sexta-feira, janeiro 13, 2012

Triplo A

Aquilo que muitos já anunciavam como possível aconteceu: a agência de notação "Standard & Poor's" baixou o "rating" da França, que assim perdeu o chamado "triplo A". Outros países europeus, nomeadamente Portugal, viram também as suas respetivas notações degradadas.

Chamo a atenção para o que, há dias, aqui escrevi sobre o assunto.

João Alves das Neves (1927-2012)

Em 2005, quando cheguei ao Brasil, levava comigo o interesse em conhecer João Alves das Neves, um jornalista português há muito radicado em S. Paulo. Ouvira falar dele ao meu primo Carlos Eurico da Costa, com quem havia trabalhado nessa breve e pouco conhecida aventura jornalística portuguesa que foi o "Diário Ilustrado". Como outros jornalistas portugueses oriundos dessa experiência, Alves das Neves viria sair para o Brasil e a ingressar em "O Estado de S. Paulo". Durante décadas, vir o seu nome ser referido, em Portugal, associado a diversas atividades públicas realizadas no Brasil.

Encontrei João Alves das Neves pouco tempo depois de estar no Brasil, no tradicional almoço semanal da Casa de Portugal. Ao longo do tempo que estive naquele país, fomos mantendo um contacto escrito regular e, por diversas vezes, conversámos em S. Paulo. Lembro-me bem de, uma tarde, ter de lhe acalmar os seus ânimos agitados contra a gestão do nosso consulado-geral em S. Paulo. Era um homem emotivo, porque era uma figura muito apaixonada por tudo aquilo em que empenhava.

João Alves das Neves foi uma personalidade que se preocupou com a divulgação da cultura e da literatura portuguesa no Brasil, estando ligado a inúmeras iniciativas nesse âmbito, muito em especial através do movimento associativo da comunidade. Tinha um especial interesse em Fernando Pessoa, cujo Centro de Estudos criou, em S. Paulo.

Morreu agora na sua terra beirã, de que sempre falava com saudade.

Reformas "milionárias"

Nenhum diplomata teve, tem ou terá reformas "milionárias". Basta consultar o "Diário da República" para saber isso. Estou, por essa razão, bastante à vontade para falar deste assunto. E para dizer que a recorrente menção na imprensa de referências a reformas "milionárias", dentro da função pública, releva, na melhor das hipóteses, de um culposo desconhecimento das coisas e, na pior e mais provável, de má fé e despeito.

As reformas da função pública, consideradas "milionárias" ou não, são pagas na razão direta dos descontos que as pessoas fizeram ao longo da sua vida de trabalho, pontualmente retirados "à cabeça", antes dos salários chegarem aos bolsos dos trabalhadores. Quem mais descontou, recebe mais: tão simples como isso. Ao pagá-las, após o período legal em que cada um tem direito (período que, infelizmente, o Estado tem vindo a tratar, nos últimos anos, como uma "moving target"), o Estado não está a fazer nenhum favor a ninguém, mas, muito simplesmente, a retribuir aquilo que retirou ao salário do funcionário, ao longo de décadas. Dinheiro que - diga-se - utilizou, nesse período, sem pagar juros a ninguém.

A demagogia, tal como a mentira, dá excelentes títulos. Pena é que não surjam a terreiro vozes autorizadas, denunciando-a e não se colando a um processo que não é mais do que uma lamentável diabolização do serviço público.

quinta-feira, janeiro 12, 2012

Myanmar

Se clicarem no "flag counter" na coluna da direita deste blogue, verificarão que Myanmar foi o último dos 165 países de onde o "Duas ou três coisas" foi acedido, já em meados de novembro. Haverá por lá leitores do blogue?

Myanmar ou Burma ou Birmânia, como lhe queiram chamar, é um belo país da Indochina, que, desde há várias décadas, vive uma situação política tensa e complexa, que sempre preocupa o mundo. Uma grande figura da vida política birmanesa, Aung San Suu Kyi, prémio Nobel da paz, parece ter aberto recentemente uma porta de esperança democrática, num entendimento inédito com o governo militar que dirige o país. O passado, contudo, aconselha a olhar para este novo passo político com alguma prudência.

Uma amiga minha dizia-me, há dias, que está de partida para Myanmar, como turista, e pedia-me algumas "dicas". Confesso que não sei dar-lhas. Só sei que este me parece ser o melhor momento, desde há muitos anos, para uma mulher visitar Myanmar.

quarta-feira, janeiro 11, 2012

Guiné

A Guiné-Bissau atravessa um momento triste, com a morte, há dias, aqui em Paris, do seu Presidente da República. Ela ocorreu, por coincidência, pouco depois de mais um episódio de instabilidade institucional, dos que ciclicamente atravessam aquele Estado. Os países amigos, como Portugal, tudo têm feito, e tudo farão, para ajudar a Guiné-Bissau a ultrapassar os seus problemas.

A ajuda à Guiné-Bissau, por parte de Portugal, começou logo após o reconhecimento daquele Estado por Lisboa, em 10 de setembro de 1974. Recordo que o país tinha declarado unilateralmente a sua independência, ainda antes do 25 de abril, num ato formal que teve lugar em Madina do Boé, em 23 de setembro de 1973.

Imediatamente após a minha entrada para o MNE, em Agosto de 1975, fui colocado no então Gabinete Coordenador para a Cooperação. Uma das primeiras tarefas de que fui encarregado foi fazer uma pré-seleção dos candidatos a professores cooperantes para prestar serviço na Guiné-Bissau. Verificava se esses candidatos tinham as condições mínimas exigidas para o exercício das funções e, posteriormente, representantes guineenses faziam a seleção final, em função da adequação do perfil técnico dessas pessoas às necessidades do ensino local. O Estado português pagava uma parte do salário e as autoridades guineenses a outra parte. Era esse o espírito das ações de cooperação.

Devo dizer que foi uma experiência muito interessante, que se prolongou em recrutamentos para outras antigas colónias, e, quase quatro décadas passadas, ainda mantenho contacto com pessoas que conheci nessas circunstâncias, alguns dos quais sei que são leitores deste blogue. À época, muitos eram simples licenciados à busca de um primeiro emprego, que queriam tentar uma experiência nova, em terras distantes e promissoras. Outros eram pessoas manifestamente em rutura com a vida profissional, e às vezes familiar, que tinham em Portugal. Outros ainda, eram idealistas que procuravam transportar para as antigas colónias as ideias revolucionárias de um certo Portugal de então.

Não sei se está escrita, em algum sítio, a história dessa curiosa aventura da cooperação portuguesa, feita de algum voluntarismo, por vezes mal sucedida, por razões diversas, nem sempre por culpa dos próprios. Anos mais tarde, em Angola, convivi durante mais de três anos com várias dessas pessoas, porque me cabia coordenar na nossa embaixada o setor educativo da cooperação bilateral. Guardo uma recordação muito forte de alguns casos, por vezes dramáticos, que então cruzei e tive de ajudar a gerir. E já fui convidado para ir a encontros onde alguns desses antigos professores cooperantes alimentam a memória dessa sua aventura.

Na sequência da primeira vaga de professores cooperantes para a Guiné-Bissau, em cuja contratação participei, surgiu, poucos meses depois, um primeiro conflito, que me coube resolver. Um dia, recebi uma chamada telefónica de um colega da nossa embaixada em Bissau, informando-me de que um determinado cooperante português havia recebido ordem de expulsão das autoridades locais. Ao que me foi dito, esse professor teria, num acesso de descabido militantismo, numa reunião de escola, acusado o PAIGC de estar "a trair o espírito de Amílcar Cabral". Compreensivelmente, as autoridades guineenses deram-lhe ordem imediata de saída: era o que mais faltava estarem a receber lições políticas de estrangeiros!

O homem - porque era um homem, embora houvesse entre os professores bastantes mulheres - teimava em considerar que o seu contrato tinha sido suspendido sem justa causa e, por essa razão, informou a embaixada de que não abandonaria o território sem ser ressarcido da totalidade da retribuição nele prevista. Naturalmente, os guineenses recusaram, na parte que lhes cabia. Como os meus colegas na embaixada portuguesa em Bissau, muito sensatamente, o aconselhassem a regressar no primeiro avião, para evitar ter mais problemas e, eventualmente, ser detido por intromissão na vida política local, o professor cooperante, num derradeiro recurso, pediu que ligassem para Lisboa, porque queria falar comigo, a pessoa que o tinha recrutado.

Nessa conversa, antes da qual eu fora informado sobre os reais e fundamentados motivos da expulsão, fui muito claro: deveria seguir estritamente o parecer da embaixada e embarcar no primeiro avião para Lisboa. O nosso homem mostrou-se, contudo, muito renitente: achava-se cheio de razão e insistia que não partiria sem ser totalmente reembolsado. Tentei convencê-lo por várias formas, sem grande sucesso. Até que me ocorreu uma ideia:

- Diga-me uma coisa: onde é que esteve instalado, desde que chegou a Bissau?

- Inicialmente, num hotel. Uma coisa impossível, nem imagina! Sem o mínimo de conforto e com muito más condições de higiene. Agora já estou numa casa melhor, com outros colegas.

Eu sabia que isso era pura verdade. Muitas das antigas colónias portuguesas tiveram grandes dificuldades, por falta ou degradação de instalações, nesses primeiros tempos pós-independência, para alojar convenientemente os primeiros professores cooperantes, como eu próprio tive oportunidade de constatar noutros locais. Bissau não era, naturalmente, exceção. Mais tarde, e exatamente por essa razão, por lá foi construído por nós um bairro para cooperantes portugueses.

A minha pergunta não fora inocente. Por isso, adiantei:

- Olhe, meu caro! Você já teve oportunidade de experimentar os hotéis de Bissau. Imagine agora como serão as prisões. E se não apanhar o próximo avião para Lisboa, há grandes probabilidade de lá bater com os costados, sabe-se lá por quanto tempo...

O homem regressou nesse dia.

Em tempo: uma correspondente enviou-no o link para um blogue dos atuais professores cooperantes portugueses na Guiné-Bissau.

Cargos

Um livro recém-publicado aqui em França recorda que Valéry Giscard d'Estaing, depois de ter deixado a Presidência da República, se sugeriu, anos mais tarde, como candidato ao cargo de primeiro-ministro ou, mesmo, de ministro dos Negócios Estrangeiros. A atualidade traz-nos o facto de Alain Juppé, antigo primeiro-ministro, ter sido, posteriormente, ministro de várias pastas, sendo hoje chefe da diplomacia francesa. No passado, também Michel Debré, depois de ser chefe do executivo, desempenhou várias funções ministeriais.

Não passa pela cabeça a ninguém, em Portugal, que um presidente da República ou um primeiro-ministro venham assumir, num governo posterior, um cargo de ministro. Estou certo que, no nosso país, nenhum titular desses cargos aceitaria essa possibilidade e que a opinião pública reagiria, com alguma estranheza, se acaso isso viesse a acontecer.

É muito interessante verificar como as culturas políticas podem ser tão diferentes, de país para país.

terça-feira, janeiro 10, 2012

Siglas

De há uns anos para cá, a diplomacia tem vindo a converter-se ao uso intensivo de siglas e acrónimos, nos seus documentos e comunicações. Parte significativa da "telegrafia" multilateral, nomeadamente europeia, passou a estar recheada dessas fórmulas, que parece deliciarem os iniciados. Lentamente, há mesmo o risco de começarmos a aproximar-nos dos militares - categoria profissional que permanece imbatível no uso e abuso dessa escrita "económica", que deixa de fora quem não é da casta ou quem não lhe frequenta, com devoção, a liturgia organizativa.

Há menos de dois meses, fui a Lisboa a um almoço comemorativo dos 30 anos do fim de um partido de que fiz parte na minha juventude - o MES - Movimento da Esquerda Socialista. No dia seguinte, ainda em Lisboa, a caminho do aeroporto, recebi, no meu telemóvel, uma mensagem de um colega, embaixador em Paris de um país do norte da Europa, que dizia simplesmente: "Il faut qu'on parle sur l'évolution du MES". Liguei de volta, mas estava incomunicável.

Que diabo quereria aquele amigo sobre o MES? Como tinha sabido da minha presença, no dia anterior, no almoço comemorativo do fim do partido? Nunca tinha percebido que ele mantinha qualquer interesse pela situação política portuguesa, no tempo da Revolução dos cravos.

Horas depois, chegado a Paris, telefonei-lhe, intrigado. E lá me disse, então, que queria trocar impressões comigo sobre o modo como Portugal via a evolução do MES, o "Mechanism Européen de Stabilité", um dos instrumentos da Europa do euro, que pode ser uma das chaves para dar a volta a crise...

segunda-feira, janeiro 09, 2012

Acordo de cooperação

O ministro voltou-se para trás, para o adjunto do diretor-geral (era assim que, à época, se designavam, no MNE, os subdiretores-gerais), e perguntou:

- Não há nada para assinar?

Nesses anos 70, estávamos numa reunião entre delegações presididas pelos ministros dos Negócios Estrangeiros de Portugal e de S. Tomé e Príncipe, no palácio das Necessidades. A discussão tinha uma longa agenda, nesses tempos complexos de resolução do contencioso remanescente da transição pós-colonial e do início de alguns modelos de cooperação. Os trabalhos prolongar-se-iam pelo dia seguinte, culminando com uma conferência de imprensa.

A assinatura de um acordo, ou de um outro instrumento jurídico bilateral, ajuda sempre a "compor" uma visita oficial, produzindo, no imaginário público, resultados mais concretos. Durante muitos anos, quando não havia nada para assinar, era vulgar rubricar-se um "acordo de supressão de vistos em passaportes diplomáticos". Hoje, como esses acordos têm consequências mais sérias, é comum o recurso a "protocolos de cooperação", entre instituições da mais variada natureza. Alguns úteis, outros apenas inócuos.

O responsável diplomático, meu chefe, olhou para mim, que tinha o pelouro, passando-me implicitamente "a bola".

- Não, senhor ministro, não há nada para assinar, respondi.

Nos anos anteriores, tinha sido firmada uma montanha de acordos e protolocos entre os dois países. Estava praticamente tudo concluído. Contudo...

- Bom, há um texto que está em estudo no ministério da Saúde. É um protocolo de cooperação que permite prolongar, depois da independência, a possibilidade dos funcionários públicos de S. Tomé terem acesso ao antigo hospital do Ultramar, bem como outras facilidades. Mas não sei em que pé está essa apreciação...

- Veja isso já! Veja isso com o gabinete do ministro da Saúde! Era bom termos algo para assinar amanhã, disse o ministro, voltando-se para a frente.

O meu chefe, excelente amigo e magnífico diplomata, sorriu-me, como que a dizer-me: "já que 'abriu a porta', agora amanhe-se...". E eu fiquei com a "batata quente". Arranquei para o meu local de trabalho, falei com o ministério da Saúde (lembro-me bem de que o meu interlocutor foi um adjunto do ministro, chamado Paulo Mendo... que, bastantes anos mais tarde, viria a ser ministro da pasta!) e, por um milagre, o assunto estava já desbloqueado, com parecer positivo. Fui pessoalmente ao ministério buscar o texto e conferi-o com a embaixada santomense, a qual, sem problemas, anuiu a tudo, até porque praticamente só tinha efeitos unilaterais.

Mandei então dactilografar o acordo. Disse à senhora (as dactilógrafas eram, nesse tempo, todas mulheres) para fazer dois exemplares: um para nós, que abria com "A República Portuguesa e a República Democrática de S. Tomé e Príncipe..." e outro para S. Tomé, em que a ordem dos países era trocada. Para quem não saiba, a regra é que, num acordo, cada país fique com a cópia que começa com o seu nome. O mesmo se passa no lugar das assinaturas, na última página, onde, na nossa cópia, a assinatura do nosso responsável se situa à esquerda. Normalmente, cada país tem o seu próprio papel e capas para os acordos, bem como as suas próprias fitas coloridas, que entrançam as folhas, além de usar um sinete próprio, para firmar o lacre. Coisas da diplomacia universal...

Na tarde da cerimónia da assinatura, que antecedia a conferência de imprensa, tudo correu impecavelmente. Ainda tenho uma fotografia dessa cena publicada no "Diário de Notícias", comigo com um cabelo bastante comprido, largo bigode tipo mexicano e gravata com um nó imenso. A notícia do jornal fala de um "importante instrumento jurídico" assinado nesse dia. O pior foi, no entanto, o dia seguinte.

Nessa manhã, fui acordado bem cedo, em casa, pelo meu interlocutor da embaixada santomense, quase em pânico. É que, na cópia santomense, o nome do seu país não estava apenas trocado no início do texto: em vários pontos do articulado, onde, por exemplo, na cópia portuguesa, se lia que "Portugal compromete-se a facilitar o acesso às suas unidades hospitalares aos funcionários públicos de S. Tomé e Príncipe", surgia "S. Tomé e Príncipe compromete-se a facilitar o acesso às suas unidades hospitalares aos funcionários públicos de Portugal"... As "responsabilidades" para S. Tomé passavam a ser imensas!

O que acontecera? A dactilógrafa havia feito uma leitura "extensiva" da instrução que eu lhe dera para a troca dos nomes dos países, decidindo mudá-los ao longo de todo o texto do acordo. A culpa do que acontecera era, claro, totalmente minha, que, com a precipitação, não tinha tido o cuidado de fazer a verificação dos dois exemplares do acordo.

Levei algum tempo a acalmar o meu colega santomense, explicando-lhe que, mesmo depois de assinado pelo seu ministro, o texto só seria válido após publicado e, naturalmente, isso nunca aconteceria antes de estarem feitas as devidas correções. E, logo nessa tarde, fez-se um novo exemplar, que se pediu, já não sei bem com que argumentário, que o nosso ministro assinasse. E tudo se resolveu.

Ainda hoje guardo o "extraordinário" exemplar assinado pelo ministro Miguel Trovoada, onde S. Tomé se compromete, por exemplo, a "facilitar o envio para Portugal de medicamentos" e outras formas similares de "cooperação".

E só há uns anos, na mesa do "Procópio", ousei contar a história ao ministro português de então, de quem vim a tornar-me amigo. Riu-se a bom rir!

Diplomacia e economia

O site "Dinheiro Vivo", e as suas edições no "Diário de Notícias" e "Jornal de Notícias", trouxeram três respostas telefónicas minhas a outras tantas questões que me foram colocadas sobre o trabalho económico das embaixadas, que podem ser lidas aqui. O "seminário diplomático", ocorrido na passada semana em Lisboa, concentrou-se nesta temática e o ministério dos Negócios Estrangeiros está plenamente mobilizado para, neste tempo de grande exigência, dar o seu contributo para a recuperação económica do país. 

Os titulares das missões diplomáticas e consulares portuguesas são os primeiros interessados em ver valorizado o seu trabalho na área económica, correspondendo às orientações que lhes foram transmitidas pelo poder político. Julgo, aliás, que isso ajudará a alterar uma falsa perceção que existe, nomeadamente em alguma comunicação social, sobre aquilo que a diplomacia portuguesa tem feito, até agora, em matéria de apoio à atividade empresarial. Muitas empresas nacionais são boas testemunhas do grande empenhamento que os diplomatas de há muito colocam na ajuda à sua internacionalização. Sempre desafiei publicamente - e continuo a desafiar - aqueles empresários que possam ter razões concretas de queixa do trabalho das missões diplomáticas a exporem-nas de imediato às nossas autoridades, mesmo a denunciarem na imprensa os legítimos apoios pedidos à diplomacia e não correspondidos. Quem não deve não teme, e isso é válido para todos. O que é inaceitável é ver, por vezes, publicadas críticas de natureza genérica, que ofendem a nossa ética profissional e que mais não são do que meros preconceitos quanto à diplomacia e aos diplomatas.

As coisas podem e devem sempre melhorar, em especial através do reforço de uma cultura diplomática mais "business-oriented", em alguns casos através de uma mais eficaz relação das embaixadas com a AICEP. Tem de existir uma definição clara, por parte dos agentes económicos e dos organismos (associativos ou de promoção) que estruturam a sua intervenção externa, do que se pretende da atividade de cada missão diplomática ou consular. Até porque cada caso é um caso. O exigente ano de 2012 é talvez o tempo certo para levar à prática este esforço acrescido. 

Triplo A

A eventual perda da classificação "triplo A", que a França detém nos "ratings" das principais agências de notação, é uma questão que tem atravessado os debates neste país, nos últimos meses. A questão tem implicações económicas sérias, porque um eventual "downgrading" da França provocaria maiores custos no seu endividamento nos mercados. Outros observadores olham também para o aspeto político do problema, interrogando-se sobre o papel futuro da França como uma das vozes com maior autoridade nas grandes decisões europeias, se acaso a sua desqualificação se processasse. Este último argumento é desvalorizado por outros, que assinalam que a degradação da notação dos EUA não fez perder a Washington um papel central no quadro decisório global.

Uma coisa é certa: para além do efeito sobre a própria França, não seria uma boa notícia para a Europa em geral se as agências de notação viessem a baixar a sua classificação, eventualmente com as de outros países europeus que ainda detêm o "triplo A". Para além dos efeitos de mercado, as consequênciais globais sobre a imagem da Europa seriam muito negativas e teriam imediatas implicações na credibilidade da zona Euro. A somar-se a tudo isso, e se acaso essa degradação viesse a acontecer nas próximas semanas, ela teria um inevitável efeito de antecipado descrédito sobre os esforços em torno da fixação do novo tratado intergovernamental europeu, cuja única verdadeira razão de ser é a tentativa de mobilizar a confiança dos mercados.

Um reputado economista francês contava-me, há dias, uma conversa tida com um responsável de uma agência de notação, que o teria deixado perplexo. Esse responsável assumiu que muitas das decisões, em termos de notação, que a sua empresa fazia eram, não apenas constatações feitas na base de dados objetivos relativos à sustentabilidade financeira de empresas ou Estados, mas traduziam já uma espécie de antecipação daquilo que se podia qualificar como o estado de espírito dos mercados. Assim, para além de uma notação vir a influenciar os mercados, ela própria já "presume" aquilo que os mercados estariam predispostos a ouvir. Interessante e preocupante.  

domingo, janeiro 08, 2012

Anuário

A exemplo de outros países, o ministério dos Negócios Estrangeiros publica um volume intitulado "Anuário diplomático e consular português". A palavra "anuário" é apenas um "wishful thinking", porque, contrariamente ao que o nome poderia indiciar, a sua edição é aperiódica e de aparecimento irregular. Pode dizer-se que o nosso anuário é uma publicação essencialmente católica: só sai quando Deus quiser...

O anuário abre com as biografias das principais figuras de Estado, seguidas de um utilíssimo registo histórico de todos os titulares políticos na área das relações externas, antecedido de um texto, de mais de uma dezena de linhas, que não muda há décadas e que começa assim: "A reorganização da Administração pública, imposta pela experiência na primeira metade do século XVIII (...)". Tive um embaixador que sabia de cor quase todo esse texto...

Recordo-me que, num certo ano, um titular de um cargo político do MNE tinha no anuário, em vias de publicação, uma foto de que não gostava o que, somado ao facto de um seu influente assessor estar mal colocado na hierarquia do gabinete que nele era referida, levou à destruição de todos os exemplares dessa edição. Todos, não! Eu, pelo menos, guardo em exemplar, em cadernos ainda não costurados, dessa "raridade"...

O anuário traz também a composição, endereços e telefones das nossas missões e serviços internos. Porém, como não sai todos os anos, e porque no MNE as pessoas rodam com muita frequência, nunca temos a certeza sobre se estão atualizadas. Hoje existe uma versão informática do anuário, bem mais prática, mas que, por um mistério que nunca entendi, não incorpora as biografias dos pessoal diplomático, técnico e administrativo.

Ora o "sumo" do anuário são, precisamente, os currículos dos funcionários do MNE, que nos permitem ter um retrato do seu perfil e percurso. Durante anos, cada um escrevia a sua biografia como muito bem entendia. Foi um período em que apareceram, em alguns anuários, currículos desproporcionados, sem equilíbrio, em que alguns adidos de embaixada tinham extensões de texto idênticas à de embaixadores "chevronnés". Esse tempo acabou e hoje há uma espécie de "template" que torna as coisas bem mais simples e comparáveis.

Para a minha primeira entrada no anuário, creio que em 1976, enviei um texto em que colocava a minha qualidade de "adjunto do gabinete da Junta de Salvação Nacional, em 1974". O secretário-geral de então pediu a alguém do seu gabinete para me chamar, recomendando que eu retirasse essa menção, aparentemente pouco consentânea com o perfil que se considerava adequado para um diplomata. Com alguma coragem de que hoje me orgulho, recusei firmemente a sugestão e insisti que a minha pertença ao MFA ficasse no anuário. Na última edição, bem mais de três décadas depois, lá figura essa menção, pois claro!

Num qualquer ano da década de 80, foi-me pedido que conseguisse retpmar a edição do anuário, que já não se publicava há uns tempos. Descobri um técnico do MNE que estava desocupado e encarreguei-o da tarefa, dando-lhe algumas divertidas diretivas enquadradoras, que não agora vêm para o caso. Ele foi diligente e, em escassos meses, preparou o livro. Eu fui acompanhando a execução da tarefa, mas escapou-me um pormenor: chegado ao capítulo das biografias dos técnicos, o homem auto-atribuiu-se duas longas páginas, que contrastavam com as escassas linhas dos seus colegas...

Matraquilhos

Desde há dois dias que a "Eurosport" nos traz o "campeonato do mundo" de matraquilhos, a nível de seleções nacionais. Quem havia de dizer que aquilo que jogávamos na "União Artística", lá por Vila Real, ou nalgumas tascas da periferia, haveria de ter honras de transmissão televisiva internacional. Por este andar, um destes dias, ainda veremos os matraquilhos como modalidade olímpica. 

E assim se abre a esperança para a consagração, a prazo, do jogo das "caricas" (ou "latinhas", como se dizia na minha infância).

sábado, janeiro 07, 2012

A caneta

Entrou com um sorriso tão largo como a cabeça, a voz forte, conversa trapalhona e esforçadamente amigável. Estava a fazer um trabalho, lá para o jornal, precisava de umas estatísticas e de umas datas. Para encher o tempo e impressionar, deixou cair os nomes (próprios, claro) dos seus muitos conhecidos na casa, com ar íntimo. Vinha recomendado "do alto".

O diplomata conhecia-lhe a fama, hesitou, mas não teve outra opção: deixou-o só, no gabinete, enquanto foi buscar os tais dados. Minutos depois, quando regressou, notou que um determinado documento, que tinha sobre a sua mesa, tinha mudado de posição. Tratava-se de uma proposta sobre os possíveis integrantes numa visita oficial ao estrangeiro, a nível elevado, que deveria ter lugar dentro de algumas semanas, mas que o diplomata ainda nem sequer tinha feito seguir "para cima". O homem, grande, enchendo a cadeira de braços, continuava sentado em frente à sua secretária, de bloco e caneta (de ouro?) na mão. Disse mais umas coisas, agradeceu os elementos, despediu-se e saiu, ainda e sempre palavroso. 

Dias depois, sobre o motivo do contacto, o semanário nada trazia. Mas lá vinham, escarrapachados, como "furo", os supostos dados sobre a deslocação oficial. Os quais, na realidade, nem haviam sido ainda analisados, ou sequer lidos, por alguém. Excepto na "notícia" desse jornal, já desaparecido, pilhada do documento interno.

Às vezes, como os dias provam, o crime compensa.

sexta-feira, janeiro 06, 2012

Margaret Thatcher

Foi ontem a estreia no Reino Unido de "A dama de ferro", o filme em que Meryl Streep desempenha o papel de Margaret Thatcher, que foi, por mais de uma década, primeira-ministra britânica. Independentemente das críticas que o filme venha a merecer, pelo interesse que a figura política me desperta e pela admiração que tenho pela atriz, tenciono vê-lo, logo que possa.

Thatcher foi uma figura da maior relevância na vida política mundial dos anos 80, quaisquer que sejam as opiniões que a sua orientação ideológica "freemarketeer" possa suscitar. Sucedendo no poder à liderança trabalhista pouco hábil de James Callaghan, soube impor um estilo de governação bastante afirmativo, contrariando alguns poderes sindicais tradicionais, defendeu o Reino Unido em cenários tão extremos como o da guerra das Falkland, assumiu um constante euroceticismo que isolou Londres no contexto comunitário e levou a "special relationship" com os EUA a um tempo de glória para a projeção de Londres.

Adulada pelos conservadores e diabolizada pelos progressistas, entrou em declínio por evidente cansaço público do seu intenso e inflexível estilo, por algumas más decisões políticas e pelo facto de, a partir de certa altura, não ter medido bem a própria dinâmica interna que, contra si, se estava a gerar no seio do Partido Conservador. A sua substituição por John Major resultou de um golpe "palaciano" digno do melhor "thriller", que vária bibliografia descreve com pormenor.

(Sobre a ação de Margaret Thatcher, leia-se, com vantagem, o magnífico "One of us", de Hugo Young, e "Mrs. Thatcher Revolution", de Peter Jenkins. A seu favor, há as memórias de Nicolas Ridley, Norman Tebbit e Cecil Parkinson; contra, as de Michael Heseltine; explicando porque a "deixaram cair", as de John Major e Geoffrey Howe. Sobretudo, não se leiam as desinteressantes memórias da própria Thatcher.)

Fui colocado na nossa embaixada em Londres nos últimos meses do governo de Margaret Thatcher. Tive a inaudita sorte de poder assistir, da bancada dos visitantes da Câmara dos Comuns, na tarde de 22 de novembro de 1990, à sua última e histórica prestação. Recordarei, para sempre, o ambiente barulhento, simultaneamente divertido e tenso, interrompido pelos "order!" do "speaker", desse grande momento da história parlamentar britânica.

Num discurso anti-europeu quase de antologia, marcado por uma sectária identificação da ideia comunitária com o "socialismo", denunciou a "federal Europe through the backdoor" que chegaria com a moeda única (citando um Nigel Lawson, um tanto encurralado no "backbench", obrigado a anuir com a cabeça), demonstrando um ostensivo desprezo pelo líder trabalhista Niel Kinnock (que disfarçava, em conciliábulos com Roy Hattersley, quando Thatcher o acusava de querer "to run, or is it to ruin?, this country" ou quase o insultava abertamente, a propósito da moeda única: "the right honourable gentleman doesn't even know what it means").

Do lado conservador, já conquistado internamente para a queda de Thatcher, o "body language" não enganava: a cara impávida de Kenneth Baker, o esfíngico sorriso de John Major, o esgar afilado de Malcom Rifkind e a face hostil do antigo PM Edward Heath diziam já tudo.

Uma interrupção do seu discurso abriu o momento mais divertido da sessão. Ao ser perguntada se tencionava continuar a lutar contra um "independent central bank" europeu, depois de sair do poder, ouviu-se um sonoro "no, she's gonna be the governor!", dito pelo "maverick" radical trabalhista Dennis Skinner, com o seu blazer espinhado e cabelo à Tony de Matos. Toda a câmara caiu em gargalhadas, Thatcher reagiu com um galhofeiro "what a good idea!" e, na passada, repetiu uma frase que ficou famosa nesta sua derradeira "performance": "I'm enjoying this!". Quem quiser ver a memorável cena, pode consultar aqui.

A senhora Thatcher está hoje incapacitada e não verá, com certeza, o filme que motivou. Mas já faz parte da História. Como disse, pensemos o que pensemos sobre ela, foi uma figura que marcou fortemente uma época.

Politicamente correto

Ontem falou-se aqui de um neologismo do politicamente correto. Hoje conto duas histórias que andam por lá perto.

Há muitos anos, na embaixada em Luanda, confrontei-me com um funcionário que se recusava a fazer entrega de documentos entre os gabinetes, porque tinha deixado de ser "contínuo" e fora reclassificado como "operador de reprografia de 2ª classe". Perguntei-lhe então o que é que ele achava que deveria ser a sua atividade: "tirar fotocópias", respondeu-me. Não me contive: "Eu, se precisar de fotocópias, nunca lhe pediria a si. É que se é de 2ª classe, só deve tirar más fotocópias. Se tirasse boas fotocópias, era de 1ª classe...". 

Um dia, nos Estados Unidos, deixei dois americanos, brancos, um tanto chocados. A propósito de um empregado negro que passava, um deles utilizou, para o designar, o tradicional termo "afro-american". Não resisti e perguntei-lhes: "Digam-me um coisa: como é que eu os designo a vocês? Julgo que o termo WASP (white anglo-saxon protestant) é inconveniente. Posso chamar-lhes "euro-americans"? Não sei porquê, mas fiquei com a sensação de que não apreciaram... 

quinta-feira, janeiro 05, 2012

Nacionalismo económico

O nacionalismo económico é um reflexo normal em tempos de crise. A tendência para o argumentário protecionista, para o estímulo a consumir preferencialmente o que é "nacional" e, à la limite, a busca tendencial da autosuficiência (ouve-se muito isso, sob o conceito de "segurança alimentar", no debate sobre política agrícola), tudo isso faz parte de uma reação natural num tempo de medos e de incertezas.

Sem negar a importância de tentar reduzir, por todos os meios possíveis, o défice da nossa balança comercial externa, alguma prudência e racionalidade devem ser mantidas neste tipo de discurso: basta lembrar que, se todos os outros procedessem da mesma forma, ninguém consumiria um único produto português no estrangeiro. Ora é unânime o reconhecimento de que é na exportação que reside grande parte da chave para o nosso crescimento. Mas convenhamos que é um pouco irónico estar a apelar ao "patriotismo" dos consumidores quando - como se viu  nos últimos dias - há operadores económicos com uma noção de Pátria bem mais ligada à folha de lucros.

O debate sobre esta temática está muito aceso aqui em França, em tempos de campanha presidencial, com os vários candidatos a falarem nela, em tons diferenciados. Há dias, o presidente Sarkozy fazia uma importante distinção entre o conceito de "comprar produtos franceses" e o de "comprar produtos produzidos em França", dizendo ser favorável a que se privilegie a compra destes últimos (mesmo por empresas estrangeiras que aqui investiram e atuam - criando postos de trabalho, pagando impostos) ainda que em detrimento de que de produtos fabricados no estrangeiro por empresas francesas (fruto de deslocalizações, por virtude de regimes salariais e fiscais mais favoráveis e, eventualmente, de algum "dumping" social). Percebe-se a racionalidade desta tese mas, também ela, se confronta com uma realidade inescapável: muito daquilo que, na área industrial, é atualmente produzido, em França como em outras partes do mundo, nomeadamente nas áreas com maior valor acrescentado, obriga à utilização de componentes importados de países com custos de produção mais baixos, sendo de todo impossível garantir a sua substituição por produtos idênticos gerados em território francês.

A globalização (a que, em França, se chama "mundialização") criou uma lógica de funcionamento coletivo dos mercados que, na prática, limita hoje muito o recurso a medidas de "preferência nacional" através de decisões administrativas ou outras de sentido normativo. E a plena interiorização disso na filosofia da política externa da UE reduziu, também bastante, as possibilidades de recuo para a retoma da antiga "preferência comunitária", tanto mais que a justiça comunitária é de um irreversível rigor. O único espaço que hoje ainda existe, para os países que não queiram violar abertamente as regras a que se comprometeram na Organização Mundial de Comércio, é trabalhar nas margens de recuo que o fracasso do "ciclo de Doha" da organização acaba por dar. Basta ver as medidas que o Brasil tomou nos últimos dias para se perceber o que pode representar uma assumida agenda protecionista nos tempos modernos.

Mas é importante que cada um seja chamado a assumir as suas responsabilidades. Muitos dos que agora protestam contra as consequências negativas deste estado de coisas estiveram, com todo o entusiasmo, ao lado dos promotores das aberturas dos mercados nas liberalizações dos anos 80 e 90, quando isso lhes dava jeito para adubar as loas que faziam ao "internacionalismo dos mercado". Isso era então o salvatério para um mirífico bem-estar coletivo, um espécie de "amanhãs que cantam" do liberalismo, aprendido em MBA anglo-saxónicos ou que em Portugal se esforçam por passar por isso. São os mesmos, aliás, que endeusaram a desregulação "criativa" dos mercados financeiros internacionais, com as consequências que agora se viu. E gostaria de lembrar que quando, por essa altura, alguém se atrevia a falar das condições sociais de produção em certos espaços geográficos (trabalho infantil, regras laborais, limitações sindicais, "dumpings" diversos), era um "aqui d'el rei!" de que se estava a tocar na liberdade de comércio. Agora queixem-se...

Fatura

Não consigo encontrar um mínimo de racionalidade na decisão, hoje anunciada na comunicação social, de vir a punir com coimas quem não pedir recibo numa qualquer transação comercial e, ao mesmo tempo, instituir uma outra coima para quem não quiser emitir essa fatura.

Não seria muito mais simples determinar que toda e qualquer transação comercial deveria dar origem automática à emissão de uma fatura/recibo, sem que nunca houvesse necessidade de pedir esse documento? Em vários países onde vivi existe essa regra, pelos vistos inaplicável em Portugal.

Mas, com certeza, devo ser eu quem está a ver mal as coisas.

Neologismos

Hoje, passou-me pela mão um documento oficial em que se fala de "aprendentes" de cursos. 

Será que já faz parte do politicamente correto ter medo de dizer "alunos"?

quarta-feira, janeiro 04, 2012

Diplomacia desportiva

Ontem, durante o Seminário Diplomático, ao ministro francês dos Negócios Estrangeiros, convidado de honra para a ocasião, foi oferecida uma garrafa especial de vinho do Porto, testemunho da importância que tem, para Portugal, o mercado francês. Alain Juppé é "maire" de Bordeaux, onde se produzem magníficos vinhos de mesa, mas nada parecido com o néctar do Douro. 

Como tenho aqui repetido algumas vezes, a França é o primeiro destinatário mundial das exportações de vinho do Porto, embora haja ainda muito a fazer para garantir que possamos aqui vender quantidades significativas dos nossos melhores Portos. E - já agora, vale a pena dizê-lo - não foi fácil conseguir, há alguns meses, numa negociação que foi complexa, isentar o vinho do Porto de uma nova tributação fiscal, no orçamento francês para 2012.

Se a França é, atualmente, o maior consumidor, o Reino Unido foi, desde sempre, o seu mais tradicional destino de exportação. Por essa razão, e porque continua ainda a ser um mercado muito importante, a nossa diplomacia em Londres tem um particular e constante cuidado com a promoção do vinho do Porto e com a sustentação dos fluxos comerciais do produto.

O Porto faz parte, aliás, da tradicional cultura social britânica, quase tanto como o chá (aí introduzido por Catarina de Bragança, diga-se de passagem). Num jantar britânico, é de bom tom, no final da refeição, colocar sobre a mesa uma garrafa de cristal com vinho do Porto: cada pessoa serve-se a si própria e, após fazê-lo, pousa a garrafa sobre a mesa, colocando-a à sua esquerda, por forma a que o parceiro desse lado proceda de forma idêntica. É considerada má educação passar a garrafa diretamente para a mão do vizinho do lado: deve ser ele a levantá-la da mesa. Ah! e, sem exceção, a circulação da garrafa fez-se de acordo com esse sentido, o dos ponteiros do relógio.

Os britânicos têm, como regra, honrar também os seus convidados portugueses com uma oferta de um Porto, no final das refeições. Só que nem todos os portugueses entendem bem isto.

Em 1992, o Benfica foi jogar a Londres, com o Arsenal, e a direção dos "gunners" convidou a direção do clube português para um jantar, num restaurante de Regent Street. Simpaticamente, como encarregado de negócios, fui incorporado na delegação portuguesa. O jantar correu como é "normal" em ocasiões idênticas: os portugueses falaram com os portugueses e os ingleses entre si. Como diplomata, fiz as despesas das conversas com os anfitriões. Nada que não seja comum...

Chegado o final do jantar, assomou à mesa um "decanter" com o vinho do Porto, gesto maior de simpatia para com visitantes, ainda por cima portugueses. E aí, para surpresa imensa de quem nos convidava (e minha, também, confesso), nenhum - repito, nenhum - dos portugueses, com a exceção do diplomata presente, aceitou um cálice de Porto. Uns diziam abertamente que não gostavam, outros que lhes fazia mal e era "pesado", outros apelaram a uma alternativa, como um "malte" ou um cognac. A cara dos britânicos era indescritível. 

A "diplomacia desportiva" tem destas peculiaridades. E, por vezes, não ajuda à económica. Para a pequena história, e para azar dos britânicos, o Benfica ganhou, e bem!

terça-feira, janeiro 03, 2012

Seminário diplomático

Hoje, não vou estar presente no Seminário diplomático, onde o MNE reúne os seus chefes de missão, que estejam de passagem por Lisboa, com a hierarquia das Necessidades. E este era, precisamente, um ano em que haveria mais razões para eu por lá estar: o convidado de honra é o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Alain Juppé. Mas há, do meu lado, impedimentos temporários de saúde que não podem ser ultrapassados.

Este género de reuniões existe, creio, desde a primeira metade dos anos 90. Julgo ter sido em 1994 que assisti, pela primeira vez, àquilo que eram então chamadas as "reuniões de altos funcionários". Em seis desses encontros, entre 1995 e 2001, neles perorei regularmente sobre política europeia, quando as funções que então tinha a isso me chamavam. Creio que não estive presente no seminário por duas vezes: em 2003, porque alguém cuidou em não me convidar, e em 2007, por compromissos oficiais no estrangeiro.

É sempre importante para os chefes de missão ouvir de viva voz o seu ministro, bem como outros altos responsáveis setoriais, apontando as suas orientações para a nossa política externa, no ano que abre. Isso é ainda mais relevante num tempo como o atual, com um novo governo, num momento de excecional exigência, em que a malha diplomática e consular está sujeita a constrangimentos e a severas economias de escala. Perceber bem as nossas prioridades, aquilo em que devemos centrar a nossa ação, as mensagens que devemos transmitir àqueles junto dos quais estamos acreditados, enfim, tudo o que de nós se exige neste contexto muito particular, torna-se, assim, essencial. Essa é a principal razão - para além das que indiquei e do interesse em reencontrar amigos e colegas - pela qual lamento bastante não poder estar presente no Seminário diplomático de 2012.

... e logo se vai ver!

Ver aqui .