terça-feira, julho 12, 2022

Coragem, sempre!

Não consigo entender o receio de impopularidade que leva, por vezes, o poder público a não tomar decisões necessárias mas que sabe serem desagradáveis. Lembro-me sempre do covid e do Natal 2020! Agora, perante os incêndios e os festivais, se há risco elevado, cancelem-se estes!

Adeus Uber, olá táxis!

Há uns anos, decidi deixar os táxis e passar a usar o uber. Fui tendo boas e más experiências, mas estas últimas foram-se acumulando e agravando: atrasos permanentes, cancelamentos regulares, pessoal não qualificado e desconhecedor das cidades, preços a disparar. Desisti. Regressei aos táxis.

Será assim?

Tenho a sensação de que poderemos estar perante um tempo trágico na guerra da Ucrânia. Com o governo de Kiev com mais eficazes meios militares, a Rússia vai sentir ameaçadas algumas das suas conquistas, sendo tentada a reagir “à bruta”.

Rapidinho


Tenho visto livros “rápidos”. Mas, como este, agora na Amazon, é a primeira vez.

No reino

No Reino Unido, muitos nomes que surgem como candidatos à liderança dos partidos são um mero testar de águas: sabe-se que irão desistir e, em troca de apoios que darão ao vencedor, assegurarão lugares no seu governo. Viu-se isso já muitas vezes no passado.

O Leixões é que é!


Tenho um amigo que é fanático do Leixões sendo, aliás, nos dias de hoje, um dos sócios mais antigos daquela agremiação matosinhense. Mas ele não é apenas fanático do Leixões, é também a mais fanática pessoa que conheço contra o Futebol Clube do Porto.

Há bem mais de 30 anos, fui almoçar ao “Portucale”, no edifício que é mais conhecido no Porto como a Cooperativa dos Pedreiros. Eu estava numa mesa com o presidente do FCP, Pinto da Costa, e mais duas pessoas. Era uma refeição por motivos profissionais, para a montagem de operações de cooperação através das filiais do FCP nas antigas colónias portuguesa (fizémos o mesmo com o Benfica e Sporting, descansem os mais sensíveis!). O tal amigo leixonense de quem falo - o qual, noto, é um dos meus melhores amigos - entrou na sala. Da mesa, saudei-o, com um gesto. Não retribuiu, pelo que deduzi que me não tinha visto. E seguiu para a sua mesa. Pedi licença às pessoas com quem estava, levantei-me e fui ter com ele. Recebeu-me com ar frio: “Alguém que almoça com um tipo daqueles deixa de ser meu amigo”. Não tenho a certeza que a palavra “tipo” fosse exatamente o termo que utilizou. Passada a falsa zanga, demos um abraço caloroso.

No domingo, jantei com esse meu amigo em Matosinhos (que bem que se comeu no “Gaveto”!). Falou-me dos tempos maus que o seu Leixões atravessa, mas não deixou de lembrar uma taça que, há muitos anos, o seu clube ganhou ao Porto, por 2-0, nas Antas, naquele que foi um dos dias mais felizes da sua vida. O Leixões continua a emocioná-lo!

Ontem, segunda-feira, acabada uma reunião de trabalho, antes de apanhar o Alfa Pendular, de regresso a Lisboa, decidi ir almoçar a uma das catedrais gastronómicas mais apreciadas pelos portistas de gema, o excelente “Líder”, perto da praça Velasquez. Mal entrei, descortinei, numa mesa, Pinto da Costa. Dei graças à sorte pelo facto do meu amigo leixonense, apenas por umas escassas horas, ter falhado mais esse encontro de terceiro grau!

Ilusões


Esta é a altura do ano em que passo pelas minhas estantes e vou selecionando os trinta e tal livros que vou levar para a praia, dos quais, intimamente, sei de ciência certa que não vou conseguir ler mais do quatro ou cinco (e isso em anos bons).

Malta progressista!

 


segunda-feira, julho 11, 2022

Hubert

Foi no dia 1 de maio de 2017. Apanhei o taxi em Orly. Ao final de uns minutos, eu já estava arrependido de ter puxado conversa. Ele era do Haiti, negro, vivia em França desde os anos 90, tinha aquele francês caribenho macarrónico. Comecei por perguntar-lhe pelo seu país, pelo terramoto, pelas vagas migratórias para a América, Canadá e França. Vieram também os Duvalier à baila - do pai ao "baby Doc" e aos "tonton macoute" -, falámos da desilusão que foi o Aristide. Ele era democrata, contra a ditadura, falou do desvio de verbas para a reconstrução, da escassa esperança na nova solução governativa. A certo passo, dei comigo a cometer o lapso de lhe perguntar quem é que ele achava que ia ganhar a eleição francesa do dia 7. O homem começou a responder relativamente sereno, equilibrado, quase diplomático. Depois, subitamente, confessou, excitado, que ia votar Marine Le Pen. Não contestei, não disse nada, ouvi a sua litania sobre a necessidade da França sair do euro, regressar ao franco, travar a entrada de estrangeiros (!). "Com um franco comprava-se uma baguette, agora é preciso o equivalente a seis francos", sem que eu lhe perguntasse quanto ganhava então. E, de um momento para o outro, Macron passou a ser o objeto de todas as críticas. Ainda estive para perguntar-lhe se, por acaso, já tinha refletido no que poderia vir a acontecer, em caso de vitória de Le Pen, aos estrangeiros, mesmo aos que, como ele, já estavam há muito em França. Contive-me, para não atiçar ainda mais a conversa que ele empolgara. E, praticamente, "desliguei". A certa altura ouvi-o denunciar a aliança de Macron com o Hubert. Conheço relativamente bem as figuras políticas, e outras, francesas, mas não consegui chegar à personagem a quem ele se referia. O tal Hubert surgir-lhe-ia umas vezes mais no discurso, que agora era contra a "globalização", o "neo-liberalismo" e clichés assim. Eu já tinha deixado para trás a conversa. Saí do carro. Paguei. E, um segundo depois, como dizem os brasileiros, "caiu a ficha": o Hubert, esse maroto que estava conluiado com Macron, que eu não identificava, era afinal o Uber. 

No dia de hoje, o grande escândalo em França é Macron ser acusado de ter estado conluiado com a Uber. O meu taxista do Haiti era, afinal, um sábio.

(Já aqui tinha contado este episódio. Hoje, veio a propósito)

Guterres


Assisti ao nascimento deste livro. Fico muito feliz por esta, bem merecida, edição internacional. Um abraço, Filipe e Pedro.

domingo, julho 10, 2022

Mortos & mortos

Na tragédia ucraniana, para a nossa comunicação social, há mortos civis ”bons” e “maus”. Se o ataque é feito pelos russos, as vítimas são tratadas com imenso carinho mediático. Se se trata de uma ação militar ucraniana, os civis são “casualties” que estavam no sítio errado.

sábado, julho 09, 2022

quinta-feira, julho 07, 2022

Más companhias

Há causas que somos tentados a defender mas que, ao constatarmos que são apoiadas por aqueles que, em definitivo, não respeitamos e dos quais, em tudo o resto, discordamos em absoluto, acabam por nos suscitar sérias dúvidas. E ficamos incomodados por estar nessa companhia.

Boris


No imaginário coletivo, o nome de Boris remete-nos para a Rússia. Ora Boris Johnson, que há horas se demitiu da chefia do governo britânico, é hoje, com elevada certeza, uma das figuras cimeiras na demonologia de Moscovo. 

Mais papista do que o Papa no tema ucraniano, isto é, mais ferozmente anti-russo do que os próprios Estados Unidos aparentam ser, Johnson julgaria ter encontrado, nos últimos meses, na frente externa, uma espécie de elixir compensatório para a sua crescente fragilidade interna. Hoje, terá finalmente aprendido que isso nunca é suficiente.

Em 1990, Margareth Thatcher, a primeira-ministra vencedora da guerra nas Falkland/Malvinas, que insuflou o capitalismo mais liberal na City, que esmagou greves e desfez o poder dos sindicatos, que defrontou o IRA com mão de ferro, que desprezava Jacques Delors e os “federastas” de Bruxelas, mas que obteve “my money back”, conseguiu acantonar, por muitos anos, o Partido Trabalhista na bancada da oposição e veio a passear-se, ao lado dos Estados Unidos, na ribalta dos orgulhosos vencedores da Guerra Fria. 

E, no entanto, Thatcher viria a perder internamente o poder, pelo receio do Partido Conservador de que, com ela em Downing Street, as eleições legislativas seguintes fossem um desastre ou que um eventual sucesso levasse ao nome de Michael Heseltine, figura desafiadora da primeira-ministra e não grata no cenáculo dos “grandees” do partido. O cinzento John Major, que sucedeu a Thatcher sem renegar a sua herança, conseguiu ganhar a Niel Kinnock, os “tories” mantiveram a maioria e só a viriam a perder, anos mais tarde, para o trabalhismo “soft” de Tony Blair, um “labour” parecido com os conservadores e, como estes, sempre, sempre ao lado de Washington, para o bom e para o Iraque.

Agora, foi a vez de Boris Johnson. Como o irá recordar a História britânica? Talvez o seu inconfundível estilo pessoal, o seu regular desafio desrespeitoso da instituição parlamentar, a pilotagem determinada em direção ao Brexit, as “trapalhadas” na gestão da pandemia e o empenhamento denodado na causa da Ucrânia. Contudo, o juízo da História far-se-á também à luz da capacidade que vier a ser demonstrada pelo seu sucessor.

Nada estará mais distante da caricatura de um “gentleman” britânico do que a figura física de Boris Johnson, embora a bizarria na atitude e a irreverência também façam parte desse mundo de eleitos, saído de Oxbridge, da aristocracia ou do sucesso. Cultivando um claro culto pela figura de Winston Churchill e pela imagem atrativa da heterodoxia comportamental deste, Johnson procurou recriar-se numa espécie de líder de novo estilo, para o século XXI, prenhe de posturas incomuns e modos idiossincráticos que o distinguiam dos seus pares do sistema político. 

Cultivava uma atitude deliberadamente diferente, um pouco “latina” ao seu modo, e isso ter-lhe-á permitido captar fortes simpatias no eleitorado conservador, que ele pensava poder manter como eterno escudo protetor, garantindo-lhe uma menor dependência da pressão do “establishment” formal que o rodeava. Muito inteligente, brilhante mesmo, jornalista de talento, tinha como medalha não despicienda o facto de ter dirigido o “The Spectator”, a revista conservadora que é um expoente de indiscutível qualidade jornalística. A sua autoconfiança acabou por traí-lo e afastá-lo progressivamente da realidade. Sai agora, aos ombros de si próprio.

O modo como Boris Johnson lidou, ao longo dos anos de poder, com as instituições parlamentares, surpreendeu pelo aberto desprezo por muito dos seus formalismos, que temos por identitários daquele país, o que será tanto mais estranho se pensarmos que isso emanava do líder de um partido conservador - supostamente mais empenhado na preservação dos “basics” do regime. Se nos lembrarmos ainda da instrumentalização, quase obscena, que fez da Câmara dos Comuns, das mentiras que aí procurou disfarçar e impor, com imenso desplante, fácil é concluir que estivémos perante o líder que, na história contemporânea, mais colocou em causa a preeminência do parlamento no centro da vida política britânica. Em muitas ocasiões “económico com a verdade”, para usar uma expressão clássica, Johnson dava ares de querer usufruir de uma espécie de inimputabilidade política. Durante muito tempo, reconheça-se, conseguiu levar a sua avante.

Os ingleses ficaram a dever o Brexit apenas a si próprios, à conjugação pontual mas democrática da sua vontade maioritária, de natureza muito diferente e até contraditória, potenciada por uma agenda de medos e de mitos, que conduziu à sua saída da União Europeia. Mas Johnson teve, nesse processo, um papel relevante. Depois de ter sido um defensor da permanência na Europa de Bruxelas, o que entretanto procurou fazer esquecer, fez um volte-face e acabou por estar no centro da operação em direção à saída, manejando, sem pudor, mentiras e distorções da verdade, a caminho desse “opt out” final, que consagrou, em rotura, a postura de parceiro relutante que Londres sempre havia sido desde a sua adesão. Será muito pelo saldo do Brexit, pelo que dele vier a resultar para o destino do Reino Unido - com o futuro da Escócia e da Irlanda do Norte aí incluído -, que o nome de Boris Johnson virá a ser recordado no futuro.

Como todos os seus pares pelo mundo, Johnson teve de enfrentar a crise pandémica. Tal como muitos outros, navegou em ziguezagues, sempre naquele estilo afirmativo de quem é capaz de ter, com a mesma cara e sem assunção dos erros, uma atitude diferente, às vezes mesmo oposta, daquela que havia sido assumida na véspera. Os ingleses não terão perdoado a Johnson, em particular, o facto de ter permitido, e ele próprio praticado, comportamentos desviantes dos cuidados e exigências que ia impondo ao país. A assunção parcial de culpas não foi suficiente para disfarçar a complacência e a dualidade de critérios de que usou e abusou. A perda de popularidade de Boris Johnson terá começado precisamente aí. 

Johnson movia-se bastante bem no cenário transatlântico. De inicio, Donald Trump não o apreciava e, em especial, desprezou a invocação da “special relationship”, uma ligação que Londres cultiva sempre com um zelo que, do outro lado do Atlântico, não é, necessariamente, praticado da mesma forma. Salvo quando isso dá jeito aos Estados Unidos, como se viu em várias conjunturas históricas. Johnson foi agora útil a Joe Biden, titulando, na Europa, o brado jingoísta, com laivos de nova Guerra Fria, com que o América reagiu à agressão russa da Ucrânia. Fica a sensação de que, se dependesse da vontade de Johnson, a Ucrânia estaria já a caminho de ser membro da NATO. Os elogios e agradecimentos de Zelensky não deixam margem para dúvidas: perdeu um amigo na comunidade internacional. Mas nada indica que, no essencial, o sucessor de Johnson venha a pôr minimamente em causa o apoio britânico à luta da Ucrânia.

E a União Europeia? Ao pôr em causa a palavra do Reino Unido no compromisso do Brexit, anunciando opor-se àquilo que tinha assinado com Bruxelas, no tocante ao estatuto da Irlanda do Norte no Mercado Interno, Johnson estava a mostrar uma face que não honrava o bom nome de Londres na vida internacional. Estará o seu sucessor disponível para corrigir esta atitude? Por aí veremos quanto das sequelas ácidas do Brexit derivavam do caráter pessoal do primeiro-ministro ou, afinal, decorrem da matriz comportamental dos conservadores no poder.

Esse poder será até quando? As eleições legislativas estão previstas para 2024, e dificilmente serão antecipadas. 

Os trabalhistas, que mostram um recuperação sensível de apreço público, são, por estes tempos, chefiados por Keir Starmer, uma face moderada que se distingue, em muito, do anterior líder, Jeremy Corbin, cuja permanência à frente do “labour”, pelo radicalismo que afirmava, era uma espécie de seguro de vida para os conservadores. Cabe a Starmer tentar cavalgar o descontentamento que os efeitos cumulados das consequência económicas negativas do Brexit, dos efeitos disruptores derivados da crise pandémica, das consequências das sanções à Rússia e do investimento militar maciço podem vir a ter na opinião pública e votante. E cabe ao sucessor de Johnson mostrar que a continuidade pode, no essencial, trazer vantagens, que os conservadores têm respostas, em matéria de políticas públicas, para os sinais de recessão que alguns vislumbram. Finalmente, caberá à rainha nomear o seu 15° primeiro ministro, neste que é o 70° ano do seu reinado.

(Publicado no site da CNN Portugal)


quarta-feira, julho 06, 2022

Um prédio na memória


Fui esta manhã ao edifício que a imagem mostra, por motivo de trabalho. Ainda é, no estilo, um belo prédio, hoje ocupado pelo Ministério da Defesa. Foi construído para alojar o Ministério do Ultramar. Em 1974, passou a ser o Ministério da Coordenação Interterritorial. Foi também sede do efémero Ministério da Cooperação e veio a alojar o Conselho da Revolução, antes de passar a ser, nas últimas décadas, a “casa“ da Defesa.

Ao percorrer aqueles corredores forrados a madeira, tive a contida tentação de tirar uma fotografia ao cenário interior. É que trabalhei por ali, em 1975 e 1976, no então Gabinete Coordenador para a Cooperação, gerado na Comissão Nacional de Descolonização, da Presidência da República. O meu simpático gabinete tinha um imenso quadro de Malangatana. 

Mas a historieta que aqui trago é outra.

A alguns que andaram no Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina, no final dos anos 60 e na primeira metade dos anos 70, não são estranhos os episódios que, por essa época, me opuseram ao diretor da Escola, que veio a suceder a Adriano Moreira, após Hermano Saraiva, sob ordem de Marcelo Caetano, ter inventado um pretexto para afastar do cargo o incómodo antigo ministro do Ultramar. 

Quem era o cavalheiro? Não interessa, foi uma pessoa, “de cuyo nombre no quiero acordarme”, como escreveu Cervantes para um certo lugar da Mancha, no início de “El Quijote”. E que peço que ninguém refira o seu nome nos comentários, para não poluir este espaço.

Tratou-se de uma meticulosa perseguição pessoal. Começou por cinco “chumbos” consecutivos na prova escrita da disciplina de que aquele professor também era titular, precisamente a última que me faltava para acabar o curso, onde eu nunca tinha falhado um único exame. Abespinhou-se por eu ter contestado, cara a cara, a primeira reprovação. Somou-se a isso um processo por “indisciplina académica”, com a interdição prática da minha entrada nas instalações, por três anos. Culminou com informações escritas ao Ministério da Educação sobre o meu caráter de “agitador contumaz” (como citações de frases minhas, em intervenções públicas) que conduziram ao impedimento da minha tomada de posse como dirigente eleito dos estudantes. 

A minha vida mudou. Concorri a um banco, passei a aluno ”voluntário”, sem poder assistir a aulas, fazendo apenas as “frequências” e os exames finais, estes sempre com idêntico resultado. E, dois anos mais tarde, fui para a “tropa”, onde o 25 de Abril estava à minha espera.

Mesmo no quadro da ditadura, a situação dos meus “chumbos” consecutivos (época normal, época de outubro, época especial de janeiro, para última cadeira em falta), sendo “aluno de 14”, foi considerada tão estranha que o Ministério da Educação mandou instaurar um inquérito. O mesmo foi enviado, para lhe ser dada a devida sequência, ao diretor da faculdade, que era, nada mais nada menos … o próprio professor! Engavetou o assunto, sem lhe dar o menor seguimento, até ao 25 de Abril.

Com a Revolução, tudo se resolveu, num ápice. Fui chamado ao sub- diretor-geral do Ensino Superior do Ministério da Educação, que me propôs ser-me “dada”, por decisão oficiosa, a cadeira em falta, com a nota da média do resto do curso. Recusei. Fiz o exame (com outro professor, claro), acabei o curso e pude concorrer ao MNE.

Um dia, um ano e tal mais tarde, já diplomata, fui chamado à entidade, que funcionava no edifício de que hoje aqui falo, onde, ao que então soube, estava a ser preparado o “saneamento” do cavalheiro. Queriam que eu testemunhasse contra ele. O meu caso, por tão escandaloso, era uma das peças centrais do processo. Recusei. Disse que não o fazia, que não pretendia vingar-me. Ou melhor, que a minha vingança já estava feita: tinha sido o 25 de Abril.

Acabada a conversa, passei ao átrio central do andar (seria o quarto andar, diz-me a memória) e chamei um elevador. A porta abriu-se. À minha frente, saiu precisamente a tal personagem, que devia ir ali prestar declarações. Viu-me e hesitou um segundo. Deve ter pensado que lhe tinha acabado de ”fazer a folha”. Olhei-o bem de frente e fiz, deliberadamente, um largo sorriso. De imenso desdem.

Na manhã de hoje, lembrei-me da cena. E gostei do que fiz naquele dia.

terça-feira, julho 05, 2022

Sérgio Rouanet


Morreu Sérgio Rouanet, intelectual brasileiro que foi autor da célebre “Lei Rouanet” sobre o mecenato cultural, que subscreveu em 1991, ao tempo em que era ministro da Cultura, no governo de Collor de Mello. Jair Bolsonaro reformulou, entretanto, esse instrumento de apoio à atividade cultural, de um modo que, segundo leio, anulou muito dos seus efeitos.

Conheci Sérgio Rouanet e a que então era sua mulher, Bárbara, durante um belo almoço, em casa de um grande amigo comum, em Tiradentes, no estado de Minas Gerais, no Brasil. Éramos uma dúzia de pessoas, algumas que antes não se conheciam entre si. 

Rouanet era uma figura de uma inteligência fascinante, muito bom contador de histórias. Era uma personalidade muito respeitada no Brasil. Diplomata de carreira durante décadas, foi embaixador e teve um posterior percurso académico e político.

Entre os convivas desse almoço, estava um jovem brasileiro, trazido por alguém, que claramente estava um pouco fora daquele “baralho”. A certo passo, fiquei com a nítida impressão de que a sua atenção estava muito concentrada no que dizia um outro conviva, um religioso.

Numa pausa, consumando a curiosidade que visivelmente o estava a alimentar nos últimos minutos, o tal jovem perguntou ao religioso:

- Você, há pouco, disse que era dominicano. Como é que, sendo dominicano, fala tão bem português?

Toda a sala se olhou, incrédula: o rapaz, ao ouvir o religioso dizer que era dominicano, tinha achado que ele era oriundo da República Dominicana, onde se fala espanhol.

Porque a situação era socialmente constrangente, todos engolimos as gargalhadas que tínhamos vontade de dar. Todos, não. A mulher de Sérgio Rouanet, uma socióloga nascida na Alemanha, que até aí se tinha mostrado muito pouca expansiva em todos os seus comentários, não aguentou o ridículo que estávamos a viver e lançou um sonoro “Não é possível!”, somado a uma imensa gargalhada. O resto dos convivas foram mais caridosos e apenas sorriram.

O religioso, que era, nem mais nem menos, uma grande figura da história da luta armada contra a ditadura militar brasileira, não perdeu a oportunidade para lançar mais uma acha para a fogueira do ridículo em que o jovem, tão brasileiro como ele, se tinha metido. E respondeu-lhe:

- Aprendi no convento…

Acima e abaixo


Conheci, há muitos anos, um velho embaixador que tinha uma máxima: “If you are not one point up, you are one point down” (se você não ficar um ponto acima, você ficará um ponto abaixo). Contava-me ele que nunca dizia a ninguém que se sentia doente: “Nunca revele a outra pessoa que lhe dói a cabeça ou está indisposto. Na maioria dos casos, a pessoa com a qual você está a falar está saudável e, no instante em que você confessa a sua doença, ele fica logo numa situação de superioridade”.

Nunca tinha pensado nisso e achei bizarríssimo o lema, o qual, na realidade, parece ser, em si mesmo, um sintoma de inferioridade. Eu, mesmo que o tentasse seguir, nunca o conseguiria: sendo hipocondríaco, falar das minhas doenças é um hóbi que, às vezes, não dispenso… mesmo que, por essa razão, me arrisque a ficar logo um ponto abaixo de alguém que, “são como um pero”, me esteja a ouvir!

segunda-feira, julho 04, 2022

Outra Rússia em Paris

 

Em Paris, encontra-se um pouco de tudo. Porém, uma casa como a que a imagem mostra, não é muito vulgar. Fui um dia convidado para lá jantar, pelos proprietários, que então nos explicaram que se trata de uma casa (uma "isba”) que fazia parte do imenso pavilhão da Rússia na Exposição Universal de Paris, em 1867, e que foi reconstruída naquele local em 1872. 

Como é do tempo do czars, estou certo que os leitores mais sensíveis não levarão a mal esta evocação, mesmo nos dias que correm. Por que a faço? Muito simplesmente, porque acabo de encontrar, numa papelada antiga, o menu desse jantar, de que a imagem é a outra face. E, por uma vez, não me importo de dar a outra face...

Espantoso !

Alguém acredita que, em 53 anos, dezenas de governos tenha sido incapazes de optar, em definitivo?

Alcochete
Alverca
Fonte da Telha
Montijo
Ota
Porto Alto
Rio Frio
Sintra
Tancos

domingo, julho 03, 2022

PPDeles

“Chapeau”! Montenegro surpreende, pela positiva, ao apresentar uma lista agregadora, evitando deixar de fora muitos dos seus possíveis rivais no futuro. Vão ser muitos “galos” na mesma capoeira? Talvez. Problema: a grande fragilidade do grupo parlamentar.

Amesendação

 


sábado, julho 02, 2022

Cufusões


”Eu, nesse dia, estava na CUF e não podia sair”, ouvi um amigo dizer, na sexta-feira, do outro lado da mesa, durante um almoço com várias pessoas. 

Naquele instante, eu tinha-me distraído do episódio que ele relatava, pelo que pensei para comigo: “Esteve doente e não nos disse nada, coitado”. 

Segundos depois, percebi: tinha sido engenheiro na velha CUF, a empresa industrial. 

Uma confusão que é, em si mesma, um sinal dos tempos!

Guerra

O pior da guerra da Ucrânia está para vir. Não ousando recorrer ao nuclear tático, a Rússia vai intensificar ações ofensivas à distância. Alguma imprecisão deste tipo ataques e o óbvio uso de instalações não militares pelos ucranianos redundará em cada vez mais vítimas civis.

sexta-feira, julho 01, 2022

Para dentro ou para fora?

Em 1971, a propósito de J. Edgar Hoover, o presidente Lyndon Johnson proferiu uma célebre frase: “It’s probably better to have him inside the tent pissing out, than outside the tent pissing in”.

António Costa será um seguidor de Johnson?

quinta-feira, junho 30, 2022

Há 10 anos: Elvas Património Mundial


Aprendi que a arte da diplomacia é, muitas vezes, o saber aproveitar as oportunidades. 

A história que me proponho contar tem precisamente 10 anos. Foi no fim de junho de 2012, em São Petersburgo, na reunião anual do Comité do Património Mundial da UNESCO, organização onde eu era, desde janeiro desse ano, o embaixador português, acumulando com o cargo de embaixador em Paris.

Na agenda que o governo português de então me tinha encarregado de defender nessa sessão, que durou vários dias, havia um único ponto: garantir que o Comité acedia ao nosso pedido do envio de uma nova missão a Portugal, para avaliar se as obras da construção da barragem de Foz-Tua estavam conformes com o estatuto de Património Mundial do Alto-Douro Vinhateiro. Uma anterior missão da UNESCO suscitara essa dúvida e fizera recomendações que Portugal se comprometera a seguir. Nessa reunião na Rússia, depois de muito trabalho, ficou aprovada a ida de uma nova missão. 

Mas a minha tarefa em São Peterburgo não ia acabar aí. 

A cidade de Elvas tinha apresentado, tempos antes, um processo de classificação como Património Mundial, que envolvia a cidade e as suas fantásticas muralhas. 

Em Paris, o parecer da UNESCO fora, contudo, muito claro: a questão necessitava de mais algum tempo, havia pontos a corrigir, muito em especial algumas mudanças deveriam ter lugar antes de Elvas ser "elevada" pela organização ao desejado estatuto. 

Em Lisboa, a Comissão Nacional da UNESCO ecoava essas razões: o processo tinha ainda algumas falhas que tornavam muito pouco provável a classificação da cidade; tanto mais que, na mesma reunião, se ia discutir o caso do Douro, a que o governo dava elevada prioridade. Lisboa considerou assim que, nesse ano de 2012, o caso de Elvas não era prioritário no nosso esforço diplomático.

Coube-me a mim a ingrata tarefa de tentar dissuadir o presidente da Câmara de Elvas, num complexa e tensa conversa telefónica, da sua ideia de enviar a São Petersburgo uma numerosa delegação em apoio às pretensões de Elvas. Não foi fácil travá-lo! Cheguei a ameaçar com a não acreditação da deputação elvense! E pedi ao presidente Rondão Almeida que reduzisse a representação de Elvas a ... uma única pessoa!

Essa pessoa devia ter uma qualificação técnica para me ajudar, se acaso eu entendesse que havia alguma hipótese residual de explorar o assunto. Mas expliquei, bem explicado, que o caso de Elvas não estava nas nossas prioridades nesse ano, embora a experiência que essa pessoa pudesse vir a retirar da observação dos trabalhos do Comité lhe pudesse vir a ser muito útil... provavelmente no ano seguinte. Foi o bom e o bonito, mas tudo se fez como eu pedi.

Chegado a São Petersburgo, passei a totalidade dos primeiros dias a tratar do caso do Douro, como o governo insistentemente me pedia. Fi-lo quase sem abandonar as instalações da antiga Duma, que ainda mantinha a estrutura de madeira de que eu conhecia bem das fotografias em que Lenine surge a ali dirigir a revolta de 1917. O problema do Douro resolveu-se. 

E Elvas? Pelos corredores, andava o representante enviado por Elvas, o professor universitário Domingos Bucho, principal responsável pelo dossiê de candidatura da cidade a Património Mundial. Com a restante delegação já com o essencial da agenda concluído, os dois lugares da delegação portuguesa passaram a ser ocupados por mim e por ele. E foi assim que, durante horas e dias, vimos aprovados pelo Comité algumas candidaturas, rejeitadas outras, com Elvas a ir ficando para o fim.

O professor Domingos Bucho não se conformava que Elvas não tivesse uma "chance". A Comissão Nacional da UNESCO, cujos membros estavam em São Petersburgo, recomendava-me que não tentasse contrariar a vontade da organização, que abertamente era desfavorável à classificação das fortalezas da cidade. Mas, numa manifestação de confiança profissional, deram-me mãos livres para eu atuar como entendesse melhor - embora o tivesse de fazer por minha conta e risco... 

Com a passagem do tempo, fui-me convencendo que talvez valesse a pena fazer algumas "démarches", para medir o pulso ao Comité. Eu já os havia "explorado” até ao limite por virtude do Douro e, em alguns casos, a boa vontade dos meus colegas do Comité tinha sido inexcedível, pelo que voltar a pressioná-los era complicado. Ter um segundo “interesse nacional” aprovado na mesma sessão do Comité era pouco vulgar, seria quase um "milagre". 

Porém, a certa altura, tive a intuição de que valia a pena correr o risco de uma derrota. E, com o professor Domingos Bucho como suporte essencial, preparei uma abordagem tática.

Tudo passava por conseguir que me fosse dada a palavra, aquando da apresentação do caso pela UNESCO, contando depois com uma ou duas vozes no Comité, que ecoassem as nossas razões. E assim aconteceu. 

Uma responsável da UNESCO mostrou o caso de Elvas, explicou que havia "nove razões" (em especial três) pelas quais, infelizmente, a cidade não poderia ganhar o estatuto de Património Mundial nesse ano e preparava-se já para passar adiante e a outro caso quando um dos delegados, por mim previamente sensibilizado, inquiriu junto da mesa porque que razão não se pedia ao representante de Portugal para comentar o que fora dito. Portugal não era membro do Comité. Só podíamos falar se para tal fôssemos convidados.

A presidente da mesa, a embaixadora russa, anuiu e passou-me a palavra. Convém começar por dizer que a leitura do relatório (negativo) havia sido acompanhada por fotografias da cidade e das suas muralhas, que haviam sido por nós fornecidas, e que tinham uma qualidade e uma beleza impressionante. 

Quando tomei a palavra (o YouTube mostra, “ao vivo e a cores”, essa parte da sessão), bem habilitado tecnicamente pelo professor Domingos Bucho, procurei "desconstruir" algumas dessas observações, os três pontos que considerei "menores" e que Portugal se comprometia a resolver rapidamente. 

Amigos no Comité, previamente apalavrados, fizeram coro com o que eu disse e um deles, o delegado do Japão, um embaixador e um país com peso dentro da UNESCO, perguntou por que razão o caso de Elvas não ficava resolvido logo ali. Se o governo português, como eu afirmara, se comprometia a resolver os pontos pendentes, essa seria a solução mais sensata. O meu colega francês viria a reforçar esse pedido. Os colegas do Senegal, da Colômbia e do México vieram em nossa ajuda.

A situação tinha, contudo, foros de ineditismo. Não havia nenhum "draft" de Resolução preparado para ser votado, condição "sine qua non" para poder haver uma decisão do Comité. A presidente russa da sessão queria ser simpática connosco, mas não sabia como resolver a questão. Alguém sugeriu que se improvisasse uma Resolução. Vi a fúria na cara dos representantes da UNESCO, que pressentiram o terreno a fugir-lhe por debaixo dos pés: para eles, Elvas deveria, inexoravelmente, passar para o ano seguinte.

Foi então que a "rapporteur" (não sei se se diz "rapporteuse" ou "rapportrice"...) tomou a palavra e disse que, uns anos antes, tinha havido um caso similar e tinha-se improvisado um projeto de Resolução. E, para grande surpresa de todos, ela própria entregou à presidente da sessão um projeto de texto, rapidamente redigido.

(Faço aqui um parêntesis para contar que, na véspera, à saída da sessão, eu havia dito àquela simpática jovem costa-riquenha: "Parabéns! Tem feito um trabalho notável. Já chefiei comités na ONU e, devo confessar-lhe, nunca vi alguém fazer de "rapporteur" com a qualidade com que você o faz". Disse-lhe isso sem o menor pressentimento de ela nos pudesse vir a ser útil, apenas num elogio profissional muito sincero. Mas não duvido que possa ter criado uma boa vontade que nos iria ser inesperadamente útil). 

A sala estava suspensa, os responsáveis da UNESCO, que haviam perdido a questão de mão, estavam a "rezar" para que algum dos 21 delegados suscitasse uma objeção que pudesse contrariar aquela deriva. Ninguém o fez, nem mesmo a delegada alemã, que muito fundamentalista se tinha mostrado no caso do Douro, talvez travada por essa mesma razão. E, 30 segundos depois, por unanimidade do Comité, Elvas passava a ser Património Mundial!

O resto já se presume. Dei um abraço ao professor Domingos Bucho, muitos diplomatas pela sala vieram cumprimentar-nos, e a delegação portuguesa foi comemorar. 

Em Elvas, a cidade entrou em merecida festa, com foguetório pela noite dentro. Menos de um ano depois, por lá fui, com o professor Domingos Bucho, receber a medalha de ouro da cidade, enterrando definitivamente o "machado de guerra" com o presidente Rondão Almeida. 

No dia de hoje, Elvas pode comemorar uma década de Património Mundial.

A carta da Líbia


Naquela segunda metade da década de 70, as relações entre Portugal e os países árabes iam de vento em popa. Os mercados árabes, diluídas que estavam as anteriores reticências políticas face a Portugal, no pós 25 de abril, mostravam-se um terreno promissor de negócios para os empresários portugueses.

Como jovem diplomata, eu era então secretário de um grupo de trabalho com o nome pomposo de CICEPMOM (Comissão Interministerial para a Cooperação Económica com os Países do Médio Oriente e do Magrebe), criado, em 1976, pelo ministro Melo Antunes, presidido pelo engenheiro José Torres Campos e integrado por uma meia dúzia de pessoas, entre as quais um engenheiro que dava pelo nome de António Guterres, ainda mais jovem do que eu. 

A Líbia era um desses novos horizontes de trabalho económico externo. O MNE tinha-me mandado lá por duas vezes.

Um dia, algures no segundo semestre de 1978, na velha "EAA" (repartição da África e Ásia da DG dos Negócios Económicos), onde trabalhava, fui chamado ao telefone ("ó doutor, é um inglês para si!", berrou, lá de dentro, uma das senhoras do "apoio"). 

Quem me falava, do aeroporto de Lisboa, não era “um inglês”, mas um diretor-geral do Ministério dos Municípios líbio, que eu havia conhecido, nas minhas viagens a Tripoli. O meu interlocutor disse-me que era portador de uma carta do titular do Ministério dos Municípios líbio para o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros, que já era então José Medeiros Ferreira, que entretanto tinha substituído Melo Antunes. Trazia instruções para fazer entrega pessoal da missiva. Ambos se tinham conhecido numa visita a Lisboa, no ano anterior.

Contactado o gabinete do ministro, fiquei a saber que Medeiros Ferreira tinha partido, na véspera, para Nova Iorque, a fim de assistir à Assembleia Geral das Nações Unidas. E que - curiosamente! - iria encontrar-se naquela cidade, no dia seguinte, com o ministro líbio, mas dos Negócios Estrangeiros. Nestas condições, que significado poderia ter uma carta, enviada por intermédio de um correio personalizado, subscrita por um outro ministro líbio - aquele por quem passavam os principais contratos que as empresas portuguesas estavam prestes a assinar com as autoridades do país? Era urgente clarificar o assunto.

O chefe (interino) do gabinete do MNE, na ausência do Eduardo Paz Ferreira, era o meu colega Carlos Neves Ferreira. Cedeu-me um carro do gabinete para eu ir buscar o diretor-geral líbio ao aeroporto. Levei-o ao “terceiro andar” das Necessidades, onde o Carlos lhe explicou que o nosso ministro já estava em Nova Iorque. Mas prometeu que lhe daria conta, de imediato, da mensagem do ministro dos Municípios líbio. Embora um pouco desapontado por não ter levado a missão a termo de forma personalizada, como lhe fora indicado, o meu conhecido líbio entregou a carta, que vinha em envelope fechado. Acompanhei-o de volta ao aeroporto, de onde partiu para Madrid. Dei o assunto por encerrado, no que me respeitava.

Puro engano. Regressado às Necessidades, fui, de novo, chamado ao gabinete do ministro, onde me foi exposta uma dificuldade, que eu tinha de encontrar maneira de superar: a carta estava escrita em árabe! Era necessário traduzi-la - e com urgência. Eu que me desenvencilhasse, como pudesse.

Com a "criança nos braços", com Nova Iorque à espera de novidades, não sabia bem como proceder. Não conhecia, em Lisboa, nenhum falante de árabe em quem pudesse ter confiança! Tinha alguns conhecidos em embaixadas de países árabes, tinha mesmo uma boa relação com o chefe da comunidade muçulmana, Suleiman Valy Mamede, mas a Líbia era já, à época, um país fora do "mainstream" político do mundo árabe, pelo que não podia correr o risco de colocar em mãos adversas uma informação que, pela urgência e pela forma como nos fora transmitida, teria, seguramente, alguma importância e delicadeza.

Foi então que me lembrei que, nos meus tempos de universidade, tinha conhecido um especialista em língua e cultura árabe, o professor Dias Farinha. Descobri-o pela lista telefónica e fui visitá-lo a casa, numa das torres do Restelo. Expliquei-lhe o nosso embaraço oficial e o pedido de urgente ajuda que lhe formulávamos. A resposta foi menos direta do que eu pensava: a sua especialidade era o árabe clássico, pelo que precisava de algum tempo para, com apoio de dicionários, "trabalhar" o texto, embora ele não fosse demasiado extenso.

Ao final dessa tarde, regressei a casa de Dias Farinha. E foi então que constatei, pela tradução feita, que a carta era, nem mais nem menos, um montão de banalidades e lugares-comuns, de formulação de votos pelo prosseguimento das boas relações que eram mantidas entre os setores técnicos, nas áreas onde Portugal se preparava para atuar na Líbia, notas sobre a grande importância que Tripoli atribuía a um entendimento cada vez mais profundo com o nosso país, etc. Enfim, tudo "langue de bois". 

Eu estava siderado, e, claro, preocupado. Inquiri do professor Dias Farinha se, de facto, ele estava bem seguro de que a carta não era mais do que "aquilo", se não havia alguma mensagem subliminar ou se, afinal, eu podia assegurar ao meu ministro que o texto era, como se constatava, mera "conversa fiada". O especialista garantiu-me que sim.

Regressei às Necessidades, informou-se a nossa missão na ONU e, lá em Manhattan, o ministro português deve ter concluído, shakespeareanamente, sobre o alarme dos seus colaboradores em Lisboa: "much ado about nothing".

A historieta não acaba aqui. 

Em 2001, quando fui representar Portugal na ONU, ao cumprimentar o meu colega líbio, julguei nele reconhecer uma cara familiar: era o antigo ministro líbio dos Municípios, de seu nome Abuzaid Dorda. Nada mais nada menos que o subscritor da carta que tanto trabalho me havia dado. Tornámo-nos amigos. 

Dorda teve um futuro complicado: foi chefe da polícia secreta de Kaddafi, seria detido e severamente torturado depois da queda deste e passou oito anos preso. Morreu há semanas, no Cairo, li agora.

Por que é que me lembrei disto? Porque o meu interlocutor no gabinete do ministro, na historieta que aqui deixo, o meu colega Carlos Neves Ferreira, cumpre amanhã 80 primaveras e, com ele, no sunset de Sintra, tenciono beber à sua saúde uma champanhola das sérias. E lembrar os velhos tempos em que éramos um pouco mais novos.

Bye bye Biden?


Allan Katz, antigo embaixador americano em Lisboa, na administração Obama, publica na Newsweek um artigo apelando a que Joe Biden anuncie que não concorrerá a um segundo mandato. 

Na perspetiva de Katz, a crescente impopularidade de Biden, somada a outros fatores, iria facilitar uma vitória de Trump.

Vale a pena ler o artigo. Aqui.

quarta-feira, junho 29, 2022

Quem é amigo, quem é?

Bem vistas as coisas, António Costa parece ir prolongar, com Luís Montenegro, a “aliança“ implícita que algum PSD desconfiava que ele mantinha com Rui Rio. Ao anunciar a polémica decisão sobre os aeroportos, precisamente nas vésperas do congresso do PSD, Costa oferece ao novo líder, de bandeja, um um oportuno “cavalo de batalha”. Quem é amigo, quem é?

Da paz


Acabei de ler, há minutos, um livro bem recente, muito interessante e informativo: “À Conquista da Paz - do Iluminismo à União Europeia”, da historiadora britânica Stella Ghervas. 

Deixo-lhes o último parágrafo do texto.

terça-feira, junho 28, 2022

Princípios para a gaveta

É extraordinário - e histórico - o recuo da Suécia e da Finlândia, em matéria de princípios, para conseguirem ultrapassar o veto da Turquia à entrada para a Nato. Há coisas que ainda nos surpreendem.

segunda-feira, junho 27, 2022

Uma aventura na escrita


Um dia, vai para meio século, Carlos Eurico da Costa, que dirigia a empresa publicitária Ciesa-NCK, setor que atravessava tempos difíceis e que então se tentava reinventar, sabendo-me um compulsivo leitor de imprensa, por me ver comprar resmas diárias de jornais, fez-me um desafio: não estaria eu disposto a redigir um boletim semanal, onde registasse os principais factos da atualidade política portuguesa, sublinhando - e essa era a novidade - o modo como os diferentes órgãos da imprensa escrita os tinham analisado ou sobre eles tinham opinado? A ideia era simples: descrever os factos e as figuras nele relevantes através do olhar da diversa imprensa.

Segundo a sua perceção, haveria um mercado potencial para esse produto, nas embaixadas e empresas estrangeiras, que viviam um pouco perdidas e aturdidas, nesse período pós-Revolução, em face da variedade política e ideológica da época, para conseguirem identificar o que se passava de realmente importante e estabelecer o quem-é-quem das figuras públicas que emergiam e de que então se falava. O estilo da escrita tinha de ser absolutamente neutro, independente. O rigor nessa análise era essencial, para justificar a compra, até porque a assinatura não seria barata (se um produto dessa natureza fosse barato, ninguém compraria…)

“Nada melhor do que um diplomata para redigir uma coisa assim!”, disse-me o Carlos. É que eu já era então diplomata, desde há algum tempo. Confesso que me atravessaram algumas interrogações sobre se aquele tipo de trabalho era compatível com o que eu desenvolvia nas Necessidades. Mas era evidente que nada daquilo que eu fazia, no meu dia a dia profissional, se confundia com a política interna portuguesa que me era proposta como objeto de uma análise factual, através da nossa imprensa.

Aceitei o desafio. O Carlos era meu primo e tínhamos uma relação muito próxima. Já me tinha conseguido um emprego, em “part-time” bem matutino, na Ciesa-NCK, logo após o 25 de Abril, ao tempo que eu fazia serviço militar, tarefa que tinha abandonado quando entrei para o MNE. Eu regressaria assim à colaboração com a empresa.

Demos ao boletim o nome pouco criativo de “Análise da Informação”. “Tem de ter uma designação sóbria, profissional”, decidiu o Carlos Eurico, que “sabia da poda”, quer da informação quer da vida empresarial.

Sob o ponto de vista financeiro, a compensação não era grande, mas ajudava-me a compor o baixo salário de um diplomata em início de carreira. Como tarefa e em termos de ocupação de tempo, o exercício veio, contudo, a revelar-se um “inferno”: deixei de ter os fins de semana livres, o vizinho do andar de baixo veio queixar-se de que o debicar na minha Olivetti portátil não deixava dormir o filho recém-nascido, a minha mulher queixava-se de que não tínhamos o menor tempo para nada. E eu andava cada vez mais estourado! 

Creio que aguentei aquilo, sozinho, cerca de dois meses. Um dia, disse ao Carlos que não podia continuar. Tinha de encontrar outra pessoa para executar o trabalho.

O Carlos, que não era pessoa para se atemorizar com os contratempos, teve logo uma ideia. Se eu não aguentava a “barra” sozinho, criava-se uma equipa. Mas insistia que eu ficasse nela, com “um terço do trabalho”. E ganhando o mesmo. Foi então que me dei conta de que o projeto tinha começado a ter sucesso, que havia cada vez mais clientes, e que, porventura, não estaria mesmo a ser pago à altura do que produzia. Mas de nada valia queixar-me do passado.

Dias depois, o Carlos trouxe a solução. Para a coordenação, ia o José Silva Pinto, um dos jornalistas fundadores de “O Jornal”. O terceiro redator, por sugestão do José Cardoso Pires, seria Francisco Vale, que hoje dirige a editora “Relógio de Água”, e que eu já conhecia de tempos comuns no Teatro Universitário do Porto. Em alguns momentos, a “Análise”, nas nossas férias, viria a ter a colaboração do Manuel Beça Múrias e do Carlos Cáceres Monteiro, ambos pertencentes ao “dream team” de “O Jornal”.

O pagamento continuava a não ser muito elevado, mas o Carlos introduziu-lhe uma novidade apelativa: o nosso salário ficava indexado ao número de exemplares vendidos. Ele comprometia-se a dar-nos conta mensal do andamento do negócio. E ele era um homem de contas certas, como nós sabíamos.

Passaram uns meses, Um dia, o Carlos telefonou-me, com voz “de caso”: “Precisava de falar contigo, antes de ambos termos uma conversa com o Silva Pinto e com o Vale”. Passei por casa dele, onde vivia com a Maria Lúcia Lepecki, e fui confrontado com um ”problema”: “A Ciesa acabou de fazer um contrato que, praticamente, triplica o número de exemplares vendidos. Como é que saímos disto?”.

Imagino que os meus olhos rissem, quando lhe respondi: “Essa agora! Não há o menor problema, é bem simples: triplicas os nossos salários!”. O Carlos ficou possesso: “Estás doido! Não posso fazer isso! Por um trabalho em “part-time” vocês passariam a ganhar um dinheirão!”. Eu estava muito divertido, a rir por dentro. “Tens de me ajudar na conversa que tenho de ter com o Silva Pinto!”. Eu continuava divertido, já a gargalhar em seco…

Dois dias depois, a equipa da “Análise da Informação” era convidada pelo Carlos Eurico da Costa para almoçar no “Caramão da Ajuda”. Quando cheguei, vi que a mesa estava cheia de belas entradas. Com um bom vinho. O Zé e o Francisco ainda não tinham chegado. O Carlos alertou-me: “Vê se me ajudas na conversa”. Eu ironizei: “Por isso é que nos trazes para o Caramão… da Ajuda?”.

Lá almoçámos. Deixei a despesa da conversa para o nosso coordenador, o José Silva Pinto, com o Carlos a lançar-me olhares, na esperança que eu fizesse alguma concessão masoquista que fragilizasse a coesão do trio. É o fazes! Lá se acordou um arranjo, já não sei de que forma, para “não sairmos milionários”. Não saímos, mas tivemos um belo aumento. Por essas horas extra que fazia para a Ciesa, eu ganhava quase o dobro do que o MNE me pagava. Foi um bom negócio.

Em maio de 1979, fui colocado no estrangeiro. (Alguns amigos perguntavam-me então da razão da minha teimosa relutância em sair para um posto: aqui fica a explicação). Soube que a “Análise de Informação” continuou, por mais alguns anos.

Ontem, o José Silva Pinto, contactou-me, para refrescar a memória sobre um pormenor desses tempos. Lembrei-me de recordar hoje estes episódios da nossa aventura comum. Que ajudou a cimentar a nossa amizade.

Uma estratégia russa


The recognition of the Donetsk People’s Republic (DPR) by other countries is just an interim stage while it is more important for the Donbass republics to get integrated into Russia, Chairman of the DPR Public Chamber Alexander Kofman told TASS on Sunday.” (O reconhecimento da República Popular de Donetsk (RPD) por outros países é apenas um estádio intermédio, dado que o mais importante para as repúblicas do Donbass é serem integradas na Rússia, disse à Tass, neste domingo, o presidente da Assembleia Pública da RPD, Alexander Kofman).

Em fevereiro último, ainda antes da invasão da Ucrânia, durante uma reunião do Conselho de Segurança da Federação Russa, transmitida pelas televisões, o mundo teve oportunidade de assistir a uma intervenção de um dignitário do regime que, num evidente lapso, disse estar de acordo com a integração das repúblicas de Donetsk e Luhansk na Federação Russa. Putin, com humilhante veemência, interrompeu-o, dizendo que essa não era a questão que ali estava a ser discutida. E não era: na ocasião, tratava-se apenas de decidir se a Rússia iria reconhecer essas repúblicas, aproveitando a luz verde para tal, que antes fora dada pela Duma (parlamento). A personalidade que interveio tinha-se precipitado, mas o que disse era revelador.

A questão tem algum tempo e Moscovo não tem seguido um percurso linear para atingir o que lhe importa. 

Em 2008, na sequência da tentativa do governo da Geórgia de retomar a soberania sobre as regiões secessionistas da Abcásia (separada desde 1993) e da Ossétia do Sul (separada desde 1991), a Federação Russa interveio militarmente em favor do poder “de facto” existente em ambas e decidiu reconhecê-las,  no seu aut-atribuído estatuto de Estados independentes. O argumento foi o de que as populações russas, que, maioritariamente, vivem nesses territórios, estavam a ser atacadas ou ameaçadas. Desde então, a Ossétia do Sul, que só a Rússia e um número infimo de países reconhece como independente, tem vindo a adiar a convocação de um referendo interno para a integração plena na Federação Russa. Não há ainda nota de idêntica intenção por parte da Abcásia, que vive sob um reconhecimento internacional análogo, mas a forte tutela russa sobre esse “Estado” é muito evidente e há a convicção de que, acaso a Ossétia do Sul faça o esperado pedido integrador na Rússia, os abcazes procederão de forma idêntica.

Em 2014, duas regiões no Donbass, no Leste da Ucrânia, Donetsk e Luhansk, autodeclaram-se autónomas do controlo do governo central. O presidente do país, oriundo dessa área, havia sidi afastado por um golpe político que colocou no poder, em Kiev, um regime abertamente pró-ocidental e considerado  discriminatório face às populações russófonas do país. De forma mais ou menos discreta, o governo russo apoiou (e, muito provavelmente, estimulou), com recursos materiais e humanos, essa revolta regional. Moscovo, quiçá por razões táticas, não reconheceu então essas duas “repúblicas populares”, mas deu-lhes constante apoio, a partir de então, para a guerra de baixa intensidade que mantiveram com o regime de Kiev. 

Simultaneamente, a Rússia operou, nessa altura, na península da Crimeia, um “golpe de mão”, ocupando rapidamente a região, sob a impotência militar da Ucrânia, organizando um apressado referendo para a “independência” do território, logo integrado na Federação Russa.

Já neste ano de 2022, pretextando não ter sido concluída a autodeterminação regional prevista no Acordo de Minsk (para a regulação político-constitucional entre Luhansk e Donetsk e o poder central em Kiev, negociado sob mediação franco-alemã) e tendo-se agravado, na perspetiva de Moscovo, as ameaças às populações russas no Donbass, que correriam o risco “genocídio”, a Rússia invadiu militarmente a Ucrânia, a “convite” desses dois “Estados”, que entretanto, rapidamente reconheceu como ”Estados independentes”.

Agora, olhando o decurso da guerra e modo como ela está a decorrer, pode prever-se que um processo similar venha a suceder futuramente à região de Kherson (uma das primeiras a serem ocupadas em fevereiro, o que pode justificar-se pela importância de assegurar o abastecimento de água à Crimeia e facilitar o respetivo acesso por terra, garantido com a tomada de Mariupol). As medidas de russificação em curso, desde o uso do rublo à internet e media russos, apontam nesse sentido.

Numa perspetiva maximalista, se o avanço russo no sul da Ucrânia, para ocidente, conseguir chegar à fronteira moldava, é mais do que provável que a comunidade russa na Transnístria (zona separatista da Moldova, que dá regulares sinais no sentido de querer ligar-se institucionalmente a Moscovo) venha a pedir à Duma russa o seu reconhecimento (como sucedeu com as repúblicas do Donbass) e assim se inicie o processo para a respetiva integração na Federação Russa.

A declaração com que iniciei este texto vem dar corpo, em absoluto, àquilo que se tem ouvido de Vladimir  Putin, desde as semanas que antecederam esta guerra. A doutrina parece cristalina: as áreas da antiga União Soviética onde vivam cidadãos russos ou pertencentes a comunidades étnico-linguísticas russas, que tenham dificuldade de afirmação dos seus interesses específicos enquanto comunidade, no contexto dos novos países de que passaram a fazer parte, são vistas pela Rússia como fazendo parte da sua esfera de legítima tutela. A Rússia estimula a expressão “nacional” e a pulsão autonomista dessas comunidades, dá-lhes o rótulo de “repúblicas” e, num derradeiro passo, acabará por integrá-las na Federação Russa, estendendo-lhes depois a proteção, em especial em matéria de segurança, que lhes será conferida pela soberania russa. 

No limite, e no futuro, podemos interrogar-nos sobre se quaisquer atos de natureza militar que venham a ser empreendidos por parte dos governos dos países de que se cindiram (Geórgia, Ucrânia e Moldova), para recuperação da soberania que lhes é reconhecida pela ONU e pelo Direito Internacional, não serão interpretados por Moscovo como ações de agressão militar contra a Rússia e o seu território, com todas as consequências que daí podem derivar, em termos de resposta defensiva.

G7

Talvez com “arrière-pensées” de alguns membros, o G7 decidiu que o apoio à Ucrânia continuará, não pressionando Kiev à negociação, num momento que esta poderia dar vantagem à Rússia. O mundo desenvolvido entende que, por ora, as suas populações aguentarão os efeitos da guerra.

“A Arte da Guerra”


O próximo podcast “A Arte da Guerra”, a minha conversa semanal, de cerca de 30 minutos, com o jornalista António Freitas de Sousa, sobre temas internacionais, integrado nos suportes audiovisuais do “Jornal Económico”, só vai “para o ar” do dia 21 de junho.

Vamos entrar em três semanas de ”mais do merecido gozo de vilegiatura”, para utilizar a expressão que ”O Vilarealense”, folha informativa semanal da minha terra, há muito desaparecida, utilizava para noticiar as idas a banhos dos conterrâneos ilustres e “das suas excelentíssimas Familias”. 

Como me dizia, há pouco, um atento visualizador, a quem transmiti a nova, “está descansado que a guerra espera por ti!” Eu sei!

domingo, junho 26, 2022

Assim, não vale!


Misturar o conceito de salário médio com o valor que um diplomata tem de receber, além do seu salário-base, para poder viver e educar filhos no estrangeiro (às vezes, em cidades com preços milionários, como no Golfo, Japão ou Noruega) é um péssimo trabalho de informação pública.

Tenho absoluta certeza de que o salário médio dos diplomatas portugueses ultrapassará, em muito pouco, um terço do valor aqui anunciado.

sábado, junho 25, 2022

Transferência ou remoção, eis a questão!

Não há qualquer acordo sobre a língua que possa obviar a desentendimentos semânticos. No Brasil, quando um diplomata vai para uma embaixada no exterior, diz-se que foi “lotado” nessa missão diplomática, isto é, que passou a fazer parte do “lote” do pessoal aí em serviço. E quando sai de um posto para outro, ou segue de regresso à sua capital, diz-se que foi “removido” desse posto, no sentido de ter sido “transferido”. Entre nós, dizer-se de alguém que foi “removido”, soaria estranho: remove-se um obstáculo ou um empecilho, não (em regra) um servidor público. Também pode acontecer, só que não se diz…

Ainda na ressaca de dois dias que passei na Fundação Calouste Gulbenkian, a discutir o futuro das relações entre Portugal e o Brasil, no ano em que se comemoram os 200 anos da independência deste último e em que o coração (físico) do primeiro imperador brasileiro surgirá como uma “vedeta” mórbida dos festejos, lembrei-me do que sempre pensei: somos, afinal, dois povos separados por “tanto mar” e por uma língua incomum.

Vem isto a propósito da notícia, hoje conhecida, de que o presidente ucraniano decidiu mudar a sua embaixadora em Lisboa. Há pouco, na CNN, perguntado sobre isto, estive quase para repegar nos dois termos - o usado em Portugal e o usado no Brasil - e especular: a embaixadora foi transferida ou removida? 

Não fui por esse caminho. Disse, com toda a sinceridade, que entendia que a embaixadora tinha tido uma reação extremamente profissional, ao dizer, à comunicação social portuguesa, que se tratou de uma mudança já programada, até porque ela própria tinha tido a indicação de que iria sair, numa comunicação que lhe havia sido feita pelo respetivo ministro. Quando? Há dois dias. 

Há anos, um embaixador português, cujo nome agora me escapa, “removido” também com breve aviso prévio, ao ser-lhe perguntado pela imprensa sobre se tinha algum comentário a fazer ao que lhe tinha ocorrido, optou por responder que não precisava de dizer mais nada: a decisão era tão eloquente que falava por si…

sexta-feira, junho 24, 2022

Recuo

Com a tragédia da guerra a Leste, nos últimos meses, bem como na decisão do Supremo Tribunal dos EUA, que hoje foi anunciada, fica provado que o mundo pula mas, às vezes, em lugar de avançar, recua.

quinta-feira, junho 23, 2022

“A Arte da Guerra”


“A Arte da Guerra”, podcast semanal no “Jornal Económico”, uma conversa com o jornalista António Freitas de Sousa, desta vez sobre a crise em torno de Kalininegrado e a ambição europeia da Moldova, o impasse francês e as eleições presidenciais na Colômbia: 

Pode ver clicando aqui.

A Rússia na Ucrânia


Os mapas da Ucrânia que, em regra, a imprensa nos apresenta, não permitem uma comparação com países com os quais estamos familiarizados.

Este mapa sobre as zonas ocupadas pelas forças russas é, a meu ver, bastante informativo (é necessário clicar no mapa para ele expandir).

quarta-feira, junho 22, 2022

Ai o SNS!

É quase comovente ver o desvelo para com o Serviço Nacional de Saúde por parte de uma importante força política que votou contra a respetiva criação. Percebe-se que possa, entretanto, ter mudado de opinião, mas um discreto ato de contrição histórica não lhe ficaria nada mal.

Eles aí estão!

Na nossa comunicação social, alguns calejados especialistas em Covid terão abandonado, por instantes, Severodonetsk, para, através da alta dos combustíveis, se dirigirem aos serviços de obstetrícia. O cerco, embora sem russos à mistura, fechar-se-á com a chegada dos incêndios.

Que azar!

 Terramoto no Afeganistão. Há países que deviam ir à bruxa!

terça-feira, junho 21, 2022

Um livro


Ontem, entre o final da tarde e o início da madrugada, li um livro, uma autobiografia, de cuja existência me tinham falado, com umas escassas centenas de páginas, de um autor cujo nome que não vem nem virá ao caso. Olha-se para aquilo tudo e perguntamo-nos: que raio de vida terá sido aquela, em que quem se cruzou de forma positiva com o autor, disso justificando alguma nota, terá sido um número muito escasso de gente e, ao invés, dali emerge uma onda de acrimónia em relação a uma montanha de outras pessoas, a maioria chamada pelo nome (vá lá!). Tudo, quase sempre, num registo de baixo ajuste de contas. Se alguém chega aos últimos anos da sua existência e o que tem para apresentar, como saldo do que viveu, foi apenas aquilo que deixou impresso - e imagina-se que, se essa pessoa escreveu aquilo, é porque não tinha outra vida para descrever - podemo-nos perguntar se essa pessoa foi feliz assim. É que, se acaso o foi, se ela acabou por se sentir bem nesse mundo de que foi o ácido protagonista que orgulhosamente se descreve, então é porque não deve ser boa rês. (Alguns se perguntarão: mas por que não revelar o nome do livro e do autor? Porque isso seria dar-lhe importância e cair no mesmo “naming names” agressivo em que ele incorreu. E nada tenho a ver com essa pessoa.)

segunda-feira, junho 20, 2022

Voltar a Königsberg?


Veremos se as medidas anunciadas pela Lituânia para dificultar o habitual acesso da Rússia ao seu território isolado em Kalininegrado não acabarão por se transformar numa imensa sarilhada. “Fishing for trouble” pode ser a expressão exata para qualificar este gesto de Vilnius.

América do Sul



A vermelho, os países com governos de esquerda (embora considerar a Venezuela de Maduro de esquerda seja uma palermice). A azul, estão o Brasil (logo veremos em novembro) e o Equador. A cinza está a Guiana Francesa, que tem as cores de Macron…

Vencedores derrotados

”Vencedores” relativos nas legislativas francesas foram os dois parceiros de Macron na coligação eleitoral: Édouard Philippe (primeiro PM de Macron, líder do Horizons e potencial candidato em 2027) e François Bayrou (líder do MoDem) que ganham margem negocial na antiga maioria.

domingo, junho 19, 2022

França

1. Há derrotas que têm uma dimensão única: ver o presidente da Assembleia Nacional e o seu líder parlamentar perderem os lugares de deputado é um bom testemunho da crise que o partido de Emmanuel Macron está a atravessar.

2. A direita clássica francesa, fundadora e usufrutuária maior da V República, passou a quarto partido de França. Olhem-se as caras que a representam: são tudo figuras do “sarkozismo”, que deixou o poder - Eliseu e Assembleia - há uma década. Mas que ainda mantém maioria no Senado.

3. A coligação eleitoral NUPES não terá um grupo parlamentar conjunto na futura Assembleia Nacional francesa. O France Insoumise, os ecologistas e os socialistas terão grupos próprios. Consequência: o Rassemblement National, de Le Pen, passa a ser o principal partido da oposição.

4. Macron fez carreira com a tese de ser “ni droite, ni gauche”. Hoje, o lema mantém-se: não consegue fazer alianças… nem à direita, nem à esquerda!

Mortos & mortos

Na tragédia ucraniana, para a nossa comunicação social, há mortos civis ”bons” e “maus”. Se o ataque é feito pelos russos, as vítimas são tratadas com imenso carinho mediático. Se se trata de uma ação militar ucraniana, os civis são “casualties” que estavam no sítio errado.

Guerra é guerra?


Há muitos anos, nos 90 do século passado, o meu pai, que me tinha ido visitar a Londres, perguntou-me se não podíamos “dar um salto” a Coventry. Claro que era possível! Lá fomos e, pelo caminho, foi-me explicando, com pormenores, que aquela cidade fora atacada pela Luftwaffe, durante a Segunda Guerra mundial. Eu conhecia vagamente a história e sabia que, como retaliação, Churchill tinha determinado bombardear Dresden. 

Em Coventry, havia uma catedral destruída, cujas ruínas tinham sido recompostas com outra construção, para que a memória se não apagasse (na foto). O meu pai, “aliadófilo” ferrenho, tinha na sua recordação afetiva a barbaridade de Hitler, mas não o que Dresden tinha sofrido. Os “nossos” mortos são sempre o que conta.

Eu tinha ido a Dresden, na então RDA, mais de uma década antes. Lembrava-me de uma cidade triste (hoje, dizem-me, tem uma pujança cultural notável), mas tristes e sem cor eram todas - repito, todas, por muito que isso irrite alguns amigos meus - as cidades da RDA, e eu visitei muito daquela que era então a montra do “socialismo real”. Curiosamente, não me recordo de ter visto em Dresden memoriais da guerra, mas admito ter estado distraído.

O ataque a Coventry tinha provocado 176 mortos e o bombardeamento de Dresden matou 25 mil pessoas, leio agora no Google. “Guerra é guerra”, dirão alguns. 

Por que é que me lembrei disto? Porque acabo de ler um artigo de Pacheco Pereira, no “Público” em que sublinha uma coisa evidente: por maiores que tivessem sido os agravos (e foram muitos, como se sabe) que os ucranianos tivessem feito às populações russófilas e russófonas no leste do país, desde 2014, é absurdamente desproporcionado o nível de agressão cruel que a Rússia está, por estes tempos, a utilizar nos vários territórios da Ucrânia em que atua militarmente.

“Guerra é guerra”? Tenho dúvidas que as coisas possam ser vistas assim.

Paul McCartney


Este texto não é para toda a gente. É apenas para quem percebe o que quero dizer com ele. Li que Paul McCartney fez 80 anos. Faço parte da geração dos Beatles. E não sou da dos Rolling Stones (embora tenha quase toda a sua discografia, claro). A geração dos Beatles é a minha geração. E é por sê-lo que quero dizer, com imensa sinceridade, que ter sabido que Paul McCartney tem 80 anos me fez alguma impressão. E que me estou borrifando para a idade do Mick Jagger. Era só isto que queria dizer.

Vou ler isto outra vez...