sábado, junho 11, 2022

Ciclomania


Na lógica da inevitável tendência para a descarbonização, pode entender-se o estímulo ao uso de bicicletas no centro de Lisboa. (Já agora, podia ser acompanhado por uma devida fiscalização da observância das regras de tráfico, desde o uso de capacete à não utilização dos passeios e passadeiras). Porém, atendendo ao facto (incontestável) da maioria da população que vive nessa zona da cidade já não ter idade para usar bicicleta, o “jeunisme” dominante, nessa como em outras políticas públicas agora em voga, acaba por ser claramente discriminatório e antidemocrático.

Nova Rússia


A emissão de passaportes russos a habitantes de algumas regiões da Ucrânia, depois da invasão, prenuncia aí a realização de novos referendos, para aferir sobre a sua “auto-determinação”. O sentido final desses referendos é óbvio: delas emergirão “repúblicas”, logo reconhecidas por Moscovo e que, depois, irão pedir a sua integração na Federação Russa. Passarão, dessa forma e de imediato, a ser parte do território e da soberania russa. E depois? Depois, se alguém (por exemplo, a Ucrânia) ameaçar essas zonas militarmente, isso constituirá um ataque à Rússia. E se esse ataque for feito com meios ofensivos fornecidos pelo ocidente ao governo de Kiev, isso agravará tudo. Estão a ficar criadas as condições para uma boa sarilhada, lá isso estão!

Se quer ser rei…


O príncipe Carlos disse uma coisa bem sensata: a política do governo britânico de deslocar à força imigrantes para campos no Ruanda é miserável (ele só disse “appaling”). Ao fazê-lo, contudo, pisou uma linha institucional: a corte nunca pode opinar em público em temas políticos. Dir-se-á: mas o honem tem toda a razão! É verdade, mas as regras são o que são e um (futuro) rei não pode pronunciar-se sobre políticas públicas.

Ai América!


Biden lembrou a Bolsonaro a necessidade de respeito pelo sistema eleitoral. É bom que o presidente do Brasil receba este tipo de pressões, a caminho das eleições que ali terão lugar, no fim do ano. Mas, depois da vergonha em casa, em 2021, a moralidade dos EUA para dar lições de democracia ao mundo começa a reduzir-se fortemente.

sexta-feira, junho 10, 2022

10 de Junho


Detesto proclamações patrioteiras, mas gosto ainda menos (muito menos) dos ditos catastrofistas, dos bota-abaixo de sempre. Somos o que fomos e o que somos, houve coisas que correram bem, outras mal. A principal graça de tudo isto é andarmos por aqui, há tanto tempo, a falar a mesma língua. O resto…

Portugal


Desde há anos que, no dia 10 de junho, celebrávamos o aniversário de uma grande amiga brasileira, que também tinha nacionalidade portuguesa. Notávamos a coincidência do seu nome de família ser Portugal. Morreu hoje. No Dia de Portugal.

quinta-feira, junho 09, 2022

Irão


A conflitualidade decisória no seio do poder no Irão está a conduzir ao termo do mínimo de garantias quanto à sua vontade de contenção nuclear. Quando, daqui a tempos, bombas vierem a cair sobre os laboratórios iranianos, lá os veremos a protestar. “Too late”! Nessa altura, dir-se-á: se tivessem tido juízo…

Um fim de tarde…

… em casa pode ser uma coisa muito boa!

“A Arte da Guerra”


Todas as semanas, desde há bem mais de um ano, converso, durante meia hora, com o jornalista António Freitas de Sousa sobre três temas da atualidade internacional, num podcast editado pelo “Jornal Económico”. 

Esta semana, inevitavelmente, falamos da Ucrânia - e, admito, posso ser “politicamente incorreto”, no que digo nesta edição, face aos ventos opinativos dominantes -, das primeiras expetativas sobre as eleições legislativas francesas (que terão a sua primeira volta, no território metropolitano da França, no próximo domingo) e do futuro da liderança de Boris Johnson, depois de ter superado uma moção de desconfiança no seu próprio partido.

Pode ver clicando aqui.

quarta-feira, junho 08, 2022

Paula Rego (1935 - 2022)


Morreu Paula Rego.

Recordo um episódio ocorrido aquando da visita de Estado de Mário Soares a Londres, em 1993. 

Um dos pontos do programa foi uma deslocação à Sainsbury Wing, da National Gallery, em cuja cafetaria Paula Rego havia acabado de pintar um mural que era, em especial à época, uma das grandes curiosidades do local (recomendo a visita a essa obra). Paula Rego, amiga de Mário Soares e de Maria Barroso, quis ser ela a apresentar pessoalmente aquele trabalho, descrevendo-o nos seus principais pormenores.

Algumas das figuras que a pintora integrou no mural tinham nome. Recordo-me da cara do escritor Alberto de Lacerda, que ela colocou, na sua forma criativa, numa das personagens. A certo passo da descrição, Mário Soares perguntou em quem se tinha inspirado Paula Rego para o desenho de uma figura hierática de mulher, que tem um lugar proeminente do grande painel. Nenhum de nós tinha a menor ideia de quem poderia ser essa face feminina escalvada, hirta e seráfica. Paula Rego correu com o dedo as figuras até coincidir com a que Soares referira, para, finalmente, concluir: "Ah! Aquela? É uma senhora da limpeza que eu vi um dia quando ia a entrar lá em baixo. Pedi-lhe e ela deixou-se pintar. Ficou bem não ficou?"...

terça-feira, junho 07, 2022

… e Gaia aqui tão perto!

 


A verdade


Sei que não dá muito jeito para o comentário "holístico", mas gostava de lembrar que a inflação, com a subida das taxas de juro, a desregulação das cadeias de transporte e a consequente escassez de muitos produtos - eram coisas sentidas já antes da guerra. Que agravou tudo, claro.

Conversa


É absolutamente insensata a ideia de que, na fase da guerra a Ucrânia que se vive, um encontro entre os dois presidentes teria o menor efeito. Os contactos a nível elevado consagram sempre um entendimento prévio que ambos, embora cada um a seu modo, podem anunciar.

segunda-feira, junho 06, 2022

Boris


Posso estar a ver mal as coisas, mas Boris Johnson vai hoje obter, com mais facilidade do que se espera, o voto de confiança dos seus pares. Só daqui a um ano a sua liderança poderá ser de novo contestada. Deve agradecer a Putin. Mas não é impunemente que alguém se chama Boris!

domingo, junho 05, 2022

… e a Ucrânia aqui tão perto!


Tudo indica que a Rússia, para travar o reforço de material militar do ocidente à Ucrânia, vá aumentar os ataques de mísseis a linhas ferroviárias e às instalações, cada vez mais civis e situadas em áreas civis, que são utilizadas para esconder esse armamento. A probabilidade desses ataques, oriundos de longa distância, poderem ser menos precisos, tendo civis como “colateral casualties”, é assim cada vez maior.

Relembra-se que a Ucrânia quer aderir à NATO, mas já terá percebido que isso é difícil. Desde o primeiro momento, foi objetivo nunca escondido por Kiev tentar envolver a NATO no conflito. Isso sucedeu, como se recordará, quando pediu que a organização impusesse uma zona de exclusão aérea sobre o seu território, o que foi negado pelos EUA e por alguns aliados sensatos, porque isso poderia conduzir à guerra Rússia-NATO, com todas as consequências daí decorrentes, que só alguns inconscientes desprezam.

Atenta a evolução da guerra, e não querendo estar a chamar os demónios, arrisco dizer que pode estar a aproximar-se um momento em que a Ucrânia (com os seus amigos NATO do Leste, que, como se sabe, são mais papistas do que o papa e têm, dentro da organização, uma linha discretamente favorável a um envolvimento militar mais ousado) arrisque produzir um incidente grave, para poder justificar um maior envolvimento da NATO. O pior é que pode dar-se o caso de isso também convir à Rússia, na lógica do quanto pior melhor. Nessa altura, será tempo de alguns, por cá, decidirem ir a Fátima. E por lá procurarem o segredo da conversão da Rússia…

sábado, junho 04, 2022

Cavaco


Cavaco Silva é o político mais óbvio de Portugal. 

Porque raramente alguém surge a defender o seu legado governativo, ele promove-o despudoradamente, sempre que pode, metendo debaixo do tapete o medíocre segundo mandato, que o país, em 1995, puniu com a derrota do PSD que levou o PS ao poder e, em 1996, com a derrota do próprio Cavaco Silva, infligida por Jorge Sampaio. 

Com as suas cíclicas e cirúrgicas aparições, procura tentar ser recordado como referência histórica de um partido que vive esmagado entre o mito Sá Carneiro e o saudosismo sebastiânico em torno de Passos Coelho. 

Cavaco Silva pressente que não deixou uma marca afetiva forte e, por isso, fala muito do partido, para que este o não esqueça. Não parece que vá ter muita sorte.

sexta-feira, junho 03, 2022

Confluência


Há muitos anos, referindo-se a zonas do globo onde potências disputavam influência, Adriano Moreira utilizava o conceito de "zonas de confluência de poderes". A Ucrânia é isso mesmo, embora muitos pareçam não entender isso ou finjam que não entendem.

Mourinho


Alguns não gostarão de lembrar, pelo “azar” que têm à personagem, mas eu recordo que José Mourinho ganhou campeonatos em Portugal, Espanha, Inglaterra e Itália e todas as grandes taças europeias: Liga dos Campeões (duas), Taça UEFA, Liga Europa e agora a Conference League. Só.

Desafio

Dois desafios ao meu amigo Carlos Moedas: instituir um regulamento urbano para acabar com a “fialhada” das comunicações nas paredes exteriores dos prédios (basta copiar o que existe em outros países) e fazer desaparecer os outdoors da política fora do período eleitoral.

Pués!

Empatámos com a Espanha sem o merecer, atento o “jogo jogado”, como antes se dizia. Fica por conta das vezes que a nossa seleção teve resultados que, por razões opostas, não merecia ter tido.

Recavaco

Cavaco no “Observador”. Cavaco na CNN. Começa mal a vida de Luís Montenegro.

Pra não dizer que não falei das flores

Sente-se por aí um ambiente ligeiramente pidesco sempre que alguém ousa colocar em causa o vento dominante. É ou não é?

Turkey

Num tempo em que a Turquia faz “voz grossa”, tentando impedir dois Estados europeus de entrar para a NATO, Erdogan entende lançar para a mesa internacional essa magna questão que é a mudança do nome do país, pelo facto de, em inglês, o atual significar “peru”. Imagino a caçoada que irá pela imprensa da Finlândia e da Suécia com esta ridicularia do autocrata de Ancara. Já para não falar na imprensa de Lima, claro.

quinta-feira, junho 02, 2022

Cavaco

Em artigo no “Observador” (lugar adequado, reconheço), Cavaco Silva escreve a António Costa uma “carta” que se pretende irónica, mas é apenas a enésima listagem auto-laudatória dos feitos de uma governação que, recordemos, acabou há quase três décadas. Ninguém diz nada ao senhor?

Biden

“So long as the United States or our allies are not attacked, we will not be directly engaged in this conflict, either by sending American troops to fight in Ukraine or by attacking Russian forces. We are not encouraging or enabling Ukraine to strike beyond its borders.”

Fenerbahçe

Estou ansioso para ouvir Jorge Jesus a pronunciar o nome do próximo clube que vai treinar.

Ucrânia

Os EUA vão enviar para a Ucrânia armas que o governo de Kiev promete não utilizar contra território russo.

A Ucrânia, que não reconheceu a ocupação ilegal da Crimeia por parte da Federação Russa, em 2014, tal como os EUA e a maioria da comunidade internacional, não considera, naturalmente, a Crimeia como território russo.

A menos que haja algum “small print”, que se desconhece, a Ucrânia deve entender que o compromisso que tem com os EUA não se aplica ao território da Crimeia, pelo que tem pleno direito de aí ir defender militarmente a sua soberania.

Se, com as novas armas recebidas dos EUA, a Ucrânia atacar a Crimeia - território que, sublinho, os russos consideram ser seu - esse ato será aceite pelos americanos como cumprindo as condições da cedência daquele material?

Atores

O facto de dois atores americanos terem andado a dizer mal um do outro alimenta montes de comentários nas redes sociais. Quando isto surge como um tema perante o qual parece ser obrigatório qualquer pessoa ter opinião, está tudo dito.

Tráfico

Por toda a cidade de Lisboa vive-se um imenso laxismo no cumprimento das regras de trânsito: são automóveis a passar no vermelho, trotinetes e bicicletas em sentido contrário ao trânsito, peões fora das passadeiras, etc. Ah! E não vejo polícias! É o novo normal? Que estranho!

quarta-feira, junho 01, 2022

Olhar para o Mundo


Conversa com Ricardo Alexandre sobre a situação internacional, na Conferência da Coface https://youtu.be/4Dg0J4O_u7Q.

Assim começava…

 


… uma candidatura presidencial. E Mário Mesquita, que agora nos deixou, lá estava.

terça-feira, maio 31, 2022

Sociedade de Geografia


Estive hoje a falar, na Sociedade de Geografia de Lisboa, sobre o papel que a Ásia desempenha no contexto geopolítico global. 

Uma muito atenta audiência, quer na sala, quer por zoom, com posteriores perguntas de ambas as origens, levaram a sessão até ao limite do horário da casa. 

Fico muito grato ao meu colega embaixador Fernando Ramos Machado pelo convite que me formulou.

Deixo uma imagem da galeria onde por ali se almoça (bem), naquele que é dos edifícios lisboetas com um interior mais deslumbrante.

Céus!


Há dias em que olhamos para fora e vemos as coisas assim. Era assim o céu de Lisboa, visto da minha janela, ao final da tarde de hoje. Já o mesmo não posso dizer do estado dos céus na semana passada. Ainda há nuvens? É verdade, mas esperemos que passem. 

segunda-feira, maio 30, 2022

A diplomacia europeia



No âmbito da Universidade Autónoma de Lisboa, de cujo departamento de investigação, “Observare”, faço parte, estive hoje ali a falar sobre a génese da “diplomacia europeia”, isto é, a expressão institucional externa da direção política da União Europeia, nas suas múltiplas vertentes e geografias, bem como no seu nem sempre pacífico cruzamento com as diplomacias dos Estados membros. Às vezes, ganha-se em procurar sistematizar, de forma analítica, factos e experiências sobre os quais só o tempo nos faz ganhar alguma perspetiva. Debater isto com alunos, que nos colocam perguntas “fora da caixa”, acaba por ser um exercício bastante enriquecedor. Só depois de regressar a casa é que me dei conta da razão pela qual, durante toda a palestra, mantinha a impressão de que o título da mesma me dizia alguma coisa…

Se bem me lembro…

Hoje, acabei o dia a ver o “Se bem me lembro…”, no RTP Memória. E mais não digo!

domingo, maio 29, 2022

Uma boa notícia


O Desportivo de Chaves regressa à divisão principal do nosso futebol. Antes que dia de júbilo termine, deixo um abraço muito sincero de felicitções aos meus amigos e familiares de Chaves.

Ainda Mário Mesquita


A circunstância das minhas estantes serem um perfeito caos (prova provada de que o caos também pode ser perfeito) faz com que elas me tragam surpresas inesperadas (as surpresas podem ser esperadas?). 

Procurava um determinado livro, que sabia de capa avermelhada, na preparação para uma palestra que vou fazer na terça-feira, quando me surgiu outro, com idêntica cor. Era um volume assinado por Mário Mesquita, personalidade cuja morte nos convoca a evocar, por estes dias. Eu nunca tinha lido aquele livro! 

E porque me posso dar ao luxo destas errâncias, durante mais de duas horas, deliciei-me a ler textos do “Deve & Haver”. No essencial, ele junta curtos apontamentos que Mesquita diariamente escreveu, entre 1981 e 1982, numa coluna com esse nome no “Diário de Notícias”, de que era diretor.

Trata-se de um exercício executado num estilo leve, mas não menos rigoroso, a propósito de algum quotidiano, mas cuidando sempre em não se deixar aprisionar pela gravidade da política caseira desses dias. Mesquita, numa “prosa ladina” (Eduardo Prado Coelho dixit), revela, sem alardes, a sua constante atenção à literatura, bastante ao jornalismo de cá e para além do Caia, servido por um estilo “à Barthes”, que hoje parece ter desaparecido da nossa imprensa.

Que bom que é não ter tomado, antecipadamente, a decisão de ler um certo livro e, ao acabar por fazê-lo, tomar consciência do que perderíamos se o não tivéssemos feito. Foi o caso deste.

sábado, maio 28, 2022

PSD

O PSD tem quatro anos para se preparar para governar. Liderar, nesta altura, não será tarefa fácil para ninguém. Teve a hipótese de escolher alguém que ia saber ler futuro. Votou em alguém que lembra demasiado o passado. Vamos ter mais “bota-abaixo” do que novas ideias.

sexta-feira, maio 27, 2022

O “27 de maio”


Cheguei a Angola, para aí ir ocupar um cargo na nossa embaixada, no dia 27 de maio de 1982. Faz hoje quarenta anos, caramba!

Sem que, no momento, me tivesse apercebido da coincidência, passavam, precisamente nesse dia em que aterrei no Aeroporto 4 de Fevereiro, cinco anos sobre “o 27 de maio”.

O “27 de maio” havia sido o dia de 1977 em que um setor político radical procurou levar a cabo, pela força, uma alteração na relação de forças no seio do MPLA e do poder político no país. A reação policial e militar a essa tentativa, com notória intervenção externa, revelou-se de uma extrema violência. Esse dia iniciou um ciclo de luta política que abalou toda a sociedade angolana e se prolongou por vários anos. num registo de imenso arbítrio e crueldade. Muitos milhares de mortos e prisões foram o saldo desse confronto.

Nos anos que permaneci em Luanda, fui ouvindo, a espaços, sempre num sussurro de extrema prudência, relatos esparsos desses dias em que, para sempre, se quebrou o encanto em torno de um certo sonho coletivo que vinha de antes da independência. Raramente encontrei por ali alguém disposto a abrir-se comigo, de forma transparente, sobre esses momentos, qualquer que houvesse sido o lado da barricada em que se tivesse situado nesses anos, afinal então não tão distantes como isso. 

Na altura, havia ficado com a sensação de que os angolanos faziam um esforço deliberado para promover o esquecimento sobre esse período, como se as feridas acabassem por sarar melhor se se não olhasse para elas. Não era verdade. Muito do que, entretanto, se publicou sobre o “27 de maio” provou que nada substitui o trabalho em torno da verdade, qualquer que seja o preço que isso possa ainda ter e por muito que essa mesma verdade possa doer a alguns.

Mário Mesquita (1950 - 2022)

 

Acabo de saber que morreu Mário Mesquita.

Conheci Mário Mesquita, há muitos anos, nas mesas da Granfina, no início dos idos de 70. Era uma pessoa reservada, mas com um humor culto e uma inteligência claramente fora do vulgar. 

Da “ínclita geração” de estudantes açoreanos aportada então a Lisboa - de Medeiros Ferreira, Margarida Ponte Ferreira, Jaime Gama, Eduardo Paz Ferreira, entre outros e outras -, o Mário Mesquita foi a pessoa com quem sempre mantive uma maior “cerimónia” pessoal, vá-se lá saber porquê! Um dia, não há muito tempo, telefonou-me, a agradecer uma referência positiva que eu lhe fizera (eu só tive sempre coisas positivas a dizer a seu respeito), numa qualquer circunstância: “Temos de arranjar maneira de ultrapassar esta cerimónia que se instalou entre nós!”, disse-me então. E rimos. Há muito poucas semanas, enviou-me um email a pedir que eu lesse um seu texto, que já se notava algo sofrido, na apresentação de um livro de uma amiga comum. Foi a última notícia que dele tive. Até hoje.

Sinto imensa pena pela desaparição deste cidadão exemplar, com uma ética à prova da bala, ícone de um jornalismo que já não é muito comum.

Deixo um beijo de pesar à Ana e à Clotilde.

Ironias

O discurso americano contra a China está a subir de tom, como agora se constatou na intervenção de Anthony Blinken. Contudo, a administração americana pode ter de reverter as medidas protecionistas que Trump impôs à China. Porquê? Para baixar a pressão inflacionista. Ironias.

A armar

“Quando é que, em nome de Deus, vamos enfrentar o lóbi das armas?”, exclamou Joe Biden. Fui ver o contexto: não, não eram as maciças encomendas de armamento para a Ucrânia, eram as armas que, de quando em vez, são usadas nos massacres civis nos EUA. Assim, tudo bem.

quinta-feira, maio 26, 2022

Macron

Uma coisa que Macron já provou não ser é ingénuo. O governo que escolheu é um formidável puzzle oportunista, cuja única coerência reside na potencial capacidade de juntar votos, nos dias 12/19 de junho.

Estados desunidos

Mais uma tragédia com armas, a somar-se a tantas outras, pareceria, num mundo sensato, poder abrir terreno a uma discussão sobre a prolongada absolutização do “second amendment”. Nunca é assim na América. Em especial, no período de “tribalização” extremada que ali se vive.

Lula

Foi o “lulo-petismo” que esteve no poder no Brasil, a partir de 2003. O PT nunca foi o maior partido parlamentar: foi Lula quem lhe deu acesso ao poder. Sem Lula, o PT perdeu logo o poder. Se Lula não conseguir controlar o radicalismo do PT, o Brasil pode afundar de novo.

Desventuras

Tem graça ver André Ventura beber do seu próprio veneno. Depois de ter construído um partido com aquele tipo de gente, paga agora o devido preço. Mas não deixa de ter alguma piada ver aqueles insignes “democratas” a queixarem-se de falta de democracia interna…

O nicho

O PCP, nos últimos meses, tem levado pancada “de criar bicho”. Por culpa própria? Claro que sim, mas vamos ser claros: se não se tivesse comportado assim, o PCP não seria o PCP. Ironicamente, é por se comportar desta forma que o PCP ainda existe. Este é o seu “nicho” político.

Rio a chegar à Foz…

Tenho uma boa impressão pessoal de Rui Rio. Não obstante alguma arrogância, pareceu-me sempre um homem sério e com sentido de Estado. Mas tinha “os pés bem assentes no ar” e muito pouco jeito para o lugar. A memória interna no PSD não lhe vai ser nada favorável.

Não sei se, no Brasil…


… alguém sabe o significado da expressão “Olhem que isto não são favas contadas!”

Em agosto


 … espero que elas ainda por lá estejam!

A Voz

Qual é o diário português, qual é ele, que, por este andar, ainda vai acabar por mudar-se para as instalações da Raret, em Glória do Ribatejo, de onde era emitida “A Voz da América”?

“A Arte da Guerra“


A guerra na Ucrânia, a ida de Biden à Ásia e os Balcãs - temas para “A Arte da Guerra”, o podcast semanal com o jornalista António Freitas de Sousa para o “Jornal Económico”.

A Rússia e o mundo

 


quarta-feira, maio 25, 2022

Notícias do reino da inveja

Há uma espécie de portugueses que detesta quem, sendo português, teve sucesso no futebol internacional. São os portugueses que detestam José Mourinho e Cristiano Ronaldo. Nós percebemos porquê e eles, na sua mediocridade, também sabem.

A tiro

Fala-se hoje bastante do tiroteio numa escola do Texas que matou 19 pessoas, mas fala-se muito menos na operação policial, numa favela do Rio, que, há poucas horas, matou 22. São coisas diferentes? São, mas, por razões diferentes, deviam chocar-nos de forma idêntica.

Davos

O ambiente em Davos terá sido, este ano, algo “gloomy”. As angústias da geopolítica fizeram esquecer a mudança climática. Energia e cereais foram debatidos com preocupação. A inflação que aí anda fez alguns falar de recessão. A política “covid zero” da China foi muito criticada.

Quad

Putin saiu em vantagem da reunião do Quad (EUA, Japão, Austrália e Índia). O comunicado final não tem a menor referência crítica à Rússia, graças à oposição da Índia. Para Washington, manter Nova Deli a bordo da frente estratégica contra a China compensará esta clara cedência.

NATO

As diligências do primeiro-ministro grego nos EUA, tentando convencer os americanos a não facilitarem a compra de material militar pela Turquia, vieram agravar as nunca saradas relações entre os dois países e deram a Erdogan um pretexto mais para dificultar o alargamento da NATO.

Armas

A orgia de armas em que a sociedade americana vive tem as suas habituais consequências. Mas nada faz supor que os equilíbrios políticos nos EUA apontem para a derrogação ou limitação do princípio constitucional que abre a porta a regulares massacres. A América é também isto.

America

Tudo aponta para que, depois das eleições intercalares de novembro, cheguemos à conclusão de que os anos de Trump não foram um mero interlúdio, para esquecer. Pelo contrário, cada vez parece mais certo que o tempo de Biden é que será visto como um interlúdio na vida política dos EUA.

terça-feira, maio 24, 2022

Taiwan

É dos EUA que chega uma explicação para a dissonância entre o que disse Biden sobre a defesa militar de Taiwan e o apressado desmentido da Casa Branca. Haverá interesse em lançar dúvidas sobre a leitura contemporânea da “ambiguidade estratégica” que os EUA pretendem manter.

Notícias frescas

Tentem sempre identificar a origem das notícias que surgem nos media. E desconfiem, por regra quase infalível, da veracidade das que “dão jeito” às finalidades de quem as divulga. E ponham reservas à comunicação social que não cuida em “checkar” notícias ou não revela fontes.

Os livros e as ideias

Comprei hoje três livros. Dois são escritos por pessoas com cujas ideias tenho a certeza de não ir concordar. Desde há muito que não entendo a graça de ler coisas escritas por gente que pensa no mesmo registo que eu. Para pensar como eu, basto eu, não preciso de cópias.

Deslizes

Divirjo muitas vezes de Sérgio Sousa Pinto, pessoa que, no entanto, aprecio intelectualmente e com quem tenho uma ótima relação pessoal. Mas é próprio de quem nunca teve (nem, felizmente, terá) de enfrentar uma câmara de televisão criticar com ligeireza um deslize de linguagem.

Covid

Não sei nada sobre o tema da covid. Nunca dei a menor opinião sobre o assunto que atazanou dois anos da nossa vida. Mas isso não me impede de afirmar que estou crescentemente preocupado pelos números, de infeções e mortes, que por aí vejo. Pronto(s): era só isto que queria dizer.

Verdade

Hoje, reapareceu-me uma frase antiga e que sempre me pareceu muito verdadeira: “Russia is never so strong nor so weak as it appears”.

Brasil

Com a desistência de João Dória, como candidato presidencial do PSDB, abre-se uma crise no campo da “terceira via” que, entre Lula e Bolsonaro, ainda tenta afirmar-se, embora sempre com sondagens pouco prometedoras. Quem quer que venha a ser, prejudicará um dos lados.

Falar claro

Vou escrever uma coisa impopular. O apoio, político e militar, que o ocidente hoje concede à Ucrânia, justifica-se pela agressão ilegal da Rússia, a partir de 24 de fevereiro. Isso não inclui nenhuma reivindicação territorial ucraniana que exceda o “statu quo ante” a essa data.

Realismo

Zelensky perdeu quatro batalhas: a criação da zona de exclusão aérea, a adesão à NATO, o afastamento da Rússia do CSNU e a “via verde” para a UE. Mas pode ainda ganhar uma batalha importante: a soberania efetiva sobre o essencial do território que a Ucrânia tinha em fevereiro.

Um erro infeliz

É pena que as autoridades ucranianas não tenham convidado observadores internacionais independentes para assistir ao julgamento do soldado russo. Se o tivessem feito, os russos teriam grande dificuldade de não proceder da mesma forma no processo dos prisioneiros de Azovstal.

segunda-feira, maio 23, 2022

“La Place Rouge…”


Do outro lado da muralha do Kremlin, fica o GUM, de há muito um imenso centro comercial, creio que o maior de Moscovo.

A primeira vez que lá fui, há mais de 40 anos, os tempos na União Soviética já não eram excessivamente eufóricos. Muito pouco do já pouco que se vendia no GUM tinha qualquer interesse para um estrangeiro. 

Ainda guardo, algures em Vila Real, um mal amanhado elefante em mármore que ali comprei por alguns rublos, apenas porque tinha de me desfazer das últimas notas que trazia no bolso, antes do voo de regresso à Noruega, onde então vivia. Ficou-me na memória que se ouvia, por todo o espaço, nos altifalantes, a voz de Júlio Iglesias, nesse tempo em que o romantismo do cantor estava em voga, um pouco por todo o mundo.

Há dez anos, numa outra visita a Moscovo, tive curiosidade de voltar ao GUM. Embora muito modernizado, já não era o centro comercial mais luxuoso e caro de Moscovo. E música era outra, era um “musak” eletrónico, tipo música de elevador.

Não deixou, contudo, de ser uma experiência interessante passar algum tempo sentado numa esplanada de um café do GUM, na Praça Vermelha, servido por belezas eslavas que lavavam o olhar, a beber uma Stolichnaya, mirando o imponente mausoléu de Lenin e vendo, à distância, estranhamente misturado com outros, o discreto túmulo de Stalin, junto à muralha. Onde e como recordarão os russos, um dia, Vladimir Putin?

Há pouco, chegou-me esta imagem do GUM, com clientela rarefeita, talvez pelas sanções. E dei comigo a trautear Bécaud. Que será feito das netas da Nathalie?

É por mero acaso…

É claro que é uma mera coincidência a emergência deste grande surto de greves e a circunstância do PCP já não fazer parte da maioria parlamentar de apoio ao governo.

Regra

Há uma regra de ouro em diplomacia: nunca se confronta um parceiro próximo, em especial se se tratar de um aliado, com uma surpresa que, à partida, se sabe não lhe ser confortável. Ou melhor: se tal acontece, isso revela falta de consideração de uma parte em relação à outra.

A “tomada“

Nas guerras, há uma trágica ironia semântica. Quando se diz que uma cidade é “tomada”, na realidade, para além da sua geografia, o que se “toma” acabam por ser ruínas. A cidade já “era”.

Ai Biden

Não é, em regra, muito bom sinal quando um dirigente político faz uma declaração, no calor de uma conferência de imprensa ou à margem de uma intervenção, e, depois, surge um comunicado a esclarecer o que ele quis dizer - em regra, algo diferente. Com Biden está a acontecer muito.

França

Um ministro do novo governo francês, um executivo que foi desenhado numa lógica que se pretendia impecável no terreno do politicamente correto, surge acusado de abusos sexuais. Já só se olha para a nódoa, esquecendo-se o pano. É a vida!

América

Criámos, ao longo dos anos, a ideia de que o essencial da decisão política dos eleitores americanos eram as temáticas económicas. Os últimos tempos revelam que as questões culturais, ideológicas e identitárias, se tornaram num fator mobilizador de escala similar.

Exterminador tardio?

As secretas britânicas (é prudente saber quem diz o quê) anunciam que os russos vão enviar para a Ucrânia um temível tanque de guerra, dito o “Exterminador”. Tendo ali perdido (ucranianos dixit), em três meses, mais soldados do que no Afeganistão, será um pouco tarde, não será?

Kamala

É minha impressão ou Kamala Harris anulou-se ou foi anulada, no estrelato da administração americana? Não, não vale a pena elencar-se os sítios onde ela tem ido. Estou a falar daquilo que ela (não) tem dito, para mostrar estar à altura de poder substituir Biden, se necessário.

domingo, maio 22, 2022

Quem tiver paciência para me ouvir…

 


Isto é futebol!


Quarto de hora fantástico do Manchester City. Campeonato no bolso! Três golos em 15 minutos! Com o Liverpool a fazer o que devia, mas não chegou. Nada como a Premiership!

A Delícia do dia


Neste domingo de clima “ranhoso” (era a minha mãe quem assim qualificava este tipo de dias sem sol, em que, às vezes, até caem uns pingos de chuva, o que se torna mais pesado por ser domingo), antes de passar pela avenida D. Carlos (como republicano, nunca escrevo “D. Carlos I”, porque não vai haver “segundo”…), para ir ver os jacarandás (contudo, os do Rato estão mais bonitos, e isto não é viés político), decidi ir almoçar a Moscavide.

A Moscavide? Já estou a imaginar alguns leitores finaços a estranharem este arroubo de amesendação suburbana. Isso mesmo! A Moscavide, onde, com amigos, fui almoçar à Delícia, uma marisqueira “sem efes e erres”, nada “cheia de nove horas”, onde nunca comi mal. Como hoje, uma vez mais, aconteceu.

Estava a meio da faena gastronómica quando um simpático cliente se aproximou da mesa e me disse que, embora situado em outro quadrante ideológico, lia com regularidade e gosto este espaço mas, o que é mais “grave”, que também seguia com atenção as sugestões que, por vezes, vou dando sobre restaurantes, num meu outro blogue, o “Ponto Come”.

Ora isso é tema que fia mais fino! Mandar um bitaite sobre a Ucrânia ou sobre a Europa, vá que não vá. Uma opinião política vale o que vale, isto é, vale o que quem a lê entende que ela vale. Nem mais nem menos! Mas aconselhar alguém a ir fazer uma refeição ao restaurante “Zé dos Anzóis” (não existe, que eu saiba! É apenas um exemplo!) é um ato que se resveste de alguma responsabilidade.

Devo dizer que, cada vez mais, tenho alguma preocupação quando destaco por escrito um restaurante. É que, de um dia para outro, com a crise da pandemia, com a falta de pessoal ou com a mudança de dono, uma casa que no passado se nos ofereceu como simpática, passa a ser um sítio “inível”, isto é, que deixou de ser “ível” (onde se pode ir). Ou pode ter disparado muito nos preços, que é uma pandemia por aí muito comum (em especial nos vinhos).

Por agora, fiquem descansados. Podem ir à vontade à “Delícia”! Preços decentes. Ah! Mas não esperem luxos: a sala tem um ambiente solto, de famílias (em especial aos fins de semana), barulho qb, porque uma marisqueira popular lisboeta é isso mesmo. Por ali terão, garantidas, simpatia, comida honestíssima e uma boa carta de vinhos (desta vez, optámos por um agradável tinto de jarro da casa). Se lá forem, pela certa que sairão satisfeitos. Ah! Mas reservem sempre! Porque há mais gente que já descobriu este sítio bem comer…

Quando não sei…

Ontem, na CNN, ao ser-me colocada uma questão à qual não sabia responder, disse: “Não sei”. Senti-me bem.

A Ucrânia e a Europa

Talvez isso nunca venha a ser assumido, mas parece-me hoje óbvio que algumas vozes do Conselho da UE, como Macron, Costa e outros, diferem, em algo que excede a questão do estilo, do modo como a Comissão encara a candidatura da Ucrânia. E, a meu ver, têm plena razão.

sábado, maio 21, 2022

Turquia

E se a Turquia vier a fazer subir a parada e colocar, na grande mesa negocial que pode estar a ser desenhada, a retomada da sua própria candidatura à União Europeia?

A PIDE já desaconselhava…


 

Macron

Tudo indica que Macron vai ganhar as legislativas, em 12/19 de junho. Para isso, o governo agora nomeado tem de ser uma montra apelativa do seu “novo” projeto político. É que se uma outra maioria o viesse obrigar à “coabitação”, a sua renovada legitimidade diluir-se-ia. À suivre!

sexta-feira, maio 20, 2022

Europa, Europa

Emannuel Macron não tem a mesma perspetiva que António Costa sobre o papel do MNE na transversalidade interdepartamental dos Assuntos Europeus. Foi anunciado há pouco: “Ministre de l’Europe et des Affaires étrangères : Catherine Colonna”.

Gov 2.0

O novo governo francês, agora conhecido, é desenhado a régua e esquadro do politicamente correto mais burilado. Desde a sua diversidade à bizarria dos nomes de alguns ministérios, com “igualdade”, “transição” e “soberania” qb, está por ali tudo. Boa sorte é o que se lhe deseja.

Memória divertida

Há anos, um certo partido prometeu, na campanha eleitoral, criar um ministério para as “comunidades portuguesas”. Constituido o governo, passou a haver um “Ministro dos Negócios Estrangeiros… e das Comunidades Portuguesas”! O truque semântico foi tão ridículo que não se repetiu.

O culto do voto

É “comovente” a fé russa na via referendária. Depois de 2014, um rápido referendo na Crimeia legitimou a invasão. Em Donetsk e Luhansk foram pela mesma via. Agora, em Kherson, pode vir a surgir uma nova “república” pelo mesmo método. Imagina-se o rigor dos cadernos eleitorais!

Diplomatas & ofícios correlativos


O governo português, no início de abril, decidiu expulsar 10 funcionários da embaixada russa em Lisboa. Nos termos da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, não tinha de justificar o gesto, mas fê-lo: disse que essas pessoas estavam a atuar à margem das funções para as quais tinham sido acreditadas. E deu-lhes duas semanas para abandonar o país.

A simultaneidade da decisão portuguesa com a atitude similar por parte de outros países ocidentais, justificada pela conjuntura ucraniana, não ilude o facto de esta ação ter sempre, formalmente, uma natureza bilateral. No passado, houve ocasiões em que alguns países, parceiros ou aliados, tomaram medidas diplomáticas contra a Rússia, tendo Portugal, como outros Estados, decidido não proceder da mesma forma. É uma evidência que o tendencial tratamento similar de questões externas, no âmbito da União, tem vindo a criar uma espécie de “jurisprudência diplomática” europeia. Mas, como também se refere nos tratados, a política externa dos Estados membros pode assumir, em muitos aspetos, uma dimensão comum, mas não é única.

É muito plausível que a acusação portuguesa sobre a atividade do pessoal da embaixada russa em Lisboa, que foi divulgada, corresponda à realidade. Ao que julgo saber, os nossos serviços de “intelligence”, cuja proverbial discrição ilude bastante sobre a sua real eficácia, acompanham, com atenção, as movimentações do pessoal de algumas missões diplomáticas estrangeiras. No momento em que vivemos, imagino que devam estar particularmente atentos à embaixada da Federação Russa em Lisboa.

Os russos (mas também alguns outros países, mas nem sempre Estados que se situam do mesmo “lado” - e mais não digo!) são useiros e vezeiros neste tipo de atividades, que tanto podem configurar a clássica espionagem como a execução de ações de infiltração em determinados setores nacionais ou a criação de redes de influência. O juízo de valor sobre a eventual natureza inconveniente ou mesmo hostil dessas movimentações é, naturalmente, discutível, mas insere-se no pleno direito de um Estado, no quadro das normas internacionais, reagir, nesse domínio, da forma que melhor entende. E, repito, sem nada ter de justificar. É essa a prática internacional corrente.

Nunca houve a menor dúvida de que a Rússia iria retaliar perante o gesto tomado por nós, em abril. Fê-lo agora: a cinco funcionários da nossa embaixada em Moscovo foi dada ordem de saída, também em quinze dias. O governo português entendeu reagir, dizendo que nada justificava a expulsão dos nossos funcionários, contra os quais nada havia, que se tratava de uma mera retaliação. Também é de regra fazê-lo. É óbvio que essas pessoas são apenas um dano colateral, quase burocrático, desta guerrilha política.

Que eu saiba, neste nosso meio século de democracia, aos funcionários colocados na nossa rede diplomática e consular nunca foram dadas instruções formais para incumprirem com a lei internacional. É claro que não podemos pôr as “mãos no fogo” por eventuais iniciativas individuais que, no passado, alguns funcionários possam ter tido, à revelia do Estado. Mas essa não é a regra, nem foi este o caso. Na nossa ordem externa, talvez porque, ao contrário de outros, não temos, em geral, grandes interesses a defender, Portugal quase sempre pode dar-se ao luxo de ter grandes princípios…

E agora, o que se vai passar com Moscovo? Como o primeiro-ministro já explicou, nem Portugal cortou relações diplomáticas com a Rússia, nem a Rússia procedeu desse modo. Aliás, mesmo que as embaixadas tivessem sido encerradas - e esse é um cenário que me parece impensável - tal não significaria que as relações entre os dois Estados se rompessem. Há uma imensidão de países onde não temos nenhuma representação diplomática residente e com os quais mantemos as melhores relações.

Mas as embaixadas ficarão, para sempre, sem o pessoal que agora sai? Não estou “no segredo dos deuses” mas, a ajuizar por casos anteriores, com o tempo, outros funcionários serão discretamente ali colocados, idos das capitais ou de outros postos. Para nenhum deles (com exceção dos embaixadores, dos cônsules e dos adidos de Defesa) é necessária autorização das autoridades locais. O que não significa que os Estados recetores não se reservem o direito, também à luz da Convenção de Viena, de poderem limitar a dimensão das embaixadas. Mas, que se saiba, isso não ocorre, neste caso.

Uma última nota sobre a qualificação de “diplomatas” que é dada, na imprensa, a quem quer que atue no exterior em nome do Estado. Nesse grupo de pessoas, há quem tenha uma “acreditação” diplomática (podendo fazer parte, ou não, do corpo profissional do MNE), usufruindo das especiais garantias que o Direito Internacional lhes concede, em especial em matéria de privilégios e imunidades, e há quem exerça outras funções com um estatuto funcional diverso, a que correspondem direitos e proteção também diferentes. Mas, enfim, o esforço para tentar que haja algum rigor no tratamento mediático destes temas parece ser uma guerra perdida: até os cônsules honorários (sublinho, como a própria palavra o diz, honorários!) recebem a qualificação de “diplomatas”, à luz dos títulos garridos que regularmente, nos chega pelo correio, da manhã…

(Publicado no site da CNN Portugal)

O fim do ciclo colonial


Um dia (creio que já) de maio 2002, ao tempo em que era o representante de Portugal nas Nações Unidas, em Nova Iorque, um colaborador perguntou-me se estava interessado em ir à última reunião em que o 'Comité dos 24' iria abordar a questão de Timor.

Como a minha agenda era então um "inferno", e raramente tinha tempo para ir a comités na ONU, lembro-me de ter hesitado, por um instante. Mas a muita atenção que dávamos a tudo quanto se referisse aTimor-Leste fez-me logo dizer que sim. Porém, só um pouco depois tive a consciência do que essa reunião, na realidade, significava.

O "Comité dos 24" (até 1962 conhecido por "comité dos 17", em função do número dos países que o compunham) é uma fórmula redutora para um nome bem mais longo: "Comité especial encarregado de examinar a situação relativa à aplicação da Declaração sobre a concessão da independência aos países e povos coloniais". É também chamado "Comité especial para a Descolonização". Foi criado em 1961, após a aprovação da referida Declaração pela Assembleia geral da ONU, em 1960.

Ainda em 1962, Portugal foi convidado a estar presente numa reunião do "Comité dos 17". (Recordo que, em fevereiro e março de 1961 tinham tido lugar os primeiros graves incidentes em Angola e que o Estado da Índia veio a cair em mãos indianas em dezembro desse mesmo ano). Considerando que, à época, na perspetiva do governo de Lisboa, não havia, sob a sua tutela, colónias ou territórios passíveis de se enquadrarem nos objetivos do Comité, o governo português veio a recusar-se, a partir de então e até 1974, a colaborar com aquela estrutura. Aquele veio a ser um dos mais ativos instrumentos internacionais de denúncia do colonialismo português. 

Com a aceitação da autodeterminação e independência das suas colónias, a partir da Revolução de 25 de Abril, tudo mudou. E, desde 1975, apenas o caso de Timor-Leste, dentre os antigos territórios coloniais portugueses, permaneceu como um processo em aberto nessa instância, neste caso concentrado já na denúncia da ocupação indonésia.

Por essa altura de 2002, aproximava-se a independência de Timor-Leste, que iria ter lugar no dia 20 de maio, em Dili. A reunião do Comité para a qual eu era convocado era assim a última na qual uma questão relativa à história colonial portuguesa era evocada. 

Já não me recordo do que disse na sessão, o que deve constar da respetiva ata oficial e do relato desta que terei feito para o MNE (eu não guardo cópia de documentos oficiais). Mas lembro-me bem de que, nesse momento, tive a consciência de que a presença de Portugal naquele ato culminava, de certa maneira, um tempo histórico.

Com a independência de Timor-Leste, no dia 20 de maio de 2002, fechou-se um ciclo de uma aventura imperial iniciada em 22 de agosto de 1415, com o assalto militar português à fortaleza mourisca de Ceuta. 

Na reunião do "Comité dos 24", em que eu participei em nome de Portugal, dias antes daquela independência, encerrava-se formalmente o derradeiro capítulo do longo processo que conduziu ao fim do tratamento internacional da questão colonial portuguesa, que tinha sido iniciado meio século antes. Para mim, acabou por ser um inesperado privilégio.

quinta-feira, maio 19, 2022

“A Arte da Guerra”


A necessidade de uma negociação ampla entre o ocidente e a Federação Russa sobre a Ucrânia, a questão da neutralidade no seio da Europa e as lições a tirar das eleições no Estado da Renânia Vestefália, na Alemanha, são os três temas que ocupam o podcast ”A Arte da Guerra”, do “Jornal Económico”, a minha conversa semanal com o jornalista António Freitas de Sousa.

Pode ver clicando aqui.

A guerra das palavras

Desculpem lá, mas é absolutamente ridícula esta discussão sobre se a saída de Azovstal é uma “vitória ucraniana” ou uma “vitória russa”. A única coisa que é óbvia é que a saída, com vida, de toda aquela gente foi uma vitória da diplomacia e da atenção mediática à tragédia.

Blake e Mortimer


Faço parte de uma geração que, no século passado, lia, no “Cavaleiro Andante”, em banda desenhada, as aventuras de “Blake e Mortimer”. Na versão portuguesa, Mortimer mantinha este nome, mas Blake era o “Capitão Edgar”, recordo.

O autor destas histórias, que, de início, eu achava que deveria ser inglês, porque todas as aventuras nasciam e acabavam em Londres, chamava-se Edgar P. Jacobs. Era de nacionalidade belga e, por sinal, ligado à extraordinária escola de banda desenhada ali criada, de que Hergé foi a figura maior.

Nos álbuns de Jacobs, tudo roda em torno de aventuras protagonizadas pelo militar Blake, ligado aos serviços secretos, e do seu amigo e cientista, Mortimer. Contra ambos, conspira um terceiro personagem, mas eterno sobrevivente de todas as histórias, o sinistro coronel Olrik, sempre a soldo forças do mal e que, em regra, surge sob variados disfarces.

Jacobs morreu em 1987, com 83 anos. Em vida, compôs 10 albuns, de que os dois de “O Mistério da Grande Pirâmide” são, a meu ver, do melhor que se criou no género. Após o desaparecimento de Jacobs, foi ainda editada uma sua obra póstuma, em dois albuns. 

Tentando copiar a obra de Jacobs, sob diversas penas e com diferente qualidade e êxito, surgiram depois mais 18 albuns! Tenho-os todos claro! 

Nas histórias originais de Jacobs, raramente apareciam mulheres. Os seus seguidores romperam com essa espécie de tabu. 

Blake e Mortimer eram aquilo que antigamente se chamava “solteirões”. Mas nunca houve nenhum indício que levasse a fazer suspeitar de alguma relação carnal entre ambos. 

Por isso, achei graça ao facto de, no último álbum publicado, “Le Dernier Espadon”, a certo passo, num momento em que Blake conta um segredo a Mortimer, para evitar os ouvidos indiscretos dos frequentadores do Centaur Club (um clube londrino que, claro, não existe!), os ousados autores desta história se tenham permitido inserir um comentário de dois cavalheiros, sentados em outra mesa, muito contra o “politicamente correto” de hoje - mas aceitável no tempo da história, o final dos anos 40.

Na última página do álbum, a ousadia repete-se e ainda é maior, mas agora num registo abertamente racista. Tendo Blake e Mortimer levado a almoçar o fiel Nasir, com o seu turbante, surge, da parte dos mesmos comentadores, uma graçola bem pesada. Ambas aqui ficam registadas, apenas por curiosidade.



quarta-feira, maio 18, 2022

Parabéns ao Bloco!

O Bloco de Esquerda propõe criminalizar atos ditos médicos ou de outra natureza para tentar a correção da orientação sexual de uma pessoa. Confesso que pensava que isto já era ilegal! Há um Portugal velho e relho em Portugal. É preciso acabar com ele. Parabéns ao Bloco!

A Ucrânia e os riscos

 


Caras


Em janeiro de 2017, a imprensa internacional deu grande destaque a uma fotografia do “staff” da Casa Branca, com a tristeza marcada na cara pela saída de Barack Obama, o presidente com quem tinham trabalhado. E, talvez ainda mais, pela chegada de Donald Trump.

Das três mulheres no centro dessa fotografia, só reconheci a do meio: era Susan Rice, “Nacional Security Advisor”, antiga embaixadora na ONU. Mas recordei e fixei, para sempre, a cara sofrida da mulher de cabelo comprido. 

Quatro anos passaram. Trump, embora a custo e, pelo menos, até ver, saiu da Casa Branca. Chegou Joe Biden. E a tal mulher de “cara sofrida” viria a surgir, agora quase sempre com um sorriso, como porta-voz do presidente, um dos mais exigentes cargos do interface entre a presidência americana e o exterior. 

O seu nome é Jen Psaki, de origem grego-polaca. Ao longo deste ano, no número considerável de briefings que parcialmente acompanhei pela televisão, pude apreciar a sua qualidade profissional, testada nessa presença quase constante perante os jornalistas, com a necessidade de “ir a todas” e o risco de poder dizer uma palavra em falso, comprometendo a administração. Psaki, contudo, era muito experiente: tinha trabalhado na diplomacia, no “State Department” e na equipa de Obama.

Psaki aguentou mais de um ano. Fez 224 briefings, mais do que todos os porta-vozes nos quatro anos de Trump, cobrindo 91% dos dias úteis! Na memória de muitos ficaram as tensas trocas de palavras com os jornalistas da Fox News, essa constante tribuna crítica de Joe Biden. Jen Psaki parte agora para outra tarefa, no campo do jornalismo televisivo, passando para “o outro lado”, imagino que cansada deste desgastante ano. 

À saída, Jen Psaki manteve o sorriso recuperado. Por mim, que sou um incurável curioso destes ”fait divers”, recordei o contraste da cara nas fotografias.

terça-feira, maio 17, 2022

Brasil

No Brasil, as sondagens indicam uma aproximação de Bolsonaro a Lula, diferente dos dois dígitos do final de 2021. Os observadores externos devem olhar menos para os comícios de convertidos e mais para os instrumentos financeiros que o poder tem ao seu dispor em ano eleitoral.

Coitados!

O esforço que por aí vai para relativizar a importância das expetativas positivas sobre o crescimento da economia portuguesa!

Justiça salomónica

EUA e Austrália estão preocupados com o acordo militar entre as Ilhas Salomão e a China e ameaçam com reação por esta entrada de Pequim na sua esfera geopolitica de influência. Curioso! Então as Salomão não têm o mesmo direito que a Ucrânia? Só vale para um e não vale para outro?

EUA

Depois do caos do Afeganistão (muito por culpa do que Trump tinha deixado armadilhado), Biden decide, sob pressão da expansão do Al Shabab (uma espécie de Al Qaeda), mandar tropas para a Somália, revertendo atitude do antigo presidente. Os EUA vivem um tempo apenas reativo.

Turquia

Erdogan segue uma estratégia de afirmação internacional que tem um ponto em comum com Putin: dá mostras de preferir ser temido do que respeitado.

Azovstal

Daqui a umas semanas, ninguém mais falará em Azovstal. Os militares radicais ucranianos que lá estavam, agora prisioneiros da Rússia, devem a sua vida à atenção internacional criada em torno de Mariupol. Guterres teve algum papel nisso.

França

Primeira-ministra francesa: mulher, oriunda da esquerda moderada, com experiência em áreas políticas críticas. Sinal político de Macron para tentar ganhar as legislativas de 12/19 de junho. O que deve acontecer.

segunda-feira, maio 16, 2022

A desneutralização europeia


Finlândia e Suécia estão prestes a apresentar o seu pedido formal de adesão à NATO. Foi a Finlândia que primeiro anunciou essa predisposição. O governo sueco necessitava do argumento de um possível isolamento, caso não seguisse o seu vizinho a Leste, para dar mais força à sua vontade de adesão. Mas foi óbvio que o “tandem” foi estudado.

Os dois países têm, como se sabe, uma história muito diferente no que respeita ao seu não alinhamento.

A Finlândia viveu o pós-Segunda Guerra sob uma neutralidade forçada pela URSS, assumindo, como consequência, uma atitude internacional a que o mundo exterior chamava, de forma injustamente depreciativa, a “finlandização”.

Já a Suécia tinha a neutralidade nos seus genes estratégicos, há dois séculos, usando-a para criar uma imagem de “potência moral”, singularidade que, sem dúvida, lhe rendeu alguns ganhos de prestígio.

Com o fim da Guerra Fria e a implosão da União Soviética, e de certo modo sob impacto da discussão que então teve lugar, em torno da eventual mudança de qualidade do projeto da NATO, nas opiniões públicas de ambos os Estados ter-se-á firmado a ideia de que, reduzidos que pareciam estar os riscos de segurança, em especial pelo enfraquecimento e aparente nova natureza do poder em Moscovo, a adesão ao projeto de defesa transatlântico não se justificava. Pelo contrário: aderir à NATO era chamar os fantasmas. Contudo, esse tempo idílico do “fim da História” não ia durar muito.

Com a entrada da Suécia e Finlândia, em conjunto com a Áustria, na União Europeia, ficou notório, desde o primeiro momento, que a mensagem que, de Helsínquia, chegava a Bruxelas, em matéria de segurança e defesa, era muito mais acomodatícia de um cenário de aproximação à cultura NATO do que aquilo que soava de Estocolmo. Mas sempre pareceu óbvio que, a acontecer um dia tal adesão, ela seria feita em conjunto.

Da Áustria, o terceiro parceiro desse grupo de países neutrais, numa União onde, à época, só a Irlanda se mantinha com esse estatuto, sendo membros da NATO todos os restantes “onze”, chegava um sinal flagrantemente contrário: a sua Constituição, feita sob os equilíbrios do pós-Segunda Guerra, impedia formalmente o seu alinhamento pela aliança ocidental.

O caso irlandês é um pouco diferente. Dublin foi sempre, muito claramente, um parceiro “do lado de cá”, com forte cumplicidade com os EUA, que não escondeu nunca as suas preferências na trincheira da Guerra Fria. A Irlanda, que tem forças militares incipientes, parece deliberadamente querer fugir ao debate, assente na blindagem legal que, nos tratados europeus, garantiu para essa sua excecionalização.

Há que notar que a NATO teve, entretanto, uma evolução, em termos securitários, que se tem mostrado bastante abrangente. A organização fez parcerias, assente num conjunto de valores altamente consensual, com as democracias do espaço ocidental. A luta contra o terrorismo, depois do 11 de setembro, veio a densificar ainda mais essa filosofia comum em matéria de segurança, que passou a ser crescentemente consagrada e desenvolvida no seio da União Europeia. As Forças Armadas de muitos desses países, da NATO e fora dela, têm vindo a ser envolvidas em exercícios militares conjuntos, para além do usufruto de uma crescente (embora raramente assumida) cumplicidade em termos de “intelligence”, que hoje aproxima, da cultura NATO, todos os membros da União.

Entretanto, é uma evidência que a deriva autocrática ocorrida dentro da Rússia, particularmente sentida pelos países bálticos (os únicos novos aderentes que tinham feito parte da União Soviética), com os quais os Estados nórdicos que são membros da União Europeia têm grande afinidade, ajudou a Suécia e a Finlândia a encurtar o seu caminho face à Aliança Atlântica. Caminho que agora fica percorrido, sob o trauma ucraniano.

Restará apenas saber se a Suécia irá apresentar algumas condicionantes à sua entrada na NATO, nomeadamente sobre a proibição da presença regular de forças militares estrangeiras e a colocação de armas nucleares no seu território. A futura contribuição da marinha de guerra sueca, que tem tido uma expressão de grande eficácia no Báltico, bem como os seus aviões de combate, são ativos tidos por relevantes nesta adesão, aos olhos de Bruxelas.

A Finlândia, que traz à NATO uma nova fronteira de 1300 km com a Rússia, dispõe, ao que se sabe, de uma equipadíssima guarda de fronteira e de modelos sofisticados de “intelligence”. Não tendo umas Forças Armadas muito fortes, é, porém, um dos países europeus que alimenta uma cultura nacional de segurança mais aprofundada, com importantes números em matéria de reservistas.

É inegável que a presença conjunta da Suécia e da Finlândia, a somar-se a um país fundador da NATO, a Noruega, vai permitir dar maior coerência ao espaço nórdico da organização, geografia onde hoje reside um dos desafios de segurança do futuro, o espaço do Ártico.

Nos anos 50, dizia-se, a brincar, por essa Europa, face ao receio que a URSS tinha criado do lado ocidental da “cortina de ferro”, que era justo que Stalin, juntamente com Schumann e Monnet, fosse também reconhecido como um dos “pais” da unidade europeia, mais tarde plasmada do Tratado de Roma. Hoje, ao observar-se o “boost” que acabou por imprimir à NATO, com o terramoto estratégico que produziu com a invasão da Ucrânia, Putin surge como mais um “construtor”, involuntário e irónico, da unidade ocidental.

E agora? Onde ficam a Áustria e a Irlanda? E Chipre? E Malta? Ficam a ser, na União Europeia, os únicos Estados ausentes da NATO. E agora? Colocar-se-á, no seu seio, a discussão sobre as vantagens e inconvenientes de virem a aderir à Aliança Atlântica, num tempo em que, cada vez mais, a União Europeia dá passos para o reforço intenso de uma dimensão de segurança, com consequências óbvias na sua defesa? Atenta a imprevisibilidade do “amigo americano” - Trump foi um interlúdio ou Biden é que o será? -, que, no entender de muitos, parece justificar que a Europa tente saber tratar de si própria, vai ser interessante perceber se o debate da “desneutralização” europeia continuará.

Parabéns, concidadãos !