sábado, julho 31, 2010

Álvaro Salema (2)

O post que, há dias, publiquei, sobre Álvaro Salema, provocou surpresas: "Quem era? Nunca tinha ouvido falar". Creio que alguns, lá no íntimo, terão julgado que eu estava apenas a magnificar um conhecimento pessoal, por discriminação de simpatia.

Talvez estivesse, mas não estava sozinho. Leiam (um pequeno extrato d)o que escreveu Jorge Amado, na sua "Navegação de cabotagem", quando soube da morte de Álvaro Salema:

"A morte de Álvaro Salema chega-me pelo telefone (...). Ai, meu Deus! exclamo quando Nuno (Lima de Carvalho) me diz: desculpa chamar-te para má notícia, Salema morreu. (...) A partir de agora Portugal será menos ensolarado, menos alegre, menos fraterno. Perco o amigo português de toda a minha vida, o amigo perfeito, o de todos os instantes, aquele que tudo sabia e tudo podia entender.(...) Eu projetara ir a Portugal nesse outubro (...). Já não irei, cadê coragem de olhar para o rosto de Elisa, de pronunciar o nome de Álvaro? (...) O homem mais modesto, o mais corajoso, o mais leal, o mais digno, Álvaro Salema. Em silêncio se retirou de cena, pouco antes do final da tragicomédia, personificava a decência, já não tinha lugar no palco."

Rua José Saramago, Porto

Paris, 2010

sexta-feira, julho 30, 2010

Culpados públicos

Não é novidade para ninguém que há hoje figuras, que já eram ou se tornaram públicas, ligadas a processos judiciais, que surgem como irremediavelmente "condenadas" no imaginário popular, por muito que as imputações preliminares ou as reais acusações a eles dirigidas acabem por ser não provadas. 

Não se diga que esta atitude resulta apenas de deficiente formação cultural ou que está restrita a um mundo opinativo excessivamente condicionado pela comunicação social "tabloidizada". Quem, de entre nós, não acha que este ou aquele autarca "tem uma cara chapada" de corrupto, que aqueloutro dirigente desportivo "tem mesmo pinta de vígaro" ou que uma ou outra personagem "tem um arzinho" de pedófilo? Por muito que controlemos, em público, esses nossos sentimentos íntimos, a verdade é que há juízos de convicção que já formámos e que, no fundo, acabarão por condicionar o próprio modo como avaliamos o desfecho dos processos.

Com frieza, teremos de concluir que esta subjetividade apreciativa tem a ver com o modo como fomos "digerindo" aquilo que nos entrou portas dentro, pelas televisões ou pelos jornais, com a leitura que, intimamente ou em grupo, fomos fazendo de tomadas de posição ou das notícias vindas a público. Nestas se incluem as fugas ao segredo de justiça, os "leaks" promovidos, a "desinformação" provocada, além da má-fé e, quiçá, alguma informação verdadeira.

Mas - assumamos! - há outros fatores que nos condicionam a todos, uns de ordem política e ideológica, outros de mera simpatia ou antipatia, seja pelos sujeitos em causa, seja pelos veículos mediáticos ou pelos "opinion makers" que titularam posições nos diversos casos. Ninguém está virgem neste contexto, por mais neutral que possa julgar-se.

Duas entidades se salientam, para o bem e para o mal, em todas estas histórias: a justiça e a comunicação social.

Da primeira, o mínimo que se pode dizer é que perdeu, em poucos anos, um prestígio que, historicamente, mantinha no imaginário público, devida ou indevidamente. A ânsia de expressão mediática, as contradições entre os seus agentes e instâncias, a frequente propensão para jogar com os "media", a assumida lentidão de procedimentos e a comum dilação de atos formais  - tudo isso se traduz hoje numa imagem degradada do estado da justiça portuguesa, provavelmente muito superior àquele que corresponde à sua real situação. Aquilo que deveria ser um esteio de estabilidade psicológica na nossa sociedade transformou-se, infelizmente, num fator de polémica, de aparente arbítrio e de real insegurança.

Quanto à comunicação social, assistimos, nos últimos anos, à perversa absolutização do chamado "direito à informação", uma espécie de desígnio divino assumido, às vezes, por uns histéricos estagiários com um "corneto" ou um gravador na mão, arautos do interesse de uma opinião pública de que alguém os arvorou representantes. Vida privada e privacidade, presunção de inocência e distinção entre estádios de investigação, tudo isso são pormenores despiciendos para quem apenas tem como objetivo fazer títulos ou "peças" sonantes. O que ainda me espanta é que alguns profissionais, criados noutra escola deontológica, que levou anos a "ganhar" o seu estatuto em democracia, estejam agora a "mandar às urtigas" os princípios em que foram formados, mercantilizando-se para vender minutos de imagem ou páginas de jornais.

A conjugação da ação destas duas instâncias conduz a que, no termo dos processos, quando as conclusões da justiça não são aquelas a que já se haviam "sentenciado" algumas personalidades, a conclusão dos opinadores de sofá ou de "snack-bar" seja: "estão todos feitos uns com os outros", "eles sempre se safam" e "isto é tudo a mesma pandilha".

Será assim? Não é. Há culpados e inocentes, há vigaristas soltos, figuras caluniadas e, provavelmente, alguns injustiçados. Este é, contudo, o preço de uma democracia frágil, pouco educada e com um nível cívico muito baixo. É o retrato do Portugal de hoje, do país que somos. E, se não somos melhores, a nós e só a nós o devemos.

quinta-feira, julho 29, 2010

Outra "República"

Há 35 anos exatos, o António Pinto Rodrigues chegou uma noite a minha casa, em Lisboa, com uma ideia "genial". O "caso República" estava no auge, a polémica em torno da saída forçada de Raul Rego e dos restantes membros socialistas do jornal, tomado de assalto por uma linha radical, havia-se transformado num acontecimento internacional. Que tal publicar um livro "rápido", com um dossiê sobre o assunto? O mercado estava maduro...

Para quem o não conheça, convém começar por dizer que o António era e é um empreendedor nato, com ideias sempre a transbordar, às vezes só travadas por essa trágica parede de desilusão que é a realidade das coisas.

"Quem edita? Estás a brincar... Toda a gente quereria editar um livro desses, mas nessa é que não caímos: editamos nós! Vamos ganhar uma pipa de massa! Arranjamos uma tipografia, assinamos umas letras e damos ao Lopes do Souto para distribuir. É dinheiro em caixa. Vai por mim!". E eu fui.

A conversa com Lopes do Souto, uma figura consagrada da distribuição, que o António já conhecia, não me deixou sossegado: "Olhem que o mercado está saturado de livros políticos. Estamos no pico do Verão. Isto desatualiza-se rapidamente".

Qual quê! O António não se deixava ir nestas cantigas desanimadoras: "Estes gajos são uns medricas. Isto está para lavar e durar! Vai ser um êxito. E, para evitar a chatice das reedições, fazemos já 12 mil exemplares". A edição deste tipo de livros raramente excedia 1500 exemplares, mas o entusiasmo do António, que tinha trabalhado no ramo, calou as minhas dúvidas - num tempo em que eu estava mais ocupado a fazer a estranha transição entre ser militar do PREC e passar a diplomata dos Negócios Estrangeiros, em cujo concurso de entrada fora entretanto apurado.

Em duas noites, escrevi o texto que estruturava o livro. Hoje, sorrio ao observar a linguagem e o estilo dessa longa introdução, que é menos uma reflexão ponderada sobre o "caso" em si e, muito mais, um belo retrato de mim mesmo, nesses tempos. O livro ficou artesanal, com tipo e papel bem pobres, estrutura estilo "recorta-e-cola", com alguns depoimentos recolhidos à pressa, outros pirateados da comunicação social. Salvava-se a capa, com alguma graça. As gralhas foram mais do que muitas,  mas, apesar de tudo, muito menos que os milhares de exemplares que ficaram por vender e que, a certa altura, já nem sabíamos onde guardar.

Claro que, de imediato, veio a fatura. As letras venciam-se e nós tínhamos de as reformar, dos nossos próprios pobres salários da época. Era "fiador" o então sogro do António, José Palla e Carmo. Foi bastante duro, durante vários meses.

Depois, o António e eu fomos viver por esse mundo fora, encontrando-nos a espaços, amigos para sempre, tendo como "obra" comum "O Caso República". E a memória ímpar desse mítico verão de 1975.

Ah! não vale a pena procurarem um exemplar de "O Caso República". Está esgotadíssimo!

Prou!

terça-feira, julho 27, 2010

Verão!

40 anos

Estava um dia de intenso calor. Tinha acabado de desembarcar na estação da Régua, vindo de Vila Real, pela velha linha do Corgo. Aguardava o comboio que, partido de Barca d'Alva, me levaria ao Porto. Aí apanharia a ligação para Lisboa, onde deveria chegar depois de uma viagem de cerca de 10 horas. Era assim, no Portugal de então. "A rádio está a anunciar que morreu o Salazar", disse-me o meu cunhado, que tinha ido tentar apanhar, na tabacaria, o "Diário de Lisboa" do dia anterior, que não tinha chegado a Vila Real e cuja leitura era então, para nós, "obrigatória".

Recordo-me bem de não ter tido qualquer sentimento particular perante a notícia. Salazar tinha morrido politicamente quase dois anos antes, em Setembro de 1968, quando fora substituído por Marcelo Caetano. Desde então, a decadência física do antigo ditador havia sido exposta algumas vezes à mórbida curiosidade pública, com patéticas aparições cuja mediatização quase que parecia destinada a sublinhar o deperecimento político do próprio salazarismo. Alguns, mais bem informados, conheciam o episódio caricato da entrevista ao "L'Aurore", que revelava a existência de um cenário de ilusão em S. Bento, que dava a Salazar a ideia de que ainda era chefe do governo, com a participação teatral de alguns ministros.

No que aos portugueses verdadeiramente interessava, o caetanismo mostrara, nesse período, ter chegado ao limite em termos de abertura política. Uma crise académica séria atravessara o país. As eleições de 1969 haviam constituído uma enorme farsa, a política colonial mostrava-se, definitivamente, como o eixo cristalizador de um regime em que a repressão e a censura se acentuavam de novo. Sá Carneiro e a "ala liberal" iam perdendo as esperanças na propalada "primavera política".

Passam hoje 40 anos sobre esse dia, quase tantos quantos o regime autoritário dirigido por Salazar, que começou e se prolongou sob tutela militar, havia imposto a Portugal. Menos de quatro anos depois, outros militares iriam pôr termo ao que restava do salazarismo.

Desde então, Salazar transformou-se numa curiosidade histórica. Revindicado por saudosistas ou diabolizado pelos opositores, talvez venha a propósito lembrar que a única vez que se sujeitou a sufrágio - e foi eleito - foi durante a vilipendiada Primeira República. 

segunda-feira, julho 26, 2010

Chamar um embaixador

Há dias, a nossa comunicação social comentou bastante o facto do embaixador de Israel em Portugal ter sido chamado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, por virtude de declarações públicas que havia proferido e que Lisboa considerou menos consentâneas com o seu estatuto.

"Chamar um embaixador" estrangeiro é um gesto excecional, que, na maioria dos casos, se pratica e anuncia publicamente quando se pretende manifestar o desagrado do governo face ao Estado que esse embaixador representa ou, o que também acontece, perante o comportamento, tido por inadequado, de um dos seus agentes diplomáticos - como foi agora o caso. Mas outras situações podem justificar o ato.

(Como curiosidade, vale a pena deixar aqui registada aquela que é uma prática tradicional das diplomacias: quando há uma coisa desagradável a dizer a um governo estrangeiro, utiliza-se para tal o embaixador desse país na nossa capital; quando a mensagem é agradável, usa-se o nosso embaixador acreditado nesse país. A lógica, óbvia, é preservar mais o nosso diplomata...)

Há uns anos, vi-me obrigado a ser protagonista de um caso similar.

O representante diplomático em Lisboa de um país candidato à entrada na União Europeia, no decurso de um jantar numa outra embaixada, perante muitos convidados portugueses e estrangeiros, afirmou, alto e bom som, que o governo português de então (ao qual eu pertencia) era de uma "refinada hipocrisia". Segundo o diplomata, Portugal andava a espalhar que era favorável ao alargamento da União quando, na realidade, toda a gente sabia que tinha imensas reservas a isso e que tudo iria fazer para boicotar a entrada de novos países na União.

Esta acusação era perfeitamente infundada, como o futuro veio a provar à saciedade. Portugal terá sido, dentre os países comunitários, um dos que mais favoreceu o alargamento, por entendê-lo como um importante passo estratégico para a ideia de Europa que cultivava. Só que, pelos vistos!, isso não era ainda percebido por alguns.

O meu chefe de gabinete e uma alta responsável do MNE estavam presentes nesse jantar e reagiram de imediato, defrontando-se então com a reiteração obstinada do embaixador, que insistiu mesmo noutros comentários negativos sobre o nosso suposto comportamento, tudo isto dito perante larga audiência. Algum estímulo etílico poderia ter contribuído para a prolixidade crítica do embaixador, mas a inimputabilidade alcoólica não faz parte dos privilégios e imunidades dos diplomatas.

Mandei chamar o diplomata, com caráter de urgência, ao meu gabinete, sem o informar do tema. Recebi-o, acompanhado do director-geral político-económico do MNE. Disse-lhe ter sabido das suas afirmações (cujo teor exato eu tinha entretanto confirmado), as quais não pretendia comentar nem era minha intenção discutir. Queria que soubesse que considerávamos que ele estava no pleníssimo direito de ter, sobre o governo português e as suas atitudes, todas as opiniões que muito bem entendesse. Da mesma forma, o governo português sentia-se no direito de, em face dessas declarações, que entendia da maior gravidade, delas vir retirar todas as consequências que considerava óbvias para as relações futuras entre Portugal e o seu país. 

Dito isto, levantei-me e, com um "Have a good day!", dirigi-me à porta, onde fiquei à espera do embaixador, de cara fechada. O nosso homem ainda ficou sentado por um segundo, depois levantou-se, gelado e branco, tartamudeando, nos breves passos até à saída, algumas desculpas, onde figurava a ausência de quaisquer intenções ofensivas no que dissera. Estendi-lhe a mão, sem mais uma palavra, e fi-lo sair do gabinete. O diretor-geral, que me acompanhava e a quem eu não tinha prevenido do "modus operandi" que iria seguir, estava siderado e, logo que ficámos sós, soltou uma impublicável interjeição, surpreendido com o que testemunhara.

Não me arrependi. Para a história: as relações entre Portugal e esse excelente país não foram, claro!, afetadas. Fui, entretanto, sabendo que o pobre do embaixador passou a desfazer-se em elogios a Portugal e à política do nosso governo, em tudo quanto eram ocasiões públicas e perante interlocutores ele sabia que poderiam vir a informar-nos.

Respeitar o governo perante o qual se está acreditado, comportar-se com contenção na apreciação pública das suas políticas ou das suas autoridades e, em especial, esforçar-se por interpretar corretamente as intenções do governo local é uma regra de ouro para qualquer profissional da diplomacia. Nas comunicações internas que enviamos às autoridades que representamos temos o direito e a obrigação de dizer tudo o que pensamos, por mais cáustico que isso possa ser; nas nossas tomadas de posição públicas, mesmo em ocasiões sociais, temos que ter toda a parcimónia e consideração devidos ao país que nos acolhe. Quem assim não proceder, e em função da gravidade do ato praticado, deve saber que as regras são claras: ou é subtilmente "isolado" e desprezado pelas autoridades do país onde está acreditado, ficando com a sua atividade limitada, ou recebe uma "rabecada" formal, mais ou menos publicitada, ou, no limite, é considerado "persona non grata" e terá de abandonar o posto. A escolha é sempre do diplomata.

O futuro da CPLP

O pedido de ingresso da Guiné-Equatorial na CPLP, evidenciado na cimeira de Luanda, tem a virtualidade de lançar um debate identitário no seio da organização e de, por essa via, vir a potenciar e a clarificar alguns dos seus alinhamentos internos de forças - que são uma real floresta por detrás da árvore de retórica que sempre tem de envolver este tipo de cimeiras. 

Todas as eventuais clivagens que este processo possa vir a revelar devem ser encaradas com naturalidade, porque elas são apenas o salutar sintoma de que a CPLP começa a ter uma crescente relevância na projeção estratégica de alguns dos seus Estados-parte.

Lisboa, 41 º C !

domingo, julho 25, 2010

Cinema

António Pedro de Vasconcelos pertence a uma raça muito rara de cineastas portugueses que conseguem cumular três características: terem indiscutível qualidade, não serem chatos e, seguramente por isso, terem, entre nós, um público que paga para ver as suas obras - essa coisa pouco comum, algo "suspeita" e até menos dignificante, no peculiar mundo da produção cinematográfica lusa. José Fonseca e Costa é outro desses autores.

O cineasta tem, por essa razão, toda a autoridade - profissional e cultural - para se pronunciar como o fez, numa carta que dirigiu à ministra da Cultura, que pode ser lida aqui. A sua tese é simples: o Estado democrático não deve ter uma política do gosto.

Não tenho a menor dúvida que esta declaração, frontal e corajosa, de António Pedro de Vasconcelos vai ao arrepio da opinião de quantos, lá no fundo, não se importam de ver as salas de cinemas do nosso país "cheias" como a imagem documenta. São os adeptos de um cinema português para uns "happy few", onde se contam os amigos, os amigalhaços da crítica e, presumo, os membros dos júris que lhe atribuem os subsídios.

Personalidade

Quando o embaixador pediu ao motorista para parar o carro, aí a uns 500 metros do hotel para onde se dirigiam para almoçar, o jovem diplomata que o acompanhava ficou um tanto surpreendido. Estavam alguns graus negativos, o caminho tinha muita neve e, na realidade, não havia nenhuma justificação para que a viatura oficial os não deixasse, confortavelmente, à porta do hotel. Porquê ficar àquela distância? Atendendo, porém, ao facto de que o seu recém-chegado chefe estava a ser pródigo em atitudes algo bizarras, o nosso jovem já nem reagiu. "Vamos a pé", comandou o embaixador, levantando a gola e arrancando, sob o vento e a neve, para o distante hotel. 

O secretário de embaixada seguiu-o, naturalmente. A passada do embaixador começou, contudo, a acelerar, assumindo quase um ritmo idêntico ao dos corredores da marcha olímpica. O jovem diplomata ainda o acompanhou por algumas dezenas de metros mas, a certo ponto - o que é demais é erro! -, decidiu ir ao seu próprio ritmo, sem seguir aquela passada sem sentido, cansativa e desnecessária. Quando, por fim, chegou à porta do hotel, o embaixador esperava-o, há quase um minuto, com um sorriso leve. E foram almoçar.

Passou um ano. As relações entre o embaixador e o seu secretário estabilizaram num bom ambiente, com as manias do primeiro a serem aceites, já sem surpresas, pelo segundo. A certo ponto de uma conversa, o embaixador perguntou: "Você lembra-se, um dia, de eu ter acelerado muito o passo, numa ida a um restaurante, tendo você ficado para trás?". Claro que o secretário se lembrava desse episódio, nunca tento tido a ousadia de o referir. "Você marcou pontos nessa ocasião", disse o embaixador. "É que aquilo foi um teste. Eu tinha acabado de chegar, não o conhecia bem. Tomei essa atitude para o experimentar. Se você me tivesse seguido, no ritmo exagerado de passada que eu utilizei, isso significava que você era uma pessoa fraca. Como não me acompanhou, mantendo o seu próprio ritmo, percebi que você tinha personalidade e vontade própria. Passou no teste".

Esta é uma história verdadeira. As pequenas embaixadas são microcosmos onde se potenciam as idiossincrasias, onde por vezes se agudizam gratuitamente tensões e onde o isolamento faz vir ao de cima traços insuspeitados de caráter, às vezes mesquinhos e autoritários, outras vezes surpreendentemente generosos e delicados. São "caixas de Pandora" da personalidade de cada um, mas onde nem sempre as surpresas são as melhores.

Como Salazar dizia das pessoas que trabalhavam num certo departamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e por conta desta historieta, às vezes fico sem saber se há alguns que vão para a carreira diplomática porque são assim ou se ficam assim por terem ido para a carreira diplomática...

sábado, julho 24, 2010

Vuvuzelas

O Sporting foi o primeiro clube português a anunciar a proibição do uso de vuvuzelas no seu estádio.

Pode não vir a ganhar mais nada, mas já ganhou o campeonato do bom-senso.

Suissa

Ontem, numa emissão da RTP dedicada às comunidades portugueses no exterior, ao ser referido um tema de literatura, apareceu a identificação de um cidadão como residente em Genebra, na "Suissa".

É claro que o escriba da legenda não estava a procurar transcrever a forma antiga do nome do país alpino. Fê-lo, obviamente, por efeito dessa iliteracia que hoje se propaga como endemia, sem vacina à vista, na nossa comunicação social, que leva a erros de calibre bem mais chocante, de que as legendas que correm no fundo dos telejornais são recorrente sintoma.

O grande problema é que, no caso vertente, e muito provavelmente, ninguém fez qualquer observação ao "jornalista" em causa, os poucos que terão notado o erro não o devem ter considerado relevante e, dessa forma, tudo vai continuar na mesma. Aliás, é nessa "cultura" de facilismo e de falta de exigência que alegremente prossegue o "serviço público" fornecido por essa boa ideia transformada em tragédia "pimba" que dá pelo nome de RTP Internacional.

Álvaro Salema

Ontem, numa conversa, veio à baila o nome de Álvaro Salema. Muitos dos leitores deste blogue não o conhecerão bem, alguns nem sequer terão ouvido falar deste ensaísta e jornalista que desapareceu, com 77 anos, em 1991, e que, com Álvaro Cunhal, chegou a dar aulas a Mário Soares, no Colégio Moderno.

Devo começar por dizer que, de há muito, considero que Álvaro Salema é uma das  importantes figuras portuguesas a que o 25 de abril, por que tanto lutou, não fez a justiça que lhe era devida. A culpa é de todos nós, a começar pelo próprio Álvaro Salema. Já explico porquê.

Salema foi uma figura da maior importância na vida intelectual portuguesa, a partir dos anos 40. Professor e crítico literário, foi um escrupuloso cultivador de uma ética pública de grande rigor, que o levava a um auto-apagamento que acabou por afetar a visibilidade do lugar que lhe é devido na história cultural de Portugal. A política era, para ele, um espaço de exercício de serviço à comunidade, pelo que alimentava uma exigência que o tornava quase intolerante perante os que entendia que dela apenas se serviam. Com um intocável currículo na luta pela democracia,  ao tempo em que era arriscado assumi-la como objetivo, foi preso e perseguido. Nunca procurou cargos ou prebendas, alimentando mesmo um cáustico desprezo por quantos viviam nessa obsessão.

Durante muitos anos, Álvaro Salema foi redator principal do "Jornal do Comércio", um dos mais antigos diários económicos portugueses. Dirigiu os suplementos literários do "Diário de Lisboa" e de "A Capital" - ao tempo em que esses espaços tinham um papel fundamental na vida intelectual do país. Colaborou em inúmeras publicações, como a "Seara Nova", o "Sol Nascente" ou o "Colóquio Letras", tendo obtido distinções internacionais pelos seus trabalhos de crítica literária, distribuídos por vários livros.

Por razões que não vêm para o caso, tive o ensejo de privar com Álvaro Salema. Dele recolhi exemplos de postura ética que me levam a manter uma grande admiração pela sua memória. Achei importante dizê-lo aqui.

sexta-feira, julho 23, 2010

Talentos

É muito gratificante, como hoje aconteceu na distribuição dos Prémios Talento, ver indicadas e distinguidas várias personalidades que orgulham a nossa comunidade em França. 

A multiplicidade dos "talentos" nomeados - e muitos outros o poderiam ter sido - é bem demonstrativa do modo como os portugueses em França têm sabido construir os seus percursos de êxito. É o próprio nome de Portugal que resulta prestigiado dessa sua afirmação.

quinta-feira, julho 22, 2010

Forcados

A imagem que hoje deu a volta ao mundo - uma figura, dentre os assistentes da estrada, vestido de forcado a correr atrás dos líderes da etapa do Tour de France que terminou no histórico Col du Tourmalet - ilustra bem as dificuldades da diplomacia pública portuguesa.

"Slow limite"

"Grosses têtes" é um divertidíssimo programa radiofónico diário da RTL, que muitas vezes roça o "politicamente incorreto". Dirigido, desde 1977 (!), por Philippe Bouvard, é feito de questões muito diversas, colocadas pelo animador aos convidados, geralmente gente com muita graça e sentido de humor. Às vezes, são horas de grande gozo!

Há dias, um dos convidados, chamado a qualificar a canção "Et si tu n'existais pas", de Joe Dassin, saiu-se com esta: "No meu tempo, era chamado o "slow limite". Num baile, se com ele não se conseguisse 'sacar' uma namorada, então o caso estava perdido".

Aqui fica, para análise. ilustrada por uma imagem desviada dessa "Enciclopaedia Britannica" do romantismo que é o Criativemo-nos.

quarta-feira, julho 21, 2010

Ainda um telegrama

O curto e incisivo telegrama que ontem referi num "post" fez-me lembrar uma outra historieta similar, também famosa na nossa "casa".

Um dia, a um embaixador, foi pedido por telegrama que efetuasse uma determinada diligência, junto do ministério dos Negócios Estrangeiros local. O assunto era relativamente urgente. 

Passaram alguns dias e não houve resposta. Na antiga linguagem tradicional, que poupava artigos e preposições, Lisboa voltou a insistir: "Muito se agradeceria Vexa resposta urgente nosso ...." (indicando o número do telegrama que havia formulado o pedido).

O embaixador mantinha-se, contudo, em silêncio. O posto era distante, os telefonemas eram difíceis, a via telegráfica continuava a ser a única utilizável. 

Com paciência, a "Secretaria de Estado" (designação histórica pela qual todos nós tratamos a sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Lisboa, em especial na correspondência) lá insistiu, já mais seca: "Aditamento nossos .... e .... Solicita-se resposta urgente Vexa".

Nada. O nosso homem em posto continuava a não dar sinal de si. É nessa conjuntura que o Secretário-Geral, o chefe da carreira, abandonando a prudência de estilo que os hábitos da casa sempre impunham, expediu um curto, incisivo, claro e hoje histórico telegrama, com uma única palavra: "Então?!". A história não acolheu a resposta que o embaixador terá, finalmente, dado.

B & B

Há bastantes anos que ouvia falar daquele restaurante, situado numa certa capital de distrito, onde não vou muito e onde tinha escassas refe...