobre o Tejo. Segundos depois, voltou-se, encarou o chefe de repartição, deu um suspiro ainda mais longo e inquiriu: "Você sabe quando é que este tipo entrou na carreira?". 

- Julgo que foi no concurso de há cerca de dois anos. Porquê?

- Por nada. Ele não tem culpa nenhuma, é apenas um incompetente que não sabe escrever português e que vai demorar alguns anos até se tornar num funcionário sofrível. Até lá, quem sofre é o Estado. O que eu gostava de saber é quem foram os cretinos dos membros do júri de admissão que o não chumbaram...

domingo, março 25, 2012

Classes

Encontrei-o há dias. Careca, mais gordo, mais velho, reformado, mas sempre com aquele sorriso jovial, o mesmo que tinha quando andávamos envolvidos nas "guerras" políticas radicais dos anos 70. Falámos do país e dos dramas caseiros.

- Felizmente que pertencemos a uma geração realizada, comentou. Lembras-te quando lutávamos por uma sociedade sem classes?

Eu lembrava-me, mas não percebia onde ele queria chegar.

- Pois bem. Conseguimos o que queríamos: temos por aqui uma sociedade sem classe nenhuma...

Continua um exagerado.

sábado, março 24, 2012

Isolados

Sporting "isola-se" (!), provisoriamente (!) no 4º (!) lugar, depois de bater o ameaçado de descida de divisão Feirense (!), por 1-0 (!), de penalti (!)- leio num site qualquer, que também regista os "bocejos dos adeptos, uma contradição de emoções, felizes por ganharem, mas cansados com a monotonia".

Caramba! Que alegria deve ser, a julgar pela imagem junta! Porque será que, embora assumido "leão", não me apetece comemorar (muito)?

O norte e a diplomacia

Era a minha primeira viagem a Portugal, como embaixador em França. Estava na sala de executiva de Orly e, a certo ponto, perguntei à simpática senhora da TAP se não era já hora do meu voo. Sossegou-me, dizendo que ainda tinha muito tempo. Minutos depois, com um vago pressentimento, levantei-me e fui ver o quadro eletrónico na parede: o voo já estava em "dernier appel". Agarrei as minhas coisas e, de forma apressada, encaminhei-me para a porta. A senhora da TAP interrompeu-me:

- Mas olhe que ainda tem muito tempo! Ainda não chamaram para o embarque.

- Essa agora! Está ali bem claro, no voo para o Porto, que já é a última chamada.

- Ah! mas vai para o Porto!? É que o embaixadores portugueses vão sempre para Lisboa...

A senhora ficou a saber que a regra tinha algumas exceções: também há embaixadores do norte.

sexta-feira, março 23, 2012

Clubites

O Futebol Clube do Porto apresentou uma queixa contra uma professora que, nas suas aulas, divulgou uma corruptela do "Atirei c'o pau ao gato", a qual acaba dizendo: "“vai-te embora pulga maldita/batata frita/viva o Benfica". Azul de indignação, o pai de uma criança "violentada" por esta terrível distorsão educativa, terá mobilizado a atenção da agremiação nortenha para o que se considerou serem os novos "fascistas do gosto". Para o clube, em severa declaração pública, "mais grave é que a adulteração da letra é prática diária e repetida três vezes ao dia, não só no jardim-infância da Ericeira, mas também em todas as escolas do pré-escolar do agrupamento e noutras de Lisboa e Cascais".

Sendo este blogue - por insuperável e endémico "lagartismo" - totalmente insuspeito da mais leve simpatia por ambas as partes envolvidas neste decisivo conflito - desde os "lampiões" do Colombo aos "andrades" do Pérola Negra -, apetece deixar aqui uma imensa gargalhada informática face a estes sintomas de ridícula clubite, só possíveis num país que ainda se permite levar a sério uns maduros que, com ar grave e espaço mediático, transformam um divertido espetáculo, em que uma maioria de estrangeiros dá uns pontapés e umas cabeçadas numa bola, vestidos com camisolas atulhadas de publicidade e com "patrióticos" emblemas que a maioria dos "artistas" só traz no coração porque andam junto ao peito, num severo "casus belli" educativo. Só espero que ninguém, dos lados de Alvalade, venha a lembrar-se de subscrever este protesto contra o "outro lado da segunda circular".

Serei eu que estou a ver mal as coisas ou anda tudo doido? 

quinta-feira, março 22, 2012

Argélia

É muito interessante acompanhar o modo como a França de hoje, 50 anos depois da independência da Argélia, reflete sobre esse passado relativamente recente, feito de uma guerra sangrenta e de grandes sacrifícios humanos, de parte a parte.

A guerra da Argélia mudou a França e colocou-a, a partir de então, sob uma herança histórica muito particular. Pode dizer-se que, durante muitos anos, houve por aqui como que um esforço, nunca abertamente assumido, de afastar o país desse tempo, talvez numa consciência subliminar de que a sua evocação arriscaria acordar velhos fantasmas. Curiosamente, terá sido o agravamento das tensões político-religiosas dentro da própria Argélia, a partir dos anos 90, que provocou, na França, o início de um surto de reflexão sobre aquela que foi a mais traumática das independências dos territórios sob sua administração. Dezenas de livros e muitos filmes passaram a trazer a um melhor conhecimento pelas novas gerações desse período convulso. Ouvindo testemunhos do período de confrontação, de ambos os lados do Mediterrâneo, fica uma clara sensação de que ainda há feridas bem abertas que, quem sabe?, talvez só possam ter a ganhar com este exorcismo de memória. É que a vida também prova que meter o passado sob o tapete só aumenta o risco de, um dia, nele tropeçarmos.

quarta-feira, março 21, 2012

Sondagens

Amigos e conhecidos (alguns bem conhecidos...) interrogam-me, algo perplexos, sobre o caráter algo errático das sondagens em torno das eleições presidenciais francesas. Umas contrariam as outras e as suas linhas tendenciais não são claras. Além disso, se tivermos em conta as margens técnicas de erro, então as coisas ficam ainda mais confusas.

Para quem quiser acompanhar, com algum rigor, essa estranha dança das sondagens, aqui deixo um precioso "link".

... e logo se vai ver!

Ver aqui .