terça-feira, maio 18, 2021

Israel e Portugal (2)

Com a ocorrência do 25 de Abril, Israel aproveitou para informar as autoridades portuguesas que "reconhecia" a Junta de Salvação Nacional. Prudente, o nosso MNE registou então, numa nota interna, que Portugal nunca tinha expressamente reconhecido Israel, razão porque o respetivo governo não fora incluído na comunicação geral através da qual dera conta ao mundo do novo regime.

Porque os tempos corriam a favor de um posicionamento prioritário de abertura da diplomacia portuguesa face ao então chamado "Terceiro Mundo", em que os países árabes tinham um papel predominante, e de que decorria naturalmente uma atitude mais pró-palestiniana, o período pós-Revolução não parecia muito favorável a uma aproximação com Tel-Aviv. Melo Antunes, ministro dos Negócios Estrangeiros, assumiu então posições públicas desfavoráveis aos desígnios israelitas e abriu caminho a que, nas Nações Unidas, num voto que viria a ser considerado muito polémico, o nosso país se ligasse a uma resolução que equiparou o sionismo ao racismo (72 votos a favor, 35 contra e 32 abstenções), afastando-se, neste caso, da posição de vários países ocidentais.

Julgo que se pode considerar que, tendo sido este o gesto anti-israelita mais extremado assumido pela diplomacia portuguesa, ele acabou por criar, paradoxalmente, um ambiente propício a uma viragem na atitude futura de Portugal face a Israel.

Foi o Partido Socialista quem esteve no centro desta nova atitude portuguesa. Com efeito, estando o Partido Trabalhista no poder em Tel-Aviv, a lógica de apoios dentro da Internacional Socialista acabou por favorecê-lo e Mário Soares veio a mostrar-se crescentemente aberto a favorecer uma maior aceitação de Israel no quadro internacional, com a contribuição de Portugal. Ao mesmo tempo - e lembremo-nos que estávamos no tempo tenso de 1976 -, esta orientação socialista marcava também, no plano interno, o seu claro afastamento da linha "terceiro-mundista" que o PS considerava ter marcado o consulado diplomático de Melo Antunes. Aliás, o ministro militar teve o cuidado de desenvolver bem o seu ponto de vista no seu discurso de despedida do MNE, largamente citado pela minha colega Manuela Franco, num artigo em cuja factualidade me tenho vindo a apoiar neste e no anterior post e cuja consulta recomendo.

Assim, logo no programa do I Governo constitucional, em 1976, referem-se, embora sem sentido claro de decisão, "as questões do estabelecimento de relações diplomáticas com a China Popular e Israel". Esta clara inflexão fora precedida de visitas partidárias a Israel de Jaime Gama e de Salgado Zenha. Porém, como bem refere Manuela Franco, dentro do MNE essa nova predisposição socialista não apenas não provocou efeitos sensíveis como terá mesmo suscitado algumas surdas resistências. Basicamente, e para o que contava em termos de atitude prática, a política manteve-se a mesma, mesmo sendo já Medeiros Ferreira o novo ministro.

Embora não disponha, de momento, de datas exatas comigo, recordo que, algures em 1977, uma missão técnico-diplomática que eu integrava, destinada a finalizar um promissor processo de contratação de obras públicas, iniciado no ano anterior, foi sujeita a uma espécie de "quarentena" em Tripoli, na Líbia, durante quase uma semana. Isolados num hotel nos arredores da capital, sem comunicações com o exterior, com os passaportes e bilhetes nas mãos dos nossos anfitriões, verificávamos, com surpresa, uma diferença radical de atitude face à simpatia com que, menos de um ano antes, aí havíamos sido recebidos. Ao final de um período de perplexidade e mesmo de alguma angústia, viémos a ser informados que estávamos a ser "vítimas colaterais" do anúncio da decisão, por parte de Portugal, de que Lisboa e Tel-Aviv iriam estabelecer relações diplomáticas a nível de Embaixada. "For the record", assinale-se que tudo se compôs e os contratos com os líbios acabaram por ser assinados, tendo aberto caminho a uma ininterrupta presença da indústria portuguesa de construção e obras públicas naquele mercado.

A decisão de elevação das relações para o nível de Embaixada (Israel transformaria em Embaixada, logo em 1977, o Consulado-geral que mantinha em Lisboa; Portugal só em 1988 acreditaria o seu embaixador em Roma como não residente; um embaixador residente português em Tel-Aviv apenas se instalou em 1991) poderá ter sido um dos factores de conflito entre Medeiros Ferreira e Mário Soares, com a saída do primeiro de MNE, substituído interinamente pelo segundo. Com esta decisão favorável a Israel, a nossa diplomacia passou então por momentos de grande dificuldade com os países árabes, que chegou a ameaçar os nossos fornecimentos petrolíferos, tanto mais que estávamos em campanha na candidatura a um lugar de membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU.

No ano seguinte, por insistência do governo de Tel-Aviv, aquela que julgo ser a primeira missão oficial portuguesa visitou Israel. Fui nela integrado e, dessa forma, julgo ter sido o primeiro funcionário diplomático português a deslocar-se oficialmente a Israel (curiosamente, creio que havia sido também o primeiro a ir à Líbia, em 1976, enquanto representante do MNE).

Em Portugal, viviam-se os tempos do Governo PS-CDS, sendo Victor Sá Machado, deste último partido, ministro dos Negócios Estrangeiros. Antes da partida da missão, o jovem terceiro secretário de embaixada que eu era foi levado à presença do ministro, acompanhado do chefe de repartição, Queirós de Barros. Foi-me explicado que o ministro da Agricultura, o socialista Luis Saias, que eu acompanharia, tinha uma missão exclusivamente técnica e que estava, em absoluto, fora de causa assumirem-se quaisquer posições políticas, quer com impactos bilaterais, quer relativamente ao conflito do Médio Oriente. Assim se fez, com pormenores curiosos que só o tempo permitirá revelar, não obstante o contraparte do nosso governante, que nos acompanhou grande parte do tempo, o então ministro israelita da Agricultura, se chamar... Ariel Sharon!

Como atrás se disse, a nossa Embaixada em Tel-Aviv só viria ser aberta em 1991, a tempo de poder acompanhar a nossa segunda presença no Conselho de Segurança das Nações Unidas. A partir daí, as relações entraram num registo de normalidade, com Portugal a assumir sempre uma posição de grande equilíbrio que, basicamente, tentava conciliar o direito à criação de um Estado palestiniano e a necessidade de preservação de um Estado de Israel com fronteiras reconhecidas.

Em fins de 1995, teve lugar a primeira visita de um chefe de Estado português a Israel. Então já no exercício de funções políticas, acompanhei Mário Soares nessa viagem, em substituição do ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama. Era um tempo de grandes esperanças para o processo de paz no Médio Oriente, posterior aos acordos de Oslo e Washington. Mário Soares era um interlocutor respeitado pelo primeiro-ministro Yitzhak Rabin e pelo MNE Shimon Peres. Nas várias conversas que ambos tivemos com estes responsáveis israelitas, fomos estimulados a ajudar, nomeadamente no âmbito europeu, aos esforços de reconstrução económica que a Autoridade Palestiniana tinha em curso na Cisjordânia e, em especial, em Gaza. Estávamos precisamente com Yasser Arafat, líder da Autoridade Palestiniana, depois de jantar, em Gaza, na noite de 5 de Novembro de 1995, quando nos chegou a notícia do assassinato de Rabin, em casa de quem tínhamos almoçado na véspera.

Nada seria igual, naquela parte do mundo, depois dessa data. O processo de paz ruiu, a unidade palestiniana rompeu-se, Israel evoluiu internamente por caminhos diversos. Como hoje se vê pelas imagens de tragédia que se juntam às notícias que nos chegam.

segunda-feira, maio 17, 2021

Edgar Rodrigues e a liberdade


Quando fui embaixador no Brasil levava na minha agenda de intenções fazer uma homenagem aos portugueses que a ditadura tinha obrigado, entre 1926 e 1974, a sair de Portugal e ir para lá viver como terra de exílio. Foram muitos, ao longo de muitos anos, de escolas políticas muito diversas, às vezes contraditórias entre si.

Um dia contarei, com as palavras certas, uma realidade a que nenhum embaixador português escapa no Brasil: o ter de equilibrar, na sua ação, o respeito histórico que é devido a essa memória de resistência ao período ditatorial com a permanência, bem ancorada ainda em algumas instituições da comunidade luso-brasileira, de um forte núcleo saudosista do tempo anterior ao 25 de abril. Estas últimas pessoas espelham uma certa comunidade histórica tradicional, a qual viria a ser reforçada nesse sentimento, depois de 1974, por quantos saíram apressadamente de Portugal, temerosos dos novos tempos revolucionários, e ainda por pessoas que abandonaram Angola e Moçambique, por ocasião da independência desses novos países.

O embaixador de Portugal, sendo naturalmente representante do Estado democrático que hoje existe em Lisboa, tem de ter em conta toda a gente: desde quantos comemoram alegremente o 25 de abril até quantos detestam, aberta ou veladamente, essa data e ainda mantêm, em vários espaços do seu movimento associativo, bustos ou retratos de Salazar, de Carmona ou mesmo Américo Tomás. 

É uma “arte” conseguir fazer essa “quadratura do círculo” e, podem imaginar, esse comportamento foi bastante difícil para um embaixador que tinha sido militar no 25 de abril e que nunca escondeu as suas convicções políticas. Mas, com falsa modéstia, julgo ter conseguido ter sempre o tom certo, perante essas memórias afetivas contraditórias.

Tudo isto serve para retomar o fio à meada, daquilo que escrevi no primeiro parágrafo deste texto. Tentei, embora um pouco tarde demais no meu tempo de funções, organizar em congresso académico sobre o exílio português no Brasil durante o período da ditadura de Salazar e Caetano. (O que tentei no Brasil acabei por conseguir fazer, anos mais tarde, em Paris). Reuni com a UFRJ e organizei um encontro com dois especialistas luso-brasileiros no assunto: Heloísa Paulo e Douglas Mansour da Silva. Mas não fui capaz de concitar os apoios que eram essenciais - e, claro, não podia contar, para o exercício, com as instituições representativas da comunidade luso-brasileira, pelo facto destas viverem no conflito que antes explicitei.

Ao tempo da minha ida para o Brasil, tinha uma particular curiosidade em poder vir a conhecer pessoalmente uma figura de quem tinha lido uma prolífica obra de historiografia sobre o movimento libertário português, Edgar Rodrigues. Fora alguém que se vira obrigado a exilar-se no Brasil e que continuava bastante ativo na escrita. Era então o mais antigo exilado político português no Brasil ainda vivo. Para meu grande espanto, a generalidade das pessoas com quem falei, do setor democrático e oposicionista da comunidade portuguesa, desconheciam a sua figura ou só muito vagamente tinham ouvido falar dele. 

Tive algum trabalho para obter mais dados sobre ele. Mas o que pude apurar, somado à importância das dezenas de obras que publicou, foi suficiente para me decidir propor que lhe fosse atribuída a distinção da Ordem da Liberdade, em Portugal. Essa minha ideia caiu, contudo, em saco roto, em Lisboa. Falei então com Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de abril, que se ofereceu para promover a oferta da Medalha daquela Associação a Edgar Rodrigues. Fiz-lhe entrega desse galardão - que foi o reconhecimento possível - num encontro que tive com ele no Consulado-Geral no Rio de Janeiro, antes da minha saída definitiva do Brasil, em 11 de novembro de 2008, de que deixo registo fotográfico.

Edgar Rodrigues veio a morrer meio ano mais tarde, em 15 de maio de 2009. No passado fim de semana, no âmbito do LEV - Literatura em Viagem, um festival literário em Matosinhos em que, por coincidência, fui dos participantes convidados, foi feita uma homenagem a Edgar Rodrigues que este ano, se fosse vivo, completaria 100 anos. Veremos se, finalmente, esta efeméride e esta evocação permitem fazer renascer a ideia de lhe ser atribuída a Ordem da Liberdade.

domingo, maio 16, 2021

“Entrevista de vida”


O LEV - Literatura em Viagem, um festival literário já consagrado, que anualmente se realiza em Matosinhos, convidou-me a nele participar. 

Durante uma hora, no cenário muito bem recuperado do Teatro Constantino Nery, dei ontem uma “entrevista de vida”, muito bem conduzida por Hélder Gomes.

Quem estiver interessado, pode ver e ouvir a entrevista clicando aqui.

Acusação

Há tempos, num supermercado, uma senhora, que, pelo tom de voz, imaginei sorridente por detrás da máscara, disse-me: “Devo-lhe uns quilos!” Não percebi. Ela esclareceu: “Visitei alguns dos restaurantes que aconselhou nas redes sociais. E, olhe!, engordei!”. Mas não levou a mal...

Decidam-se!

 


As restrições às viagens, por virtude da crise pandémica, arruinam a organização do trabalho das pessoas...

sábado, maio 15, 2021

O mundo é muito pequeno!


Não anotei o seu nome. O cidadão português que se aproximou de mim, numa pausa de um evento que teve lugar no palácio de S. Clemente, residência do cônsul-geral de Portugal no Rio, queria apenas dizer-me que tinha uma ligação à minha terra, a Vila Real. Estávamos em 2006, ao tempo em que eu era embaixador no Brasil.

“Cheguei a viver uns meses na sua terra, senhor embaixador. Fui com o meu avô para lá”. Achei curiosa a referência e atentei no relato que ele me fazia. 

Às vezes, para não desiludir os interlocutores, devo confessar que os embaixadores fingem interessar-se por histórias que os muitos cidadãos do seu país com quem se cruzam no estrangeiro lhes contam, nessas apressadas ocasiões públicas. Mas, neste caso, a minha atenção era muito genuína. E tinha a ver com as datas que ele me dizia. É que tínhamos coincidido na capital transmontana, teria eu então uns 14 ou 15 anos. A cidade era pequena, eu conhecia por ali toda a gente. Onde é que ele vivera?

Explicou-me que a estada da sua família, em Vila Real, fora relativamente curta, bem menor do que expectável. O seu avô, homem de muitas posses, transmontano residente no Brasil, tinha comprado uma casa muito interessante, no centro da cidade, e tinha tido o cuidado de mobilá-la com algum requinte. A isso fora ajudado por pessoas amigas, creio que do Porto. Decidira escolher para a casa excelentes móveis, objetos de decoração, tapetes. A ideia seria firmar uma posição na cidade e, para isso, possuindo ele os meios, procurou garantir um apetrechamento adequado da habitação.

A vida, contudo, é sempre feita de surpresas. Escassos meses tinham decorrido desde a instalação em Vila Real e, por uma razão que creio que me explicou mas que esqueci, o seu avô, e com ele a família, haviam tido necessidade de regressar rapidamente ao Brasil. Em poucos meses, todo o esforço de montagem daquela magnífica casa se gorou. Coisas que tinham acabado de ser adquiridas, acabaram por ser postas à venda, num prazo de tempo curto, a um preço, ao que se lembrava, abaixo do seu real valor. “Havia peças lindíssimas”, recordava-se o meu interlocutor, que, embora bem jovem à época, guardava uma memória impressiva da casa do seu avô.

Eu estava cada vez mais curioso com a história - e já perceberão porquê. “Diga-me uma coisa”, inquiri, “onde ficava a casa do seu avô?”. A explicação era pouco precisa, mas rapidamente entendi do que ele falava, quando me disse: “Era um primeiro andar, mesmo no centro da cidade, sobre uma loja comercial, junto a dois cafés”.

A certa altura, com a expressão da minha curiosidade a parecer já um pouco estranha ao meu interlocutor, perguntei-lhe: “Tem ideia de como eram os sofás da sala do seu avô?”. O homem olhou para mim com um ar um pouco espantado, mas adiantou: “Claro que recordo! Eram em tons de verde, com desenhos florais em veludo”. Forcei a sorte: “E tem ideia de haver na casa um espelho grande, clássico, dourado?”

Neste ponto da conversa, o homem já esbugalhava os olhos. “To make a long story short”, posso concluir que lhe disse: “Se um dia tiver saudades desse espelho, se quiser sentar-se nesses belos sofás e quiser ver como ainda está bem conservada uma grande carpete, em tons verdes, de Beiriz, que atapetava essa habitação do seu avô, eu convido-o a ir a minha casa, lá em Vila Real. Está lá tudo isso!”

O meu interlocutor estava entre o surpreendido e o comovido. Eu expliquei: o período em que o seu avô tinha decidido desfazer-se do excelente recheio da sua casa em Vila Real coincidira, precisamente, com aquele em que tínhamos ido viver para a nova residência do gerente da Caixa Geral de Depósitos, cargo que o meu pai ocupava. O inesperado surgimento, à venda na cidade, de um magnífico conjunto de peças de mobiliário e decoração, em estado praticamente novo, a um bom preço, caíra “como sopa no mel” nos planos dos meus pais, ajudando-os a rechear a imensa casa que então fomos ocupar. E eu era - e ainda sou, nos dias de hoje - o feliz herdeiro de todas essas peças. 

O mundo é muito pequeno, como se vê!

sexta-feira, maio 14, 2021

Na vizinhança



A bem dizer, o “Geographia” é o restaurante mais próximo de minha casa. E, injustamente, poucas vezes me lembro de lá ir. Fi-lo ontem, para jantar. E, como sempre - sempre, repito - aconteceu, saí imensamente satisfeito. 

O “Geographia” justifica que, por uma vez, eu use a irritante palavra “conceito”, aplicável a uma casa onde se vai para comer e beber. O “Geographia” é um “conceito” muito original no nosso país: apresenta pratos dos várias regiões e culturas que Portugal, na sua aventura imperial, cruzou pelo mundo, da Ásia à América e à África. Fá-lo com um extremo cuidado na apresentação, sem “sublinhar” em excesso certos sabores específicos, adequando o equilíbrio culinário ao gosto português médio, mas sempre de uma forma elegante e até sofisticada.

O “Geographia”, que fica na parte elevada de um largo junto ao Museu Nacional de Arte Antiga, tem um serviço de mesas jovem, bem disposto e muito atento. Com os devidos cuidados a que a “saison” sanitária obriga, ontem foi reconfortante ver por ali uma casa com razoável número de clientes. 

Porque acho que o património em matéria de diversidade gastronómica é uma riqueza nacional que nos compete preservar, devemos apoiar o esforço que os restaurantes fizeram neste tempo de pandemia e recompensá-los com a nossa frequência.

Ao leitor de Lisboa que não conhece o “Geographia”, recomendo francamente uma visita. E isto é muito sincero, pode crer! Aceito reclamações.

quinta-feira, maio 13, 2021

O silêncio dos Borges


Há pouco, li uma citação de Jorge Luís Borges: “No hables a menos que puedas mejorar el silencio”. E ao ver o nome Borges associado à palavra silêncio, vieram-me à memória duas figuras que faziam parte do meu cenário de infância e juventude, em Vila Real: os “Borginhos”.

Eram dois irmãos, gémeos, franzinos, de estatura pequena, de uma família relevante na cidade. Ambos eram engenheiros técnicos, ambos trabalhavam na Junta Autónoma de Estradas. 

Lembro-me deles sempre vestidos de escuro, muitas vezes pelos corredores do Club de Vila Real. Muito discretos e reservados, eram pessoas bastante consideradas. Eu, confesso, não distinguia um do outro. Como tinha uma parte da minha família na mesma área profissional dos “Borginhos”, falava-se bastante deles lá por casa. Sempre bem, diga-se.

Há tempos, dei-me conta de que um dos “Borginhos”, Filipe (o outro chamava-se José Manuel), tinha sido um excelente fotógrafo amador. Uma nota do Museu do Som e da Imagem da cidade dá-os a ambos envolvidos na “fundação do Sport Clube e do Circuito de Vila Real, dividiram o interesse pelo coleccionismo, pelas artes, pela arquitectura, pela heráldica, pelos desportos motorizados”.

Ao que se dizia, o pai desses dois irmãos, o senhor Borges, era uma pessoa muito parcimoniosa nas palavras ou, para utilizar linguagem comum, um homem de poucas falas. O silêncio seria cultivado entre ele e os filhos, sendo frequentemente vistos os três a passear pela cidade, sem falarem entre si. É talvez um mero mito, mas dele nasceu uma inocente historieta que sempre ouvi.

Um dia, na viragem entre os séculos XIX e XX, o senhor Borges e os seus dois filhos teriam ido passear para o Jardim da Carreira, então um muito frequentado local de lazer de Vila Real.

À entrada no portão, um dos “Borginhos” terá comentado: “Quer-me parecer que hoje vai chover!”. Sem que esta afirmação tivesse desencadeado qualquer conversa, o trio terá continuado, silencioso, a percorrer as duas centenas de metros que vão até à fonte no fundo do jardim. 

Lá chegados, o outro gémeo terá dito: “Não vai chover! Vai estar sol todo o dia.” A esta frase, que, no fundo, contestava a que o irmão tinha dito minutos antes, voltou a suceder-se um silêncio. Silêncio que se prolongou no regresso, até ao portão, que viriam a atravessar minutos mais tarde. 

Terá sido então nesse instante de chegada à rua que o pai Borges terá dito: “Os meninos já sabem que eu não quero ouvir discussões entre vocês!”. E, dado o raspanete, lá seguiram, até casa. Em silêncio. No silêncio dos Borges.

quarta-feira, maio 12, 2021

“A Arte da Guerra”


No programa “A Arte da Guerra”, falei hoje com António Freitas de Sousa sobre o saldo da Cimeira Social europeia no Porto, sobre as movimentações diplomáticas da Arábia Saudita junto de Estados com os quais mantinha contenciosos e, finalmente, sobre o estado da liderança de Boris Johnson no Reino Unido - refletindo sobre o saldo do Brexit e o que é expectável nas relações futuras de Londres com Bruxelas, Washington e Pequim.

Pode ver aqui.

Mito

A história de que o Sporting passa muito tempo sem ganhar títulos é um dos grandes mitos nacionais. Olhem! Ainda ontem ganhámos um!

terça-feira, maio 11, 2021

Do Sporting


Por que é que sou do Sporting? Sou do Sporting porque não sou do Benfica, poderia responder. 

Quando a opção clubística se me terá colocado, nos anos 50, o país dividia-se entre os dois clubes. O Porto tinha uma expressão acentuadamente regional e só a Académica, em especial para quem tinha passado por Coimbra, e o Belenenses, que funcionava como uma terceira, sofisticada e quase aristocrática terceira opção lisboeta, convocavam alguns adeptos e juntavam fiéis. 

Sporting e Benfica disputavam então, quase taco a taco, a liderança nacional, com o Porto ainda a uma imensa distância. Depois era quase o deserto. Nem o Braga nem o Boavista, que, décadas depois, viriam a dar um ocasional ar da sua graça, tinham uma existência relevante no panorama do futebol nacional.

Pela província, havia, claro, preferências locais, mas não havia nenhum adepto dessas agremiações que não tivesse um clube “grande” como referência da sua afetividade nacional. Eu “era” do Sport Clube de Vila Real, o meu pai era adepto do Vianense. O rival do meu clube local era o Desportivo de Chaves, o meu pai não gostava do Braga. Mas éramos ambos do Sporting.

Em Vila Real, onde vivíamos, os benfiquistas estavam em maioria, mas havia imensos adeptos do Sporting. Os portistas eram então muito poucos. Passei a ser “do” Sporting, imagino, porque aconteceu o meu pai ser, desde a juventude, adepto do Sporting. Estou em crer que, acaso ele fosse do Benfica, talvez eu tivesse ido por aí. 

Aqui chegados, o que significa continuar a ser, décadas depois, adepto (e associado, como é o meu caso) do Sporting? 

Da sua rivalidade a par do Benfica, nesses meus primeiros tempos de adepto, o Sporting veio a entrar num inegável declínio, a nível de títulos, deixando-se “atrasar”, a nível nacional, face ao Benfica, com este a somar ainda alguns êxitos externos muito significativos. 

O Porto, entretanto, começou a crescer e, com o passar dos anos, veio a afirmar-se como uma força, não apenas nacional, mas mesmo com êxitos internacionais hoje sem igual em Portugal. O Porto chegou, sem a menor dúvida, à liderança do futebol nacional e, na nossa história interna, ganhou uma evidente primazia face ao Benfica - mas não me quero meter na “guerra” entre os dois clubes, que não é a minha.

Como sportinguista, aproveito para dizer, nunca tive o Porto como um clube rival. A única rivalidade que verdadeiramente sempre senti foi com o Benfica. Talvez isto tenha a ver com a idade, com o “histórico” da minha pertença afetiva ao clube e ao seu adversário clássico. Mas, devo confessar, talvez por isso, as Antas ou o Dragão nunca fizeram parte do meu imaginário competitivo. Por isso, as vitórias ou derrotas do Porto, não me deixando indiferente, marcam-me muito pouco. 

Alguns amigos sportinguistas estarão a pensar, chegados a este ponto do texto, que subestimo aqui o incomparável ecletismo desportivo do Sporting, área em que o clube nunca perdeu a liderança nacional. Numa imensidão de modalidades, no passado como no presente, o Sporting tem um palmarés que é único e incontestável. Mas, deixemo-nos de “diversões”: para o que na verdade conta, na expressão relativa de força dos clubes nacionais, é do futebol sénior que falamos.

Os sportinguistas da minha geração, com os anos, desabituaram-se, a certa altura, de ganhar títulos com regularidade. Íamos sendo campeões a espaços, com um êxito aqui ou ali. A regra era não ganhar, a vitória passou a ser uma exceção. 

Se, para essa minha geração, ainda havia um passado forte em vitórias lá no fundo, para os mais novos, a realidade era e é bem menos brilhante. Devo dizer que, por isso mesmo, tenho uma profunda admiração pelas gerações mais novas de sportinguistas, que hoje se prendem afetivamente a um emblema que só episodicamente lhes dá as alegrias que outros têm com maior frequência. Acho tocante que preservem essa fé na ocorrência de uma vitória com sabor forte, que o tempo lhes provou ir sendo apenas a espaços.

Foi nesse cenário de vitórias episódicas que fui ganhando, sem qualquer “teatro” da minha parte, aquilo que é o meu orgulhoso sportinguismo. Ao longo destes muitos anos “de casa”, confesso que, embora não me agradando, consegui viver sempre, sem excessivo sofrimento, a saída desse tempo de vitórias regulares para o surgimento de um outro tempo em que, de quando em quando, surge um saboroso êxito. 

Cada um é adepto à sua maneira. Conheço sportinguistas que são muito diferentes de mim: na emoção, na competitividade, na garra. Eu sou como sou. Gosto imenso que o Sporting ganhe, fico muito contente por um título poder ser obtido no meio desta quase insuportável pandemia. Em especial, satisfaz-me ver hoje tantos miúdos vestidos de verde, cor da esperança que põem na hipótese do Sporting voltar à liderança desportiva no país. As vitórias do Sporting são-lhes dedicadas. Estou assim com eles nesta felicidade conjuntural, embora uma vida como sportinguista me tenha moldado as emoções a um “possibilismo” que, evitando arrastar-me para o sofrimento, convoca em mim uma alegria ainda maior e mais saborosa quando as vitórias acontecem. Vivo muito bem assim, não trocaria esta minha forma de afetividade pelo Sporting por nenhuma outra. 

Sporting sempre!

segunda-feira, maio 10, 2021

Mitterrand e a moda


Caramba! Passaram já 40 anos! Lembro bem a noite de 10 de maio de 1981, dia da vitória de François Mitterrand nas eleições presidenciais francesas.

Vivia então na Noruega e organizámos um jantar em casa para acompanhar as notícias, que nos iam chegar pela rádio de ondas curtas e pelas televisões norueguesa e sueca, as únicas que nos eram acessíveis. Convidei amigos que nos podiam ajudar a "decifrar" os noticiários naquelas línguas, além de outros que o acaso juntou nessa noite nórdica.

A esmagadora maioria dos nossos convivas, onde se contavam alguns diplomatas estrangeiros, muitos temerosos da anunciada chegada dos comunistas ao poder, acabava por alinhar num "giscardianismo" de oportunidade. Tudo menos Mitterrand! 

Nada de estranho, se pensarmos que a Guerra Fria estava ainda muito presente na vida internacional e que a experiência francesa assustava então muita gente. Estas coisas hoje parecem ridículas, mas, à época, havia quem falasse, sem rir, na possibilidade de tanques russos não tardarem na place de la Concorde.

Quando as notícias da vitória de François Mitterrand se confirmaram, esse núcleo de amigos conservadores entrou numa aberta depressão. As teses sobre o que iria suceder em França eram catastróficas: de desordens públicas a um conjunto de malfeitorias que a nova maioria, que forçosamente sairia das eleições legislativas subsequentes, seguramente iria desencadear, tudo era de esperar da "révanche" da chegada da esquerda ao poder.

Num certo casal estrangeiro, em que ela era bastante mais nova, notei que o marido, que trabalhava num banco, estava a ser carinhosamente consolado pela mulher, solidária na conjuntural desventura política do cônjuge. Mas era por demais evidente que ela tinha muito pouca consciência da complexidade do que estava a ocorrer. O marido, com a gravidade expressa no rosto fechado, disse, a certa altura: "Isto vai provocar uma desvalorização fortíssima do franco, vai ser gravíssimo!".

Eu não me continha e lançava umas piadas, em jeito de provocação. A certa altura, saiu-me esta: "Bom, há que perceber as vantagens de uma desvalorização do franco. Por exemplo, a roupa que se vende em França vai ficar muito mais acessível, a moda francesa vai embaratecer, agora é que vai valer a pena ir a Paris, às compras".

O que eu fui dizer! Mal eu tinha acabado de falar, vejo os olhos da jovem brilharem, a cara abrir-se-lhe num esgar de felicidade, como que por uma súbita descoberta das virtualidades da vitória da esquerda. Voltou-se então para o marido e, numa voz bastante audível, tanto mais que ele era meio surdo, disse-lhe: "Ouviste? É verdade que os vestidos vão ficar mais baratos? Não podíamos ir agora a França?".

Parte da sala sorriu. O meu amigo ignorou-a, olimpicamente, e fuzilou-me com o olhar. 

Eu ria, abertamente, feliz da vida com o resultado, olhando na televisão a place de la Bastille apinhada de gente. Com imensa pena de lá não estar!

O ar do tempo

Há um país que se sente mal neste país. Há um país que acha que o país o não segue ou, quando acaso episodicamente o faz, nunca consegue pôr o país a seu jeito. Há um país com uma infindável raiva, que acha que o país o não compreende, que vive num mal-estar endémico, em “blues” eternos. Há um país que acha que tem uma ideia salvífica para o país, a mezinha mágica para pôr isto direito, mas que o país, pateta, não consegue nunca entender. Há um país sobranceiro, arrogante, feito de gente que, afinal, apenas gostava que o país fosse aquilo que eles acham que o país devia ser. E que, talvez não por acaso, não é.

Esse país, que agora por aí anda com a bílis à solta, não gosta do país que tem, não gosta afinal do país que lhe deu a liberdade de não gostar do país. É o país tremendista do “nós” e do “eles”, em que estes últimos são o sujeito de todos os males, que só não são curados porque a “nós” não é dada a possibilidade de os corrigir. Esse país que agora anda muito vocal, mas que nunca fez nada pelo país, é filho incógnito daqueles a quem, em todas as épocas da nossa História, sempre desagradou o país que tinham. Para esses melancólicos iluminados pelas luzes da outra verdade, isto sempre foi uma “choldra”, uma “seca” feita país, a que urge abrir as portas e as janelas, deixando entrar o ar do tempo. O deles.

No passado, esse país indisposto com o país, era então o estrangeirado. Lá fora estavam todas as soluções, só era necessário importá-las para que a modernidade das ideias, afinal tão óbvia, pudesse aqui frutificar e dar-lhes, finalmente, a glória dos profetas. Com Abril, desembarcaram em Santa Apolónia, com livros e ambições de reconhecimento. O país, que tem da generosidade o sentido da medida, deu-lhes o que era devido. Não mais.

Mas a semente, qual OGM, mudou de qualidade, transmutou-se. O país do despeito transitou entretanto de geração, ilustrou-se nas Américas, leu Popper e, enterrando o latino, anglo-saxonizou o seu projeto. Andou os últimos anos a fazer livrinhos, acolhido em universidades de receita segura, colunizando-se pelas plataformas da moda. Nos partidos, onde se muda a política com a legitimidade das vontades expressas, entram e saem, nervosos, à medida das ambições, falhos de votos e reconhecimento. Cavalgando as inseguranças de muitos, as dúvidas de uns tantos, os temores de alguns, ei-los agora a adubar de populismo os seus discursos, tentando que os dias do país se confundam com os da sua raça.

Quem os topava bem era o O’Neill, que os citava, definitivos e, no entanto, tão tristemente provisórios: “Não, não é para mim este país!”. E era também um poeta, imaginem!, de Portalegre, Régio de seu nome mas republicano de gema, quem lhes respondia, quem lhes responde, em nome do país: “Não vou por aí!”

(Publiquei este texto aqui, vai para dois anos. Depois de ler uma entrevista a um semanário, no passado fim de semana, lembrei-me dele)

domingo, maio 09, 2021

Realmente

Acho que a Meghan e Harry, para completarem o ciclo habitual das vedetas do “star system” anglo-saxónico, em que tão esforçadamente se envolveram, já quase só falta uma estrondosa separação. Até lá, vão faturando.

As têvês

Houve um tempo em que tínhamos menos de meia dúzia de canais televisivos, pela qual pagávamos uma coisa simbólica, a qual, custeando também uma rádio pública sem publicidade e assegurando coisas como as RTP/RDP Internacional e África, era das mais baixas da Europa. Tudo bem!

Fomos então convencidos a passar para o cabo, que já não era tão barato quanto isso. Mas os “pacotes” vinham embrulhado com a net, os telefones, numa geometria variável de opções que, como é da regra destas coisas, induz um deliberado embaraço na escolha.

Mas, com os diabos!, passámos a ter “centenas” de canais disponíveis! Que bom! Só que depois, vendo bem, além de pagarmos o cabo e o tal preço simbólico dos canais tradicionais, cada vez é preciso desembolsar mais para abrir muitas dessas tais “centenas” de canais “disponíveis”, os Netflix, a SportTV e imensas coisas assim.

E os canais televisivos tradicionais, concessionários de licença pública, que originalmente víamos pagando a “taxa”, que já têm o dobro da publicidade da televisão pública, criam, eles próprios, como agora se (não) vê com a Opto, sistemas de acesso fechados. E para ver o melhor desses canais, temos de pagar mais...

After Eight


Creio que foi já nos anos 70 que o “After Eight” entrou em Portugal. A certa altura, não havia jantar social em que, com o café, não fossem servidos aqueles retângulos de chocolate com uma pasta de mentol dentro.

As donas de casa, ou os empregados, quando existiam, traziam aquilo aos convidados, numas caixas verdes de papel que, até lá, se colocavam nas prateleiras do frigorífico. 

Com os anos e os calores de época, todos tivemos a experiência de ser servidos de “After Eight” moles e pegajosos, difíceis de tirar do “saco” de papel, visivelmente reciclados da sua frescura antiga, que dava uma imensa e atrapalhada trabalheira deitar fora, quando estávamos em casa alheia. Graças a mim, várias plantas em vasos floresceram a cheirar a mentol.

Há um belo restaurante lisboeta que manteve, desde sempre, a tradição de servir um “After Eight” com o café. A quem acertar no nome da casa estou em condições de prometer que, quando lá forem, irão ter direito a um “After Eight”. E podem dizer que vão da minha parte.

Notícias do foguetão

A prova provada de que o meu sentido cívico está em franco declínio é o facto de me não conseguir interessar minimamente pela magna questão do foguetão chinês que vai cair por aí. Vou mesmo dormir sem pensar no assunto, o que me coloca numa posição político-social insustentável.

sábado, maio 08, 2021

Uma tasca histórica


Na fotografia estão pai, mãe e filho, a “troika do bem” que rege a “Imperial de Campo de Ourique”, uma das minhas mesas de estimação.

(Tenho ido pouco por lá - tenho ido pouco a toda a parte! Assumo que faço parte do grupo dos “cobardes” da pandemia: até tomar a segunda dose da vacina, não almoço ou janto em grupo, nem mesmo em família. Os meus amigos queixam-se imenso e sou brindado com epítetos qualificativos que nem me atrevo a revelar. Tenho para mim, contudo, que só se vive uma vez e, ao que me consta, esta é a última. Por isso, acho que todo o cuidado é pouco, faltando escassos dias para que possamos usufruir de maior liberdade. Mas percebo que este meu entendimento não seja o de outros.)

Hoje, fui almoçar à “tasca do João”, como também é conhecida a “Imperial de Campo de Ourique” (no 67 da rua Correia Teles. Mas só abre para almoços!). Tenho por hábito ir lá, aos sábados, para o bacalhau à minhota que a dona Adelaide prepara e que o Nuno me traz, sabendo bem de que tipo de posta eu gosto mais. Mas hoje havia também um cabrito. Abriu-se a refeição com um queijo amanteigado, simpático, cuja origem não cuidei em saber. O novo vinho da casa deu um imenso salto positivo, evitando mesmo o recurso ao “Rafeiro”, um alentejano razoável (no palato e no preço) que, por lá, nos últimos tempos, se bebe muito. Belas laranjas da Chamusca fecharam o menu, resistindo ao arroz doce, marca da casa.

No final tomei um café. Normalmente tomo dois. O João traz logo duas chávenas, ao mesmo tempo. Há uns meses, a curiosidade da minha parceira de mesa foi ao ponto de espreitar para dentro das chávenas, dando-se então conta que a cor do “café”, na segunda, era ligeiramente diversa da outra. Foi ver: era “Jameson”. E assim ficou prejudicado um truque que, por meses, eu e o João tínhamos montado, com sucesso...

O João quer agora que a sua casa passe a “Loja com História”. Eu acho que sim. Se também é frequentador e acha o mesmo, escreva a dizer isso para distincao.lojashistoria@cm-lisboa.pt .

Brasil

Desejo o melhor para o Brasil, mas, no auge de uma pandemia onde a morte é levada, por flagrantes erros oficiais, a dar “prioridade” aos mais pobres, uma ação repressiva “cega” como a que está a ocorrer no Rio pode ajudar criar uma “bomba relógio”, naquele país de desigualdades.

PPUE 2021




Lá para as dez e tal da noite de um dia do primeiro semestre de 2000, durante a segunda presidência portuguesa da União Europeia, em que tínhamos passado o dia dentro do edifício Justus Lipsius, em Bruxelas, desde as oito e tal da manhã, em sucessivas reuniões de trabalho, de janelas fechadas, respirando ar “artificial”, imensamente cansado, voltei-me para Jaime Gama, no carro de regresso ao hotel, e comentei: “O dia hoje correu muito bem!“. 

Gama respondeu-me com uma pergunta e uma resposta: ”Sabe por que correu bem? Porque já andamos por aqui há muito tempo! Olhe à volta daquela mesa: com as sucessivas mudanças de governos, nós somos dos mais antigos. Conhecemo-los a todos, desde o pessoal do secretariado do Conselho até à gente da Comissão, sabem bem quem somos e como somos. Torna tudo mais fácil!”.

Era bem verdade! Pensei nisto, há pouco, ao olhar a ”coreografia” da presidência portuguesa da União Europeia, no Palácio de Cristal, no Porto. 

A nossa equipa “política” está mais do que rodada: António Costa, que já foi vice-presidente do Parlamento Europeu, é dos mais “seniores” de entre os primeiros-ministros, o que é muito importante para quem vem de um país da nossa dimensão.

O MNE Santos Silva leva mais de um mandato no cargo, depois de ter sido ministro, creio, de quatro outras pastas. 

A secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Ana Paula Zacarias, acumula a sua experiência política nacional com o cargo anterior de embaixadora da União Europeia em vários países.

Na frente diplomática, dispomos de uma equipa rodada e verdadeiramente “de luxo”. Em Bruxelas, os embaixadores Nuno Brito e Pedro Lourtie. Em Lisboa, os seus colegas Rui Vinhas e Madalena Fischer. Tudo gente do melhor que o MNE tem “produzido“. Todos com anos de experiência, o que lhes confere uma grande autoridade como interlocutores negociais.

A presidência portuguesa de 2021 está a correr bastante melhor do que eu tinha julgado poder ser possível, atendendo ao constrangente circunstancialismo criado pela pandemia. Com a qualidade da equipa que colocou no terreno, em condições normais de trabalho, estou em crer que os resultados seriam ainda mais relevantes do que têm sido.

Portugal confirmou, uma vez mais, aquilo que a Europa há muito já sabe: sob a liderança portuguesa, as presidências semestrais são conduzidas com forte sentido de responsabilidade e são sempre muito bem sucedidas. 

Em todos os quatro momentos em que, nos últimos 35 anos, isso sucedeu, em ciclos políticos nem sempre idênticos, constatou-se igualmente que o facto de Portugal dispor de equipas políticas e diplomáticas rodadas para o exercício dos cargos acabou por ser um fator determinante para esses sucessos.

Barreto

A entrevista que de António Barreto hoje dá a um semanário é um auto-retrato demasiado cruel que acaba por fazer de si mesmo. Tenho pena que Barreto se furte a ponderar, ao dizer algumas das coisas que diz, entre algumas outras sensatas, na ajuda que assim presta a notórios setores anti-democráticos.

Moedas

Carlos Moedas, um homem sério, cordato e competente, que honrou Portugal num cargo de comissário europeu, que ele próprio teve o mérito de “construir” e onde se (e nos) prestigiou, deve perceber que um discurso “caceteiro” pode atenuar-lhe a derrota mas afetar-lhe a (boa) imagem.

AO


No “Expresso”, Henrique Monteiro disse tudo o que é preciso dizer, sempre com uma gargalhada à mão.

sexta-feira, maio 07, 2021

“Observare”


Este sábado, o “Observare” será naturalmente dedicado à Europa, em especial à reunião magna do Porto.

Sob a coordenação de Filipe Caetano, Carlos Gaspar, Luís Tomé e eu, estaremos em direto, a partir das 15:00 horas, na TVI 24.

Em terras de Sá Carneiro

O candidato do PSD à Câmara do Porto, que é Feliz de nome, tal como o são as coincidências, disse que fará “das tripas coração”. Se o disse por graça, “chapeau” para a “trouvaille”. Se foi por acaso, merece o resultado que vai ter.

Depois, digam que não avisámos!


 

Embrulhem!


Há ainda por aí quem se não sinta orgulhoso, como português, ao ler isto, no editorial da “Sábado”, sobre a atitude da nossa população e dos trabalhadores imigrantes, que operam nas estufas alentejanas?

À dúzia!


O Estrela da Amadora ganhou 2-1 ao União de Leiria. Durante alguns segundos (leram bem!), ao minuto 83, o Estrela, por uma confusão aquando de uma substituição, teve momentaneamente 12 jogadores em campo. O árbitro deu rapidamente conta do sucedido, a situação foi corrigida e o jogo prosseguiu. No final, o Leiria anunciou ir protestar o jogo. (Claro! Só faltou aos seus dirigentes dizerem: “Se tivéssemos ganhado, protestávamos na mesma...”. Nós sabemos!)

Há uns bons anos, vai para quase meio século, uma seleção portuguesa foi a Goiânia, no Brasil, para um jogo com o “escrete canarinho”, para inauguração de um estádio. Era selecionador nacional José Maria Pedroto. 

Num certo momento do jogo, também por uma confusão, aquando de uma lesão de um jogador (que foi logo substituído, mas que, não tendo notado isso, regressou ao campo), Portugal passou a jogar, por alguns minutos, com 12 jogadores. 

Das bancadas começaram a ouvir-se fortes protestos. No banco português, que não tinha dado conta do lapso, estranhando o que entendeu ser um deselegante bruá anti-luso, tanto mais tratando-se de um jogo “amistoso” (entre nós, “amigável”), o selecionador enfureceu-se e ameaçou que a equipa nacional interromperia o jogo e recolheria ao balneário. 

Ao que parece, teve de vir da tribuna até ao banco o chefe da delegação portuguesa, para convencer Pedroto, sob o olhar preocupado do embaixador português, Vasco Futscher Pereira. 

Foi graças à intervenção desse vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol que o assunto se resolveu. Deixo aqui o nome desse dirigente futebolístico, que ali ganhou o seu lugar no memorial nacional, para que conste: Marcelo Rebelo de Sousa.

Eduardo Cabrita



Escrevi, há tempos, um texto em que dizia isto sobre Eduardo Cabrita. Em tempos de “assédio” ao ministro, por parte da oposição, aqui repito:

“Há muito que se notou que Cabrita é um mal-amado da comunicação social, que nunca pareceu simpatizar com o estilo do ministro, que admito possa ser lido como algo pomposo, quiçá arrogante. Cabrita não promove a captura charmosa dos média, mostrando-se sempre muito afirmativo e distante, projetando a ideia de que tem poucas dúvidas nos caminhos que segue. Acresce que as ironias políticas, que às vezes ensaia publicamente, não parece fazerem parte sua especialidade, embora se diga que, em privado, é um homem com sentido de humor.

Porque governa em minoria, mas também por estilo próprio, António Costa rodeia-se de pessoas sobre as quais possa exercer forte autoridade política e, em muitos casos, em quem tem grande confiança pessoal. É sabido que Cabrita faz parte, há muito, do círculo próximo do primeiro-ministro. No plano operativo, é o que os anglo-saxónicos chamam um "trouble shooter", em português corrente, um "carregador de pianos", disponível para tarefas difíceis. Quem o conhece sabe que é um político com elevado sentido de serviço público, de uma integridade à prova de bala.”

Deixo aqui um abraço solidário ao Eduardo Cabrita.

Precedências


Quem fica à frente de quem numa cerimónia pode parecer uma questão bizantina para um observador comum, mas não o é para quem conhece as questões institucionais. 

A ordem de precedências repercute a hierarquia de poderes. Por alguma razão, por muitos anos, depois do 25 de abril, a lista de precedências das autoridades do Estado esteve “congelada”: a ausência de consenso em matérias que metiam presidência de tribunais superiores, chefias militares e um certo tipo de governantes, por exemplo, criou muitas dificuldades. 

Pelo caminho, ficavam outras questões polémicas, como o lugar das autoridades religiosas ou o gesto, que alguns consideram dever ser feito, ao familiar em linha direta da última família que titulou a monarquia. Mas lá se chegou a um consenso relativo, com alguns restos de ambiguidade pelo meio.

Se, ao nível nacional, as coisas têm esta delicadeza, no plano externo o tema assume uma imensa complexidade, porque pode significar desigualizar os países. Mas é também uma questão sensível no âmbito das organizações internacionais.

Há semanas, assistimos à cena da presidente da Comissão Europeia, na Turquia, ter sido privada de um lugar equivalente, em precedência, ao do seu colega presidente do Conselho Europeu, com este último a assumir o “faux pas” de deixar que a cena se passasse como se passou. O famigerado Tratado de Lisboa é um dos culpados de isto acontecer, para além de outras coisas más, entre as poucas boas, que trouxe à vida europeia.

Passaram mais de duas décadas anos, pelo que acho que já posso contar uma história ocorrida no Conselho Europeu de Lisboa, em março de 2000, bem antes daquele tratado.

Depois de um almoço do Conselho Europeu, com os primeiros-ministros, iam reunir os ministros dos Negócios Estrangeiros dos então “quinze”. 

A certa altura, no caminho para a reunião, naquele espaço junto à Junqueira, senti que alguém me metia o braço: era Javier Solana, desde há meses Secretário-Geral do Conselho e Alto-Representante para a Política Externa e de Segurança Comum. 

Eu sabia que ele não andava muito bem disposto. Na noite anterior, tinha tido um dissídio com o nosso Diretor-Geral de Política Externa, o embaixador João Salgueiro, que me tinha obrigado a sair de casa, cerca da uma da manhã, para ajudar superar o problema - uma questão que, a esta distância, já esqueci qual era.

Javier também vinha desagradado com o lugar que lhe tinha sido dado à mesa do almoço. Reagi, bem humorado: “Hombre! Te quedaste a mi lado!” O problema dele era o facto de estar “menos bem” colocado do que Chris Patten, o comissário que tinha a seu cargo as Relações Externas: o eterno problema Conselho vs Comissão. E perguntou: “Agora, na reunião, fico à direita ou à esquerda do Jaime (Gama)?”. Disse-lhe, francamente, que não sabia. 

Chegámos à sala, fui para o lugar de Portugal (era Jaime Gama quem presidia à reunião, pelo que eu chefiava a nossa delegação). Vi o “sitting arrangement” da cabeceira do Conselho e constatei que Patten se sentava à direita de Gama. Olhei para o outro lado e lá estava Solana. Cruzou o olhar comigo, à distância, e levantou os braços ao céu, como que a exclamar: “Estás a ver isto?!”. Eu fiz um gesto com as mãos, de que nada podia fazer. E lá se fez a reunião dos chefes da diplomacia europeia. 

Acabou tudo em bem, creio eu!

quinta-feira, maio 06, 2021

 


Verdes, na Escócia


Era um domingo. Creio que foi em 1993. Perto de Glasgow. Numa bomba de gasolina, numa localidade pequena.

Atestei o depósito, entrei na loja, levei, de uma prateleira, o “Sunday Times Scotland” e fui pagar. Ao balcão, uma senhora, na casa dos (então meus também) quarenta, com uns olhos verdes. Deslumbrantes.

Chegado à porta, voltei atrás e disse à senhora, sem grande jeito para estas coisas: “Não vai levar a mal se eu lhe disser uma coisa? Tem uns olhos lindíssimos! É só isso que queria dizer-lhe!”.

Ela sorriu, levemente, e disse “Thank you!”

A minha dúvida é se ela tomou nota da matrícula, do nome no cartão de crédito, se isto pode ser considerado assédio e se o crime terá prescrito, não obstante eu poder invocar imunidade diplomática. Estou a brincar? Não, já não sei se estou a brincar!

“A Arte da Guerra”


Falamos da reunião entre a União Europeia e a Índia, das atribulações de Emmanuel Macron com os militares franceses e, finalmente, do modo como o papa Francisco está a gerir a transparência financeira do Vaticano.

Pode ver aqui.

Ser “benfiquista”!


Há muitos anos, num corredor das instalações do serviço do MNE que tratava da Europa comunitária, ali pela Visconde de Valmor, revelei que ia nessa noite à Luz ver um jogo internacional em que intervinha o Benfica. E saiu-me a frase: “Vamos lá ver se ajudamos os lampiões a passarem esta eliminatória!”. 

Vi então um jovem colega, o José Menezes Rosa, franzir o sobrolho e, sorridente, lançar com ar definitivo: “Um sportinguista nunca quer que o Benfica ganhe, em nenhuma circunstância!”

Anotei a doutrina. Não sei por onde anda no mundo, nos dias que correm, o meu bem mais jovem colega José Menezes Rosa. Mas gostava de saber. Apenas para lhe perguntar se, na tarde de hoje, no jogo entre o  clube da Luz e uma equipa do norte cujo nome agora me escapa, ele não vai ser um fervoroso “benfiquista”. Eu até as “papoilas saltitantes” vou cantar!

Sancho


Aqui por Lisboa, há alguns, poucos, restaurantes em que a moda quase não toca. Muitos dirão: e ainda bem! Um deles é o "Sancho", na Travessa da Glória. bem junto aos Restauradores. É um restaurante que conheço há várias décadas, que não aparece com frequência nos guias, que não anda nas bocas da crítica, mas onde, desde há muito, se pode encontrar uma cozinha sólida, sã, com uma qualidade constante que, não lhe conferindo um espaço de destaque nos Michelin & Cia, lhe garante um lugar na simpatia de muita gente que o frequenta, alguns com persistente e leal regularidade. Voltei lá, não há muito tempo, para um almoço de trabalho, com um amigo. Cheguei antes dele. Disse o seu nome e logo alguém ordenou: “Leva o senhor embaixador à mesa do senhor doutor...”. Como já lá não ia há uns tempos, tive de fazer “de conta” de que não fiquei surpreendido por me terem identificado (ou teria sido o meu amigo que alertou, como hipótese mais modesta). O almoço foi agradável e, a aquilatar pela lista que no início consultei, os preços estão numa escala de razoabilidade. Não posso dizer que saí esmagado de luxúria gastronómica, mas - com a franqueza com que digo sempre aquilo que penso dos locais que visito - posso dizer que fiquei satisfeito. Uma cozinha de restaurante para uso regular é aquilo mesmo: qualidade sustentada, serviço atencioso, cuidado com os clientes, tudo coisas que, nos tempos que correm, fico sempre contente por encontrar em Lisboa. Não sei quando vou voltar ao Sancho, mas, da próxima vez que andar pelo pelo fundo da Avenida da Liberdade, vou-me lembrar deste restaurante onde, pela primeira vez, nos anos 60, um tio que já lá vai há muito me levou a almoçar, numa primeira aprendizagem das mesas de uma Lisboa que, felizmente, ainda conseguimos reencontrar nos dias de hoje.

quarta-feira, maio 05, 2021

Pensem nisto!


O futuro e a nossa segurança passam por aqui.

Nunca interromper!


Por muitos anos, em Campo de Ourique, havia dois restaurantes cuja clientela se dividia bastante, ideologicamente. 

Os socialistas iam muito ao “Tachinho” (nada de graças, está bem?) e os social-democratas enchiam o “Comilão” (aqui, se quiserem fazer humor, façam favor!)

Talvez porque sou “do contra”, sempre fui um frequentador deste último e só raramente passava pelo primeiro. 

O “Comilão” é talvez o restaurante português a que o PSD pode chamar mais “a nossa casa”. Uma das suas paredes está cheia de fotografias de figuras gradas da constelação histórica social-democrata. Mas não só!

Um dia, recomendei a um amigo que fosse lá almoçar. Quando lhe perguntei que tal tinha sido a refeição disse-me: “Entrei cheio de apetite mas perdi-o logo, ao olhar a parede...”

Passos Coelho, que vivia perto, além de um grande amigo da casa, foi um seu frequentador regular. Mas encontrei por lá, ao longo dos muitos anos de cliente que também sou, uma miríade de gente do PSD. Não sendo dessa “freguesia” política, devo dizer que fui sempre muito bem tratado no “Comilão”, porque aquela é uma casa em que, no que toca a clientes, não há sectarismos!

Há mais de duas décadas, no meus anos de passagem pela política, gostava muitas vezes de almoçar por lá sozinho, com uma montanha de jornais e papelada para ler. Ia tarde, quando a maioria dos clientes já tinha zarpado. Os meus amigos Cardoso e Nelson (o primeiro, um sportinguista de raça, o segundo um lampião de carteirinha) arranjavam- me então duas mesas anexas, onde eu podia estender todo o meu “material”.

Numa dessas vezes, quiseram-me colocar junto de uma mesa onde estavam, num evidente “tête-à-tête” de conspiração, duas figuras muito importantes e muito conhecidas, ambos antigos e futuros ministros, do PSD. Na altura, o líder do PSD era o chefe da oposição ao governo de que eu fazia parte e sabia-se que a sua condução das hostes social-democratas estava longe de fazer a unanimidade (um velho hábito no PSD, como é sabido). A coreografia da conversa apontava para estarem a “cortar na casaca” do seu líder...

À entrada, eu tinha cumprimentado essas pessoas, que naturalmente conhecia, e procurava uma mesa adequada aos meus propósitos de leitura. O Cardoso, simpático, apontou-me um lugar, o qual, porém, logo notei que estava a “hearing distance” dos dois interlocutores da oposição. 

Eles, simpáticos e urbanos, sorriram, sem reagir, à ideia de me irem ter ali ao lado, preparando-se, pela certa, para terem de baixar o tom da conversa ou serem obrigados a modulá-la à luz do novo circunstancialismo. 

Eu tomei então a iniciativa de recusar o espaço que me era oferecido e, por forma a ser ouvido pelas duas figuras políticas, disse: “Muito obrigado, mas nessa mesa não pode ser. Não se estraga nunca uma boa conspiração contra um adversário...” Ambos riram e eu lá fui, para mais longe. 

Daqui a dias, tenciono regressar ao “Comilão”. Desta vez, espero poder comemorar uma coisa com o meu amigo Cardoso e receber os parabéns do meu amigo Nelson.

terça-feira, maio 04, 2021

País sem censo

Como já se previa, lá mudou a data para resposta ao Censo! Por que razão, neste país, quem cumpre os prazos vive sempre sobre pressão mas o lóbi dos incumpridores - por desleixo, por descaso, por se estarem “nas tintas” - consegue sempre uma boleia da vontade oficial?

Que medo! Vem aí o comunismo!


Este ano, em que celebra o seu centenário, está a ser de indiscutível glória para o PCP.

Uma paranóia bizarra de alguma direita anda por aí a relançar o "espetro" do comunismo. Podemos imaginar o que isto deve fazer rir, na sua tumba em Highgate, o velho Marx, o qual, curiosamente, comemoraria amanhã o dia em que veio ao mundo, lá por Trier ou Trèves, conforme queiram chamar à terra. Aliás, ele e o seu compincha Engels já tinham falado de como esse espantalho sempre assustava alguns, logo no primeiro parágrafo do seu célebre Manifesto.

O que é mais ridículo é que o tema, que se pensava que tinha caído fragorosamente com o muro, há uns anos, lá por Berlim, ressurja agora de forma caricata - apontando-se como modelos “de referência” o maluquinho dos mísseis da Coreia do Norte, o patético genérico de Chávez que, em fato de treino, atazana os venezuelanos ou os herdeiros empobrecidos dos reformados da Sierra Maestra, a quem o bloqueio americano ofereceu décadas de caribenho alento patriótico. Se o perigo vem dali...

Bem dizia o velho Karl que a História surge uma primeira vez como tragédia e uma segunda como farsa. O anti-comunismo, ao que se vê, também: andou em outros tempos pelo “Diário da Manhã” e pelo “Novidades” para acabar hoje no “ Observador”. Que maldade! Não se faz!

Alentejo desencantado

Há um país hipócrita que nasceu agora para a realidade das condições de vida miseráveis dos trabalhadores estrangeiros que trabalham nas estufas alentejanas. É escandaloso alguém vir manifestar surpresa perante uma questão que já nos envergonha há muitos anos.

O sal da vida

Gosto que o Sporting ganhe. Fico feliz pelo facto do meu clube ter conquistado um título internacional em futsal. Mas confesso que o futsal é uma modalidade que não me entusiasma minimamente. E também acho que não tenho de pedir desculpa por isso.

segunda-feira, maio 03, 2021

Então, nada?

“Então não publicas nada no teu blogue, hoje?”.

Já estava à espera disto, confesso. As novas tecnologias dão-nos uma vida impossível: três horas de Zoom de manhã, almoço a correr, gravação de um programa via Spype, uma reunião empresarial via Teams, ida à garagem (“a estimativa do conserto aponta para cerca de mil euros)”, duas horas a dar uma aula via Zoom, jantar à pressa e, agora, ir a uma reunião do outro lado da cidade servem de desculpa?

domingo, maio 02, 2021

Justiça

Nas redes sociais, houve uma acusação grave contra uma pessoa publicamente conhecida. Hoje, essa pessoa anunciou ter recorrido à Justiça, contestando a imputação que lhe foi feita. Num Estado de direito, uma acusação não é uma condenação. Deixemos que a Justiça decida.

Mãe

Alguém me fez notar, há tempos, algo que já me tinha ocorrido: naquilo que escrevo, refiro muitas vezes o meu pai e, muito raramente, a minha mãe. 

É uma verdade. Posso presumir que isso se deva ao facto de o meu pai ter sido uma pessoa com uma postura mais singular, mais afirmativa, mais “vocal” (no sentido anglo-saxónico), às vezes até mais cortante, na linha da tradição familiar que vinha da ala da família que era a sua. Lembro-me dos qualificativos que ele dava a algumas tipologias de comportamento, que nos ajudavam tão bem a perceber logo como alguém era. Como sobreviveu, por uns anos, à minha mãe, tendemos a concentrar ainda mais nele, e nas suas atitudes e ditos, a nossa atenção.

Não me recordo de ouvir algo de similar à minha mãe, a qual, no entanto, não deixava de ser uma personalidade bem forte e com imensa influência no curso de “funcionamento” da família, muito em especial junto do meu pai. Por isso, porque era mais dado a utilizar essas expressões - “isso é muito dos Costas”, ria-se a minha mãe -, ficaram-me, do meu pai, essas “citações”, que, às vezes, tendo a recriar no meu próprio estilo. 

Dela, da minha mãe, ficaram-me coisas essenciais, atitudes eternas de vida, ternuras que guardo, coisas que nem se escrevem. 

Hoje, dizem, é o dia das mães. Lembrei-me da minha, como me lembro todos os dias - e já lá vão 20 anos.

Deixo, como sua lembrança, e uma vez mais, este poema de Eugénio de Andrade que, quando o li, há uns poucos anos, me pareceu que lhe era dedicado:

Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte. 

Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos pousados nas últimas rosas
dos grandes e calmos dias de setembro.

Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?

Queria falar contigo,
Dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.

Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?

Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.

Turismo de família


Tenho uns familiares que estão a pensar comprar uma propriedade, algures no Alentejo, para aí instalar um “turismo rural”. O entusiasmo da família com o empreendimento está a ser tal que todos já prometem ir lá passar uns dias. 

Temo que venha a passar-se o que, nos anos 20, do século passado, aconteceu com umas tias, irmãs da minha avó materna, que, aproveitando o que tinham recebido de uma herança, instalaram, nas Pedras Salgadas, o “Hotel Colonial”, num tempo em que ir “para as águas” estava na moda. 

Ao que consta, toda a imensa a família se aprontou logo a lá ir passar férias - na época “alta”, claro. Não faço ideia que preços “especiais” foram praticados. Só sei que o empreendimento acabaria por se revelar um desastre, como negócio...

“Observare”


Aí está o “Observare” desta semana. Neste programa da TVI, sob a moderação de Pedro Bello Morais, com Carlos Gaspar e Luís Tomé, fazemos um bosquejo das questões do mundo, desde o “estado da arte” da presidência portuguesa da União Europeia ao discurso de Joe Biden, ao final dos primeiro 100 dias da sua presidência, abordando igualmente a questão de Cabo Delgado. Pela minha conta, sublinho as controvérsias que envolvem o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, bem com saúdo a decisão do Parlamento Europeu de suspender a imunidade diplomática a um criminoso grego, que se escudava por detrás de um partido neo-nazi.

Pode ver aqui.

Avisem-me, está bem?


Queria pedir o favor de me avisarem quando a ponte suspensa de Arouca deixar de ter visitantes. Nessa altura, quando puder passar por lá (aproveitarei, já agora, para ir almoçar ao “Parlamento” e encontrar, pela cidade, a nossa amiga Josefina e, se calhar, o Joaquim Brandão, como me aconteceu da última vez), gostaria de ter essa experiência. Mas não antes!

Faço parte de uma “raça”, por mania própria, que faz questão de “não ir” às novidades. 

Todos os anos, faço uma deliberada abstinência às aparições fílmicas. Quando surgem películas que estão escaladas para ou já tiveram Óscares, a minha reação automática é não as ver. Deixo passar - a sério! - um ano ou dois. Passo quase vergonhas nos “dinêrs en ville”, quando toda a gente já comenta um filme e eu, olimpicamente distante, digo: “Ainda não vi!”. Já olhei muitas caras espantadas a mirar-me de pasmo. A minha mulher vive menos bem com isto, porque há muito percebeu (ter começado a namorar comigo há 56 anos, dá para me conhecer já um pouquinho) que eu faço isto deliberadamente. E começa a irritar-se! Por este andar, daqui a vinte e tal anos, há uma crise no casamento!

Com a ficção literária, atuo da mesma forma. “O Nome da Rosa”, do Umberto Eco, é a minha coroa de glória. O filme, com o Sean Connery, saiu mesmo antes de eu ter lido o livro. Mesmo os que não tinham lido o livro já o comentavam, sempre comigo a deixar cair: “Já sei que é bom. Um destes dias leio!”. Um dia, li. Desde que a Elena Ferrante entrou na moda, eu coloquei-me à distância. Cá em casa, já passaram todos - mas todos! - os volumes e eu... nada! Já me tinha acontecido o mesmo com o “Memorial do Convento”: deixei passar dois anos sobre a edição, antes de o ler. Com os policiais nórdicos, foi a mesma coisa: eu ainda andava pelo Ellery Queen e pelo Dennis McShade e o pessoal cheio de ler sobre neve salpicada de sangue lá no cimo da Europa. Até na não-ficção isso se passa: o tempo que eu andei para ler o “Diplomacy”, do Kissinger! E ainda tenho em atraso, claro, todo o António Damásio. E tantas coisas mais!

Ultimamente, como quase deixei de ver televisão, a “snobeira” mudou de registo: só no dia 29 de abril li o (excecional!) discurso do presidente da República no 25 de abril (repito, um extraordinário discurso!). E tenho assim perdido, pelo menos no “timing” dito adequado, algumas outras coisas “imperdíveis”. Há um amigo, que me telefona quase todos os dias, que até hoje não entende como é que eu, com todas estas “falhas”, ainda consigo escrever nas redes sociais e na imprensa! 

Mas sou assim, que se há-de fazer! 

Há lá maior prazer do que encontrar um “finaço” do Porto e, perante a pergunta “O que é que achaste do Euskalduna?”, poder responder (a quem tem a ideia de que eu conheço ali desde a Badalhoca aos estrelados Michelin), com deliberada indiferença: “Nunca lá fui! Vale a pena?”

Há muitos anos, arrependi-me bastante desta atitude. Vivia no estrangeiro e, no Dona Maria, exibia-se o “Passa por mim no Rossio”. Eu adorava teatro de revista, como gosto imenso de fado (desde o chungoso ao aristocrático, com exceção do “Avenidas Novas” - um dia explico isto). Quando vinha a Lisboa, nunca havia bilhetes. Como não meto cunhas (quem alguma vez tiver recebido uma cunha minha pode escrever isso, em caixa alta, nos comentários), e aquilo continuava “na moda”, fui deixando passar a oportunidade. Até que a revista saiu de cena. Um dia contei isto ao José Bouza Serrano, que chefiava um gabinete de um governante com autoridade na noite lisboeta. Escandalizou-se: “Ó Francisco, podias ter dito! Arranjava-te, com gosto, dois bilhetes!”. Não pedi, perdi a revista. Dessa, não me perdoei!

Pronto(s)! Não gosto de ir às novidades! Era só isto que queria dizer. Ah! E pedir que me avisem quando aquilo em Arouca estiver “sem povo”!

sábado, maio 01, 2021

Notícias do fim do mundo

Um grande amigo contou-me que costumava dizer aos seus conhecidos estrangeiros que, se um dia se anunciasse o fim do mundo, uma maneira de se protegerem era virem viver para Portugal: cá, tudo chegava com dez anos de atraso! Hoje, ao ler algumas “ondas” que por aí andam, podemos concluir que o tempo de espera de certos ciclos se encurtou: as coisas chegam cá mais rapidamente. Só que o estilo de abordagem lusa do tema é como o bife, é “à moda da casa”.

Maduro e a democracia

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