sábado, fevereiro 04, 2012

Gioconda

Há dias, à saída de uma reunião, felicitava o meu colega espanhol por ter sido descoberta, nos fundos do museu do Prado, em Madrid, uma cópia da Gioconda, de Leonardo da Vinci, que se terá provado ser anterior à que está no museu do Louvre e que tantos milhões de visitantes tem atraído a Paris. 

O Carlos Bastarreche logo me retorquiu: "Cópia? A cópia é "aquilo" que está no Louvre. Para ver a Gioconda tem de se ir a Madrid!".

Para além da graça em si, devo dizer que sempre invejei, nos espanhóis, o modo desempoeirado e audacioso de assumir a sua grandeza, de afirmar, quiçá por vezes com alguma sobranceria, o que entendem ser o lugar do país no mundo. Muita da capacidade da Espanha de ultrapassar as suas divisões, de superar o peso de alguns das suas tragédias históricas, também deriva dessa atitude de nunca ter deixado de se olhar como o grande país que é, de conseguir transformar em força a sua fantástica diversidade cultural e humana e de ter tido a coragem de, em certos momentos, saber assumir algumas importantes ruturas.

Já fui criticado, aqui neste blogue, pelo facto de não me eximir a afirmar a minha admiração por Espanha. Resta-me acrescentar que, para que continue a poder manifestá-la, é condição sine qua non que Espanha e Portugal, reforçando embora a sua interdependência, continuem a ser duas entidades políticas bem distintas uma da outra, única forma que concebo para que possam continuar a alimentar entre si, de forma bem saudável e muito particular, "una cultura de vecindad".

sexta-feira, fevereiro 03, 2012

ONU

Pela voz do chefe da sua diplomacia, Portugal expressou no Conselho de Segurança o conjunto de razões pelas quais considera que a credibilidade daquele órgão da ONU ficará em causa se, através dele, não for possível dar expressão à indignação que atravessa os meios mais responsáveis da comunidade internacional, face à repressão sangrenta a que as autoridades sírias condenam grande parte da sua população.

A presença portuguesa no órgão mais relevante da ONU, lado a lado com outros países ocidentais, mas igualmente com parceiros do mundo árabe, defendendo os valores da paz, da tolerância e da democracia, é algo que dignifica o nosso país, que dá visibilidade a uma ação externa que é pautada pelo diálogo e pela busca de compromissos mas, igualmente, pela firmeza na defesa de princípios que entendemos essenciais para a construção uma sociedade internacional mais justa e mais estável.

Aqueles que, no passado, colocavam em dúvida o interesse e a racionalidade da opção por uma candidatura portuguesa ao Conselho de Segurança, interrogando-se sobre a utilidade desse esforço, podem ter agora a resposta através desta visibilidade de que Portugal usufrui. É que - como por aqui tenho dito várias vezes - existe por aí um país antigo, que o mundo vê hoje como um parceiro político sólido e confiável, que está muito para além das dificuldades na esfera económica que conjunturalmente atravessa. Esse é o país que a diplomacia portuguesa, como garante da continuidade da imagem externa de Portugal, procura representar e afirmar.

Blogue

E não é que nem tinha dado conta de que ontem, dia 2 de fevereiro, passaram exatamente três anos sobre a data em que este blogue se iniciou?

Com pertinácia e algum esforço, confesso, deixei por aqui colocados, sem qualquer ajuda alheia e sem um único dia de interrupção, mais de 2.100 posts, que foram objeto de mais de 17.100 comentários, oriundos de mais de 600 mil consultas de leitores, de 165 países, entre os quais se encontram 532 seguidores atentos. 

Tendo uma vida profissional bastante intensa (e que vai tornar-se ainda muito mais intensa, dentro de dias), com outros centros de interesse e diversas outras ocupações e compromissos, que preenchem as escassas horas vagas, às vezes ainda me pergunto como foi possível garantir esta regularidade. Mas a verdade é que foi...  

A brigada do asterisco

Desde 1 de janeiro, os serviços públicos estão, no cumprimento da lei, obrigados a utilizar o novo Acordo ortográfico, em toda a sua documentação. 

Para o vulgar cidadão, o uso ou não do acordo é naturalmente facultativo, como se nota, por exemplo, na significativa "brigada do asterisco", composta por colunistas que esclarecem, em orgulhosos pés-de-página, nos jornais em que debitam doutrina, a sua inquebrantável fidelidade à escrita do "tempo da outra senhora". Estão no seu pleníssimo direito, como o estava um velho familiar meu, que sempre dizia que ia à "pharmácia com 'pêagá' ", seguindo o "acordo ortográphico" do seu tempo de infância.

Ontem, ficou-se a saber que o novo diretor do Centro Cultural de Belém mandou desinstalar os corretores ortográficos existentes nos computadores e determinou o regresso à vetusta ortografia. Uma coisa é, desde já, mais do que certa: com esta decisão, aliás plenamente coerente com o que sempre defendeu, Vasco Graça Moura passou a ter, como turiferários da sua nomeação, todos quantos militam contra o Acordo, como se observa nas imensas loas que já está a receber, na blogosfera e na imprensa. Além de coerente, Vasco Graça Moura provou, uma vez mais, ser hábil, inteligente e destemido.

Teremos que aguardar as cenas dos próximos capítulos para perceber se o Acordo Ortográfico está mesmo em vigor ou se, afinal, subsiste por aí uma "região autónoma" impune, espécie de aldeia de Astérix que resiste à "ditadura" da lei democrática, escudada num preciosismo interpretativo do estatuto da instituição. Para sermos mais claros, vamos ter oportunidade de observar se a aplicação do Acordo Ortográfico, na área oficial, é, afinal, "à vontade do freguês", isto é, sujeita a uma singular interpretação do Direito internacional "à moda dos Jerónimos", o que deixaria em alguma dificuldade a própria autoridade do Estado. Seria, aliás, o cúmulo da ironia se o "novo" CCB viesse, por esta via, a transformar-se na fortaleza do "regresso ao passado" ortográfico, uma espécie de sede informal da "brigada do asterisco" e outros protestantes correlativos, reunidos em eventos contestatários, perante o olhar embaraçado das autoridades e impotência do contribuinte que alimenta a instituição.

Valha-nos a certeza de que, com tudo isto, Portugal continua a provar que é um país muito patusco.

(Sei que muitos leitores deste blogue não concordarão com este post e, quiçá, estarão já entoando um renascido "Força, força, companheiro Vasco!"...)

Egito

Há uns anos, visitei, na sua casa no Cairo, um antigo e proeminente embaixador egípcio, que havia tido uma carreira brilhante, iniciada nos tempos de Gamal Abdel Nasser, que se prolongara pelo mandato de Anwar Al Sadat e se concluíra sob a égide de Hosny Mubarak. Era um homem altamente preparado, com imenso "mundo", que havia feito o circuito das mais importantes missões diplomáticas egípcias.

A conversa derivou, a certo passo, para a política, tendo eu evocado a sucessão de Mubarak. O tempo - foi há quase dez anos - das "primaveras árabes" estava ainda longe, mas ousei perguntar se não teria chegado o momento para uma abertura do regime, em direção ao pluripartidarismo, atenta a necessidade de esvaziar as tensões políticas.

O meu interlocutor olhou-me nos olhos e, embora nada surpreendido com a minha pergunta, para ele natural num observador ocidental, retorquiu-me: "Infelizmente, ao final desta minha vida, cheguei à conclusão que o Egito só pode ser gerido por um regime autoritário. As pessoas não estão educadas para a democracia e, se acaso esse sistema viesse aqui a ser introduzido, os extremistas islâmicos acabariam por transformar este país num polo de instabilidade. E os primeiros a sofrer seriam vocês, na Europa e na América, podem crer!".

Um amigo irlandês que me acompanhava nessa conversa olhou-me, na tentativa de perceber como iria reagir, já que tinha sido eu a suscitar a questão. Por respeito pelo idoso diplomata, arranjei um circunlóquio para evitar contraditá-lo, para lhe louvar as vantagens da liberdade, para lhe dizer que, também entre nós, havia quem dissesse que o povo português não estava preparado para a democracia e que, afinal, o sistema tinha-nos conquistado, sem sobressaltos de maior.

Há pouco mais de um ano, voltei ao Cairo. Recordo-me de ter notado, de forma muito nítida, o aumento de véus na cabeça das mulheres, em especial das jovens adolescentes. Confirmei que essa crescente tendência estava a impor-se, com muita rapidez, desde a minha última visita. Um outro egípcio, bem mais liberal, que tentava ajudar-me a interpretar a evolução do país, simplificou a realidade nestes termos: "Para as jovens egípcias, o véu é hoje uma espécie de farda...". Para logo acrescentar, baixando a voz: "Esperemos que não haja guerra!".

Hoje, lembrei-me destas duas conversas que tive no Egito.

quinta-feira, fevereiro 02, 2012

Gregos (2)

O "Financial Times" de hoje faz um link para o seu "Brussels blog", onde figura um texto sobre as diferenças entre a situação económico-financeira de Portugal e da Grécia. Não deixando de notar a relevância dos nossos números, o jornal reconhece algo muito importante quanto às dificuldades orçamentais por que passamos: "muita desta situação parece dever-se mais ao agravamento do clima económico na Europa do que à falta de vontade ou à inabilidade de Portugal para pôr em prática o tipo de reformas que a UE espera do país", sublinhando que, no relatório da S&P sobre Portugal, é "feita uma acusação às grandes questões de liderança europeia mais do que a qualquer específica dificuldade em Lisboa". Nada disto resolve os nossos problemas, mas pode ser que ajude um pouco a compreendê-los.

A "bíblia" do jornalismo económico mundial parece ter, porém, alguma dificuldade própria no decifrar do mundo ibérico: a fotografia que ilustra a notícia é de... Mariano Rajoy.

Paul Krugman

Há figuras que, de tanto as lermos, se nos tornam quase íntimas. Há dois dias, ao ouvir uma conferência do prémio Nobel da economia, Paul Krugman, senti algum "déjà vu", porque muitas das suas ideias, de tanto as ler nos artigos no "The New York Times", já se tornaram a sua imagem de marca. E, porque são conhecidas, essas ideias já quase não surpreendem, não deixando, contudo, de impressionar pela sua global coerência e racionalidade. 

(De há uns anos para cá, devo confessar que, sempre que me sinto tentado a concordar com as análises feitas por economistas, tenho, no segundo seguinte, uma reação de recuo e prudência. É que me lembro da definição: um economista é alguém que no futuro nos explicará a razão pela qual as previsões que fez no passado acabaram por não se confirmar no presente. Nem sempre é assim, mas...)

Durante a sua conferência, Krugman contou uma história a que assistiu, em 1999, numa conferência em Barcelona. Nela, o economista americano Larry Summers fez ver aos espanhóis os riscos que a sua economia sobre-endividada podia vir a correr, em especial pela "bolha" imobiliária que estava a gerar. A reação do auditório da conferência foi extremamente negativa, considerando alarmista e sem sentido a prevenção feita, nesse tempo em que se vivia uma onda de otimismo em Espanha, com saldo orçamental positivo. Para Krugman, esse momento ensinou-lhe que é praticamente impossível credibilizar alarmes quando a situação é lida pela generalidade das pessoas como estando a caminhar numa direção favorável. Isto é: só aprendemos à nossa própria custa.

quarta-feira, fevereiro 01, 2012

Gregos

Hoje, à volta de um almoço de trabalho, ouvi de muita a gente, pela enésima vez, a consoladora e elogiosa mensagem de que "Portugal não é como a Grécia".

Antes de fazerem o comentário, os seus autores olhavam em volta, não fosse o meu colega grego estar a ouvir... E eu tinha esperança que ali andasse alguém da "Standard and Poor's", da "Fitch" ou da "Moody's".

Joana Vasconcelos

Será também aqui, na galeria dos espelhos do palácio de Versalhes, que Joana Vasconcelos, a genial criadora artística portuguesa, irá colocar, dentro de meses, algumas das peças criadas expressamente para uma exposição que já se anuncia como marcante na vida cultural em França.

Ontem, com Joana e alguns mecenas e promotores desse evento, estive em Versalhes para uma jornada de lançamento. O verão em Versalhes vai ter cores portuguesas.

terça-feira, janeiro 31, 2012

Nós e a crise

Será no dia 8 de março. A conferência tem por título "Portugal, a Europa e a crise económica e financeira internacional" e é organizada pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), em Lisboa. 

É com muito gosto que participarei nessa justa homenagem ao professor António Romão, catedrático e antigo presidente do ISEG. Veja o programa aqui.

segunda-feira, janeiro 30, 2012

"Diplomatas"

Reproduzo hoje aqui, porque há novas razões para o fazer, um post que publiquei no dia 5 de junho de 2011:

"A nossa imprensa é sempre muito lesta quando lhe cheira a qualquer esturro que possa ligar-se negativamente à imagem da diplomacia lusa.

Há meses, um "cônsul honorário" na Alemanha apareceu envolvido em maroscas financeiras. De imediato, os títulos e os textos apontavam para "diplomata recebe luvas em negócio" ou "diplomata acusado de corrupção".

Há dias, um "vice-cônsul" no Brasil, uma categoria administrativa em má hora recém-renascida, que alguns, premonitoriamente, advertiram que poderia vir a redundar em "vício-consulados", foi acusado de desvio de fundos. Como era expectável, a comunicação social logo trouxe títulos como "diplomata roubou" e coisas do mesmo jaez.

Vamos a ver se nos entendemos: ambos os cavalheiros envolvidos no que parece serem atividades criminosas* não são diplomatas - eu diria mesmo, estão mesmo muito longe de o serem. A qualidade de "cônsul honorário" ou de "vice-cônsul", que, por todo o mundo, é exercida por pessoas geralmente muito estimáveis e de impecável honestidade, não confere a ninguém a qualidade de "diplomata", categoria profissional que tem requisitos de formação, recrutamento e responsabilidade muito específicos. Repito: um "cônsul honorário" ou um "vice-cônsul" são categorias funcionais que nada têm a ver com a carreira diplomática, salvo na circunstância de exercerem uma atividade na dependência desta.

Por essa razão, é completamente abusivo utilizar o termo "diplomata" para qualificar quem o não é, fazendo recair sobre uma profissão os "salpicos" de eventual falta de ética de quantos, noutra qualidade, agem em nome do Estado português no exterior.

Só lamento** que a entidade representativa dos diplomatas portugueses (que, por alguma razão, se não chama "sindicato dos diplomatas e ofícios correlativos"...) não tenha saído a terreiro em todos os casos, pondo "os pontos nos is", denunciando a difamação e ensinando, por uma vez, aos plumitivos de serviço aquilo que a sua profissão, pelos vistos, não lhes soube ensinar."

*Em tempo: o vice-cônsul na Alemanha foi já condenado. O vice-cônsul no Brasil está fugido

**Em 1.2.02, a Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses veio a público clarificar este assunto. Fico satisfeito.

Livrarias

A livraria Portugal, na rua do Carmo, em Lisboa, vai fechar. A Camões, no Rio de Janeiro, atravessa muitas dificuldades.

Para quem gosta de livros, estas notícias não são agradáveis. Por mim, não tenciono comprar um "kindle".

domingo, janeiro 29, 2012

Curt Mayer-Clason (1911-2012)

Ontem, dei-me conta pelo jornais de que morreu, em Munique, com 101 anos, Curt Meyer-Clason.

O nome dirá pouco a gerações recentes, mas a cultura e a liberdade criativa ficaram a dever bastante a este alemão, que dirigiu o Instituto Goethe, em Lisboa, entre 1969 e 1976. 

Viveu duas guerras e duas derrotas alemãs. Durante a 2ª guerra mundial esteve internado num campo de "observação", no Brasil, onde estava como representante comercial, como estrangeiro suspeito, depois de Getúlio Vargas ter decidido mudar de posição em favor dos aliados. Foi na detenção que tomou conhecimento dos grandes escritores brasileiros, tendo-se tornado para sempre íntimo de Guimarães Rosa. Regressado à Alemanha, em 1954, editou e escreveu livros, tendo-se dedicado a traduzir e a fazer conhecer uma imensidão de autores de língua portuguesa e espanhola. 

Mas foi a chefia do centro cultural Goethe, ao Campo de Santana, onde me recordo dele a preponderar com uma pronúncia bizarra da nossa língua, que trouxe Meyer-Clason mais perto de alguns portugueses. O seu "Diários portugueses" dá conta desse tempo, sendo o livro um culto olhar estrangeiro sobre nós próprios. A instituição que chefiava funcionou com um saudável espaço de acolhimento, de que a cultura democrática portuguesa muito beneficiou. Rui Vieira Nery chamou-lhe "um polo insubstituível de produção artística de vanguarda e um espaço de liberdade criativa inusitada no meio das brumas da censura e da repressão". Sem partidarismos nem radicalismos, Meyer-Clason soube perceber os anseios de um certo Portugal e entender que por aí passava a chave do futuro do país.

Na hora do desaparecimento de Curt Meyer-Clason, e para que não se diga que a nossa memória se torna ingrata, quero aqui deixar uma palavra de saudade por um homem que também ajudou a construir a nossa liberdade.

O primeiro dia

Hoje, acordei a cantarolar isto.

Comentários

O tema da liberdade de expressão e da utilização das caixas de comentários, ligadas às edições informáticas dos jornais, é hoje abordado no "Diário de Notícias" por Ferreira Fernandes, de um modo em que me revejo.

Valeria a pena fazer um estudo sócio-psicológico do que se escreve nesses espaços da nossa imprensa, sob nomes falsos, em moldes muitas vezes insultuosos, dando curso a rumores e a insídias que esses escribas nunca teriam a coragem de colocar, se houvesse lugar a uma clara identificação do autor. Com grande irresponsabilidade, esses sítios informáticos abrem as suas colunas a energúmenos que, sob um cobarde anonimato, dizem o que lhes vem à cabeça, como quem escreve numa parede de um WC público, embora neste caso haja a atenuante do nível que o lugar inspira.

Às vezes, salta por aí uma frase desesperada: "não foi para isto que se fez o 25 de abril!". É verdade. A liberdade da Revolução dos cravos não foi criada para abrir caminho à impunidade. A liberdade de expressão é um bem suficientemente sagrado para não ser colocado em causa por quem dela se aproveita para a expressão vulgar dos seus ódios e fantasmas pessoais. É que, pouco a pouco, o surgimento de uma reação legítima contra esses abusos pode vir a criar um ambiente propício ao apelo a certos tipo de censura. A solução? Muito simples: acabar com os anonimatos e pseudónimos e só aceitar comentários sob o nome registado e público de quem os escreve. Podem crer que a "coragem" se esvairia.

sábado, janeiro 28, 2012

Outros tempos

Um programa de televisão trouxe-nos, ontem à noite, Régis Debray e Jean-Pierre Chevènement, num debate interessante, onde o conceito do "sagrado" serviu a Debray para uma brilhante incursão filosófica e a Chevènement para abordar a "sacralização" que, a sua ver, importa manter como elemento identitário do poder de Estado.

Debray e Chevènement fazem parte das minhas memórias de juventude. Com o primeiro, "viajei" os tempos em que andara com Guevara nas matas da Bolívia, nessa desesperada e infausta tentativa de criar "um, dois, três, mil Vietnames". Com o segundo, segui as páginas dos "Cahiers" do CERES (Centre d'Études e Recherches Socialistes), o início da aventura cívica desse homem quase solitário, em quem o soberanismo não matou, por completo, uma certa ideia de Europa. Ambos trabalharam com Mitterrand, embora de modo desigual. Hoje, Debray escreve filosofia e ensina. Chevènement também escreve sobre as águas políticas que ainda teima em agitar.

Há cerca de dois anos, fui apresentado a Jean-Pierre Chevènement. Perguntou-me várias coisas sobre Portugal e quis saber por onde andava Otelo. Otelo é, por aqui, um nome recorrente na memória dos tempos de abril, um período que se liga fortemente à imagem contemporânea de Portugal.

No ano passado, falei com Régis Debray, para convidá-lo a vir à Embaixada, para um debate com uma figura portuguesa, sobre as diferenças no conceito de República, entre a França e Portugal. Não recusou em absoluto, mas foi dizendo que o tema não estava já no centro das suas preocupações (eu lembrava-me dos seus "Que vive la République!" e do "La République expliquée à ma fille"). Sugeriu-me que convidasse... Jean-Pierre Chevènement.

Por razões várias, o meu projeto não teve sequência. Ontem, ao vê-los, juntos e cúmplices de um passado onde cruzaram as suas fidelidades, lembrei-me deles noutros tempos. E, sei lá bem porquê!, também de mim, nesses mesmos tempos.

quinta-feira, janeiro 26, 2012

Para cantar até amanhã

When I get older losing my hair many years from now
Will you still be sending me a valentine,
Birthday greetings, bottle of wine?
If I'd been out til quarter to three would you lock the door?
Will you still need me, will you still feed me,
when I'm sixty-four?

Oh, you'll be older too - Ah!
And if you say the word, I could stay with you

I could be handy mending a fuse when your lights have gone
You can knit a sweater by the fireside,
Sunday mornings, go for a ride
Doing the garden, digging the weeds, who could ask for more?
Will you still need me, will you still feed me,
when I'm sixty-four?

Every summer we could rent a cottage in the Isle of White,
If it's not too dear
We shall skrimp and save, grandchildren at your knees,
Vera, Chuck, and Dave

Send me a postcard, drop me a line stating point of view
Indicate precisely what you mean to say,
Yours sincerely, wasting away
Give me an answer, fill in a form, mine forevermore
Will you still need me, will you still feed me,
when I'm sixty-four?

Prognósticos

Com crescente regularidade, amigos e conhecidos portugueses perguntam a minha opinião sobre o possível desfecho das próximas eleições presidenciais francesas. Lamento sempre não poder satisfazer a sua curiosidade, mas a verdade é que um diplomata estrangeiro não sabe, sobre este assunto, mais do que... os franceses, que são quem acabará por escolher o seu presidente, para os cinco anos seguintes. E eles também não sabem...

Se há algo que aprendi na vida diplomática foi relativizar a minha própria opinião. E a não acreditar na minha presciência. Uma das vantagens da rotação regular dos embaixadores, entre os vários postos, tem a ver com a necessidade de produzir olhares novos sobre a realidade local. A experiência mostra que um diplomata que se eterniza num posto, independentemente de poder, por essa via, garantir um grande conhecimento da vida e da sociedade do país, de criar uma rede forte de interlocução e teste de ideias, pode também facilmente acabar por "go native" (isto é, passar a ter as reações de um local) ou perder o rigor na perspetiva de observação das mutações no país onde está acreditado. É que, rotinado numa certa leitura, um diplomata que fique por muito tempo num posto pode não estar aberto ao surgimento de novas realidades ou, confrontado com elas, pode ser tentado a rejeitá-las por as considerar incompatíveis com a grelha de observação em que se viciou.

Há uma história, auto-crítica, que costumo contar, passada comigo em Angola, nos anos 80. À chegada do novo embaixador, António Pinto da França, desenhei-lhe um quadro muito completo da relação de forças no seio do comité central do MPLA. Expliquei-lhe quem era quem, o que cada um representava, qual a política de alianças de grupos que prevalecia, tudo isso com o objetivo de apontar para aquilo que iriam ser as mudanças na liderança angolana, a ocorrerem no próximo congresso do partido.

O novo embaixador tomou nota mas, por si próprio, com os conhecimentos que entretanto foi criando, começou a fazer as suas próprias avaliações e juízos. Passado algum tempo, dei-me conta de que os telegramas que enviava para Lisboa, sobre a situação política interna angolana, começavam a afastar-se da linha que eu tinha como correta. Mais: a sua leitura sobre as personalidades que iam subir ou descer no próximo congresso do MPLA começava a divergir fortemente daquela que eu, observador com mais de três anos da vida política local, considerava dever ser transmitida às nossas autoridades. Isso preocupava-me. As minhas fontes, que tinha por excelentes e testadas, eram perentórias sobre as hipóteses de evolução tendencial do equilíbrio político, mas eu não conseguia convencer disso o meu embaixador. Não querendo contrariá-lo, lembro-me de ter trocado impressões sobre o assunto com outros diplomatas em posto, com vista a que o tentassem chamar à razão, reverter o caminho errado pelo qual prosseguia nas suas análises, cada vez mais diferentes das minhas. Mas não tive qualquer sucesso.

"To make a long story short", como dizem os anglo-saxónicos, as coisas passaram-se exatamente como o embaixador António Pinto da França as estava a ver e não como eu pensava que elas iam ser. O tempo em posto, por vezes, "desajuda" mais do que favorece.

Mas, afinal, qual é a minha perspetiva sobre o que sucederá politicamente em França, neste primeiro e decisivo semestre? O que penso sobre o assunto reservo-o, naturalmente, para as minhas autoridades. Mas devo adiantar que, nesta matéria, é capaz de ser prudente seguir o famoso preceito daquele lateral-direito de uma equipa do norte que, perguntado sobre como via a partida que o seu clube ia disputar, adiantou, com simplória sabedoria: "Prognósticos? Só no fim do jogo".   

Paula Rego

O novo Centro Cultural da Fundação Calouste Gulbenkian em Paris começa o ano da melhor forma: uma bela exposição de Paula Rego, uma pintora portuguesa que a França não conhece bem e a quem o Reino Unido, que não brinca em serviço em tudo quanto tem real qualidade, costuma qualificar como "Portuguese born British painter". Paula Rego vive em Londres desde os anos 50, mas a sua pintura nunca abandonou a memória da sua infância e juventude em Portugal, onde agora tem um belo museu.

Tenho pena de não haver um filme da fantástica explicação por ela dada a Mário Soares, em 1993, sob o olhar da comitiva que acompanhava a visita presidencial ao Reino Unido, mostrando as figuras representadas no mural que foi convidada a pintar na "Sainsbury wing", da National Gallery. Naquele seu jeito de simplicidade quase desarmante, que às vezes parece contrastar com a genial brutalidade de algumas das suas alegorias, Paula Rego desenhava em palavras cada personagem e revelava os modelos reais em que se inspirara: "Aquele é um homem que ia a minha casa trabalhar, aquela é uma senhora que faz limpeza lá em baixo, na cave do museu, e que eu convidei para posar..."

quarta-feira, janeiro 25, 2012

Álcool

Más notícias para a vinicultura!

Hoje, tive um almoço de trabalho com gente da banca. Praticamente ninguém tocou em vinho, durante toda a refeição. Ontem, ofereci um jantar, em casa, a figuras ligadas à vida académica. Ninguém aceitou um digestivo. Anteontem, estive num almoço em que foi convidado um proeminente político francês. Nem ele, nem a maioria dos presentes, passaram da "Évian" ou da "Perrier".

Começo a ficar preocupado com esta deriva espartana. No meu caso, confesso, reajo. A diplomacia económica obriga a sacrifícios.

... e logo se vai ver!

Ver aqui .