sábado, dezembro 12, 2009

Salazar


Encomendado através da Amazon - com uma simplicidade que agrava seriamente o meu espaço livresco - acabo de receber este "Salazar - a political biography", da autoria de Felipe Ribeiro de Menezes, editado em Nova Iorque, pela Enigma Books.

Ainda vou no início das suas 644 páginas, mas já deu para entender que estamos perante a primeira grande biografia séria de António de Oliveira Salazar. O trabalho de pesquisa e de referência é notável, o texto é construído com ritmo e elegância. Este livro, pela sua qualidade, afasta-se das "hagiografias" salazarentas de que o exemplo maior são os seis volumes de Franco Nogueira. Desta vez, estamos, finalmente, no terreno da História e Salazar passa a ter uma biografia a um nível similar àquele que Paul Preston dedicou a Franco.

sexta-feira, dezembro 11, 2009

Isabel Meirelles


Ontem, numa comunicação que me mandou, Cruzeiro Seixas referia-se a Isabel Meyrelles como uma "velha amiga desde os anos 40, em que a liberdade não nos era dada, mas conquistada minuto a minuto".

Há meses, já falámos aqui de Isabel Meyrelles, uma personalidade artística da escola surrealista portuguesa a quem hoje, em representação do Presidente da República, entreguei as insígnias da comenda da Ordem de Sant'Iago da Espada, numa cerimónia que organizei na Embaixada, a que estiveram presentes alguns dos seus amigos de Paris.

Na acto de entrega, sublinhei que a mesma se destinava a premiar o "mérito literário, científico e artístico" e, como curiosidade, referi que estávamos perante uma insígnia fundada em 1170. Na mensagem que enviou para a ocasião, o secretário de Estado das Comunidades Portugueses referiu-se a Isabel Meyrelles como "uma das mais significativas figuras da nossa diáspora".

Devo confessar que foi com particular gosto que fiz entrega desta condecoração. Isabel Meyrelles não faz parte do grupo de artistas incessantemente incensados pela crítica e pela comunicação social, mas o seu trabalho como escultora, tradutora e divulgadora das culturas que se expressam em português há muito que merecia este reconhecimento.

Clima




A propósito da reunião de Copenhague sobre o clima, António Guterres publica hoje no "International Herald Tribune" um artigo muito interessante em que analisa os efeitos das alterações climáticas nas movimentações forçadas das populações.

No texto, diz uma verdade que às vezes alguns esquecem: "O que se pode dizer, com considerável certeza, é que o impacto da mudança climática será sentido mais fortemente pelos países mais pobres, que são os menos responsáveis pelo fenómeno e que estão menos preparados para lidar com ele".

quinta-feira, dezembro 10, 2009

A Estratégia de Bruxelas


Alguns Estados membros, acompanhados pelo presidente da Comissão Europeia,  propuseram formalmente, na revisão da Estratégia de Lisboa, ontem decidida, que o nome da capital portuguesa desaparecesse da designação deste processo de reforço da competitividade europeia. Passará a chamar UE-2020, por proposta da Comissão.

A Estratégia de Lisboa foi um projecto, aprovado em 2000 por todos os governos da União Europeia, que tinha como objectivo transformar a União Europeia na economia mais competitiva do mundo, com pleno emprego, no ano de 2010. Numa síntese arriscada, pode dizer-se que a Estratégia se baseava em duas ideias-chave, fruto da identificação dos elementos caracterizadores da distância que separava a economia europeia das que estavam mais avançadas: democratizar o acesso à sociedade de informação, promovendo um reforço da investigação e desenvolvimento no espaço europeu e aperfeiçoar o modelo social europeu, desenvolvendo a educação e a formação, pelo investimento nos recursos humanos, no combate à exclusão.

As áreas cobertas pela Estratégia, acordadas no Conselho Europeu de Lisboa, em Março de 2000, somavam-se às que eram já objecto de políticas comunitárias, as quais evoluiam sob proposta da Comissão Europeia, nomeadamente em matéria de promoção de emprego, reforço da livre circulação e coordenação macro-económica. Tratava-se, desta forma, de procurar obter a convergência progressiva de políticas que relevavam da competência dos governos nacionais e que foram consideradas como podendo ser o motor do crescimento sustentado da economia europeia. Isso era feito através do chamado "método aberto de coordenação", o qual procurava sublinhar as "melhores práticas" nacionais e, com o respectivo exemplo, estimular efeitos de arrastamento.

A Estratégia de Lisboa não era um programa português: era um programa aceite por unanimidade pelos chefes de governo dos "Quinze", com base numa proposta apresentada pela presidência portuguesa da União Europeia, então chefiada por António Guterres, o qual teve na professora Maria João Rodrigues a sua principal colaboradora. À época, a Estratégia mereceu os maiores encómios pelo seu carácter inovador. Aliás, muito se evoluiu, desde 2000, em vários dos seus objectivos. A metodologia da Estratégia é hoje apontada como inspiradora de diversos projectos, um pouco por todo o mundo. Estou à vontade para referir isto, porque nada tive a ver com o desenho da Estratégia, não obstante as responsabilidades que tinha, à época.

O sucesso pleno da Estratégia de Lisboa dependia, não das instituições da União Europeia, mas exclusivamente da vontade política dos seus Estados membros, da sua disponibilidade e empenhamento para levarem a cabo as reformas que as políticas nele desenhadas pressupunham. Foi essa vontade política que falhou, muito provavelmente porque a evolução da situação política, económica e social em alguns desses países justificou o abandono de certas linhas de trabalho. Não se diga, contudo, como já tenho visto escrito, que o "erro" da Estratégia foi não comportar mecanismos constrangentes. Foi precisamente pelo facto de, desde o início, os Estados considerarem que não estavam disponíveis para adoptar modelos constrangentes que levou a optar por fórmulas baseadas na exploração da vontade demonstrada por cada país, a cada momento. Se os Estados estivessem na disposição de forçar a adopção de medidas, bastar-lhes-ia ter comunitarizado tais políticas,  na revisão dos Tratados, colocando-as sob tutela de iniciativa da Comissão Europeia.

A Estratégia de Lisboa teve uma "revisão a meio do percurso", prevista no projecto inicial., que reorientou algumas das suas metas. Não obstante, à luz de factos imprevisíveis e de conjunturas diversas, alguns dos seus objectivos mostraram-se irrealistas, já não sendo vistos como adequados aos novos desafios emergentes. O alargamento da União Europeia trouxe também impactos que não eram previsíveis à época em que a Estratégia foi delineada. Impôs-se, assim, uma revisitação da Estratégia, para a reformar.

A UE-2020 vai agora substituir a Estratégia de Lisboa, readequando alguns dos anteriores projectos. Nada impedia, contudo, que continuasse a ter o mesmo nome. Boa sorte para a UE-2020.

Carlos Lopes


Conheci-o no país onde nasceu, a Guiné-Bissau, no final dos anos 80. Ao longo dos anos, voltámos a encontrar-nos várias vezes em Nova Iorque e em diversas outras paragens. Coincidimos por algum tempo no Brasil, onde era representante da ONU.

Carlos Lopes é um funcionário internacional especializado em questões de desenvolvimento, com uma carreira académica riquíssima e uma experiência que o levou a director do gabinete de Kofi Annan, entre outros cargos. Tem publicados mais de 20 livros. Actualmente desempenha as funções de director-geral do Instituto das Nações Unidas para a Formação e Pesquisa, a UNITAR, em Genebra.

Ontem, durante um almoço na Embaixada, ouvi-o com atenção sobre a situação actual que se vive no seio das Nações Unidas, em especial no quadro da crise económica e dos afloramentos institucionais que a mesma estimulou. Impressiona-me sempre a lucidez equilibrada deste homem, ao analisar o panorama internacional e ao abordar as grandes linhas de clivagem em cuja superação assentam hoje as hipóteses de um futuro de paz e estabilidade.     

quarta-feira, dezembro 09, 2009

Maria João Seixas


Já inventariámos os nossos antepassados e chegámos à conclusão que não temos qualquer parentesco. Mas, mesmo que o tivéssemos, não prescindiria de dizer aqui quanto me agradou a nomeação de Maria João Seixas para a presidência da Cinemateca Nacional.

Leiam ou assistam às suas entrevistas e percebam como é possível transpor para um diálogo a inteligência crítica e o sentido de oportunidade, revelando a capacidade de trazer a riqueza essencial do interlocutor à tona da conversa. Estou certo que Maria João Seixas vai fazer um excelente lugar, com uma programação que coloque a Cinemateca, de forma ainda mais evidente e eficaz, nos roteiros culturais da cidade de Lisboa.

Ah! e há um ponto importante. A Maria João sabe rir e não cultiva aquele ar sisudo de quem acha que a cultura e a frequência dos meios intelectuais impõem uma pesada gravitas, como os que parecem ter por nobre e prestigiado destino o transporte às costas de todas as angústias existenciais do mundo.

terça-feira, dezembro 08, 2009

Ainda Clara de Ovar


Há alguns meses, falou-se aqui de Clara de Ovar, um nome que teve o seu tempo parisiense, cidade onde criou um restaurante português e onde faria a sua estreia no cinema.

Na altura, pediram-se contribuições para a sua biografia e elas apareceram em comentários ao post então publicado.

Agora surgem novos e mais completos dados, que podem ser consultados aqui.

Brasil - um ano depois


Dia por dia, faz hoje precisamente um ano que deixei o Brasil.

Como memória desse tempo, fica o texto que então publiquei, na introdução ao meu livro "Tanto Mar? - Portugal, o Brasil e a Europa", e que pode ser lido aqui.

Previsões (2)


A propósito do post "Previsões", gostava de afirmar que, como qualquer mortal - e os diplomatas são simples mortais... -,  também já me enganei, e bem, em avaliações políticas.

Não tenho, aliás, qualquer dúvida em expor esses deslizes, como fiz na "Crónica de um erro diplomático" que publiquei no Diário Económico (16.5.07) e que pode ser lido aqui.

segunda-feira, dezembro 07, 2009

Caetano Veloso



Caetano Veloso é um compositor e um cantor excepcional. Há dois anos, em S. Paulo, apenas com uma viola e a sua voz, vi-o encher um palco e conquistar o público de uma forma que muito raramente acontece. Foi um dos melhores espectáculos a que já assisti.

Por uma razão que nunca descortinei, Caetano Veloso dá-se ares de intelectual e muita gente vai nisso, mesmo entre nós. É talvez a emulação com Chico Buarque que o leva a aventurar-se pelos caminhos do pensamento, onde tropeça em algumas notas, com uma presunção que se alimenta de ideias arrevezadas, de frases para parangona, de um "name-dropping" para provar não se sabe bem o quê. Nestes caminhos, hoje como no passado, assume com regularidade uma lusofobia que sabe tocar de perto o sentimento de uma certa intelectualidade.

Há dias, lá esteve na Casa Fernando Pessoa. Falou de Lula, para dizer esta pérola: "à luz tropical do sebastianismo de Pessoa via Agostinho, Lula surge a meus olhos como uma figura de grandeza histórica e épica. Uma grandeza do tipo épico em versos líricos que se encontra em ‘Mensagem’ [ao dizer isto, quase começa a rir-se, refere o Público]. Sinto ternura, simpatia, amor pelas figuras que pareçam carregar a tocha dessa caminhada em que me descobri implicado desde menino”.

Sobre as razões que levam o seu país a apreciar um presidente que “nem sequer concorde os artigos com os substantivos que usa, se elegendo e tendo 80 por cento de aprovação”, Caetano adianta tratar-se de um sinal “dessa originalidade brasileira” que vem do facto de “sermos portugueses, de termos sido colonizados dessa maneira que agradou ao Gilberto Freyre”. Mas que não agrada a Caetano, que talvez tivesse preferido os holandeses. Pois é, mas foram os portugueses, desculpa, ó Caetano!

E agora, se me permitem, vou começar a noite a ouvir o magnífico cantor que é Caetano Veloso.

Em tempo: Inês Pedrosa, em comentário, afirma que as citações reportadas pela imprensa foram decontextualizadas e que o texto completo confirmará isso. Concedo que possa ser assim, mas já ouvi, no passado, Caetano Veloso fazer considerações lusofóbicas. Mas fico a aguardar mais dados.

domingo, dezembro 06, 2009

Previsões

Há dias, o jornal "Le Figaro" trazia a notícia de que o representante consular da França no Dubai enviara a Paris, precisamente na véspera do anúncio do estado de colapso da economia daquele emirado, uma comunicação altamente optimista sobre a "saúde" das finanças do território, em chocante contraste com a realidade que viria a emergir 24 horas depois. O diplomata terá sido "chamado à pedra".

Para um profissional do mesmo ramo, não é uma boa notícia ver uma informação diplomática, certa ou errada, expedida sob confidencialidade, aparecer na praça pública. Porquê? Porque uma generalização dessa transparência acabaria por nos inibir a todos de dizermos às nossas autoridades o que pensamos, com grande e exposta franqueza, por vezes apoiados em dados confidenciais, citando fontes que querem permanecer discretas e fazendo comentários apreciativos sobre personalidades que devem manter-se restritos a um escasso número de leitores especializados. Sei que pode parecer "corporativo" estar a dizer isto, mas a avaliação sobre se erramos ou acertamos deve competir apenas aos nossos ministérios. Caso contrário, a diplomacia desaparece...

Este episódio fez-me recordar um outro, ocorrido nos anos 90, com uma representação portuguesa num determinado país. Por razões que se prendiam com as funções que eu então ocupava, lia com alguma particular atenção a evolução da respectiva situação política, interessando-me pela relação interna das suas forças político-partidárias, porque da sua resultante futura em termos de governo dependeriam certas decisões que eram relevantes para nós.

Um dia chegou daquela Embaixada um bem argumentado "telegrama" (expressão que usamos para qualificar as nossas comunicações) de avaliação da situação política interna, que apontava para uma insofismável vitória da esquerda nas eleições que aí iriam ter lugar dentro de alguns tempos.

Passou mais de um mês e caiu à minha frente um novo telegrama onde, sem se fazer a mínima referência ao anterior, o subscritor afirmava precisamente o contrário do que antes havia dito. Alguns dos argumentos anteriormente utilizados para apontar a plausibilidade de uma vitória da esquerda apareciam agora "reciclados" em suporte da sua nova tese: a direita ia ganhar, por todo um conjunto de "sólidas" razões. A contradição com o telegrama anterior era óbvia e flagrante, mas o nosso homem nem sequer se preocupou em justificar a sua mudança de opinião, que, aliás, contrariava o que o "The Economist" e o "Le Monde" previam.

Fiquei à espera dessa coisa temível para a diplomacia que são os factos. Uma semana e pouco depois, a esquerda ganhou as eleições nesse país, por grande margem. Pedi para me trazerem o telegrama de comentário da nossa Embaixada. Lá estava o que eu já presumia: o nosso homem não resistiu e escreveu: "como tive ocasião de reportar a Vexa através do meu X (número do primeiro telegrama), a esquerda saiu vencedora...". Se acaso tivesse sido a direita a ganhar, o telegrama mencionado teria sido o Y (o segundo telegrama) e o nosso diplomata, que se havia "sangrado em saúde" com a emissão de duas comunicações de sentido contrário, continuaria confortável. Só que, por vezes, por um azar dos Távoras que ocorre a este género de vivaços, há quem leia tudo... O homem já se reformou, sosseguem os curiosos!

Sedes

Uma noite, creio que em meados de 1973, numas instalações da rua Viriato que eram então ocupadas pela SEDES - esse clube de reflexão político-económica, de matriz liberal, que o marcelismo deixou criar e que ainda hoje subsiste -, assisti a uma palestra de Francisco de Sá Carneiro. Recordo-me de o ver chegar ao hall, muito sereno e sério, de gabardine preta, com uma postura erecta que disfarçava a sua pequena estatura. Já não me lembro do tema da charla, mas seguramente tinha a ver com a temática das liberdades, tocada no tom reformista que era o seu.

No final, com a sala apinhada, houve algumas perguntas. Marcelo Rebelo de Sousa fez uma. Sucedeu-lhe um outro jovem, que eu não conhecia, com um discurso muito articulado, que colocou uma daquelas longas falsas perguntas que, neste tipo de eventos, substitui a intervenção que gostariam de ter feito. Perguntei quem era, a um amigo que me acompanhava: "É um católico do Técnico. Dizem que é muito esperto. Chama-se António Guterres".

Duas décadas mais tarde, eu e esse amigo integraríamos os dois governos em que António Guterres foi primeiro-ministro.

sábado, dezembro 05, 2009

Sá Carneiro


Francisco Sá Carneiro, que há 29 anos morreu no desastre de Camarate, por acidente ou atentado, teria hoje 75 anos. O que lhe teria sucedido, no quadro da vida política portuguesa, se não tivesse desaparecido? A História não se compadece com este tipo de interrogações, mas a indiscutível preeminência de que dispunha na sua área política leva à presunção lógica de que se teria mantido em cenários de continuado protagonismo.

Sá Carneiro foi uma personalidade de recorte muito particular na vida política portuguesa. Convidado para deputado independente nas listas da União Nacional, cedo entrou em conflito com Marcelo Caetano, ao constatar a sua falta de vontade para promover uma clara abertura política. O ostensivo afastamento que veio a marcar face ao regime, antecedido de alguns gestos reveladores de coragem e determinação, criou-lhe um crédito político que veio a utilizar após o 25 de Abril, ao fundar aquele que viria a revelar-se um dos partidos fundamentais no novo regime democrático - o então chamado Partido Popular Democrático (PPD), mais tarde Partido Social Democrata (PSD).

Os seis anos da sua relação com o PPD não foram tempos fáceis, quer dentro desta formação política, quer na sociedade portuguesa em geral. Sá Carneiro, afectado por problemas de saúde, rupturas familiares, dissidências internas e acusações públicas que se viriam a revelar infundadas, mostrou ser uma figura com carisma, encarnando com muita firmeza um projecto liberal que, simultaneamente, se opunha ao prolongamento dos militares no eixo da vida política e às orientações dos vários sectores da esquerda, de quem se tornou uma clara "bête noire". A sua morte coincide com a derrota, cujas consequências iria ter de suportar, do seu candidato à presidência da República, o general Soares Carneiro.

O que teria acontecido em Portugal, com o general Eanes na presidência, com a contestação que Sá Carneiro seguramente lhe iria fazer, com a crise económica que levou à intervenção do FMI? Qual seria, por exemplo, o seu grau de disponibilidade para entrar numa solução de Bloco Central, como a que foi protagonizada por Mário Soares e Mota Pinto, que foi então considerado essencial para superar um momento muito delicado da vida portuguesa? Nunca o saberemos, embora o perfil de Francisco Sá Carneiro se afigurasse pouco consentâneo com esse tipo de compromissos. A pergunta permanecerá para sempre: o que teria acontecido a Sá Carneiro se não tivesse morrido naquela trágica noite, em Camarate?

(Peço de empréstimo ao meu amigo Alfredo Cunha esta excelente foto de Sá Carneiro)

Platini

Numa entrevista ao "Le Figaro", o actual presidente da UEFA e um dos maiores génios de sempre do futebol mumdial, Michel Platini, mostra-se fortemente contrário à introdução de meios de certificação de lances através de vídeo, como elemento complementar da arbitragem.

Para Platini, a televisão matou a arbitragem, mas não será ela que a vai salvar. A sua única proposta é a generalização do uso de mais dois fiscais por jogo, colocados junto às balizas.

Tendo a concordar. O uso de meios tecnológicos "cortaria" o ritmo de jogo e, além do mais, exigiria um arsenal de câmaras e estruturas difícil de sustentar e de generalizar. O futebol terá de continuar a ser humano. Como o erro.

América Latina

A avaliação feita por grande parte da comunicação social sobre os resultados da recente cimeira ibero-latinoamericana, realizada em Portugal, tendeu a sublinhar as supostas ineficiências desta comunidade de países, relegando para um notório segundo plano as virtualidades do trabalho conjunto, que vem sendo desenvolvido ao longo dos anos que a mesma leva de actividade.

Julgo que teria sido importante que a opinião pública pudesse ter elementos mais concretos sobre este exercício, sem dele esperar aquilo que ele não pode dar, mas igualmente tendo em atenção os progressos por ele alcançados.

Esta relação da América Latina com Portugal e Espanha tem vindo a aculturar uma atitude comum face a um conjunto muito diverso de sectores, com uma cooperação cujo aprofundamento sofre, naturalmente, da circunstância de estarmos perante Estados muito diversos, marcados por realidades nacionais muito distintas, algumas das quais conflituais entre si.

É sabido que o processo político na América Latina tem tido uma progressão não linear, com avanços e recuos, em especial em países cuja estabilização económico-social está longe de concluída. Nenhuma força exterior, muito menos uma estrutura de enquadramento oriunda de vectores de proximidade cultural, como é o caso da comunidade ibero-latinoamericana, tem condições de forçar essa realidade e de "apressar" decisivamente o futuro de todos e de cada um.

Não será, porém, por acaso que o conjunto de Estados agregados nesta comunidade continua interessado em mantê-la. É por detectar muitos pontos positivos no prosseguimento desse trabalho que todo aquele vasto número de países se mantém empenhado no exercício - cuja actividade, convém lembrar, se desenvolve numa multiplicidade de modelos de cooperação que estão diariamente no terreno e de que as cimeiras são apenas um momento pontual de avaliação e de reorientação programática e política.

A conflitualidade interna em certos Estados latino-americanos, bem como a ocorrência de dissídios entre outros, fazem parte integrante da vida internacional e têm de ser compreendidos como factos que não é possível evitar. O que a comunidade deve fazer, e fá-lo com regularidade, é colocar à disposição desses mesmos Estados, sob a óptica de um património de valores e princípios que todos subscreveram, a possibilidade de gizar plataformas de diálogo. Umas vezes isso é possível, outras vezes não.

Além disso, julgo que a nossa opinião pública também não se dá conta da valia que esta vertente de relação geográfica tem para a relevância da acção de Portugal e Espanha no seio da definição da política exterior da União Europeia - onde ambos os países se assumem hoje, com enorme e inigualado destaque, em todo o quadro de definição da relação Europa-América Latina.

Esta cimeira em Portugal, realizada num contexto difícil para alguns Estados latino-americanos, constituiu-se como um esforço colectivo muito meritório para o prosseguimento da comunidade ibero-latinoamericana.

Alguns aspectos haverá, porventura, que analisar mais aprofundadamente no futuro, com vista a dar a esta comunidade um carácter cada vez mais satisfatório para todos os seus integrantes. Penso, por exemplo, no interesse que haverá em fazer prevalecer, naquele contexto, um maior equilíbrio entre os dois grupos linguísticos que a compõem, gizando atempadamente um agenda comum entre Portugal e o Brasil, que possa ir em paralelo com aquela que hoje é assumida pelos países de língua espanhola e que tem já importante expressão em muita da estrutura e actividade da comunidade. Esse é, aliás, um dos caminhos para vir a conferir ao Brasil o relevo que tem direito a usufruir no seio da comunidade, pelo facto de ser o maior e mais importante país desta estrutura bi-regional.  O tempo ensinou-me que uma condição sine qua non para o progresso da comunidade ibero-latinoamericana assenta na possibilidade de potenciar do entusiasmo do Brasil neste exercício. Com isso, por variadas razões, Portugal só terá a ganhar.

Em tempo: chamo a atenção para os oportunos comentários sobre este post inseridos no Blogue Notas.

sexta-feira, dezembro 04, 2009

Camarate

Faz hoje 29 anos que o primeiro-ministro Francisco de Sá Carneiro e o ministro da Defesa Adelino Amaro da Costa, bem como várias outras pessoas que os acompanhavam, pereceram num desastre aéreo em Camarate, nos arredores de Lisboa.

Sá Carneiro era, há menos de um ano, primeiro-ministro de Portugal. Viviam-se tempos políticos de grande tensão, com eleições presidenciais a terem lugar  três dias depois.  As condições em que as mortes tiveram lugar deram origem, desde então, a uma interminada polémica - entre os que entendem que se tratou de um acidente e os que favorecem a tese de um atentado.

É sempre pena ver a análise de acontecimentos desta importância reconduzida e praticamente reduzida ao contraditório do debate político. A imagem dos países sai sempre engrandecida quando questões com esta gravidade ficam totalmente clarificadas, com a verdade a emergir por si própria e de forma indisputada. Infelizmente, no caso do desastre de Camarate, a história política portuguesa terá de viver, para sempre, com o peso do enigma.

quinta-feira, dezembro 03, 2009

José David


Como aqui referi há alguns meses, a importância da obra de José David justificava o seu melhor conhecimento. Foi isso que ontem se fez, com a organização de uma exposição na Embaixada.

Um público muito interessado, de admiradores e amigos do pintor português que há 40 anos desembarcou em Paris, apreciou um conjunto muito elaborado de alguns dos seus trabalhos mais recentes e de outros de um período não muito distante.

Esta foi apenas uma entre mais de duas dezenas de exposições e mostras do seu trabalho que José David efectuou em vários e prestigiados lugares, com óbvio destaque, em Paris, para o Centre Pompidou e o Centro Cultural Gulbenkian. 

Para quem conhece menos bem José David, aconselho uma leitura do seu perfil feito por Susana Paiva, a quem fica a dever-se a excelente foto que aqui peço de empréstimo.


Em tempo: lamento contrariar o "politicamente correcto", ao reproduzir o artista em prática viciante.

Democracias

A decisão dos cidadãos suíços, tomada em referendo, de proibir a construção de minaretes nas mesquitas, é uma atitude que, claramente, pode ser lida como relevando do sentimento criado naquele país em relação à comunidade muçulmana. As suas consequências políticas, bem como os seus efeitos colaterais, continuam a ser avaliadas em outros Estados, dada a sensibilidade que o tema tem, nomeadamente em termos de exercício da liberdade religiosa, num contexto mundial muito particular.

As regras da democracia, em particular as que vigoram na Suíça e que dão origem a frequentes referendos, são o que são. A utilização da democracia directa tem inegáveis virtualidades de mobilização cívica e de uma maior proximidade dos cidadãos face às atitudes do Estado. Resta saber se, por vezes, essa intensa "subsidiariedade" não é apenas uma tentativa para obter um conforto democrático face a decisões que se sabe serem  mais delicadas. Só que, como neste caso, o tiro pode "sair pela culatra" e o governo suíço vai ter agora de gerir externamente uma atitude de que os cidadãos votantes não tiveram em conta, seguramente, todas as consequências e repercussões. Para isso, para consagrar essa visão de conjunto no período de vigência dos seus mandatos, é que se elegem governos, com base em programas políticos. Alguns dirão que os suíços lá sabem, que é a sua vida. Será, mas, num caso como este, também pode afectar a nossa.

quarta-feira, dezembro 02, 2009

Belém


... e lá fui, com Américo Tomás, conduzido até Belém.

O leitor não deve esperar deste post uma insólita historieta que envolva o antigo presidente da República, afastado pela Revolução de Abril. Trata-se, muito simplesmente, do facto de ontem ter sido levado pelo motorista do MNE, sr. Américo Tomás, à Torre de Belém, para assistir, como convidado, à cerimónia da entrada em vigor do Tratado de Lisboa.

Como a imagem que captei com telemóvel pobremente documenta, foi uma bela festa, organizada por Portugal, para comemorar, simultaneamente, o início da aplicação do novo Tratado que leva o nome da capital portuguesa e para recordar, uma vez mais, o facto da presidência portuguesa da União Europeia, em 2007, ter conseguido garantir os difíceis consensos que viriam a permitir o fecho dessa longa negociação institucional.

Muita gente na Europa tem esperança que o Tratado de Lisboa represente a "pacificação" da conflitualidade institucional que se instalou na vida comunitária desde há muitos anos, bem patente nas efémeras revisões do Tratado de Maastricht - Amesterdão e Nice -, seguida pelo fracasso do Tratado Constitucional. O Tratado de Lisboa, precisamente porque muito dificilmente parece ser possível opor-lhe uma alternativa consensual a 27 ou mais países, pode ter garantida uma longa vida. E, com ele, o nome de Lisboa ganhará um merecido lugar no imaginário europeu.

Patten

Já aqui falámos, em tempos, de Chris Patten, um político conservador britânico com uma singular clarividência e coragem para assumir as suas ideias.

Para os que se interessam pelas coisas europeias e, em especial, pelo destino da voz própria da Europa no plano internacional, após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, deixo o link para o lúcido artigo que Patten fez publicar, entre outros, no "Le Figaro". Pode ser lido em francês ou ouvido no original em inglês.

Na minha outra juventude

Há muitos anos (no meu caso, 57 anos!), num Verão feliz, cheguei a Amesterdão, de mochila às costas. Aquilo era então uma espécie de "M...