sexta-feira, fevereiro 20, 2015

Sampaio sobre a Grécia e Portugal

 
“Portugal, desde que entrou para a União Europeia esteve sempre na formação dos consensos necessários. Vivi isso como Presidente da República com os primeiros-ministros que tive, com os negociadores, procurando precisamente que estivéssemos sempre a trabalhar para encontrar um denominador comum, em torno de princípios de solidariedade, participantes num projecto que é comum. Nos tempos que vamos vivendo, acho que os países que têm sofrido mais, não devem pôr-se uns contra os outros. Devem, pelo contrário, encontrar as alianças possíveis, num esforço efectivo de encontrar uma solução que possa servir a União Europeia. Não faz sentido os países estarem uns contra os outros. Não faz sentido… Só quero dizer isto assim, que toda a gente percebe. Não quero dizer mais do que isto. O que é preciso é que possamos continuar na União Europeia, independentemente das dificuldades que possamos encontrar, a procurar as melhores soluções para a nossa caminhada comum.”
 
("Público" 20.2.15)

O método Varoufakis

No âmbito da preparação de uma atividade docente universitária, que versa sobre a negociação diplomática, estou a recolher dados para poder utilizar o processo negocial grego na Europa como um modelo de estudo.
 
Independentemente do seu resultado final, esta negociação aberta, com forte utilização agressiva dos mídia, configura uma tática pouco comum no mundo multilateral.
 
O governo grego tinha duas frentes essenciais a atender. Desde logo, a mais vital, eram as instituições europeias e os seus parceiros nesse âmbito. Não menos importante era a sua frente interna, onde os resultados no plano europeu serão sempre medidos à luz das promessas eleitorais muito firmes que o Syriza fez durante sua campanha. Mas houve sempre uma terceira dimensão instrumental que também esteve nos objetivos de Atenas: a opinião pública europeia, com que os gregos pareciam contar, através do levantamento de uma onda de simpatia que acabasse por condicionar os restantes governos.
 
É neste particular que se insere o esforço de diabolização da Alemanha, de que a Grécia quis erigir-se como contraponto "afetivo". Ao vocalizar a acusação de "má da fita" à Alemanha, o governo grego procurou "isolar" Berlim, contando com um sobressalto na opinião europeia que, na realidade, não se verificou. Da parte dos países do ajustamento, nos quais os gregos esperavam poder suscitar uma onda de simpatia, por terem partilhado agruras similares, nenhuma reação forte emergiu. Pelo contrário, os "ajustados" procuraram, numa lógica puramente nacional, afastar o seu caso do da Grécia, garantindo a benção dos "powers that be" - isto é, da própria Alemanha, de cuja boa vontade dependem. Falhada uma empatia operativa por parte da França e da Itália (com a qual a Grécia começou por cometer uma indiscrição imperdoável), Atenas voltou-se para a Comissão Europeia. que esteve à altura dessa confiança. Mas também, neste caso, ao dar conhecimento público do "non paper" de Moscovici, a Grécia quebrou uma relação de confiança. O desespero não é bom conselheiro num processo negocial. 
 
No plano multilateral, as coisas não haviam começado bem. A "receção" em Atenas ao presidente do Eurogrupo, Dijsselbloem, foi lida por muitos como uma provocação. Se a intenção era "assustar" Bruxelas, o modo pouco urbano como a parte pública dessa visita decorreu não ajudou em nada. Já no Eurogrupo, o governo grego começou por colocar a sua questão através da contestação da filosofia subjacente ao processo europeu tradicional, tentando situar o problema num patamar diferente daquele em que assentava o paradigma da UE. Como que para reforçar essa distância, utilizou mesmo uma figura, como o seu ministro das Finanças, que passou uma mensagem - e até uma postura física e coreográfica - de não estar disponível para ter um debate assente nos termos de referência habituais. Hoje, em perspetiva, constata-se que a postura de Varoufakis não ajudou nem ajuda, "to say the least". Ele estava convencido de que a originalidade académica das ideias que trazia acabaria por impor-se com naturalidade, porque colocaria em fácil evidência que havia alternativas sensatas ao modelo dos programas de ajustamento que a Europa utilizara até então. E, neste particular, a Grécia parecia julgar que, ao propor os modelos de "bonds" quase eternos, tinha "descoberto a pólvora". Isso fê-los, aparentemente, descuidar na preparação de planos B e C, essenciais para amortecerem recuos, sem que eles fossem vistos como humilhações. Ora são apenas estas que parecem estar agora na agenda, acompanhadas de uma escassa boa vontade do parceiros para as travestirem por forma a "salvar a face" à Grécia. A cristalização pública de posições nunca ajuda.
 
Pela minha experiência, que naturalmente vale o que vale, o efeito surpresa, numa negociação multilateral, raras vezes funciona. O passado ensinou-me que é sempre muito importante "trabalhar" um-a-um os parceiros, enquanto aliados potenciais, a montante dos encontros coletivos, tentando garantir antecipadamente, da parte de cada um deles, uma atitude de apoio nesse contexto negocial subsequente. Para tal, é essencial partilhar com aqueles que julgamos potencialmente permeáveis aos nossos argumentos o essencial daquilo que iremos apresentar, dando-lhes razões para os convencer das vantagens que poderão retirar do facto de poderem vir a colocar-se ao nosso lado. Na vida internacional, salvo no caso das ditaduras ou dos regimes autoritários, os governos não têm mandato para poderem mudar internacionalmente de posição (muito menos radicalmente) sem terem garantido que as suas opiniões públicas podem vir a entender a racionalidade dessa mesma alteração. Ora os gregos, muito por falta de tempo, mas igualmente por manifesta falta de jeito e alguma arrogância voluntarista, não fizeram devidamente esse trabalho de casa e criaram uma expetativa de reconhecimento público da "bondade" natural das suas propostas que, muito claramente, não se concretizou. Os governos europeus não foram minimamente pressionados pelas suas opiniões públicas para ajudarem a Grécia a sair do seu isolamento e o resultado foi o que se viu.
 
Este texto é escrito antes da nova apreciação no Eurogrupo das derradeiras propostas gregas e tem apenas uma intenção de discussão metodológica, não de apreciação da substância dos temas.     

quinta-feira, fevereiro 19, 2015

O nosso amigo Jean-Claude


Um dia de 1998, acompanhei António Guterres ao gabinete do primeiro-ministro do Luxemburgo, Jean-Claude Juncker. A Comissão europeia tinha acabado de apresentar a sua primeira proposta para as "perspetivas financeiras" para o período 2000-2006, o orçamento plurianual de onde decorrem os fundos comunitários. O resultado, maugrado as diligências que havíamos feito nos meses anteriores junto de diversos setores da Comissão, era dececionante para o nosso país. Agora, tornava-se importante mobilizar os nossos amigos europeus a fim de fazer evoluir a proposta, em moldes que pudessem acomodar os nossos interesses.

Nunca mais me esquecerei das palavras espontâneas que ouvimos de Juncker, logo que António Guterres acabou de lhe expor o nosso problema: "António, podes contar comigo a 100%. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para beneficiar Portugal". E fê-lo, a partir daí, de forma exemplar, passando a defender-nos em todos os contextos possíveis. Não houve Conselho europeu em que Juncker não tivesse estado abertamente ao nosso lado, movimentando-se, além disso, junto de outros parceiros para fazer valer os argumentos portugueses.

Jean-Claude Juncker é um exemplo de um grande europeu, da escola de um Jacques Delors, uma das poucas personalidades que, pela sua inigualável experiência e pela profunda coerência e verticalidade que o carateriza, merece o respeito da grande maioria de quantos se movimentam pelos corredores da União europeia. Mas, do mesmo modo, a sua independência face aos grandes Estados europeus, bem como o modo frontal como a assume, não terão sido estranhos à sua liminar exclusão, quando o seu nome surgiu mencionado para a presidência da Comissão europeia.

Se Portugal tem verdadeiros amigos entre os dirigentes desta Europa, a experiência demonstrou-me que Jean-Claude Juncker é o mais dedicado deles.

(Este é um post "reciclado". Relembro-o hoje, num dia em que a minha admiração por Jean-Claude Juncker aumentou).

Sensatez

De acordo com a imprensa de hoje, o ministro dos Negócios Estrangeiros terá ontem afirmado, em frente do seu colega de Londres, que Portugal não considera oportuno rever os tratados europeus à medida dos interesses britânicos. É uma posição sensata. O Reino Unido, que tem da União Europeia uma visão instrumental e um interesse basicamente apoiado nas vantagens do mercado interno, tem anunciado a intenção de propor um conjunto de recuos no âmbito do projeto comum, que teriam como consequência um progressivo desmembrar do mesmo. Para Londres, a Europa parece não ser essencial, mas para nós é. O governo português - e nunca esperei outra coisa da "boa escola" do MNE nesta matéria - não favorece a estratégia dos conservadores britânicos, que pretenderiam utilizar algumas "vitórias" na frente europeia como forma de adubarem as suas hipóteses nas próximas eleições legislativas, assim retirando terreno à sua direita, ao UKIP. Portugal não "fez o jeito" ao governo britânico. E fez bem. Dirão alguns que Lisboa diz isto porque sabe que Berlim concorda. É indiferente: disse a coisa certa, mesmo se traduzida do alemão. E a oposição portuguesa responsável deveria aproveitar para apludir o governo. É tão raro, de há uns anos para cá, ouvir o executivo português dizer qualquer coisa de construtivo em matéria europeia que o país deve aproveitar para "deitar foguetes" quando isso acontece.

Fora da caixa


A situação que se vive entre a Grécia e a União Europeia traz à discussão um problema interessante, sob o ponto de vista teórico, que poderá ser reforçado se acaso o Podemos vier a assumir responsabilidades de governo em Espanha ou mesmo se o Front National vier a ascender ao poder em França.

A questão tem a ver com o surgimento, nos poderes sufragados eleitoralmente nos Estados membros, de forças políticas que, à esquerda ou à direita, recusam o modelo liberal, cuja filosofia enforma hoje todos os tratados europeus. Se olharmos para o discurso do ministro das Finanças grego - melhor, se lermos retrospetivamente aquilo que ele escreveu ao longo de anos - verificamos que a lógica em que assentam as suas propostas, mais do que não coincidirem com os compromissos assumidos pela Grécia dentro da UE, apresentam a caraterística de se situarem-se "fora da caixa", porque comportam em si mesmo uma aberta recusa da filosofia dominante. Mas, curiosamente, isso também é válido para o discurso soberanista de Marine Le Pen, num outro lado do espetro.

A União Europeia foi criada em torno de um compromisso entre o liberalismo, a social-democracia e a democracia cristã. A sua filosofia inicial acabou por ser uma mescla com uma forte componente social, para a qual essas três correntes contribuíram, fruto de preocupações comuns no pós-guerra. Com o surgimento de uma vocação económico-financeira por detrás do projeto europeu, os setores mais "sociais" foram progressivamente perdendo a liderança do processo e veio a prevalecer uma economia de mercado que, por alegadas razões de eficácia operativa num mundo globalizado, foi prescindindo do "modelo social", que hoje é residual, muito deixado à subsidiariedade (isto é, à capacidade de cada Estado) e sustentado a custo, curiosamente sob fogo teórico de alguns países que haviam estado na sua génese. Quer a democracia cristã original, quer principalmente o socialismo democrático, estão do lado dos "perdedores" deste "campeonato" europeu, hoje ganho amplamente pelo liberalismo (a que alguns chamam neo-liberalismo porque se despiu precisamente das preocupações sociais do liberalismo histórico). Este "template" formatou a vida política na generalidade do Estados da UE, com a ascensão ao poder de forças que não são verdadeiras alternativas - são apenas  modelos "nuancés" do mesmo padrão. O espartilho macro-económico, com limitações drásticas em matéria de défices, tornou a representação política refém de opções que só no discurso, e muito marginalmente nas alocações orçamentais, são diferentes entre si. Que o desespero, de esquerda ou de direita, se afirme "fora da caixa" era algo que, mais tarde ou mais cedo, acabaria por acontecer. Hoje é o Syriza a tentar recusar as medidas de austeridade, amanhã será o Front National a pôr em causa o livre comércio, a impossibilidade das ajudas de Estado e o resto da agenda soberanista que aí está ao virar da esquina. Resta saber se a Europa conseguirá resistir a estas tensões.

quarta-feira, fevereiro 18, 2015

Medeiros Ferreira

FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN

PROGRAMA

19 de fevereiro

[ 09:30h • 10:00h ]
SESSÃO DE ABERTURA
presidida pelo Presidente do Governo Regional dos Açores
» Artur Santos Silva
Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian
» Maria Emília Brederode Santos
» Mário Mesquita
» Nuno Severiano Teixeira
Presidente do IPRI
» Vasco Cordeiro
Presidente do Governo Regional dos Açores

[ 10:15h • 11:30h ]
RELAÇÕES INTERNACIONAIS E ESTRATÉGIA
» Eduardo Lourenço
» Fernando Neves
» José Loureiro dos Santos
» Teresa Patrício Gouveia
MODERAÇÃO
     Carlos César

[ 11:45h • 13:00h ]
RAZÃO E PAIXÃO NA POLÍTICA
 » António Barreto
 » Eurico Figueiredo
 » Francisco Louçã
 » Isabel do Carmo
MODERAÇÃO
     Ramon Font

[ 14:30h • 16:00h ]
A INTELIGÊNCIA DO FUTEBOL
 » António Ribeiro Cristóvão
 » Leonor Pinhão
 » Miguel Guedes
 » Miguel Medeiros Ferreira
 » Vítor Serpa
MODERAÇÃO
     Tiago Alves

[ 16:30h • 18:00h ]
APRESENTAÇÃO DO LIVRO
“JOSÉ MEDEIROS FERREIRA – A LIBERDADE INTERVENTIVA”
por Jorge Sampaio
» Inês Hugon
Editora Tinta da China
» Vasco Cordeiro
Presidente do Governo Regional dos Açores
» Jorge Sampaio
MODERAÇÃO
     Carlos Gaspar

20 de fevereiro

[ 09:30h • 11:00h ]
HISTÓRIA POLÍTICA
» António Reis
» Fernanda Rollo
» Fernando Rosas
» Pedro Aires Oliveira
» Pilar Damião
MODERAÇÃO
     Miriam Halpern Pereira

[ 11:15h • 13:00h ]
UMA VIDA NO SÉCULO
» Anne-Nelly Perret-Clermont e Jean-François Perret
» François Garçon
» João Luis de Medeiros
» Pierre Dominicé
» Roberto Amaral
 MODERAÇÃO
      Carlos Almeida

[ 14:30h • 16:00h ]
COMUNICAÇÃO SOCIAL E BLOGS
 [ 14:30h • 15:15h ] > Comunicação Social
» Anabela Mota Ribeiro
» António José Teixeira
» Constança Cunha e Sá
» Marcelo Rebelo de Sousa
MODERAÇÃO
     Maria Elisa Domingues

[ 15:15h • 16:00h ] > Blogs
» Joana Amaral Dias
» João Gonçalves
» Pedro Arruda
MODERAÇÃO
     Nuno Costa Santos

[ 16:15h • 17:15h ]
INTERVENÇÃO POLÍTICA
» António Dias
» José Pacheco Pereira
» Pedro Santana Lopes
» Rui Tavares
MODERAÇÃO
     Fátima Campos Ferreira

[ 17:45h • 18:15h ]
SESSÃO DE ENCERRAMENTO
presidida por Sua Excelência O Presidente da República
» Artur Santos Silva
Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian
» Maria Emília Brederode Santos
» Eduardo Paz Ferreira
» António Ramalho Eanes
» Aníbal Cavaco Silva
Presidente da República

Buracos

O município esmifra-nos com taxas e, no entanto, diz-se que não tem orçamento para tapar os buracos das ruas onde, diariamente, espatifamos os nossos carros, nesta Lisboa que mais parece Gaza depois de uma "visita" israelita.

Mas, por outro lado, vive à tripa-forra quando se trata de consertar a luz de lampiões, que só alumiam alguns.

Em que ficamos? Para uns "buracos" há dinheiro e para outros não?

Mais iguais do que os outros

Ontem, na conversa com a Alta Comissária da UE para a Acção Externa e Política de Segurança, quando se falava de determinadas realidades europeias, dei comigo a lembrar uma história a que assisti num Conselho de Ministros, em Bruxelas, há mais de 15 anos.
 
O tema em agenda era, uma vez mais, o conflito israelo-palestino. O recém nomeado Alto Comissário, Javier Solana, um cargo que na altura era vulgarmente referido como o "senhor PESC", estava ainda a "desenhar" o seu lugar. Da parte dos vários governos, a acreditar no que os ministros dos Negócios Estrangeiros diziam à volta da mesa, parecia haver um grande interesse em dar uma oportunidade ao seu trabalho de representante da vontade comum da Europa, conferindo-lhe o papel de "voz" da UE junto de Estados terceiros. Nesse dia, Solana recebeu o mandato para ir a Jerusalem e a Ramallah levar uma qualquer mensagem e tentar obter da parte de Israel e da Autoridade Palestina uma posição sobre uma determinada proposta europeia. O "senhor PESC" faria a viagem dentro de alguns dias e reportaria posteriormente ao Conselho.
 
Dois dias depois, o "Financial Times" relatava, com o pormenor que o "Foreign Office" lhe quis revelar, que o MNE britânico, Robin Cook, fora a Israel e à Palestina. Do que o jornal contava, percebia-se que falara exatamente dos temas que Solana iria abordar... três dias depois.
 
Cerca de um ano mais tarde, à margem de uma reunião nos Açores, em conversa descontraída com Robin Cook, perguntei-lhe porque fizera aquilo, por que razão "estragara" essa "operação Solana". A resposta foi curiosa: "A nossa ideia não era necessariamente enfraquecê-lo. Mas o Reino Unido, como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, tem responsabilidades que vão muito para além da nossa pertença à União Europeia. E não prescindiremos nunca delas. A questão em causa era demasiado importante para que a voz da Europa ouvida pelos nossos interlocutores, naquele momento particular, fosse apenas a do Solana".
 
Guardei sempre isto na cabeça e tive oportunidade de testar, como embaixador junto das Nações Unidas, que essa era uma linha de orientação muito firme. Quer Londres quer Paris recusavam-se a coordenar com os restantes parceiros da UE, mesmo com aqueles que eram membros europeus não permanentes, as posições que iriam assumir no Conselho.
 
Na Europa, há uns que são mais do que outros. O tropismo de afirmação de alguns países é impeditivo que a Europa venha alguma vez a ter uma forte expressão comum na área externa, a menos que ela seja a "média aritmética" das posições dos Estados que a dominam - "a voz do dono". Por isso, quando ouço falar na "igualdade dos Estados", que está escrita na letra dos tratados europeus, sinto vontade de rir. Mas não consigo. Não é decente rir de coisas tristes.

terça-feira, fevereiro 17, 2015

O mistério de Bruxelas

 
Qualquer que venha a ser o desfecho do braço-de-ferro entre a Grécia e os instituições europeias, a reunião de ontem do Eurogrupo (o grupo dos países UE que adotaram o euro) ficará na pequena história europeia por um episódio interessante.
 
O comissário francês Pierre Moscovici terá apresentado ao ministro grego das Finanças um texto de compromisso, cujo conteúdo foi agora divulgado. Trata-se de um documento muito bem construído em que é feita menção à difícil situação económico-social que a Grécia atravessa, reconhecimento que sempre pareceu, a muitos observadores, essencial para que Atenas pudesse vir a aceitar outras medidas. Numa lógica muito própria dos compromissos europeus, o texto "trabalhava" semanticamente algumas questões delicadas, sem, no essencial, mudar radicalmente as posições de ambas as partes. Era como um salvar de face que poderia abrir a porta a algum acordo.
 
Subitamente, ao que agora se sabe, o presidente do Eurogrupo, fez retirar de discussão o documento que Moscovici apresentara a Varoufakis e regressou à linguagem mais dura que o Eurogrupo já avançara na reunião da passada semana. Para Moscovici, a humilhação terá sido dupla: teve de recuar perante o ministro grego, dando o dito por não dito, e teve de ser ele próprio, na conferência de imprensa final, a dizer a frase mais dura que a UE disse à Grécia: que nada podia ser aceite que não representasse uma "extensão" do programa - precisamente a frase que os gregos não queriam ver utilizada.
 
O que se terá passado nos corredores de Bruxelas? Que sombra imperativa se terá projetado nas negociações? A história o dirá um dia.

UBER


Ontem, por curiosidade, utilizei, para benefício de amigos, e pela primeira vez, o UBER, o sistema de aluguer de automóveis alternativo aos taxis. E, surpresa das surpresas, foi uma experiência excelente, com uma viatura magnífica, com motorista educadíssimo, por um preço muito razoável e competitivo.

Estou cliente! O que é que posso vir a perder? Posso perder o "isto é tudo uma cambada de ladrões!", "eles querem é governar-se!", "faz falta o Salazar vir cá abaixo prender estes políticos todos!", "estas gajas andam aí de minisaia a provocar a gente e depois queixam-se!" e outras frases que ouvi nos últimos dias. Que saudades...

Federica Mogherini


Hoje, vou ter o gosto de moderar um encontro, em Lisboa, em que participa a vice-presidente da Comissão Europeia e Alta Representante da UE para os Assuntos Externos e Política de Segurança, Federica Mogherini.
 
Federica Mogherini substituiu, nestas funções, Catherine Ashton, e chefia o Serviço Europeu de Ação Externa, que detem 141 delegações espalhadas pelo mundo e funciona como uma espécie de "Ministério dos Negócios Estrangeiros" da UE.

segunda-feira, fevereiro 16, 2015

Luisa Dacosta (1927-2015)

Se…
Se eu tivesse um carro
havia de conhecer
toda a terra.
Se eu tivesse um barco
havia de conhecer
todo o mar.
Se eu tivesse um avião
havia de conhecer
todo o céu.
Tens duas pernas
e ainda não conheces
a gente da tua rua.
(Luísa Dacosta)

Luísa Dacosta completaria hoje 88 anos. Morreu ontem. Nasceu na minha terra, em Vila Real, esta escritora discreta, professora de profissão. Ao longo dos anos, deixou muita coisa escrita pelo jornais e pelas revistas - "O Comércio do Porto", "Jornal de Notícias", "Diário Popular", "A Capital", "Seara Nova", "Vida Mundial", "Vértice", "Raiz e Utopia", "Colóquio Letras".

Nunca conheci Luísa da Costa, de que sempre fui vendo fotos de uma senhora de sorriso sereno e de bem com a vida. Julgo ter atentado pela primeira vez na sua obra ao ler o que escreveu sobre a vida das mulheres da aldeia piscatória de A-Ver-O-Mar, para mim um dos nomes mais bonitos de terras portuguesas, que lhe inspiraria vários livros, naquela que foi a sua obra multifacetada, onde surgem o romance, a poesia, as crónicas, os diários e até uma autobiografia.

Ao longo da vida, recebeu vários prémios. O Porto e a Póvoa de Varzim deram-lhe medalhas da cidade. Não sei se Vila Real já homenageou Luísa Dacosta, mas, se tal não aconteceu, deixo aqui a ideia de que, a título póstumo isso possa ser feito*.

* Em tempo: acabo de ser informado que Luisa Dacosta foi já distinguida com a medalha de ouro do município de Vila Real e que, por proposta do respetivo Grémio Literário, foi descerrada uma placa com o seu nome na rua onde nasceu.

domingo, fevereiro 15, 2015

Olhar o Mundo


Se estiver interessado, pode aqui ver o "Olhar o Mundo", o programa de António Mateus na RTP, em que tive o gosto de participar neste fim de semana.
 
Nele foram abordados temas como a situação na Ucrânia, o braço-de-ferro entre a Grécia e a União Europeia, a decisão do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia de isentar a Sérvia e a Croácia do crime de genocídio, bem como a evocação dos 25 anos da libertação de Nelson Mandela e o seu efeito sobre o mundo exterior.
 
No programa foram também afloradas questões como as conversações entre Portugal e os EUA sobre a base das Lajes, a decisão americana de enviar tropas para o terreno para combater o Estado Islâmico, o novo momento entre Washington e Havana, os efeitos da seca e a crise política no Brasil, a suspensão das eleições na Nigéria por virtude dos ataques do Boko Haram, bem como a desestabilização dos Estados da Ásia Central por radicais islâmicos.

Os fachos

A palavra "fachos", que é utilizada também na língua francesa, é uma simplificação jocosa do termo "fascistas". Na minha juventude, nos meios radicais em que me movia, quando queríamos qualificar alguém ligado à ditadura ou que partilhava as suas ideias, não raramente dizíamos: "Esse tipo é um facho!". Mais tarde, já em democracia, vi assim qualificar pessoas politicamente situadas mais à direita, às vezes com grande exagero e alguma crueldade. Mas que os "fachos" (não os fascistas) ainda por aí existem, disso não tenho a menor das dúvidas!

(O Estado Novo não foi um regime fascista. Era uma ditadura disfarçada de "democracia orgânica" que, sendo inspirada no fascismo, nunca adotou as caraterísticas últimas da fórmula original italiana. Há quem o qualifique de "fascismo sem movimento fascista", para dizer que Salazar terá ficado à porta da implantação dos mecanismos próprios de um verdadeiro fascismo, que o "nacional-sindicalismo" de Rolão Preto melhor representaria. Dito isto, não tendo sido uma ditadura sangrenta ao nível das suas homólogas alemã, italiana ou espanhola, não deixou de ser um regime sinistro que perseguiu, torturou e prendeu milhares de cidadãos, tendo deliberadamente liquidado, de forma fria e impune, muitas dezenas dentre eles. Além disso, a ditadura portuguesa foi responsável por uma política colonial sem sentido, que sacrificou gerações de portugueses e africanos, tendo atrasado a inevitabilidade das independência das colónias, alimentando uma guerra inútil em três frentes, sem ter procurado negociar uma solução política que pudesse ter limitado ou faseado o êxodo dos nacionais portugueses emigrados nesse "império" desfasado no tempo.)
 
Voltando aos "fachos". O Estado Novo acabou há quatro décadas, mas continua a haver por aí nostálgicos dos tempos da ditadura ou "democratas" que lhes estão bem próximos. Novos e velhos, do "discurso do taxista" a alguns blogues, de alguma imprensa de província a colunas em certas folhas de cujo nome não me quero lembrar. Por isso, continuo a encontrar boa razão para chamar "fachos" a essa gente. São os denegridores do 25 de abril, os desculpabilizadores de Salazar e da "ordem nas ruas" dos tempo da ditadura, os do "isto só lá vai com uma nova ditadura", os vilipendiadores da luta dos oposicionistas contra o Estado Novo, que quase sempre ficam à porta de dizerem que "pena foi que não tivessem engavetado mais comunas", os que acham que foi o PCP que matou Delgado (ou então usam o cínico "o assunto nunca ficou bem claro..."), que juram a pés juntos que Mário Soares pisou a bandeira nacional em Londres, que viram o Otelo a levar às costas o caixão no enterro de Salazar e outras insanidades similares. A liberdade de que hoje usufruem protege-os para poderem dizer aquilo que lhe dá na real gana. E ainda bem!
 
A iniciativa de dar o nome de Humberto Delgado ao aeroporto de Lisboa, como já se previa, fê-los emergir na linguagem de alguns, nas ácidas reticências imediatas à iniciativa (que logo veremos até onde chegam...), nos comentários tremendistas dos sites de jornais ou nos blogues, quase sempre a coberto do persistente anonimato que revela a sua espinha dorsal e que diz muito do país que (afinal também) somos. Eles aí estão, minhas senhoras e meus senhores: os "fachos"!    
 
(Ilustro este post com uma fotografia de Salazar tirada por Rosa Casaco, chefe da brigada da PIDE que assassinou Humberto Delgado em 13 de fevereiro de 1965)

Escutas e escrivães


Nos últimos dias, o mundo mediático foi-se divertindo com a transcrição de uma escuta de uma conversa entre Paulo Portas e Abel Pinheiro. (Há anos, para a história política portuguesa, já ficara célebre uma transcrição, que ninguém contestou, de uma conversa de Abel Pinheiro sobre o então ministro Telmo Correia, mas que não vem aqui para o caso). O zeloso e cultivado ouvinte e escriba, que passou a conversa a papel, confundiu, por exemplo, a cidade de "Kiel" com a palavra "aquilo". Esta e outras sonoridades similares, mal transcritas, acabaram por gerar por aí uma imensa confusão política, no chamado "caso dos submarinos".
 
Embora não tenha a ver com escutas, mas também com interceção de comunicações, lembrei-me de um caso ocorrido num julgamento, há já alguns anos, numa antiga colónia portuguesa.
 
Um dos presos desse processo era de nacionalidade portuguesa. Antes do julgamento, numa visita à cadeia do nosso representante consular, o homem disse estranhar que, nos autos da acusação, quando surgia referido o seu nome, se seguia sempre a expressão "também conhecido como o Bibi". Ora se ele nunca fora conhecido por Bibi, se nunca ninguém o tratara por esse diminutivo, por que diabo o acusador público insistia naquela estranha alcunha?
 
O assunto foi esquecido por algum tempo. Um dia, o diplomata português teve acesso ao processo e resolveu o mistério. Dele faziam parte várias mensagens de telex (alguns leitores já nem saberão o que isso é), algumas das quais eram assinadas pelo nosso homem. No mundo dos telex, em especial em comunicações sem grande formalidade, havia um hábito internacional de terminar o texto das mensagens com a despedida "By by", para dar conta do fim do contacto. Muitas vezes usava-se o o "i" em lugar do "y" e as palavra surgia junta "bibi". Era o que o acusado fazia nos seus contactos. O nosso "Bibi" (outro houve mais tarde, mais famoso e mais sinistro, mas num processo doméstico) terá sido condenado e, porventura, com sólidas razões. Só que não precisava de ter passado à história judicial daquele Estado africano com esse carinhoso apodo.    

sábado, fevereiro 14, 2015

Medeiros Ferreira

A "Tinta da China" acaba de editar "A Liberdade Interventiva", um conjunto muito variado de testemunhos sobre a vida, obra e pessoa de José Medeiros Ferreira, que nos deixou no ano passado.
 
Tive o gosto de participar nessa homenagem àquele que foi uma grande figura da vida cívica e académica portuguesa, cuja voz livre e desassombrada muita falta nos faz nos dias cinzentos que por aí andam.

sexta-feira, fevereiro 13, 2015

Azar

Hoje, sexta-feira 13, o senhor primeiro-ministro teve azar. Disse que Portugal foi dos países que mais contribuiu na ajuda europeia à Grécia. O Dr. Passos Coelho, no seu militante empolgamento contra o novo governo de Atenas (confessou também que, no Conselho Europeu, não se cruzou com o seu colega grego, o que é uma coisa no mínimo estranha), passou ao lado da verdade - e custa-me ter de admitir que deveria saber que o fazia deliberadamente, porque a alternativa era estar mal informado, o que não sei se não seria pior. O chefe do governo tinha a obrigação de dizer aos portugueses a verdade. E a verdade é muito simples. Por um lado, Portugal não contribuiu para a Grécia com nem menos nem mais do que aquilo que todos contribuíram: de acordo com o peso do seu PIB. Por outro lado, essa contribuição portuguesa fez-se na simples obediência aos tratados europeus, que Portugal, tal como a Grécia, subscreveu. A contribuição portuguesa nada teve a ver com a "bondade" da posição nacional, isto é, não derivou de qualquer decisão tomada pelo executivo de Lisboa. 
 
Podem não acreditar, mas custa-me bastante ver o chefe do governo do meu país a mentir. Eu sei que a palavra é forte, mas é a que me ocorre para qualificar a não observância da verdade dos factos. Se alguém me provar que o que aqui digo é falso, não terei a menor dificuldade em me penitenciar e apresentar um pedido de desculpas ao dr. Passos Coelho.

quinta-feira, fevereiro 12, 2015

Humberto Delgado

A ideia de conferir o nome de Humberto Delgado ao aeroporto da Portela, proposta pela Câmara Municipal de Lisboa. no ano em que se comemora a passagem de meio século sobre o bárbaro assassinato do "general sem medo", que ousou afrontar a ditadura nas "eleições" presidenciais de 1958, é um gesto de grande significado.

Oriundo das hostes do Estado Novo, com um papel determinante na criação da aviação em Portugal, tendo sido diretor-geral da Aeronáutica Civil, Delgado viria a dissociar-se de Salazar nos anos 50, depois de ter exercido funções como Adido Militar na embaixada portuguesa em Washington. Por iniciativa de setores não comunistas da oposição democrática (que antes já haviam pensado em nomes como Cunha Leal, Jaime Cortesão ou Mário de Azevedo Gomes), o nome de Humberto Delgado acabou por ser aceite por toda a oposição, depois das forças próximas do PCP terem prescindido da candidatura de Arlindo Vicente.

Derrotado numas "eleições" provadamente fraudadas, num ambiente de aberta repressão e intimidação, Delgado viria a ser demitido das funções públicas, exilando-se inicialmente no Brasil e, posteriormente, na Argélia, de onde seria atraído a uma cilada montada pela polícia política portuguesa, no lugar de Los Palos, em Villanueva del Fresno, junto a Olivença, em Espanha, onde seria barbaramente assassinado, em 13 de fevereiro de 1965.

Esperamos agora que o governo português siga esta recomendação da Câmara Municipal de Lisboa. Ficava-lhe bem.

Em tempo: deputados de todos, repito, todos os partidos subscreveram uma proposta no mesmo sentido. Aguarda-se, com interesse a posição do executivo.

SIC Notícias

                           
Hoje, a partir das 22 horas, estarei na SIC Notícias para abordar o Conselho Europeu que hoje tem lugar.

quarta-feira, fevereiro 11, 2015

O sentido e o Estado

Já tive oportunidade de comentar, com desgosto, o modo deselegante como o primeiro-ministro português se pronunciou sobre o programa do novo governo grego, que qualificou de "histórias de crianças". Tenho pena que o dr. Pedro Passos Coelho se tenha deixado arrastar para uma linguagem que se afasta daquela que um chefe de governo de um país responsável deve ter, em face de uma decisão democrática do eleitorado de um país amigo. O que é que deveria ter dito? Uma coisa deste género: 

"O governo português dá as boas vindas ao novo governo grego, que resultou de uma eleição livre e altamente disputada, naquele que é um país amigo e aliado de Portugal. O nosso país tomou boa nota das posições expressas pelo novo governo grego, que relevam de uma profunda preocupação do seu povo, no tocante às suas relações económico-financeiras com as instituições europeias. Portugal formula votos de que, do diálogo de Atenas com essas instituições, possa emergir um compromisso que seja mutuamente favorável à Grécia e à União Europeia no seu todo. Portugal saúda o interesse grego em permanecer na zona euro e formula votos de que as soluções de futuro possam contribuir para aliviar a difícil situação social que aquele país atravessa, as quais devem continuar a merecer ampla solidariedade por parte dos seus parceiros".

Era isto, ou algo similar, que se esperaria que o primeiro ministro português dissesse. Era nesta linha que o ministro da Economia se deveria ter pronunciado, em lugar de produzir graçolas de mau gosto sobre "um governo feito em meia hora". Era também assim que um outro dito responsável se deveria ter comportado, em lugar de andar a "twittar" chistes mariolas em língua inglesa.

Finalmente, e mais do que tudo, lamento profundamente, como cidadão português, o tom e o estilo dos comentários que hoje foram feitos sobre o assunto pelo senhor presidente da República, não obstante, neste caso, tenhamos de os contextualizar. Foi no Congresso Nacional do Milho.

Na minha outra juventude

Há muitos anos (no meu caso, 57 anos!), num Verão feliz, cheguei a Amesterdão, de mochila às costas. Aquilo era então uma espécie de "M...