quarta-feira, setembro 07, 2011

Jornalismo televisivo

Hoje, durante a hora de almoço, "zappei" entre os telejornais da RTP e da SIC. Em cerca de 45 minutos deste exercício, apenas as palavras de Lula da Silva deixaram um leve registo de otimismo. Os telejornais portugueses, antes de chegar a sua hora gloriosa do desporto, são construídos em torno de uma agenda quase exclusivamente negativa, seja no plano nacional, seja no quadro internacional. Às vezes, a medo e a contra-ciclo, lá surge uma nota sobre uma iniciativa pontual positiva, quase sempre como contraponto a uma circunstância negativa.

É verdade que há cortes orçamentais, que os preços sobem, que há mais desemprego, que há empresas a encerrar, escolas e hospitais com problemas, ameaças de greve, incêndios, desastres nas estradas. E que, no estrangeiro, há bolsas a cair, bombas a explodir, guerras, inundações, cataclismos e outras maleitas, feitas pelo destino ou pelos homens. Mas não haverá, de facto, mais nada? 

Por que será que, quando observo telejornais da França, da Espanha, do Reino Unido ou dos Estados Unidos, onde também há crise, nunca encontro nada que se pareça com este obsessivo tropismo para a tragédia, para apenas sublinhar o que corre mal, para a criteriosa escolha, como comentadores, de aves agoirentas que apenas prenunciam dias piores? Num tempo em que as coisas são difíceis para os portugueses, não seria importante - eu sei que não se usa, mas arrisco: e patriótico - que a comunicação social ajudasse a "puxar" pela nossa auto-estima, por aquilo que corre bem, pelos efeitos positivos que se esperam dos esforços coletivos que estão a ser feitos, pelas empresas que estão a tentar firmar-se no mercado internacional, pelos saltos na investigação científica, pelo muito que tantos estão a fazer para que o país ande para a frente? Ou será que existe uma censura, nas redações televisivas, para evitar publicitar as coisas positivas?

Como embaixador de Portugal, confesso a minha revolta pela imagem que as televisões portuguesas, na tabloidização medíocre em que caiu grande parte da sua informação, transmite do nosso país às nossas comunidades pelo mundo. 

Agora volto a perceber melhor aquilo que um dia, ouvi a uma criança, filha de portugueses residentes na Suíça, a quem perguntavam o que gostava mais de ver na TV:  "os desastres". Com um jornalismo televisivo deste quilate, estamos a criar uma cultura geracional de depressão.

terça-feira, setembro 06, 2011

O Arnaldinho

Tínhamos convidado aquele jovem casal brasileiro para jantar, em nossa casa, em Oslo, nesse início dos anos 80. Ele era um diplomata que, numa situação transitória, viera fazer uma "encarregatura de negócios" - isto é, substituir o embaixador - à Noruega, por alguns meses. A mulher e filho haviam-se-lhe juntado, por algumas semanas. Perguntaram se podiam trazer a criança, porque não tinham com quem a deixar. Dissémos que sim, naturalmente.

Eram pessoas muito simpáticas mas, desde o primeiro segundo, percebeu-se que a criança, o Arnaldinho, aí com uns três anos, era uma figura incontrolada na família. Logo após a chegada, desapareceu sozinho pela casa, sob o olhar benevolente dos pais, entrando e saindo, numa infernal correria, de todas as dependências. Na sala, preocupado com os efeitos dessa peregrinação turbulenta por um apartamento não preparado para agitação infantil, ousei perguntar se não seria melhor mantermos o Arnaldinho por ali. Temi - e, mais tarde vim a verificar, com razão - por um puzzle de milhares de peças com que entretinha parte das noites longas, no meu escritório. A custo, percebendo a minha preocupação, o pai lá se decidiu a ir procurar o Arnaldinho. Que chegou, puxado pelo braço, para se sentar junto de nós.

Alguns bibelots que estavam sobre a mesa da sala concitaram, segundos depois, a atenção do Arnaldinho, que se pôs a brincar com umas delicadas peças de cristal. Os pais, esses, sorridentes, mantinham uma serenidade total. A certa altura, não me contive:

- Arnaldinho, não mexa nessas peças, por favor.

A mãe do Arnaldinho lançou-me um olhar onde se lia alguma leve reprovação pelo meu comentário repressivo, aparentemente por estar a limitar a liberdade da criança, que, por acaso, nada tinha partido. Ainda. O pai foi um pouco mais sensível e repercutiu, docemente, o meu alerta:

- Você não toca nessas coisas, querido.

Encolhido num canto do sofá, os olhos do Arnaldinho estudavam opções ofensivas. E logo brilharam ao ver uma taça com cerca de uma dúzia de ovos pintados à mão, uma compra feita, meses antes, em Praga. Eu, nervoso e distraído da conversa, seguia o Arnaldinho pelo canto do olho. A sua mão sapuda avançou então para um desses ovos, agarrou-o, olhou-o e esmagou-o sobre o tampo da mesa, espalhando a casca pintada.

Fiquei furibundo por dentro. Não eram peças muito valiosas, mas eram objetos de artesanato que, meses antes, havíamos trazido bem acondicionados, de carro, durante milhares de quilómetros. Vê-las desaparecer por uma destruição gratuita excedia a minha paciência. O pai do Arnaldinho teve então a reação máxima que, aparentemente, o estatuto da sua autoridade sobre a criança permitia:

- Arnaldinho, não faz isso! Então partiu o ovo!? Não vai partir outro, não?

O Arnaldinho tomou o remoque como um incentivo e a pergunta como um desafio. E, claro, avançou, não para um mas para dois outros ovos, que tiveram idêntico destino.

A mãe, "cool", sorriu. O pai "reagiu":

- Arnaldinho! Arnaldinho! Não parte mais nenhum ovo, está bem? Senão papai zanga-se!

Se ia partir, não partiu. Voei para o Arnaldinho, icei-o pelos braços para o canto oposto do sofá e, num silêncio pesado que por segundos se fez na sala, coloquei a taça de ovos e todos os bibelots que pressenti pudessem ser alvo da sua ação destruidora na prateleira mais alta de um móvel que estava em frente. As mesas ficaram tristemente desertas de decoração. O Arnaldinho ficou especado, sem "targets". E os nossos convidados, surpreendidos pelo meu afirmativo "preemptive strike", ficaram, em absoluto, sem graça.

- Então?! E o que bebem?, perguntei, já com pena dos copos. 

E, nem sei como, lá se passou mais um jantar... diplomático. Por onde andará o Arnaldinho? Hoje, dia nacional do Brasil, lembrei-me dele.

Livros efémeros

É muito significativa a lista de livros, subscritos por figuras da cena política francesa, que surgem nesta "rentrée". A aproximação das eleições presidenciais, bem como o cumprimento de um ritual que aqui, historicamente, como que "obriga" algumas personalidades, em especial na oposição, a revelarem as suas ideias de forma encadernada, conduz a esta abundância de publicações. Quase sempre, trata-se de obras de natureza conjuntural, que raramente ultrapassam as 200 páginas a letra larga. Cumprida a sua função de intervenção política imediata, estes trabalhos desatualizam-se semanas depois e, com certa rapidez, logo desaparecem dos escaparates.

Os analistas da coisa política dão, quase sempre, escassa importância a este tipo de obras, tidas como meros instrumentos de propaganda. Outros, porém, cuidam em tentar perceber se os textos são ou não redigidos pelos titulares do livros, sabendo que muitos não têm propensão para a escrita ou sequer tempo para tal. Mas o iniludível estilo e conhecida capacidade de escrita de alguns dos autores também faz destacar quem assina o que verdadeiramente escreve e não usa "nègres" (como aqui se diz) para essa tarefa. Por mim, devo dizer que, desde há muito, já aprendi a distinguir o trigo do... outro trigo.

segunda-feira, setembro 05, 2011

Europa financeira

Tive hoje o ensejo de ouvir falar o atual e o futuro presidentes do Banco central europeu, respetivamente Jean-Claude Trichet e Mario Draghi. Confirmei uma vez mais a perceção, que desde há vários anos tenho vindo a criar, de que existe hoje uma espécie de "template" ideológico em matéria financeira, que marca a quase generalidade das personalidades com responsabilidades europeias no setor. 

O que me parece haver de flagrantemente novo nessa cultura comum, dentro da qual subsistem algumas sensibilidades pontuais derivadas da origem nacional das figuras, é o facto de, nestes tempos mais recentes, se ter fixado uma muito alargada comunhão na ideia de que se torna imperativo um salto político federal europeu para a sustentação do espaço monetário do euro.

Quem havia de dizer que seria a Europa financeira a "puxar" pela Europa política!

domingo, setembro 04, 2011

Festas

A "Festa do Avante", que teve lugar este fim de semana em Lisboa, segue o modelo da francesa "Fête de l'Humanité" (criada em 1930), que também inspirou a italiana "Festa dell'Unità" (criada em 1945 e que durou até 1991). Originalmente destinadas a coletar dinheiro para os jornais oficiais dos respetivos partidos comunistas, acabam hoje por ser importantes fontes de financiamento partidário.

As festas portuguesa e francesa são considerados dos maiores eventos do género em toda a Europa. A sua assistência foi sempre muito para além das pessoas ligadas às forças políticas que pretendem apoiar, tendo hoje uma forte população jovem. Em ambos os países, os espetáculos musicais que apresentam, bem como algumas outras iniciativas culturais, atraem uma público heterogéneo. Para além, convém não esquecer, das tasquinhas e lojas regionais, onde se come muito bem e se encontram excelentes produtos. Quem para aí estiver virado, até pode ouvir falar de política...

Estive numa "Fête de l'Huma" (como aqui se designa), em 1980, numa passagem por Paris. Recordo ter por lá comprado um excelente presunto de Auvergne, que levei para a Noruega, onde então vivia, bem como a primeira edição brasileira, hoje rara, de "A Questão Agrária em Portugal", um livro de Álvaro Cunhal, de 1968.

Em Portugal, fui à primeira Festa do Avante, realizada na FIL, em 1976. Creio que em 1978, voltei à festa, então no Jamor. E, em 1986, recordo-me de ter estado numa edição na Ajuda. Nunca fui ao local onde a festa hoje tem lugar, na Atalaia.

Achei sempre muito interessante passear por essas festas comunistas, que são retratos sociológicos impressivos de um mundo muito especial, feito de histórias, de lutas, de mitos, de ilusões e de realidades muito duras. Não me recordo de, em alguma das visitas, ter assistido a nenhum comício político. No caso português, sempre aproveitei as ocasiões para equipar a minha (agora) imbatível coleção de discos de música portuguesa de inspiração política, dos "anos da brasa" de 1974/75, bem como para obter alguns livros em falta. E, também sempre, para me encher de poeira e cansaço, o que me não entusiasma a repetir a experiência no futuro.

Da festa no Jamor, quando a Revolução portuguesa estava ainda "fresca", tenho na memória uma cena passada no stand transmontano onde, naturalmente, fiz questão de ir jantar. Estava eu por lá entretido a degustar uma alheira com um razoável tinto da região quando vi aproximar-se um velho colega de escola primária, de Vila Real, que eu sabia "responsável" do PCP local. Mostrando-se um pouco surpreendido com a minha presença, e suspeitando-me - e bem! - como simples "turista político", fez-me a seguinte, mas algo sofisticada, pergunta: "Vieste cá por vir ou vieste porque devias vir?". Saiu-me esta resposta: "Olha! Eu vim porque me apeteceu. E tu?". Não me recordo se me respondeu. Com as voltas que o mundo comunista entretanto deu, tenho a impressão que ele já por lá não andou este ano.

sábado, setembro 03, 2011

Notas de fim de semana

1. É muito bem escrita, como sempre, a crónica de ontem de Ferreira Fernandes, no "Diário de Notícias". Esta é sobre o estilo de discurso do professor Vitor Gaspar, o novo ministro das Finanças. Já conhecia o tempo e modo desse estilo quando, há já bastantes anos, fiz com ele parte de um júri, no Ministério dos Negócios Estrangeiros. O que a mim mais me impressiona, na forma da sua expressão, que agora é algo de verdadeiramente inédito na política portuguesa, é o ritmo desarmante que sustenta, impávido, perante os estímulos provocatórios dos interlocutores. 

2. Sei que vai chocar algumas pessoas que se diga isto. Mas a revolução líbia só ficará consagrada, na plenitude das suas credenciais de tolerância, no dia em que puder haver rádios, jornais e partidos políticos que critiquem abertamente, sem sentirem o medo de quaisquer represálias, as novas autoridades, ainda que transitórias, que vierem a assumir o poder em Tripoli. E isto, claro, antes de quaisquer eleições.

3. Recomendo vivamente o texto (não tem link livre) de Pedro Mexia, no "Expresso" de ontem, intitulado "Os Alfonsos Guerras". E, mais ainda, recomendo o já antigo livro de Jorge Semprún, que serve de pretexto à crónica - "Frederico Sanchez vous salue bien" -, no qual ele conta a sua experiência de homem do mundo da cultura inserido na política. Só não o recomendo a Francisco José Viegas porque sei que ele já leu tudo.

4. É excelente a notícia de que os trabalhos fotográficos de Gérard Castello-Lopes, de cerca de meio século de atividade, vão ser apresentados no novo Centro Cultural Gulbenkian, em Paris, em abril de 2012. A partir de última semana de outubro, a Gulbenkian de Paris abandonará as instalações da avenue d'Iéna e passará a estar aberta num prédio no boulevard de La Tour-Maubourg.

sexta-feira, setembro 02, 2011

O regresso de Monsieur Morisi




Num café de Montreuil, nos arredores de Paris, a surpresa foi imensa, nesses últimos dias de abril de 1974. As imagens que a televisão trazia da "révolution des oeillets", que, à época, marcava a atualidade portuguesa em França, mostravam a chegada triunfal ao aeroporto de Lisboa de um homem de cabelos brancos, gabardine parda, olhar firme e determinado:

- "Mais c'est Monsieur Morisi!", exclamaram, surpreendidos, alguns clientes.

Era Álvaro Cunhal, o líder histórico dos comunistas portugueses, que tinha vivido clandestinamente em Montreuil nos últimos anos antes do 25 de abril, quando muitos achavam que essa figura mítica se encontrava em Moscovo ou em Praga. Para a vizinhança, ele era apenas o discreto "M. Morisi", como ontem me contou o deputado Jean-Pierre Brard, que foi "maire" da localidade e que, como militante comunista, conheceu pessoalmente Cunhal. 

Está ainda por fazer, de forma organizada e não sectária, a história do papel desempenhado pela França como terra de acolhimento dos exilados portugueses durante a ditadura. Neste tempo de "Festa do Avante", que tanto diz aos militantes comunistas portugueses, aqui fica esta pequena nota, dos tempos de um certo "M. Morisi". 

quinta-feira, setembro 01, 2011

Na hora da Líbia

Em 1 de Setembro de 1969, um grupo de militares chefiados por Mouammar Kadafhi tomava o poder na Líbia. 

Em 1 de Setembro de 2011, a comunidade internacional acolheu, em Paris, os novos dirigentes líbios, numa Conferência onde ecoaram todas as boas vontades para ajudar o novo regime a consagrar um futuro de paz e democracia para o seu povo.  

Portugal, que chefia nas Nações Unidas o "comité de sanções" que ajudou a isolar o regime de Kadafhi e que, no respetivo Conselho de Segurança, deu o seu apoio à resolução 1973, esteve presente nesta Conferência através do chefe do seu governo e do chefe da sua diplomacia. Somos um país com uma ativa política mediterrânica, com uma forte presença económica na Líbia desde há várias décadas e pensamos que a continuidade empenhada nesses laços bilaterais é a melhor forma de, à nossa maneira, contribuirmos para o regresso à normalidade do país.

A nova revolução líbia está praticamente concluída. Agora, é preciso reconstruir o Estado, num país onde o peso tribal e as tensões históricas entre a Tripolitânia e a Cirenaica colocam algumas interrogações. A Líbia não tem grande população, tem uma relativa homogeneidade étnica e religiosa, dispõe de quadros técnicos preparados e, o que é fundamental para ancorar qualquer processo de desenvolvimento, possui importantes recursos naturais. É decisivo que, sobre as feridas de uma guerra que foi muito violenta, se afirme rapidamente uma vontade de reconciliação e de pacificação interna, sob a égide dos novos dirigentes. Recorde-se que a mobilização da comunidade internacional foi feita com o único objetivo de criar condições para uma Líbia democrática e tolerante.

O rápido termo da violência no país, assente num processo intenso de desarmamento e desmobilização dos combatentes, é a chave para o sucesso da nova Líbia. A Europa, que esteve no centro da ação militar que muito contribuiu para a vitória dos rebeldes líbios, não pode dar-se ao luxo de assistir a que um novo ciclo de violência e morte se suceda a esta aplaudida revolução. A Líbia não deve converter-se no Iraque da Europa.

Blogue da Embaixada

Desde Dezembro de 2010, o Blogue da Embaixada tem estado sem atualização, devido a diversas circunstâncias ligadas a limitações funcionais internas.

Algumas pessoas chamaram-nos, entretanto, a atenção para o interesse que esse blogue tinha para o seu trabalho ou para a sua informação pessoal, ao permitir acompanhar a agenda da Embaixada e dos seus serviços, em especial na área cultural e económica.

Assim, e não obstante a Embaixada viver com algumas limitações acrescidas em matéria de recursos humanos, o blogue retomará, a partir de hoje, a sua atividade, sob a forma de muito curtas notas de atualidade.

quarta-feira, agosto 31, 2011

Artistas

A enquadrar aquele museu num certo país europeu, situado fora da área urbana, havia um magnífico espaço verde. Sobre ele, espalhavam-se vários objetos artísticos, da mais diversa natureza. O museu, por essa altura, albergava, para além da sua coleção permanente, uma muito rara exposição de um conhecido pintor clássico.

Eu e um outro colega havíamos convencido uma personalidade com quem viajávamos da importância de não perdermos a oportunidade de ver reunido o essencial da obra desse grande artista da segunda metade do século XIX. Louvando embora a ideia do "détour" que fazíamos, de carro, para visitar a exposição, a figura em causa tinha-nos explicado, ao longo do trejeto, que era muito mais dada à apreciação da arte contemporânea, aos novos modelos criativos, das instalações aos trabalhos em vídeo. Às nossas dúvidas e à confissão da dificuldade de, por vezes, sermos sensíveis a algumas dessas ousadas expressões artísticas, essa pessoa contrapunha o seu pensamento cheio de contemporaneidade, com um intenso e esmagante "name-dropping" de criadores. Ao ouvi-la, verificámos que estávamos perante assinalável especialista.

E caminhavamos já para o museu, idos do parque de estacionamento, comentando à distância uma óbvia escultura de Moore, quando eu fiz notar:

- Conhecem os trabalhos de Rooney Kindley? É uma canadiano que está a ter imenso sucesso. É pouco conhecido na Europa, embora já tenha coisas no MoMa. Aquela peça, ali adiante, parece-me dele, disse eu apontando para um modelo de contentor pintado num forte azul, pousado sobre uma plataforma.

- Nunca tinha ouvido falar nele, disse a nossa personalidade. Nas vanguardas alemãs, que conheço melhor, há muito quem se dedique à criação deste género de objetos, como reproduções criativas de elementos extraídos do quotidiano, trabalhando-os na cor e nas vertentes de espaço. Este, aliás, parece-me bastante interessante, pela ligação do equilíbrio volumétrico e dos tons impositivos, que, no seu conjunto, provocam um contraste curioso com a paisagem. Por isso, necessitam, como aqui se consegue, de ter um cenário bastante aberto para a obra poder "respirar", permitindo distâncias para múltiplos ângulos de visualização. Como é que você disse que se chama o artista?

Fiz um sorriso irónico e esclareci:

- Esqueça! É apenas um contentor. Inventei o resto...

terça-feira, agosto 30, 2011

Geografias

Na passada semana, o "Libération" trazia um longo artigo sob o título "Angola, quartier d'esclaves", com fotografias antigas, a preto e branco. Preparava-me para ler mais uma catilinária sobre a política colonial portuguesa quando, pelo texto do que veio a revelar-se um interessante artigo, fiquei informado de que, no fim do século XIX, terá sido criada, no Estado americano da Louisiana, aquela que foi considerada, por muitas décadas, "a pior prisão da América". Teve o nome de "Angola" por ser esse o nome que o anterior proprietário do terreno teria dado ao local, pelo facto dos escravos que aí tinha serem provenientes daquela antiga colónia portuguesa (o que, historicamente, parece um pouco estranho, convenhamos). "Angola" foi uma pentenciária bárbara, onde morreram violentamente muitos condenados, sujeitos a incontáveis violências. E por lá havia um cadeira elétrica. Dois jornalistas, nos anos 30, revelaram que, à época, aquele era "o lugar do mundo que mais se aproximava da escravatura". A prisão "Angola" ainda existe, nos dias de hoje, embora com outras condições.

Num registo bem mais pacato, mas que também se liga a nós, não quero deixar de assinalar que, num interessante livro, acabado de sair, que compila documentos essenciais para a compreensão da relação franco-alemã na altura da reunificação ("La diplomatie française face à l'unification allemande"), vim ontem a deparar com o curioso nome do principal especialista em assuntos alemães do Comité Central do então quase moribundo PCUS. Chamava-se Portugalov. Fui tentar perceber de onde poderia o homem ter tirado o nome. Uma fonte aponta para os Portugalov serem descendentes de judeus expulsos de Portugal no final do século  XV. Esta explicação pode ser lida aqui.

A imagem que ilustra este post, para muito leitores, provavelmente nada terá a ver com ele. O que, se calhar, é verdade. É apenas uma fotografia feita, há dias, em Lisboa (onde?), por uma amiga. E como gosto delas (da amiga e da fotografia) decidi publicá-la. Liberalidades a que se pode dar quem gere um blogue sem agenda...

Notícia

A agência de notação "Fitch" acaba de divulgar uma análise da zona euro na qual conclui que Portugal deve ter condições para evitar uma reestruturação da sua dívida.

Seria longo estar a elaborar sobre isto, mas alguns anos de vida internacional ensinaram-me que, se há algo de verdadeiramente decisivo no saldo final do imenso esforço financeiro que Portugal está a fazer, essa é a possibilidade de escapar a uma reestruturação da sua dívida. Assim outros não criem condições negativas externas que nos obriguem a enveredar por esse caminho.

Por isso, esta notícia da "Fitch", a confirmar-se, como se espera, já é uma das melhores do ano de 2011.

segunda-feira, agosto 29, 2011

Clubes

Há dias, um comentador cuja identidade deteto pelo estilo, recordava, por aqui, a famosa, e deliciosa, frase de Grouxo Marx: "Eu nunca aceitaria entrar para um clube que me aceitasse como sócio".

Não sou muito dado a fazer parte de clubes. Em Londres, fui sazonalmente membro do "Travellers" (não tinha a exclusividade do "White's" ou do "Brooks's", mas era menos "fácil" o que o "RAC"), um "gentlemen's club" em que se almoçava a bom preço e onde, regressado de "diligências" no Foreign Office, se ia por um chá com scones, na sala da foto, ao final da tarde, servido pela loura Miss Melanie, que já sabia de cor os meus gostos. Aqui em Paris, tenho resistido, com denodo, a insistentes convites para fazer parte de algumas dessas estimáveis agremiações, quase sempre com espaços bem agradáveis, mas onde sei, de certeza plena, que raramente por lá poria os pés, por óbvia falta de tempo.

Por muitos anos, em Lisboa, recusei a ideia de entrar para qualquer clube. Sempre achei bem simpático o "Grémio Literário" mas, de há muito, tinha concluído que não tinha vida para o frequentar com assiduidade e que, para almoçar, me agradava itinerar por restaurantes.

Porém, há já bastantes anos, deu-me para aceitar a sugestão, feita por colegas da "carreira", que se ofereciam para me proporem para membro de um certo clube. Era um cenáculo de cariz conservador, num lugar central, sem grandes luxos, onde se podia ler a imprensa, almoçar e conversar serenamente com amigos. Achei graça à ideia, embora eu sempre duvidasse da possibilidade de vir aproveitar muito essas amenidades. Mas, atentas outras razões que não interessa aqui registar, decidi fazer uma derrogação à minha obstinação. Disse que sim e fiquei à espera.

Os anos foram passando e nunca mais tinha notícias da admissão no tal clube. Como vivia no estrangeiro, isso era-me indiferente. Mas, confesso, já andava curioso em conhecer as razões por detrás desse facto. Ter-se-iam esquecido? Foi então que alguém, discretamente, me revelou que era sabido que o meu nome era regularmente vetado, em reuniões de direção, por uma determinada figura. Ao que se dizia, por motivações políticas. Achei imensa graça.

Até que um dia, bem mais de uma década depois, aleluia!, recebi uma carta a anunciar a minha admissão. Foi então que tive a tentação de usar, em resposta ao convite, a supracitada frase. Mas contive-me nessa minha reação "marxista". E lá entrei, com imenso gosto, para sócio dessa interessante e estimável instituição, por muitos anos alimentada pela nomenclatura do Estado Novo. Pelos vistos, mesmo muito depois dele ter acabado... E por lá passo, às vezes, embora não tantas como gostaria.

Em tempo: Originalmente, esta era a exigência para fazer parte do "Travellers": "no person be considered eligible to the Travellers' Club who shall not have travelled out of the British islands to a distance of at least 500 miles from London in a direct line". Quanto ao RAC, não resisto a transcrever o que alguém escreveu:"it has a reputation for being less class-conscious than many of the other clubs". 

Este blogue

Esperava não ter de escrever o que se segue.

Tenho vindo a verificar, nos últimos tempos, que alguns comentários que são enviados para posts deste blogue (alguns dos quais não foram publicados, outros que publiquei) tendem a resvalar para o terreno de uma polémica menos salutar, com o aparecimento de picardias pessoais entre os comentadores, algumas vezes sob a capa de confrontação de estilos ou personalidades, outras em polarizações ideológicas, às vezes em poses doutorais, noutras com "criatividades" inadequadas.

Sei que essa é a cultura de certa blogosfera portuguesa mas, como dizia Régio, eu "não vou por aí". Este blogue quer-se uma ilha de serenidade, onde se pretende que a atualidade, as ideias ou a memória sejam tratadas sempre de uma forma bem disposta, positiva e otimista, tentando fazê-lo com bom senso e procurando sempre o bom gosto, com humor e ironia qb, sem ofender nem magoar ninguém, igualmente sem objetivos proselitistas ou agendas escondidas. Quem por aqui quiser continuar a passar, respeitando esse registo, será sempre muito bem vindo. 

Por isso, e em particular a partir de agora, os que entenderem ir por esses outros caminhos não se devem admirar de não verem publicados os seus comentários.

Regresso

Este é um tempo de regresso, em que muitos portugueses, nomeadamente os residentes em França, voltam das suas férias. Para aqueles que escolhem a estrada, esperamos que, ao contrário de outros anos, a prudência e uma condução sábia evitem a ocorrência de acidentes, tanto mais que o clima não tem ajudado muito.

É justo, nesta ocasião, sublinhar a realização, uma vez mais, pela associação de jovens luso-descendentes "Cap Magellan", de um programa de prevenção rodoviária, que teve como objetivo alertar os portugueses que se deslocaram ao país para as medidas de precaução que devem ser tomadas nas viagens. 

A organização, liderada pelo eleito de Paris Hermano Sanches Ruivo, edita também, com regularidade, a excelente revista "Cap Mag". Aqui fica a capa do seu último número.

domingo, agosto 28, 2011

LinkedIn

Convenceram-me a fazer parte da rede profissional LinkedIn. Logo a mim, que não uso o Twitter nem ando (pelo menos por vontade própria) pelo Facebook...

Tudo bem! Mas acho que só devo aceitar fazer parte da "rede" de quem, efetivamente, eu conheça bem pessoalmente, por muito respeito que me mereçam as restantes pessoas que pedem a minha adesão. É esse o critério que vou seguir, a partir de agora. OK? Não levam a mal?

Ricos

Um pouco por todo o lado, a crise fez renascer a questão da tributação dos "ricos". Em França, o governo, desde há uns meses, decidiu acabar com o chamado "bouclier fiscal", uma medida introduzida no início do mandato do presidente Sarkozy, que previa que ninguém podia pagar em impostos mais de 50% do seu rendimento, com vista a tentar fixar as fortunas no país. Agora, no quadro de um pacote de austeridade, foi criado um novo imposto, com prazo de aplicação limitado, para os grandes rendimentos. Ou é impressão minha ou a medida acaba por ter mais de simbólico - num momento em que às classes médias é pedido um esforço acrescido - do que de rentável para os cofres públicos.

No nosso país, vejo que o debate também está aberto. Modestamente, como cidadão comum que sabe tanto disto "como de um lagar de azeite", e com a maior sinceridade, interrogo-me sobre o que, a prazo, traria mais vantagens para o erário: procurar tributar de forma acentuada os rendimentos desses mais afortunados ou, em alternativa, garantir-lhes exonerações fiscais por cada posto de trabalho permanente que, através de investimentos feitos (sem a menor comparticipação do Estado, nem qualquer ajuda comunitária), eles conseguissem criar? Os ricos que paguem a crise? Claro, criando empregos. Como alguém dizia: "é fazer as contas..."

Chegadas e partidas

Fala-se já por aí da data de chegada a Portugal dos novos iPhone e iPad.

Em matéria de curiosidade quanto a datas, eu sou bem mais modesto: só gostava de saber quando é que o FMI sai de Portugal.

Essa é a única data que, nos dias que correm, é importante para todos nós. E que depende, essencialmente, de nós mesmos.

sábado, agosto 27, 2011

Padre David

Há dias, num telejornal noturno, foi entrevistada uma certa figura. E logo me veio à memória uma história passada com ela.

Algures nos anos 80, eu havia sido encarregado, em funções que então desempenhava, de receber essa pessoa. Vinha, muito bem recomendada, colocar-me um problema "sério". Ele e outros empresários tinham iniciado a construção de um lar para estudantes oriundos de certos países estangeiros, os quais, por perderem frequentemente as bolsas de estudo oficiais, por falta de aproveitamento, necessitavam de garantir alojamento para prolongarem a sua estada no nosso país. Os motivos desses empreendedores estavam longe de ser apenas altruístas: todos os estudantes que pretendiam beneficiar eram familiares de responsáveis, políticos e administrativos, desses países, os quais tinham direta influência na concretização de negócios com as empresas dos amáveis empresários lusitanos. Estava-se a ver o "filme"...

À partida, a questão parecia-me cristalina. Cada um procede como quer e pode, financia quem lhe interessa. Só não percebia o que é que o MNE tinha a ver com isso. Mas o meu interlocutor não tardou a ir direto ao que vinha: os empresários achavam que já tinham feito a sua parte, lançando as bases para o tal empreendimento, pelo que "cabia agora ao Estado" entrar com a restante verba necessária, que deveria representar cerca de 75% do custo total, o que, recordo, era um valor bastante elevado.

Expliquei ao senhor - que me pareceu ser um devotado cultor do lema "menos Estado, melhor Estado e o que dele sobrar fica para nós" - que as verbas para finalidades similares já estavam afetadas e que, em especial, o caso que apresentava não se enquadrava minimamente nas prioridades de financiamento que tínhamos definido. O nosso objetivo era concentrar a ajudas nos estudantes com aproveitamento, não nos "calões" de boas famílias. Pelo que a nossa resposta tinha de ser, muito simplesmente, negativa.

O cavalheiro abespinhou-se. Os seus contactos anteriores tê-lo-iam feito presumir um resultado diferente para a diligência. E logo adiantou que, a confirmar-se uma resposta negativa da nossa parte, se veriam "obrigados" a ir para a imprensa, denunciando o "desinteresse" das entidades oficiais do setor. 

Aí, "passei-me", e disse-lhe mais: que não tinha gostado nada da forma pressionante como a questão me fora colocada, e que, desde logo lhe podia assegurar, o Estado não cederia àquilo que era claramente uma espécie de chantagem. Atenta a gravidade da "ameaça" mediática que fizera, ia transmitir superiormente, "para os devidos efeitos", o respetivo teor, pormenorizando no texto que ia elaborar, as reais finalidades do projeto e detalhando os interesses que estavam por detrás dele. E adiantei: "Sabe?, no mau sentido, o senhor fez-me recordar a história do padre David". O homem, que já estava furioso, ficou também perplexo.

E contei-lhe que, nos meus tempos de infância, recebiam-se, em minha casa, umas cartas angustiadas, tipo circular, assinadas pelo padre David, de Ruílhe e Aveleda, localidades perto de Braga. Invariavelmente, o sacerdote explicava que tinha iniciado a construção de casas para famílias pobres, que já tinha as fundações, mas que precisava de dinheiro para todo o resto da construção. Até aí tudo bem, porque era obra altamente meritória. Só que, no arrazoado argumentativo, o padre David adiantava que, se não contribuíssemos, o projeto não avançaria, pelo que a responsabilidade de um eventual insucesso ficava exclusivamente nas nossas mãos. Eu era criança e esta pressão pouco subliminar, que vinha embrulhada numa linguagem religiosa que prenunciava retaliações divinas para quem se mostrasse relutante a cooperar, impressionou-me muito. E sempre me interroguei por que diabo havíamos nós de ficar com o odioso da obra incompleta, só porque o padre David haviam colocado o carro à frente dos bois. Com as melhores intenções do mundo, o qual, como é sabido, está cheio delas.

O nosso homem - em lugar de se sentir elogiado com a equiparação ao generoso padre... - ficou furioso, disse que se ia queixar de mim, saindo pela porta fora. Se o fez ou não, não sei. Nunca ninguém me disse nada, tendo eu cumprido a promessa de relatar, por escrito e com gozo, o episódio. Desde então, nunca mais o encontrei. Terão feito a obra?

A Líbia vista de outro lado

Há textos que ficam para a história (pequena ou grande, cada um que escolha) do nosso jornalismo. Hoje chegou-me um deles. É uma interpretação do que se passa na Líbia, sob uma perspetiva e um estilo lexical que eu pensava já arquivados nos escaparates da memória. Mas não, pelos vistos. 

Duas notas neste relato: uma curiosa, outra irónica. A referência aos "supostos criminosos de guerra da ex-Jugoslávia" e o facto de uma das fontes ser, assumidamente, o "The Economist". Não percam, a sério. Aqui.

... e logo se vai ver!

Ver aqui .