terça-feira, julho 06, 2010

Clube da tolerância

Há em França uma estrutura de debate, chamada Club Vauban, que alimenta uma agenda singular. Fundado há mais de 30 anos, o clube tem como objetivo favorecer o debate entre todos quantos - de direita, do centro ou de esquerda - têm a seu cargo a preservação do interesse público. Autodefinido como uma "cooperativa de reflexão", congrega diferentes opiniões políticas e sociais, distintas referências ideológicas e convicções político-partidárias, sendo que todos os seus componentes devem ter em comum ser favoráveis à economia social de mercado e à construção europeia.

Há dois dias, o antigo PM socialista, Michel Rocard, e a antiga ministra centrista, Simone Veil, vieram a terreiro, em nome do clube, indignar-se com a onda de acusações que têm vindo a surgir contra um determinado membro do governo francês. E, no quadro desta sua reação, escreveram: "Debater é uma coisa, querer a todo o preço abater o adversário é outra. Atacar ad hominem, estafar sem descanso, denunciar sem provas, de um lado como do outro, não é uma forma de contribuir para o debate, é prejudicar a democracia, enfraquecê-la e, finalmente, debilitá-la em nome dos próprios princípios com que julgamos defendê-la. É atentar contra a dignidade da pessoa, é atacar a política e a República".

Julgo que quem, em Portugal, numa coluna ou num blogue, tivesse a ingenuidade de escrever isto, receberia uma resposta tipo "Gato Fedorento": "o que tu queres sei eu!"...

Por isso, estamos muito longe de poder ter no nosso país um Club Vauban. E, também, estamos a anos-luz do que a sua própria existência significa.

França-Portugal

A importância da comunidade de origem portuguesa em França mede-se de várias maneiras. Uma delas é a relevância na vida parlamentar francesa.

Nos "grupos de amizade" França-Portugal, no Senado e na Assembleia Nacional franceses, têm assento personalidades que, na grande maioria dos casos, representam regiões onde há um número significativo de cidadãos de origem portuguesa. Em alguns casos, além de deputados e senadores, esses mesmos eleitos são também "maires" de localidades da região.

Hoje e na passada semana, reuni, respetivamente, com os "grupos de amizade" da Assembleia e do Senado. Foram algumas horas de útil troca de impressões, em que se falou naturalmente da situação político-económica em Portugal, mas, maioritariamente, sobre problemas concretos que se ligam aos interesses dos portugueses ou luso-descendentes dessas regiões - intercâmbios municipais, ensino da língua portuguesa, reforço das relações económicas e culturais, etc

segunda-feira, julho 05, 2010

O panorama de Gulbenkian

Na passado sábado, estive em Enclos, perto de Deauville, a acompanhar o presidente da Fundação Gulbenkian, Emílio Rui Vilar, na inauguração do Parque Gulbenkian, a formalização da doação à região de um espaço natural adquirido por Calouste Gulbenkian, em 1937. Trata-se de uma mistura imaginativa de jardins, prados e bosques, um projeto que revela uma sensibilidade que talvez nos ajude a "ler" melhor a mentalidade do filantropo. A presença do Coro Gulbenkian, vindo expressamente de Lisboa, trouxe uma nota de grande beleza à cerimónia.

A certo ponto da visita, e apontando-me um panorama soberbo que Gulbenkian criara deliberadamente, como linha de harmonia entre duas alas de verde - de imensos e diferentes verdes, que nos ajudam a perceber melhor alguma pintura impressionista -, o delegado local do Ministério francês da Cultura explicou-me que esse panorama, até ao infinito onde é visível, está hoje protegido por lei, sendo insuscetível de ser palco de qualquer construção ou mesmo de um mero rearranjo arbóreo, sem autorização legal, sob pena de procedimento criminal.

"Pobre" país este, a França, cuja paisagem não pode ser beneficiada com a instalação de um qualquer barracão de zinco de cores berrantes, com a graça de uma pedreira a céu aberto ou o girassólico romantismo de uma eólica!

O jogo das palavras

Hoje, num almoço com os embaixadores da União Europeia, a ministra francesa da Economia, com muita graça e algum detalhe, explicou-nos a lógica subjacente ao neologismo que criou e que fez as primeiras páginas dos jornais de fim-de-semana: a palavra "rilance"

O conceito é uma amálgama da expressão "rigueur" com "relance", querendo com isto significar que é possível ligar a adoção de medidas de rigor orçamental com políticas de relançamento do crescimento económico, sendo que, na perspetiva da governante, e contrariamente a algumas teorias, as primeiras podem mesmo facilitar as segundas.

O jogo das palavras é um mundo fascinante. No "L'Express", Jacques Attali interroga-se sobre se, afinal, o "G 20" não será um "G vain"...

Acordo ortográfico

O "Expresso" desta semana passou já a usar as normas do novo Acordo Ortográfico.

O mesmo já acontecia com a única agência noticiosa portuguesa - a "Lusa" -, bem como com o semanário "Visão" e o jornal desportivo "Record".

Acaba, entretanto, de ser anunciado que, a partir de Janeiro de 2011, os manuais escolares irão aparecer sob a nova ortografia, embora haja um período de transição.

domingo, julho 04, 2010

Hinos e heróis

Numa concorrida audição, à porta fechada, o demissionário presidente da Federação Francesa de Futebol, acompanhado do selecionador cessante, foram convocados, na passada 4ª feira, a uma comissão parlamentar. O "compte rendu" do encontro já caiu no domínio público. Entre algumas revelações no âmbito daquilo que a teorização desportivo-mediática portuguesa qualifica, sem se rir, de "cultura de balneário", ficou-se a saber que, se o selecionador francês tivesse de excluir jogadores da equipa por não saberem cantar "La Marseillaise", ficava só com quatro (entre 23!).

Em Portugal, não sei quantos dos selecionados sabem o nosso hino. Pareceram-me alguns mais (uma evolução face a outros anos), embora ficasse claro, pelas imagens, que a concentração pré-jogos de Ronaldo se revelou sempre incompatível com o debitar oral de "A Portuguesa".

Entre o modo como Portugal e a França trataram o "problema" das suas seleções houve outras diferenças. Verdade seja que, no caso francês, teve lugar uma rebelião; no nosso caso, houve apenas flagrante incompetência tática. Mas, claro está!, entre nós ninguém se demitiu... Era só o que faltava! Então não ganhámos 7-0 à Coreia do Norte?!

"Tour de France"

Hoje, acabada que foi (e em que bizarras condições!) a primeira etapa do "Tour de France", a maior prova ciclística do mundo, aparece-me recordar uma histórica figura desta competição, uma pessoa felizmente ainda viva: Raymond Poulidor.

Confesso o meu fascínio por alguém que acabou sempre por ser derrotado na luta pela vitória final no "Tour", não tendo nunca sequer vestido a "camisola amarela", embora sendo vencedor de várias etapas. No que me toca, recordo-me de ter sido sempre um "poulidorien" ferrenho, em toda a minha juventude. Aqui em França, não deve haver nenhum seu compatriota da sua geração que o não conheça, muitas vezes pelo carinhoso "petit nom" de "Poupou".

Poulidor teve uma longa e brilhante carreira, vencendo diversas provas, entre as quais uma "Vuelta a España". No "Tour", partilhou o pelotão com figuras da estirpe de Louison Bobet, Jacques Anquetil, Eddy Merckx e Bernard Hinaut. Foi com Anquetil que a sua disputa foi mais dura, embora também nos tempos do belga Merckx tivesse estado muito próximo da vitória. Esteve oito vezes no pódio final - três vezes como 2º e cinco vezes como 3º classificado.

Vale a pena também recordar que o "nosso" Joaquim Agostinho foi 3º classificado nas edições de 1978 e 1979 do "Tour", correndo com Poulidor entre 1969 e 1976, ano em que este último disputou a prova pela derradeira vez.

Em Portugal, também tivemos uma espécie de "Poulidor": foi Jorge Corvo, um ciclista do Ginásio de Tavira, que obteve três 2ºs lugares e em 3º lugar na Volta a Portugal. Mas, deste, muito poucos se lembrarão. 

sexta-feira, julho 02, 2010

Nicole Fontaine

Nicole Fontaine é uma mulher política francesa, com grande experiência nas lides europeias. Foi ministra da Indústria, no governo Raffarin. Em 1999, protagonizou uma acesa competição com Mário Soares, ganhando-lhe na disputa pela presidência do Parlamento Europeu. O modo atípico como as coisas então se passaram prenunciava um futuro complexo para o seu relacionamento com Portugal. Recordo-me de a ter visitado, no seu gabinete de Estrasburgo, poucos dias depois da sua entrada em funções. Portugal seria o primeiro país a ser visitado por Nicole Fontaine. O seu entendimento conosco foi sempre impecável.

Na passada sexta-feira, fui um dos seus convidados pessoais na cerimónia em que a ministra da Economia, Christine Lagarde, lhe fez entrega de uma alta condecoração francesa. Fiquei satisfeito ao ouvi-la testemunhar o grande apreço que mantém pelo nosso país.

LusoJornal

Há dias tristes. Este é um deles. O LusoJornal, uma aventura de comunicação social independente, titulada pelo jornalista Carlos Pereira, acaba de chegar ao seu fim, por decisão judicial.

O LusoJornal fazia já parte do panorama dos locais portugueses em França, onde era distribuído gratuitamente. Com uma expansão nacional bastante forte, que garantia a sua auto-sustentação, acabou por sofrer o impacto indireto de outro tipo de problemas que afetaram a empresa sua proprietária.

Com o fim do LusoJornal perde-se um importante espaço de apresentação da vida associativa e cultural portuguesa em França. Não tenho a menor dúvida em afirmar que a comunidade portuguesa e luso-descendente fica mais pobre sem o LusoJornal.

Neste dia triste, aqui deixo um abraço de solidariedade ao Carlos Pereira.

Os diplomatas

Não diria que somos uma profissão de mal-amados, mas vivemos frequentemente presos a uma caricatura difícil de descolar da nossa pele. Nós, os diplomatas, estamos muito habituados a que nos tracem um rosto de vacuidade, a que colem a nossa existência a um dia-a-dia fútil, a que alguns se interroguem em público sobre a real valia dos gastos do erário que sustentam a nossa ação. No que me toca, e com o tempo, passei a preocupar-me muito pouco com isso e a cuidar muito mais em estar de bem comigo mesmo, em termos da contribuição que dou ao serviço público que escolhi como destino de vida.

Não deixa, contudo, de ser gratificante quando observamos que alguém reflete, de forma positiva, sobre esta profissão que escolhemos e que nos escolheu para ocupar alguns lugares em que representamos Portugal, quando vemos o nosso trabalho e as dificuldades em que por vezes ele se processa destacados por uma jornalista que tem andado por esse mundo a olhar o que fazemos.

Foi esse o caso, ontem, de Maria João Avillez, na sua coluna "Dia sim, dia não", na revista ´"Sábado". Obrigado, Maria João.

quinta-feira, julho 01, 2010

Vivo

Um dia, quando for contada a história da presença portuguesa na economia brasileira, o caso da Portugal Telecom (PT), e da sua parceria com a Telefónica de Espanha, na empresa Vivo, líder do mercado de telefones portáteis, fará parte de um capítulo principal. É uma história complexa, como o são todas as sagas em que o dinheiro está no posto de comando das decisões. É uma história de ambições, de rivalidades e de estratégias cruzadas. É também uma história através da qual o Brasil talvez venha a perceber, finalmente, que perdeu a hipótese de se colocar, com a PT, na liderança de um grande projeto no quadro da lusofonia, com a África incluída. Uma história que, repito, há-de ser bem contada. Um dia.

Da pequena história dessa história faz parte a Assembleia Geral da PT, ontem, onde o Estado português, através da sua "golden share", rejeitou a proposta de compra da parte que a PT tem dentro da Vivo, numa demonstração de grande coerência com a linha que sempre seguiu, no sentido de manter a PT como um instrumento de afirmação empresarial estratégica à escala global. O voto do restante capital dito nacional foi também imensamente coerente: com o lucro. 

Espanha europeia

Terminou ontem a presidência espanhola da União Europeia, no primeiro semestre de 2010. Tratou-se de um exercício da maior complexidade, porque teve lugar num dos períodos mais turbulentos da vida comunitária. Não cabe aqui fazer o balanço desta presidência, mas é importante referi-la como de grande empenhamento e dedicação à causa europeia.

Esta presidência coincidiu com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o mesmo é dizer, com a afirmação pública das novas figuras que, por virtude desse tratado, ingressaram no firmamento europeu: o presidente fixo do Conselho Europeu e a Alta-Representante para a acção externa. Acomodar o papel da presidência rotativa com essas novas titularidades não deve ter sido tarefa fácil. Como não foi fácil deixar estabelecidas, com os equilíbrios possíveis, as bases do futuro Serviço Europeu de Ação Externa.

Para além destas mudanças institucionais, importa notar que, no período da presidência espanhola, ocorreu a maior crise de que há memória nas finanças europeias, com alguns países da UE (entre os quais a própria Espanha) a sofrerem uma pressão inusitado dos mercados mundiais. A tendência registada para uma gestão intergovernamental desta crise não deixou de afetar a própria imagem da União Europeia, enquando sede de decisões tomadas na observância de certas regras.   

Por estas e por outras razões, a muitas das quais foi alheia, a Espanha não pôde levar à prática todo o seu excelente programa de trabalho e, em muitos casos, foi obrigada a jogar com a conjuntura e a adaptar-se a ela. Fê-lo com a qualidade a que sempre, no passado, a excelente diplomacia espanhola nos habituou na Europa. Nesta hora da despedida da sua presidência, creio que é de elementar justiça deixar uma menção de grande simpatia à Espanha pelo modo como, sob ventos e marés, conseguiu desenvolver estes seus muito difíceis meses de trabalho europeu. Foi patente o modo como Madrid tentou ser fiel a alguns princípios essenciais, sem os quais o próprio projecto europeu, a que, com Portugal, aderiu precisamente há um quarto de século, deixa de ter algum sentido.

Claques

Ontem à noite, o entusiasmo quase excessivo de alguns espectadores num teatro parisiense trouxe-me à memória os tempos (que julgo terão terminado) dos "bilhetes de claque". Foi por meados dos anos 60, em Lisboa, que fui confrontado, pela primeira vez, com a possibilidade de adquirir bilhetes para algumas peças de teatro a preços muito reduzidos, apenas com a obrigação de bater palmas em determinados momentos do espetáculo. A bolsa de um estudante era o que era e, por essa razão, havia que recorrer a tais expedientes.

Recordo-me bem de um personagem rotundo, de cabelo oleado, que parava no hall da estação do Rossio e junto de quem, ao final da tarde, se ia inquirir se havia "bilhetes de claque" disponíveis. A conversa era sempre um curioso equilíbro de oferta-e-procura, dependendo do êxito relativo das peças: "Para a primeira sessão do Maria Vitória, isto hoje está mau. Posso arranjar um bilhete, mas sai caro. Mais em conta, tenho para a segunda sessão. Já para o Capitólio e para o Variedades, a coisa é mais fácil...". Estou "a ver" a cena: o tal cavalheiro trazia os escassos e requestados bilhetes enrolados de forma ondulada entre os dedos da mão esquerda, "folheando" discretamente os lugares disponíveis com a mão direita. Os preços eram altamente discricionários e, julgo eu, definidos à medida da nossa presumida disponibilidade financeira.

No teatro, encostado a uma das paredes laterais da plateia, ficava o "claqueiro", personagem que arrancava com "surtos" de palmas que os possuidores de "bilhetes de claque" (4 ou 5 por sessão), estrategicamente espalhados pela sala, muitas vezes em ótimos lugares, eram obrigados a seguir. No intervalo, se acaso o "claqueiro" não estivesse contente com o "entusiasmo" demonstrado pelos possuidores desses bilhetes, vinha "tirar satisfações", implicitamente ameaçando com uma saída da sala.

Uma noite, no Villaret (olá Raul!), com a casa desoladamente quase deserta, recordo-me da cena patética que fiz, com outros anónimos possuidores de "bilhetes de claque", "puxando" por uma peça que era um flagrante fracasso de audiências. Quando o nosso simultâneo "entusiasmo" ressoava pela sala, os restantes espetadores olhavam para nós, entre o espantado e o divertido - porque alguns deviam suspeitar da origem das nossas entradas. Julgo que terá sido nessa noite que decidi não comprar mais "bilhetes de claque". Hoje em dia, só faço essas figuras em peças de amigos... 

quarta-feira, junho 30, 2010

Rohmer e Godard

Clermont-Ferrand é uma terra que já me trazia à memória a "nouvelle vague" do cinema francês, porque foi a cidade onde Eric Rohmer filmou o mítico "Ma nuit chez Maud". Agora, ao ter sido recebido pelo "maire" se chama Godard (embora Serge e não Jean-Luc), esta memória adensa-se.

No passado sábado, estive em Clermont-Ferrand para inaugurar a nova sede de uma associação portuguesa, que este ano comemora impressionantes três décadas de existência. Um fantástica festa de S. João, com milhares de visitantes, provou bem a vitalidade e a integração dos muitos portugueses que vivem na terra de Pascal e capital da Michelin.

terça-feira, junho 29, 2010

Paulo Jorge (1929-2010)

Com a morte de Paulo Jorge, antigo ministro das Relações Exteriores de Angola, morre também um certo MPLA.

Uma noite, numa conversa em Luanda, nos anos 80, em casa do Fernando Valpaços, Paulo Jorge contou-me uma história que nunca mais esqueci, porque tem um significado interessante.

Eram passadas poucas semanas após o 25 de abril de 1974 e uma delegação do MPLA, chefiada pelo próprio Paulo Jorge, chegou a um certo país do norte de África, para uma visita oficial. A delegação desceu do avião e, para grande surpresa dos seus integrantes, ninguém parecia aguardá-los. Dirigiram-se para a sala de desembarque e aí esperaram. Alguns minutos depois, foram hesitantemente aproximados por umas pessoas que inquiriram se aquele grupo não seria, por caso, a delegação angolana. Paulo Jorge e os seus companheiros confirmaram que sim, para evidente alívio daqueles que eram, afinal, os seus anfitriões. Na realidade, eram as mesmas pessoas que eles já haviam visto ao fundo da escada, à saída do avião, mas que, nesse momento, não tinham feito qualquer gesto de aproximação. Os anfitriões explicaram, um pouco embaraçados: é que não estavam à espera que a delegação do MPLA fosse constituída só por brancos...

Outros tempos. 

Espiões

"Old habits die hard". A notícia de que 10 alegados espiões russos foram detidos nos Estados Unidos, onde estariam a ser infiltrados, pode levar alguns a imaginar um retorno aos tempos da Guerra Fria, um mundo que pensavam já terminado. O mais curioso é que isto se passa quase simultaneamente com o dia em que os presidentes Obama e Medvedev trocaram abraços de cumplicidade e reiteraram o aprofundamento da amizade russo-americana.

A verdade é que o tempo dos serviços de "intelligence" está longe de ter acabado. Eles andam por aí travestidos em outros modelos, mesmo entre países mais ou menos amigos, mas com uma ação agora mais vocacionada para as temáticas económicas e tecnológicas. Este é um jogo eterno de sombras que sempre existiu e há-de continuar a existir, porque é da natureza dos Estados tentar saber um pouco mais para além do que é público, por forma a dar o melhor alimento informativo para suporte das decisões oficiais e mesmo privadas, desde que consideradas de importância estratrégica para a preservação ou promoção dos seus interesses.

Às vezes, continua a ser feita alguma confusão entre o trabalho diplomático e o dos serviços de informações, em especial quando se atua em países não democráticos, em que o acesso à informação é mais complexo. Não nego que, nessas circunstâncias, pode surgir uma "zona cinzenta" entre esses dois mundos, mas é de elementar prudência que os profissionais da diplomacia sejam habilitados com um código claro de instruções que lhe evite o risco de passarem a perigosa "red line" entre o modo legítimo de coletar informação e a tentação de a obterem por meios menos curiais.

Espanha-Portugal

Segundo a TF1, num comentário, prevendo o jogo de hoje: "Des cousins qui ne se font pas de cadeaux"...

segunda-feira, junho 28, 2010

Emigrar para Portugal

"E o seu filho, não quer emigrar para Portugal?". A pergunta do antigo presidente Jorge Sampaio deixou sem resposta o senhor Fartaria, que olhou de soslaio o seu filho Isidore, naquela noite em Clermont-Ferrand, aqui há uns anos. A conversa acabou por ter um desfecho feliz.

Isidore Fartaria não "emigrou" para Portugal, mas a sugestão do antigo chefe de Estado acabou por suscitar o seu interesse e levou-o a procurar oportunidades de negócio no seu país de nascimento, de onde saíra com 16 anos, que pudessem dar sequência às inúmeras atividades empresariais em que, entretanto, a família já se envolvera, com sucesso, em França. Como resultado dessa visita e do entusiasmo suscitado para investir no país onde nasceu, o antigo canalizador Isidore Fartaria viria a construiu uma unidade fabril na Marinha Grande, a exemplo das que hoje mantém em Espanha e na ilha da Reunião, complementando assim, desse modo, a sua já diversificada presença empresarial em França.

Há semanas, o presidente da República portuguesa, Aníbal Cavaco Silva, atribuiu a Isidore Fartaria o prémio COTEC Portugal - Associação Empresarial para a Inovação. No passado sábado, tive o gosto de o conhecer pessoalmente em Clermont-Ferrand, onde hoje é uma figura proeminente e muito prestigiada da comunidade de origem portuguesa.

domingo, junho 27, 2010

Pierre Grosser

Pierre Grosser é, nos dias de hoje, uma personalidade muito respeitada no mundo da investigação histórica francesa sobre temas de política internacional, área em que a França, quase sempre muito "auto-centrada" na sua própria história, não tem muitos especialistas. Grosser é um deles e, na passada quinta-feira, tive um grande gosto em conhecê-lo pessoalmente, na sede da UNESCO, no dia em que recebeu o Prix des Ambassadeurs. A obra que valeu este prémio já foi destacada neste blogue - "1989 - l'année où le monde a basculé" - e é dedicada a esse ano-charneira em que a queda do Muro de Berlim correspondeu à queda de muitas ilusões e ao nascimento de outras tantas.

O Prix des Ambassadeurs é um galardão anual atribuído a uma obra de história política,  escolhida por um júri, constituído por  um grupo de vinte embaixadores, selecionados sob a égide da Académie Française, para o qual tive o gosto de ser convidado após a minha chegada e de que tenho grande honra de fazer parte. Foi criado em 1948 e já distinguiu obras de figuras da craveira de Saint-Exupéry, Simone Weil, Raymond Aron, André Maurois e Henry Troyat, entre muito outros.

Foi curioso ouvir Pierre Grosser, com um papel determinante na Escola Diplomática do "Quai d'Orsay", sublinhar a sua fidelidade ao trabalho de uma grande figura do pensamento conservador, como é o caso de Raymond Aron - a quem os acontecimentos de 1989 seguramente muito diriam, se acaso não tivesse desaparecido em 1983. Igualmente notei que Grosser increve afirmadamente o seu nome numa linhagem de estudos de história onde estão nomes como Jean-Baptiste Duroselle ou Pierre Milza, que muito ajudaram a minha geração diplomática a melhor compreender o mundo.

Não escondo que me agrada muito ficar ligado, nesta minha passagem por Paris, a uma iniciativa de destaque sobre uma dimensão relevante da vida intelectual francesa. 

B & B

Há bastantes anos que ouvia falar daquele restaurante, situado numa certa capital de distrito, onde não vou muito e onde tinha escassas refe...