terça-feira, novembro 01, 2011

As frases e os mitos

Na memória coletiva sobrevivem, por vezes, expressões que, não tendo nunca sido pronunciadas, passaram a constituir-se como mitos. Recordo o "play it again, Sam", que Rick nunca disse no "Casablanca", ou o "elementary, my dear Watson", que ninguém encontrará, posto na boca de Sherlock Holmes, em nenhuma linha de Conan Doyle. 
 
O debate político também se faz, muitas vezes, em torno de alguns desses mitos: Salazar nunca proferiu exatamente a frase "para Angola, rapidamente e em força", contrariamente ao que muitos portugueses pensam.

Vem isto a propósito da circunstância de, desde há muito, ter visto atribuída uma frase ao antigo presidente da República, Jorge Sampaio: "há mais vida para além do défice". À volta desta frase tem emergido, ao longo dos últimos anos, uma imensidão de comentários. Porque tinha curiosidade em perceber o que fora efetivamente dito (e o contexto em que o fora, o que não é despiciendo), fui à procura do texto verdadeiro. E o que é que descobri?

Primeiro, Jorge Sampaio nunca terá proferido a frase "há mais vida para além do défice". 

Segundo, a frase verdadeiramente dita pelo antigo presidente - "há mais vida para além do orçamento" - foi proferida num contexto específico que merece ser ponderado:

"Mas como já disse, o problema orçamental da economia portuguesa, merecendo embora exigente e necessária atenção, não é o único. Há mais vida para além do orçamento. A economia é mais do que finanças públicas. O aumento do investimento, da produtividade e da competitividade da economia portuguesa é fundamental para o nosso futuro e requer o esforço continuado e empenhado de todos: governantes, empresários e trabalhadores. Uma economia competitiva não é a que se baseia em baixos salários, mas sim a que dispõe de um sistema produtivo moderno, inovador e tecnologicamente avançado, capaz de produzir bens e serviços de qualidade e bem valorizados nos mercados internacionais."

Alguém discorda?

Para alguns, "os fins justificam os meios". O diabo é que também esta frase nunca foi, contrariamente ao que a História acolheu, escrita por Maquiavel...

segunda-feira, outubro 31, 2011

Almoço

Há almoços gratificantes. Foi o caso de ontem, aqui em Paris. Memórias de vidas muito diversas, cruzadas por imagens de amigos ou conhecidos mútuos, recuperação de episódios vividos ou escutados, num fundo de sentimentos subliminarmente partilhados, numa sintonia geracional construída através de percursos diferentes, por onde desfiaram coisas da política e dos vários trilhos cívicos de gentes de hoje e de outros tempos, no culto algo anárquico daquilo que um autor brasileiro qualificou bem como "as minhas histórias dos outros". No fundo, são momentos como esses que, um dia, nos levarão a dizer: "lembras-te daquela bela almoçarada, com fulano e beltrano?". Afinal, as coisas boas da vida podem ser bem simples. Haja saúde. E fraternidade, claro!

Greenwich

A imprensa francesa refere que o governo britânico está a pensar introduzir, em 2012, um alinhamento com a hora do centro da Europa, abandonando a referência ao (seu) meridiano de Greenwich. Já nada é o que era, nem mesmo na velha Inglaterra...

Recordo que uma discussão similar teve lugar, um dia, no seio do governo português, nos idos de 1996. E que, contra algumas opiniões, prevaleceu a tese de que deveríamos manter a atual diferença face ao centro do continente. Se Londres deixar de servir de referência, será que, em Portugal, o tema vai também, de novo, ser repensado?

Diplomacia em tempo de crise

Agora que a chamada "diplomacia económica" está na ordem do dia das conversas e das decisões, apetece-me recordar aqui um texto que sobre o assunto publiquei, em maio último, na revista da AICEP, "Portugal Global", sob o título em epígrafe.

"Não há muito tempo, um colega de um país do norte da Europa, cujo tecido económico foi bastante menos tocado pela crise internacional, perguntava-me de que modo a nossa diplomacia se estava a adaptar ao tempo de exigência acrescida que o país atravessava. A sua curiosidade tinha a ver, não apenas com a possibilidade de estarmos a encarar uma melhor adequação do nosso dispositivo diplomático aos objetivos mais imediatos da ação externa mas, igualmente, quanto ao modo como o nosso próprio trabalho teria, ou não, sofrido uma mutação qualitativa, em função de alguma reversão de hierarquia de prioridades.

A questão era interessante, embora a resposta não fosse óbvia. A diplomacia, como instrumento executivo da política externa, configura-se com a evolução dos tempos, por uma reformulação de prioridades, decorrente de novos objetivos. Embora deva ter-se sempre presente – e sei que isto pode parecer chocante para alguns cultores do imediatismo – que o papel dos diplomatas, na fixação da imagem do país, deve ir sempre um pouco para além das conjunturas. Essa é a razão pela qual a resposta às solicitações prementes do presente deve ser, no seio da nossa ação externa, modulada em permanência com a necessidade de garantir a preservação dos interesses permanentes do país, numa perspetiva de coerência de longo prazo. A nossa história não se improvisa.

Indo por partes, eu diria que, em face da presente crise, a diplomacia portuguesa tem diante de si três linhas de adaptação.

Em primeiro lugar, dentro do Ministério dos Negócios Estrangeiros não deixou de se considerar, desde o primeiro momento, a importância de repensar a rede diplomática existente, dando atenção particular a áreas geográficas que, não tendo sido privilegiadas nas opções de distribuição de recursos funcionais no passado, convinha que passassem a dispor de uma maior atenção no futuro. Quero com isto dizer que zonas como o norte de África, os países do Golfo e certos mercados asiáticos passaram a entrar na nossa ordem de prioridades, com vista a tentar conseguir novos pontos de apoio à atividade empresarial. Isso tornou-se particularmente importante face a mercados cuja evolução previsível de crescimento pudesse, simultaneamente, vir absorver produção nacional que tivesse menos atratividade para os nossos parceiros tradicionais (em especial, europeus) e garantir espaços sustentados de progressão futura de novas linhas de exportação. Assim foi feito e, estou certo, a prazo, os efeitos ir-se-ão sentir.

A segunda linha é de natureza formativa. Não vale a pena esconder que ainda não está ainda criada, no conjunto da nossa administração pública que opera na ordem externa, uma cultura de trabalho em comum. As razões são diversas, do corporativismo a alguma incompetência. Com felicidade, faço parte daquele grupo de diplomatas que sempre teve uma muito positiva experiência de trabalho conjunto com as estruturas de promoção económica externa (do FFE à AICEP, passando pelo ICEP/API). Por razões diversas, sei que essa experiência não é idêntica à de muitos colegas da diplomacia portuguesa. Não vale a pena estar a distribuir culpas, até pela certeza de que elas não estarão sempre do mesmo lado. Algo tem de mudar neste âmbito e, para isso, de há muito que só vislumbro uma solução, que sei difícil de pôr em prática, por escassez de recursos humanos: promover estágios profissionais cruzados, tanto nas instituições como nas empresas e nas associações empresariais, com suficiente duração para que tal possa ter reais efeitos, num esforço geral de aculturação.

Uma terceira vertente tem a ver com a mudança no paradigma da intervenção das nossas embaixadas, com impacto na informação que produzem. Imagino que a abordagem pública da questão, numa publicação desta natureza, possa escandalizar alguns. Mas julgo ter um mínimo de autoridade experiência para exprimir o que adiante vou dizer.

A diplomacia portuguesa não se deve esgotar no apoio à projeção económica externa do país – no comércio, na promoção do turismo ou na captação de IDE. A atenção à imagem do país na ordem internacional, o cultivo das redes de interesses políticos e culturais que o bilateralismo histórico justifica, a promoção da língua portuguesa e a proteção da diáspora são outros tantos pontos importantes a salvaguardar, como decisivo é sabermos potenciar o nosso valor acrescentado nacional de natureza política, como país construtor de pontes e entendimentos, à escala global. Como a eleição recente para o Conselho de Segurança da ONU o provou. Porque tudo isso, ao funcionar positivamente em favor da imagem do país, acaba por ajudar à criação de um ambiente favorável à promoção dos nossos interesses económicos – e dispensem-me de dar exemplos, por razões que julgo óbvias.

Porém, e como um dia já disse, com choque em alguns ouvidos mais sensíveis,  entendo que o MNE precisa de “menos Kosovo e mais batatas”, querendo com isto dizer que a diplomacia portuguesa tem de continuar o esforço já iniciado no sentido de infletir a sua focagem de prioridades, passando a perceber que a “política pura”, embora podendo dar-nos uma base interessante para um bilateralismo com vantagens, deve sempre apontar para uma visão objetiva dos interesses económicos que importa privilegiar, muito em especial numa situação de crise como a que vivemos.

Mas que fique clara uma coisa: não defendo que a política externa portuguesa seja refém da promoção económica externa, que se opte por uma “reapolitik” de interesses, como se o MNE devesse passar a ser, unicamente, uma espécie de agência de promoção externa de negócios. Não deve sê-lo exclusivamente, mas deve sê-lo também. E, para isto, não são precisos novos despachos ou decretos. Basta haver vontade.

Uma das razões pela qual não defendo uma dependência excessiva da nossa política externa face aos nossos interesses económicos tem a ver com o facto, que pude constatar ao longo das mais de três décadas que levo de ação diplomática, de que essa mesma atividade económica está longe de ter uma coerência mínima: os mercados flutuam, as prioridades variam, a oferta “tem dias”, os nossos empresários – desculpem lá! – têm estados de alma flutuantes. Se a ação externa do país ficasse vinculada, rigidamente, às opções do nosso comércio externo, Portugal teria a imagem de um catavento!

Por isso, recomendo apenas prudência, bom-senso e troca intensa de informação. À nossa diplomacia pode e deve ser pedido um grande empenhamento na promoção da atividade dos nossos agentes económicos. Os diplomatas portugueses devem ser mobilizados para servirem de eixo às campanhas de estímulo à atividade económica externa, as nossas embaixadas devem ser a “casa” dos empresários. Mas tudo isto tem de ter uma coerência global, uma hierarquia de prioridades bem estabelecida, uma dotação mínima de meios e uma proporção adequada de empenhamento. Uma missão diplomática ou consular não pode ser mobilizada apenas porque um empresário o solicita: essa solicitação tem de corresponder a uma razoável contrapartida previsível das vantagens potenciais decorrentes para o país.

É para essa avaliação que a diplomacia espera poder contar sempre com o insubstituível papel técnico da AICEP, como estrutura com capacidade de aferição daquilo que é, a cada momento, o interesse económico prioritário do país na ordem externa. É nesse diálogo, que não é complicado se dele forem excluídos os egos e os reflexos de casta, que deve assentar a parceria constante entre a atividade económica externa e diplomacia portuguesas." 

A alguns observadores poderá parecer que a evolução subsequente ocorrida no tratamento deste tema, no tocante aos novos modelos institucionais em vias de criação, pode ter desatualizado o que acima se escreveu. Leiam bem. Não há a menor contradição entre o que foi decidido e espírito que neste texto defendo como devendo estar na base do nosso trabalho futuro. Nem podia haver.

domingo, outubro 30, 2011

O vaso

Foi ontem anunciado que o antigo presidente brasileiro Lula da Silva entrou num período de saúde mais complicado. Lula é um otimista e nós temos de o ser com ele.

Há dias, em Paris, falámos do que agora faz, da sua fundação. E saiu-se com esta:

- Sabe?, embaixador. Presidente saído da função é como quando a gente tem um vaso chinês. Quando deixa de ter casa grande, não se sabe onde o há-de colocar.

sábado, outubro 29, 2011

Portugal (2)

Ontem, numa tabacaria:

- Olhe que esse jornal é já de há dois dias!

- Ah! Obrigado. Às tantas, talvez traga melhores notícias que o de hoje...

sexta-feira, outubro 28, 2011

Europa

Pelo acordo estabelecido com a "troika", o Estado português comprometeu-se a alienar participações detidas em empresas, por forma a reduzir o seu peso na economia.

Pelas regras do financiamento europeu a entidades bancárias portuguesas que eventualmente necessitem de recapitalização, o Estado português pode vir a ter de assumir o papel de acionista desses bancos. O que é que determina isso? Ora essa! O acordo com a "troika"...

quarta-feira, outubro 26, 2011

Brasil


Fiquei surpreendido com o interesse que concitou a conversa tripartida que o embaixador brasileiro em Portugal, Mário Vilalva, o advogado Pedro Rebelo de Sousa e eu próprio tivemos ao final da tarde de terça-feira, no Grémio Literário, em Lisboa, sob a moderação do escritor Miguel de Sousa Tavares. O Centro Nacional de Cultura e o Círculo Eça de Queiroz patrocinaram também esta iniciativa.

"O Brasil e os brasileiros" foi o mote deste debate muito animado, com pouca "langue de bois", talvez por ter como figura tutelar um "colega" diplomata que não ficou famoso por a praticar - Eça de Queirós.

Pela minha parte, assentei o que disse no seguinte esquema:

- As assimetrias não assumidas nos olhares cruzados de Portugal e do Brasil. Retóricas e realidades.
- O que é Portugal no Brasil contemporâneo: pessoas, economia, cultura.
- A relação Brasil-Portugal na história diplomática comum: encontros, desencontros e ambiguidades.
- O que é hoje (realmente) o Brasil para Portugal? E Portugal para o Brasil?
- O papel histórico da África no relacionamento entre Portugal e o Brasil.
- Do bilateralismo à CPLP. Complementaridade dos mundos multilaterais de Portugal e do Brasil.

terça-feira, outubro 25, 2011

Telegrama

O homem estava um pouco atarantado. Não era caso para menos. Do outro lado da linha tinha a voz, dificilmente confundível, do "presidente do Conselho", de Oliveira Salazar.

Era uma manhã de domingo, nesses anos quarenta, durante a segunda guerra mundial. Salazar tinha acumulado a chefia do governo com o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros. A "casa" era gerida pelo secretário-geral, embaixador Teixeira de Sampaio, mas o chefe do executivo mantinha um controlo próximo da máquina diplomática, assente em algumas representações diplomáticas, que eram os olhos e os ouvidos de Portugal pelo mundo. As comunicações entre essas missões e Lisboa eram escassas e a sua consulta constitui hoje um rico manancial para estudo. A chegada de um "telegrama", assinado por uma das grandes figuras que titulavam esses postos, era sempre um momento que concitava a atenção do chefe do governo.

Nessa manhã, Salazar pretendia uma informação sobre um determinado telegrama que sabia que chegara de Washington. O diplomata que o atendeu, no "serviço de cifra" das Necessidades, por precipitação ou por incompetência ou por ambas, regressou, minutos depois, ao telefone e informou Salazar que não conseguia encontrar o texto, entre toda a papelada que tinha à sua volta. "Vossa Excelência compreende, estou aqui sozinho..."

Salazar insistiu: "Veja lá outra vez, faça favor". E o homem lá foi, de novo, angustiado pela dificuldade insuperável. Com a alma nas mãos, regressou ao telefone, outros tantos minutos volvidos. "Peço imensa desculpa, mas não encontro nada!". Do outro lado da linha, Salazar retorquiu: "Não está aí nenhuma dactilógrafa?". O diplomata explicou que não, era domingo... "E também não tem nenhum contínuo?". Também não havia nenhum contínuo. Antes de desligar, seco, Salazar comentou: "É pena. Qualquer dactilógrafa ou contínuo teria descoberto o telegrama. Passe bem!".

Não há registos da carreira subsequente desse diplomata que teve o azar de estar na "cifra" nessa fatídica manhã de domingo.

Racismo

A "compreensão", mais ou menos velada, de alguns comentadores mediáticos, face às inúmeras barbaridades cometidas pelos rebeldes líbios sobre Kadafhi e os seus derrotados seguidores, traduz uma evidente forma de racismo eurocêntrico. É como se se assumisse que certos povos e certas sociedades, por virtude de um relativismo cultural, permanecem isentos da obrigação de respeitarem normas que a comunidade internacional de há muito considera deverem enquadrar todos conflitos. Por maioria de razão, aqueles em que a NATO intervém. Ao legitimarem esses novos massacres, essas figuras não se dão conta que isso funciona como uma injusta absolvição daqueles que tinham denunciado no regime líbio derrotado. 

Há gente que nunca aprende nada. Mas, nestas ocasiões, nós aprendemos, pelo menos, a conhecer melhor o caráter de alguns. 

segunda-feira, outubro 24, 2011

Lisboa

Gosto de viver numa rua com elétrico. Não o apanho muito, mas detestaria perdê-lo.

Teatro livre

Emmanuel Démarcy-Mota é uma das grandes figuras do teatro francês contemporâneo. Filho da atriz portuguesa Teresa Mota e de Richard Démarcy, encenador e autor, dirige atualmente o Théâtre de la Ville, em Paris, e o Festival de Outono da cidade. Emmanuel mantém-se fortemente ligado a Portugal, colaborando com diversas instituições nacionais. E, além de tudo isso, é uma personalidade fascinante.

Desde há dias, o seu espetáculo «Sur le concept du visage du fils de Dieu», de Romeo Castellucci, tem sido objeto de boicotes violentos por parte de grupos religiosos integristas. Com coragem, afrontando a fúria sectária, Emmanuel e o Théâtre de la Ville mantêm a determinação de prosseguir as representações.

A luta pela liberdade de opinião e expressão não tem fronteiras. E estar ao lado de quem a protege e promove é um dever mínimo para quem preze a democracia, Assim, lá irei, num dos próximos dias, ao Théâtre de la Ville para ver o espetáculo e para dar um abraço solidário ao Emmanuel. Quem quiser conhecer melhor este "homem de teatro de Paris cuja pátria é o Alentejo", pode ler aqui

Europa alegre

Não deve ser por acaso que o hino europeu é a "Ode an die Freude" (ode à alegria), tirada da nona sinfonia de Beethoven. A alegria está no centro do projeto europeu. Leiam-se, a este propósito, as significativas palavras do ministro búlgaro das Finanças, Simeon Djankov, no "Le Monde" de hoje:

"Même si ce n'est pas bien joli, il y a un certain degré de joie mauvaise (à l'égard de la Grèce), parce que la Bulgarie est toujours comparée à la Grèce [...]. On a maintenant l'impression que les Grecs vont plus mal que nous, cela nous aide beaucoup en tant que gouvernement."

domingo, outubro 23, 2011

Portugal (1)

1. Missa. Não sendo embora a minha especialidade, sei distinguir uma boa de uma má homilia. E aquela havia sido desastrosa e muito desinspirada, indigna do falecido. O sacerdote "embrulhou-se" e não conseguia acabar com jeito. Comentei com um velho amigo, a meu lado. Resposta dele: "Também achei. Este deve ter tirado o curso para padre nas Novas Oportunidades".

Há gente muito mazinha...

2. Trás-os-Montes, anteontem:

- Com este défice, não vamos lá! E onde é que se meteu o dinheiro?
- Vieste de Lisboa, ainda hoje? Como é que conseguiste?
- Fiz a A8/A17 até Aveiro, depois a A25, a finalmente o IP2. Até que foi rápido! Porque é que perguntas?
- É porque, sendo assim, vieste "pelo" défice...

3. Sintra, ontem:

- E lá se foi o verão, não é? Vi agora na televisão: só há bom tempo na Madeira.
- Assim ficamos completos: é chuva na eira e sol no nabal...

4. Lisboa, já hoje:

- Bela exposição que vi à tarde na Gulbenkian. É dedicada a "naturezas mortas".
- A Gulbenkian está sempre muito atenta à realidade portuguesa...

sábado, outubro 22, 2011

Secretos

No Ministério dos Negócios Estrangeiros, as telegramas qualificados de "secretos" têm, como é natural, uma distribuição muito limitada, que segue a regra britânica do "need to know".

Não há muito tempo, procurei saber se um determinado colega, em Lisboa, tinha lido um "secreto" que eu tinha enviado dias antes. Cuidando em não falar pelo telefone da substância do texto - o que infringiria as chamadas "regras de cifra" - eu queria ter a certeza de que o telegrama lhe chegara, porque sabia que o assunto, por razões que não vêm ao caso, lhe interessava. Recordo que foi um pouco difícil contactá-lo, tendo a minha secretária apurado que só era possível encontrá-lo em casa. Estranhei, mas foi isso o que foi feito.

- Olha lá! Viste um "secreto" que há dois dias mandei para aí?

Resposta pronta:

- Ó homem! Então não sabes que eu já estou aposentado? Para mim, agora, secretos só de porco...

Eugénio Lisboa

A universidade de Aveiro promove hoje uma justíssima homenagem a um homem a quem a literatura portuguesa muito deve, através do lançamento do livro que lhe é dedicado: "Eugénio Lisboa: vário, intrépido e fecundo - uma homenagem". Tenho imensa pena de não pode estar presente nesta ocasião, mas o dom da ubiquidade, por ora, ainda me é alheio.

E aqui fica o curto texto com que, no livro, saúdo o Eugénio:

Por décadas, li o nome de Eugénio Lisboa em textos críticos sobre literatura portuguesa que me iam passando à frente dos olhos. Como essa era uma “praia”, como agora se diz, que eu apenas tocava pela rama, tinha, acerca dele, alguma, mas não excessiva, curiosidade, apenas potenciada pela raridade do facto de se tratar de um “engenheiro”, qualidade que partilhava com o Jorge de Sena – mas isso num tempo em que os engenheiros ainda não assumiam a importância que, entre nós, viriam a ter…

A circunstância de ter raízes em Moçambique e de, mais tarde, ter andado por França e pela Suécia, situavam Eugénio Lisboa, no meu imaginário, na prateleira prestigiada dos expatriados da nossa cultura, essas figuras com cujas assinaturas eu tropeçava em livros e artigos e que, de quando em quando, entrevia em colóquios ou na televisão, saídos da sua habitual geografia. Mas eu nunca fui fã de José Régio (o Eugénio não me vai perdoar esta!) e esse era o terreno de estimação do nosso crítico, pelo que não atentava, como seguramente deveria, ao que ele escrevia sobre o poeta – no “Colóquio Letras”, no JL e noutras folhas cultas e de culto.

Um dia, no início dos anos 90, ao ser colocado em Londres, tive oportunidade de pôr finalmente uma fotografia no nome do Eugénio Lisboa. E, simultaneamente, no de Rui Knopfli, com quem ele fazia um singular “par” de conselheiros da coisa escrita – o Lisboa, da cultura, o Knopfli, da imprensa – dentro da nossa Embaixada. Durante mais de quatro anos, convivi diariamente com ambos e, no meu saldo pessoal, julgo neles ter feito dois amigos. Era muito interessante observar a sua complementaridade, o sublinhar das comuns raízes moçambicanas, distintos no trabalhar de certas memórias, sobre figuras do passado frequentado e no modo de viver o presente de então. Porém, onde o Eugénio era uma formiga de trabalho, o Rui era uma cigarra, de cigarros seguidos e outros vícios, onde parecia assentar a alegria residual da sua vida e em que preparava, com uma certeza que íamos visualizando, o caminho apressado para a morte. Por mais de uma vez, fui aliado do Eugénio Lisboa – cuja óbvia ternura pelo Rui sempre mascarava – na tentativa de salvar o poeta de si próprio. E ambos sofríamos, cada um a seu modo, a inglória certeza, a prazo, desse esforço. 

Sou testemunha privilegiada de que, em Londres, Eugénio Lisboa desenvolveu um trabalho notável na promoção da nossa cultura. Para além de animar, frequentemente com a sua presença, muitas iniciativas, dedicava-se, com afinco, à edição de traduções de clássicos da nossa literatura, através da “Carcanet Press”. Com o Helder Macedo e com Michael Collins, seus principais cúmplices em iniciativas a que, com pertinácia, se dedicava, o Eugénio procurou “furar” o complexo mundo do tecido cultural britânico, tendo, a seu lado na Embaixada, a ajuda entusiasta e atenta de Mercês Gibson. Olhando para trás, tenho consciência de que procurei ser útil, à medida do que me era possível, a esse labor, onde frequentemente nos deparávamos com boas vontades – como era o caso da Fundação Calouste Gulbenkian – mas, igualmente, com alguns egos de estimação, às vezes de natureza institucional, bem difíceis de contornar.

Foi pela mão do Eugénio Lisboa que vim a conhecer figuras como o jornalista António de Figueiredo, lendário representante de Humberto Delgado em Londres, o advogado Adrião Rodrigues, nome destacado dos “Democratas de Moçambique”, ou Alexandre Pinheiro Torres, um escritor cuja obra justificaria maior reconhecimento público. Em Londres, o Eugénio funcionava como uma espécie de “placa giratória” por onde passava muito do mundo cultural português, mas onde a África lusófona estava sempre presente.

Esse “carrefour” londrino nem sempre era tão pacífico como se poderia pensar – mas, com o tempo, habituei-me a perceber que o mundo cultural é um espaço onde, com alguma facilidade, as personalidades se chocam e as palavras podem desencadear grandes fogueiras. Recordo-me de uma polémica, que envolveu o Eugénio Lisboa e o José Saramago, a propósito de um almoço que eu havia oferecido ao escritor, com a presença do Hélder Macedo, da Paula Rego, do Bartolomeu Cid dos Santos, do Luís de Sousa Rebelo e do Rui Knopfli. O modo como Saramago relatou uma cena desse repasto, nos seus “Cadernos de Lanzarote”, criou uma fúria no Eugénio, que zurziu o escritor no JL. A diplomacia não exclui a indignação.  

Devo confessar que tenho alguma saudade das conversas que, aos fins de tarde, mantínhamos no meu gabinete, muitas vezes acompanhados pelo fumo e pela ironia do Rui Knopfli. Ouvia-os então cruzar memórias africanas, referências literárias, leituras pessoais de episódios comuns do passado, tudo envolvido na agudeza crítica que, quando inteligente, não faz mal a ninguém.

Homenagear o Eugénio Lisboa, como grande figura da cultura portuguesa – não esquecendo a imprescindível serenidade da Antonieta, a seu lado –, é um ato mínimo de justiça. E, para mim, é também uma oportunidade para lhe enviar um abraço de sólida amizade.

sexta-feira, outubro 21, 2011

JL

A convite do JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, publico na última página do seu mais recente número um "Diário" intitulado "Cais das Necessidades". Os leitores deste blogue pouco ou nada lá encontrarão de novo...

quinta-feira, outubro 20, 2011

Eduardo Lourenço

A Sorbonne e a Fundação Calouste Gulbenkian homenagearam ontem, em Paris, o professor Eduardo Lourenço. À noite, na embaixada, tive o prazer de convidar para jantar Eduardo Lourenço e alguns amigos, juntamente com os interventores no seminário que celebrou a sua obra.

Depois de um dia completo que havia sido consagrado a Lourenço, tive a prudência de ser parco nas curtas palavras de admiração que lhe dirigi. Mas não deixei de sublinhar a minha gratidão, como português, pelo facto de Eduardo Lourenço, ao longo destes anos, me ter ajudado a "ler" melhor o meu país. Em especial, ensinou-me uma certa forma portuguesa de ser europeu. Na minha intervenção, referi que o que mais me surpreende é o facto de o ter feito com textos que não se refugiam nunca no hermetismo e que são, deliberadamente, "reader's friendly". Para se ser profundo não é necessário ser complexo, como Eduardo Lourenço sempre demonstra.

Deixo aqui um seu magnífico retrato de Bottelho.

O barman

É bom termos a sorte de nos lembrarem cenas em que participámos, mas que já havíamos esquecido! Há dias, um estimado colega (cujo nome não refiro, porque não cuidei em lhe perguntar se o podia fazer) recordou-me uma história passada numa reunião da Conferência Intergovernamental para a negociação daquilo que viria a ser o Tratado de Nice, ao tempo em que eu era o representante do governo português nessa tarefa.

A presidência rotativa semestral da União Europeia pertencia então aos Países Baixos. Discutia-se a eventual alteração do modelo de voto nas decisões comunitárias, que teria de passar por uma "reponderação" da força relativa de cada Estado no processo decisório. O tema era muito atual, mas muito polémico. Mudar a relação de forças entre os países foi sempre uma questão delicada e divisiva no seio da União Europeia.

Um dia, a presidência holandesa decidiu, sob a sua responsabilidade, colocar sobre a mesa uma proposta algo ousada que, em especial, alterava a relação interna de poder entre os três países do Benelux (Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo), que tinha sido mantida intocada desde a criação das Comunidades Europeias. Para os negociadores holandeses, chefiados pelo embaixador Ben Bot, que anos depois haveria de ser chefe da diplomacia do seu país, haveria que retificar essa relação, por forma a dar uma maior consideração ao fator demográfico. Nessa perspetiva, os Países Baixos eram beneficiados, porque tinham uma população substancialmente maior que a dos seus dois outros parceiros do Benelux. Nesta lógica, as coisas tinham uma certa racionalidade, só que a lógica em que as coisas se apoiavam estava muito longe de ser consensual.

Assumir uma presidência implica respeitar uma certa neutralidade naquilo que se propõe. Não se espera que o país que a detem apresente, de uma forma ostensiva e despudorada, ideias que diretamente a possam beneficiar. Foi isso, contudo, que, nesse dia, os holandeses fizeram.

Acabada a intervenção de Ben Bot, o delegado belga, uma grande e experiente figura da diplomacia europeia, o embaixador Philippe de Schoutheete, pediu a palavra e, com a inteligência, franqueza e humor que todos lhe conhecíamos, disse, muito simplesmente: "Senhor presidente. Tomámos boa nota da proposta que acaba de nos apresentar em nome dos Países Baixos. O meu único comentário sobre essa sua proposta é o seguinte: o senhor portou-se como uma barman que se serviu a si próprio antes de servir os clientes".

E a proposta holandesa morreu aí.

terça-feira, outubro 18, 2011

Olá, Raul!

Um jornal lembra-me que você faria hoje 82 anos. Parabéns! Não teremos velas para assoprar porque, vai para uns tempos, deu-lhe na veneta voltar-nos as costas e partir para outra. Não lhe vou contar o que sem passado por cá, desde a sua saída. Nem eu posso, nem você acreditava. A sério! ("Lá está ele a reinar", diria). No nosso comum Procópio, onde vertemos tantas lágrimas escocesas de riso, a noite do pessoal da "Dois" está cada vez mais curta. O Nuno foi à faca (dizem-me que, no hospital, tinha uma fisioterapeuta que era o máximo!), mas já esta aí para as curvas e vai ganhar "a Guerra", porque, como dizia o Lubitsch, "heaven can wait" (no caso, traduz-se por "a Céu pode esperar"). Há mesmo quem diga que os nossos amigos que ainda param lá pelo bar perderam muito da piada que tinham (há dias, a Diana Andringa, cruel, interrogava-se: "seria porque eu bebia que antes lhes achava mais graça ou eles tinham mais graça porque nessa altura bebiam?"). Até a Alice, armada em Merkel das Amoreiras, tem vindo a alargar os "spreads" (termo que agora se usa cá muito) face aos preços do Papagaio, a tasca que fica ao fundo da escadaria. É que anda por aí uma coisa nova chamada "troika" (lembra-se de uma Teresa Ter-Minassian, que em tempos vinha pelo FMI, cujo nariz arrebitado era muito fotografado a sair do Altis? Pois agora é mais ou menos isso, mas são mais e vêm de calças...). Nem lhe digo que o texto de cabeceira que agora está na moda - não quando temos insónias, mas quando temos sonhos - se chama "MoU", porque imagino que você fazia logo um trocadilho... É assim, Raul, é assim que andam as coisas, ou melhor, não é bem assim mas, como diria o Chico Buarque, "o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta". Bem que tentamos seguir o seu conselho - "façam o favor de ser felizes! - mas não está fácil, sabe? Mas nós somos como o seu Belenenses: andamos ora para cima ora para baixo. Agora? Agora... não estamos em cima! Receba um abraço saudoso do Francisco

B & B

Há bastantes anos que ouvia falar daquele restaurante, situado numa certa capital de distrito, onde não vou muito e onde tinha escassas refe...